ORIENTAÇÕES GERAIS
• O último Domingo da Quaresma tem diferentes nomes, sendo o mais conhecido o de Domingo de Ramos por causa da procissão que se faz, antes da Missa, com os ramos previamente benzidos. Chama-se igualmente Domingo das Flores, das Palmas; Domingo Hossana o ainda Páscoa florida pela mesma razão.
Outrora era denominado a Páscoa dos competentes, porque era neste dia que os catecúmenos, preparados ao longo da Quaresma, vinham, em conjunto, pedir o Baptismo que lhes seria administrado na solene Vigília Pascal, recitando agora o Símbolo dos Apóstolos (o Credo) que lhes havia sido explicado.
Chama-se ainda capitilavium por causa da ablução semi-litúrgica dos catecúmenos, festa que tinha lugar neste dia em algumas igrejas.
Também se diz Domingo da indulgência em virtude de neste dia começar a semana de reconciliação dos penitentes que receberiam o sacramento em Quinta-Feira Santa. Nesta semana os tribunais encerravam as portas bem como os demais serviços públicos e os imperadores concediam amnistia e remissão de penas. As Constituições Apostólicas explicam a finalidade deste descanso (VIII, 33): durante a grande semana que precede o dia de Páscoa e a que se segue, os escravos descansem visto que uma é a semana da Paixão do Senhor e outra a da Ressurreição e eles têm necessidade de ser instruídos nestes mistérios. Era assim, para eles, um retiro anual.
• Em todas as missas deste dia comemora-se a solene entrada de Jesus Cristo em Jerusalém, com procissão ou entrada solene antes da missa principal e com entrada mais simples antes de cada uma das outras missas.
• A entrada solene pode repetir-se mas não a procissão antes de uma ou outra missa que costuma ter grande afluência de fiéis (cf. Missal Romano, p. 51, n. 1).
A. COMEMORAÇÃO DA ENTRADA DO SENHOR EM JERUSALÉM
Primeira forma: Procissão
À hora marcada, reúnem-se todos numa igreja secundária ou noutro lugar apropriado fora da igreja para a qual se dirige a procissão. Os fiéis levam ramos na mão.
O sacerdote e o diácono, revestidos de paramentos vermelhos próprios da Missa, dirigem-se para o lugar onde o povo está reunido. O sacerdote, em vez da casula, pode levar o pluvial, que deporá terminada a procissão.
Entretanto, canta-se a antífona seguinte ou outro cântico apropriado.
Mt 21, 9
ANTÍFONA: Hossana ao Filho de David. Bendito o que vem em nome do Senhor, o Rei de Israel. Hossana nas alturas.
O sacerdote, ao chegar, saúda o povo na forma habitual. Depois exorta os fiéis a participarem activa e conscientemente na celebração deste dia, dizendo estas palavras ou outras semelhantes:
Com a celebração do Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor, iniciamos com toda a solenidade a Semana Santa, chamada também Semana Maior.
Unimos neste dia duas celebrações: a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, aclamado como o Messias por quem suspiraram os Patriarcas, os Profetas e todo o Povo de Deus, e a Paixão e Morte do Senhor.
Com os ramos de oliveira e de palmeira, símbolos da paz, aclamemo-l’O também como Rei pacífico que vem oferecer-nos a verdadeira paz.
Preparemo-nos também para O seguirmos na Sua Paixão e Morte, e com Ele e or Ele nos alegrarmos na Sua gloriosa Ressurreição.
Seguidamente, o sacerdote, de mãos juntas, diz uma das seguintes orações:
Oremos.
Deus eterno e omnipotente, santificai com a vossa + bênção estes ramos, para que, acompanhando a Cristo nosso Rei nesta celebração festiva, mereçamos entrar com Ele na Jerusalém celeste. Ele que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
R. Amen.
Ou:
Aumentai, Senhor, a fé dos que esperam em Vós e ouvi com bondade as nossas humildes súplicas, para que, aclamando com estes ramos a Cristo vitorioso, permaneçamos unidos a Ele e dêmos fruto abundante de boas obras. Ele que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
R. Amen.
Terminada a oração, asperge os ramos com água benta, sem dizer nada.
A seguir, faz-se a proclamação do Evangelho da entrada do Senhor, segundo o texto evangélico correspondente a cada um dos ciclos. Esta proclamação é feita do modo habitual pelo diácono, ou, na falta dele, pelo sacerdote.
Evangelho
São Mateus 21, 1-11
1Quando se aproximaram de Jerusalém e chegaram a Betfagé, junto ao Monte das Oliveiras, Jesus enviou dois discípulos, dizendo-lhes: 2«Ide à povoação que está em frente e encontrareis uma jumenta presa e, com ela, um jumentinho. Soltai-os e trazei-mos. 3E se alguém vos disser alguma coisa, respondei que o Senhor precisa deles, mas não tardará em devolvê-los». 4Isto sucedeu para se cumprir o que o profeta tinha anunciado: 5«Dizei à filha de Sião: ‘Eis o teu Rei, que vem ao teu encontro, humildemente montado num jumentinho, filho de uma jumenta’». 6Os discípulos partiram e fizeram como Jesus lhes ordenara: 7trouxeram a jumenta e o jumentinho, puseram-lhes em cima as suas capas e Jesus sentou-Se sobre elas. 8Numerosa multidão estendia as capas no caminho; outros cortavam ramos de árvores e espalhavam-nos pelo chão. 9E, tanto as multidões que vinham à frente de Jesus como as que O acompanhavam, diziam em altos brados: «Hossana ao Filho de David! Bendito O que vem em nome do Senhor! Hossana nas alturas!» 10Quando Jesus entrou em Jerusalém, toda a cidade ficou em alvoroço. «Quem é Ele?» perguntavam. 11E a multidão respondia: «É Jesus, o profeta de Nazaré da Galileia».
2 A povoação que está ai em frente é com certeza Betânia (cf. Mc 11, 1).
7 A jumenta e o jumentinho: Mateus desce até ao pormenor de falar não apenas do jumentinho, mas também da jumenta. Pretende sublinhar o cumprimento da letra da profecia citada (Zac 9, 9), mas a mãe do jumentinho facilitaria que este não se espantasse com a multidão e seguisse o caminho. A entrada dos peregrinos em Jerusalém fazia-se a pé. Jesus quer entrar a cavalo, desta vez. Até então, tinha querido evitar todas as homenagens messiânicas, mas quer agora mostrar-se como o Messias nesta última visita à cidade, entrando montado. Mas não quer fazer a sua entrada como um rei temporal, ou um general, montado num corcel, mas num jumentinho: uma lição de humildade, mesmo no momento de se manifestar como o Messias. Jesus não é um rei dominador, em concorrência com os poderosos da terra, mas o rei cheio de mansidão, o príncipe da paz. Compreende-se, então, como o povo tenha aclamado a Jesus e os seus inimigos se tenham indignado. Os Santos Padres viram nesta atitude de Jesus, ao cavalgar alternadamente sobre o jumentinho e a jumenta, um sinal: a jumenta, submetida ao jugo, representa o povo judeu sujeito ao jugo da Lei; o jumentinho figurava os gentios. A ambos Jesus vinha guiar até Jerusalém (a Igreja e o Céu).
9 «Hossana». Palavra hebraica que aqui tem um sentido de aclamação, correspondente ao nosso «viva!», e não uma mera prece, como indicaria a tradução literal do hebraico: «salva-nos, por favor, (ó Deus)».A saudação «Bendito o que vem em nome do Senhor» é tirada do Salmo 117 e dela se fazem eco todos os fiéis na Liturgia eucarística: «Bendito o que vem» (baruk habá) é ainda hoje a saudação de boas-vindas em Israel. De qualquer modo, estas palavras não são mera saudação, mas uma aclamação solene da realeza de Cristo.
Depois do Evangelho, conforme as circunstâncias, pode fazer-se uma breve homilia. A anunciar o começo da procissão, o sacerdote ou outro ministro idóneo pode fazer uma admonição, dizendo estas palavras ou outras semelhantes:
Imitemos, irmãos caríssimos, a multidão que aclamava Jesus na cidade santa de Jerusalém, e caminhemos em paz.
Inicia-se a procissão em direção à igreja onde é celebrada a Missa.
À frente vai o turiferário com o turíbulo aceso (se se usa o incenso); depois, no meio de dois ministros com velas acesas, o cruciferário com a cruz ornamentada; segue-se o sacerdote com os outros ministros: finalmente, os fiéis com os ramos na mão.
Á entrada da procissão na igreja, canta-se um cântico alusivo à entrada do Senhor.
V. Ao entrar o Senhor na cidade santa, as crianças de Jerusalém, com ramos de palmeira, anunciaram a ressurreição da vida, cantando alegremente:
R. Hossana nas alturas.
V. Quando o povo ouviu dizer que Jesus vinha para Jerusalém, saiu ao seu encontro com ramos de palmeira, cantando alegremente:
R. Hossana nas alturas.
Ao chegar ao altar, o sacerdote faz-lhe a devida reverência e, conforme as circunstâncias, incensa-o. Seguidamente, dirige-se para a sua cadeira (depõe o pluvial e veste a casula) e, omitindo tudo o mais, diz, como conclusão da procissão, a oração colecta da Missa. Terminada esta oração, a Missa continua na forma habitual.
B. MISSA
Depois da procissão ou da entrada solene, o sacerdote começa a Missa com a oração colecta. Omite-se, portanto, o acto penitencial.
Se há entrada simples, começa como vai indicado a seguir.
RITOS INICIAIS
ANTÍFONA DE ENTRADA: Seis dias antes da Páscoa, o Senhor entrou em Jerusalém e as crianças vieram ao seu encontro, com ramos de palmeira, cantando com alegria:
Hossana nas alturas. Bendito sejais, Senhor, que vindes trazer ao mundo a misericórdia de Deus.
Ou
Salmo 23, 9-10
Levantai, ó portas, os vossos umbrais, alteai-vos, pórticos antigos, e entrará o Rei da glória.
Quem é esse Rei da glória? O Senhor dos Exércitos, é Ele o Rei da glória.
Hossana nas alturas. Bendito sejais, Senhor, que vindes ao mundo trazer a misericórdia de Deus.
Introdução ao espírito da Celebração
A Liturgia deste Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor celebra dois mistérios da vida do Senhor:
• a entrada solene e triunfal de Jesus em Jerusalém, há momentos evocada;
• e a narração da Paixão e Morte do Redentor.
Se em cada Missa se renova o Mistério Pascal de Cristo – a Sua Paixão, Morte e Ressurreição – esta verdade está hoje mais viva dentro de nós, de algum modo, porque vai passar diante da nossa mente toda a profundidade do Seu sofrimento, preço do nosso resgate.
Esforcemo-nos por tomar parte na Paixão e Morte de Jesus para, com Ele, sermos conduzidos às alegrias da ressurreição final.
Acto penitencial (quando não se realiza a procissão)
S. Paulo ensina-nos – na Carta aos Romanos – que o pecado renova em nós a morte de Cristo. Pecar mortalmente é dar a morte ao Autor da Vida. Pecar venialmente é renovar todos aqueles tormentos que, sem Lhe dar a morte, O atormentaram.
Não queiramos, portanto, desculpar-nos, pensando que não temos pecados graves. Jesus recebeu na Sua Paixão muitas dores que não foram mortais e que, apesar disso, O fizeram sofrer.
Aceitemos a nossa condição de pecadores, não camuflando com desculpas as nossas derrotas e, cheios de confiança filial, peçamos humildemente perdão ao Senhor.
ORAÇÃO COLECTA: Deus eterno e omnipotente, que, para dar aos homens um exemplo de humildade, quisestes que o nosso Salvador se fizesse homem e padecesse o suplício da cruz, fazei que sigamos os ensinamentos da sua paixão, para merecermos tomar parte na glória da sua ressurreição. Ele que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
LITURGIA DA PALAVRA
Primeira Leitura
Monição: Cerca de 700 anos antes de Cristo, o profeta lsaías descreve a Paixão de Jesus com um realismo impressionante. Faz questão de chamar a nossa atenção para a fidelidade do Servo de Yavéh em cumprir a vontade do Pai e a sua confiança amorosa em Deus. Essa confiança salva-O, finalmente, e dá-lhe a vitória sobre os inimigos.
Animemo-nos, pois, a viver a fidelidade, ainda que exija de nós muitos sacrifícios.
Isaías 50, 4-7
4O Senhor deu-me a graça de falar como um discípulo, para que eu saiba dizer uma palavra de alento aos que andam abatidos. Todas as manhãs Ele desperta os meus ouvidos, para eu escutar, como escutam os discípulos. 5O Senhor Deus abriu-me os ouvidos e eu não resisti nem recuei um passo. 6Apresentei as costas àqueles que me batiam e a face aos que me arrancavam a barba; não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam. 7Mas o Senhor Deus veio em meu auxílio, e por isso não fiquei envergonhado; tornei o meu rosto duro como pedra, e sei que não ficarei desiludido.
O texto é tirado do II Isaías e corresponde aos primeiros 4 vv. do 3° poema do Servo de Yahwéh (Is 50, 4-9). Quem está a falar parece ser o próprio servo, embora não seja aqui nomeado, mas é o que se deduz do contexto imediato deste canto (v. 10). De qualquer modo, considera-se como a figura profética de Jesus Cristo. O texto consta de três estrofes iniciadas com a mesma fórmula (que a tradução não respeitou): «O Senhor Deus»; na primeira sublinha-se a docilidade de discípulo; na segunda, o sofrimento que esta docilidade acarreta; na terceira, a fortaleza no meio das dores.
4 Apresenta-se «a falar como um discípulo», embora não se trate de um discípulo qualquer; é um discípulo do Senhor (cf. Is 54, 13), instruído pelo próprio Deus, tal como dirá Jesus: «a minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou» (Jo 7, 16; cf. 14, 24).
5 «Não resisti nem recuei». Mesmo os maiores profetas e os maiores santos tiveram a consciência clara de opor alguma resistência, embora sem qualquer rebeldia, à acção de Deus, como Moisés e Jeremias (cf. Ex 3, 11; 4, 10; Jer 1, 6). Jesus, porém, identifica-se plenamente com a vontade do Pai (cf. Jo 4, 34; Lc 22, 42).
6 «Apresentei as costas àqueles que me batiam… não desviei o rosto daqueles que me insultavam e cuspiam». Os evangelistas hão-de deixar ver como o pleno cumprimento deste hino profético se deu no relato da Paixão do Senhor, particularmente Mt 26, 67; 27, 26-30; Mc 15, 19; Lc 22, 63-64…
Salmo Responsorial Sl 21 (22), 8-9.17-18a.19-20.23-24 (R. 2a)
Monição: O Salmo 21 que a Liturgia nos propõe exprime os sentimentos de um pobre abandonado e triste, que implora o auxílio de Deus. Foi esta a oração rezada por Jesus, momentos antes de morrer.
Façamos deste salmo também o tema do nosso diálogo com o Pai, confiados em que seremos, como Jesus Cristo o foi na Sua Ressurreição, salvos por Ele.
Refrão: MEU DEUS, MEU DEUS, PORQUE ME ABANDONASTES?
Todos os que me vêem escarnecem de mim,
estendem os lábios e meneiam a cabeça:
«Confiou no Senhor, Ele que o livre,
Ele que o salve, se é seu amigo».
Matilhas de cães me rodearam,
cercou-me um bando de malfeitores.
Trespassaram as minhas mãos e os meus pés,
posso contar todos os meus ossos.
Repartiram entre si as minhas vestes
e deitaram sortes sobre a minha túnica.
Mas Vós, Senhor, não Vos afasteis de mim,
sois a minha força, apressai-Vos a socorrer-me.
Hei-de falar do vosso nome aos meus irmãos,
hei-de louvar-Vos no meio da assembleia.
Vós, que temeis o Senhor, louvai-O,
glorificai-O, vós todos os filhos de Jacob, reverenciai-O, vós todos os filhos de Israel.
Segunda Leitura
Monição: S. Paulo transcreve provavelmente um hino que se cantava na Igreja primitiva. Nele é proclamado o mistério da Encarnação do Verbo, a humilhação de Jesus que apagou os sinais da Sua divindade, aparecendo revestido da nossa natureza mortal e, na Sua Paixão, coberto dos nossos opróbrios.
O caminho de Jesus é também aquele que todos somos chamados a seguir: pela humilhação da cruz à glória da Ressurreição.
Filipenses 2, 6-11
6Cristo Jesus, que era de condição divina, não Se valeu da sua igualdade com Deus, 7mas aniquilou-Se a Si próprio. Assumindo a condição de servo, tornou-Se semelhante aos homens. Aparecendo como homem,8humilhou-Se ainda mais, obedecendo até à morte e morte de cruz. 9Por isso Deus O exaltou e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes, 10para que ao nome de Jesus todos se ajoelhem no céu, na terra e nos abismos, 11e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai.
A leitura constitui um admirável hino à humilhação e exaltação de Cristo, um hino que muitos exegetas pensam ser anterior ao este escrito paulino; é a mais antiga confissão de fé explícita na divindade de Cristo que consta dos escritos do Novo Testamento.
6 «De condição divina». Literalmente: «existindo em forma de Deus». Ora esta forma (morfê) de Deus, ainda que não significasse directamente a natureza divina, pelo menos indicaria a glória e a majestade, atributos especificamente divinos na linguagem bíblica. De qualquer modo, como bem observa Heinrich Schlier, a expressão em forma de Deus não quer dizer que Deus tenha uma forma como a têm os homens, mas significa que Jesus «tinha um ser como Deus, um ser divino».
«Não se valeu da sua igualdade com Deus». Há diversas possibilidades de tradução desta rica expressão, segundo se considerar o termo grego harpagmós em sentido activo (roubo), ou em sentido passivo(coisa roubada). A Vulgata traduz: «não considerou uma usurpação (rapinam) o ser igual a Deus» (sentido activo). Segundo a interpretação dos Padres Gregos, a que se ateve a nossa tradução litúrgica (sentido passivo), teríamos: «não considerou como algo cobiçado (harpagmón) … Há quem pense que S. Paulo quer fazer ressaltar o contraste entre a atitude soberba dos primeiros pais que, sendo homens, quiseram vir a ser iguais a Deus (cf. Gn 3, 5.22), e a atitude humilde de Jesus que, sendo Deus, se quis fazer «semelhante aos homens» (v. 7).
7 «Mas aniquilou-se a si próprio», à letra, esvaziou-se: Jesus Cristo, ao fazer-se homem, não se despojou da natureza divina, mas sim da glória ou manifestação sensível da majestade que Lhe competia em virtude da chamada união hipostática (na pessoa do Filho eterno de Deus, a natureza humana e a natureza divina unidas numa união misteriosa). «Assumindo a condição de servo», o que não significa a condição social de escravo, mas a «forma» (morfê) de se conduzir própria de um ser pobre e dependente, cumprindo n’Ele a figura do «servo de Yahwéh», a que se refere a primeira leitura de hoje. «Tornou-se semelhante aos homens, aparecendo como homem», não apenas, como queria a heresia doceta, nas aparências (skhêmati), mas no sentido em que o homem é «semelhante» (en homoiômati) dos outros homens, em tudo igualexcepto no pecado (cf. Hebr 4, 15).
8 «Humilhou-se ainda mais, obedecendo até à morte e morte de cruz». Note-se como é posta em relevo esta obediência e aniquilamento – a kénosis – de Cristo, num sublime crescendo de humilhação em humilhação: feito homem, assume a condição de escravo, Ele obedece, e com uma obediência que vai até à morte, e não uma morte qualquer, mas a dum malfeitor, a morte de cruz – homem, escravo, malfeitor!
9-11 Mas este aniquilamento – o tremendo escândalo da Cruz – não foi uma derrota, o humilhante desfecho dum história trágica com que tudo acabou. Temos em paralelo o sublime paradoxo da sua «exaltação»: «por isso Deus – não Ele próprio, mas o Pai – O exaltou» de modo singularíssimo, à letra, acima de tudo o que existe, como o sugere a preposição hypér na composição do verbo hypsóein (exaltar). Esta exaltação deu-se com a glorificação da humanidade de Jesus na sua Ressurreição e Ascensão. A esta sublime exaltação corresponde o «Nome» que Lhe é dado por Deus, o mesmo nome com que passa a ser invocado pela multidão de todos os crentes em todos os tempos. Com efeito, já não se trata do simples nome de Jesus, um nome corrente com que era tratado na sua vida terrena e que consta da sentença que o condenou à morte de cruz, nem apenas o título da sua condição messiânica, «Cristo», pois o nome que agora Lhe compete é o mesmo nome com que o próprio Deus é designado no A. T.: «Kyrios-Senhor», nome divino, como consta da tradução grega de «Yahwéh». Desde agora, a todos pertence proclamar e reconhecer a divindade de Jesus – «toda a língua proclame que Jesus Cristo é Senhor» (mais expressivo sem artigo, como no original grego) – e o seu domínio sobre toda a criação, a saber: «no céu, na terra e nos abismos, para glória de Deus Pai» (A tradução da velha Vulgata neste ponto era pouco expressiva e deficiente: «que o Senhor Jesus Cristo está na glória de Deus Pai»).
Independentemente da discussão acerca do aniquilamento de que aqui se fala, se ele visa ou não directamente o mistério da Incarnação, fica bem claro que Jesus não é um simples servo do Senhor que vem a ser exaltado por Deus, pois Ele é Deus que se abaixa e depois vem a ser exaltado. Também fica patente que a fé na divindade de Jesus não é o fruto duma elaboração teológica tardia, pois a epístola é, quando muito, do ano 62, se não é mesmo de cerca de 55/56 (data mais provável), e, como dissemos, estes versículos fariam parte dum hino litúrgico a Cristo, anterior à epístola.
Aclamação ao Evangelho
Filip 2, 8-9
Monição: Preparemo-nos interiormente para ouvir a narração da Paixão e Morte de Jesus. Se nos parece longa, pensemos que Jesus no a ouviu proclamar, mas sofreu-a do princípio ao fim.
Aclamemos o Senhor que, pela Sua obediência até à morte na Cruz, nos abriu as portas do Céu.
Cristo obedeceu até à morte e morte de cruz. Por isso Deus O exaltou e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes.
Evangelho *
* O texto entre parêntesis pertence à forma longa e pode ser omitido.
Forma longa: Mateus 26, 14 – 27, 66; forma breve: Mateus 27, 11-54
N Naquele tempo, [14um dos doze, chamado Judas Iscariotes, foi ter com os príncipes dos sacerdotes 15e disse-lhes:
R «Que estais dispostos a dar-me para vos entregar Jesus?»
N Eles garantiram-lhe trinta moedas de prata. 16E a partir de então, Judas procurava uma oportunidade para O entregar. 17No primeiro dia dos Ázimos, os discípulos foram ter com Jesus e perguntaram-Lhe:
R «Onde queres que façamos os preparativos para comer a Páscoa?»
N 18Ele respondeu:
J «Ide à cidade, a casa de tal pessoa, e dizei-lhe: ‘O Mestre manda dizer: O meu tempo está próximo. É em tua casa que Eu quero celebrar a Páscoa com os meus discípulos’».
N 19Os discípulos fizeram como Jesus lhes tinha mandado, e prepararam a Páscoa. 20Ao cair da noite, sentou-Se à mesa com os Doze. 21Enquanto comiam, declarou:
J «Em verdade vos digo: Um de vós há-de entregar-Me».
N 22Profundamente entristecidos, começou cada um a perguntar-Lhe:
R «Serei eu, Senhor?»
N 23Jesus respondeu:
J «Aquele que meteu comigo a mão no prato é que há-de entregar-Me. 24O Filho do homem vai partir, como está escrito acerca d’Ele. Mas ai daquele por quem o Filho do homem vai ser entregue! Melhor seria para esse homem não ter nascido».
N 25Judas, que O ia entregar, tomou a palavra e perguntou:
R «Serei eu, Mestre?»
N Respondeu Jesus:
J «Tu o disseste».
N 26Enquanto comiam, Jesus tomou o pão, recitou a bênção, partiu-o e deu-o aos discípulos, dizendo:
J «Tomai e comei: Isto é o meu Corpo».
N 27Tomou em seguida um cálice, deu graças e entregou-lho, dizendo:
J «Bebei dele todos, 28porque este é o meu Sangue, o Sangue da aliança, derramado pela multidão, para remissão dos pecados. 29Eu vos digo que não beberei mais deste fruto da videira, até ao dia em que beberei convosco o vinho novo no reino de meu Pai».
N 30Cantaram os salmos e seguiram para o Monte das Oliveiras.
N 31Então, Jesus disse-lhes:
J «Todos vós, esta noite, vos escandalizareis por minha causa, como está escrito: ‘Ferirei o pastor e dispersar-se-ão as ovelhas do rebanho’. 32Mas, depois de ressuscitar, preceder-vos-ei a caminho da Galileia».
N 33Pedro interveio, dizendo:
R «Ainda que todos se escandalizem por tua causa, eu não me escandalizarei».
N 34Jesus respondeu-lhe:
J «Em verdade te digo: Esta mesma noite, antes do galo cantar, Me negarás três vezes».
N 35Pedro disse-lhe:
R «Ainda que tenha de morrer contigo, não Te negarei».
N E o mesmo disseram todos os discípulos. 36Então, Jesus chegou com eles a uma propriedade, chamada Getsémani e disse aos discípulos:
J «Ficai aqui, enquanto Eu vou além orar».
N 37E, tomando consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-Se e a angustiar-Se. 38Disse-lhes então:
J «A minha alma está numa tristeza de morte. Ficai aqui e vigiai comigo».
N 39E adiantando-Se um pouco mais, caiu com o rosto por terra, enquanto orava e dizia:
J «Meu Pai, se é possível, passe de Mim este cálice. Todavia, não se faça como Eu quero, mas como Tu queres».
N 40Depois, foi ter com os discípulos, encontrou-os a dormir e disse a Pedro:
J «Nem sequer pudestes vigiar uma hora comigo! 41Vigiai e orai, para não cairdes em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca».
N 42De novo Se afastou, pela segunda vez, e orou, dizendo:
J «Meu Pai, se este cálice não pode passar sem que Eu o beba, faça-se a tua vontade».
N 43Voltou novamente e encontrou-os a dormir, pois os seus olhos estavam pesados de sono. 44Deixou-os e foi de novo orar, pela terceira vez, repetindo as mesmas palavras. 45Veio então ao encontro dos discípulos e disse-lhes:
J «Dormi agora e descansai. Chegou a hora em que o Filho do homem vai ser entregue às mãos dos pecadores. 46Levantai-vos, vamos. Aproxima-se aquele que Me vai entregar».
N 47Ainda Jesus estava a falar, quando chegou Judas, um dos Doze, e com ele uma grande multidão, com espadas e varapaus, enviada pelos príncipes dos sacerdotes e pelos anciãos do povo. 48O traidor tinha-lhes dado este sinal:
R «Aquele que eu beijar, é esse mesmo. Prendei-O».
N 49Aproximou-se imediatamente de Jesus e disse-Lhe:
R «Salve, Mestre!»
N E beijou-O. 50Jesus respondeu- lhe:
J «Amigo, a que vieste?»
N Então avançaram, deitaram as mãos a Jesus e prenderam-n’O. 51Um dos que estavam com Jesus levou a mão à espada, desembainhou-a e feriu um servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha. 52Jesus disse-lhe:
J «Mete a tua espada na bainha, pois todos os que puxarem da espada morrerão à espada. 53Pensas que não posso rogar a meu Pai que ponha já ao meu dispor mais de doze legiões de Anjos? 54Mas como se cumpririam as Escrituras, segundo as quais assim tem de acontecer?»
N 55Voltando-Se depois para a multidão, Jesus disse:
J «Viestes com espadas e varapaus para Me prender como se fosse um salteador! Eu estava todos os dias sentado no templo a ensinar e não Me prendestes… 56Mas, tudo isto aconteceu para se cumprirem as Escrituras dos profetas».
N Então todos os discípulos O abandonaram e fugiram.
N 57Os que tinham prendido Jesus levaram-n’O à presença do sumo sacerdote Caifás, onde os escribas e os anciãos se tinham reunido. 58Pedro foi-O seguindo de longe, até ao palácio do sumo sacerdote. Aproximando-se, entrou e sentou-se com os guardas, para ver como acabaria tudo aquilo. 59Entretanto, os príncipes dos sacerdotes e todo o Sinédrio procuravam um testemunho falso contra Jesus para O condenarem à morte, 60mas não o encontravam, embora se tivessem apresentado muitas testemunhas falsas. Por fim, apresentaram-se duas 61que disseram:
R «Este homem afirmou: ‘Posso destruir o templo de Deus e reconstruí-lo em três dias’».
N 62Então, o sumo sacerdote levantou-se e disse a Jesus:
R «Não respondes nada? Que dizes ao que depõem contra Ti?»
N 63Mas Jesus continuava calado. Disse-Lhe o sumo sacerdote:
R «Eu Te conjuro pelo Deus vivo, que nos declares se és Tu o Messias, o Filho de Deus».
N 64Jesus respondeu-lhe:
J «Tu o disseste. E Eu digo-vos: vereis o Filho do homem sentado à direita do Todo-poderoso, vindo sobre as nuvens do céu».
N 65Então, o sumo sacerdote rasgou as vestes, dizendo:
R «Blasfemou. Que necessidade temos de mais testemunhas? 66Acabais de ouvir a blasfémia. Que vos parece?»
N Eles responderam:
R «É réu de morte».
N 67Cuspiram-Lhe então no rosto e deram-Lhe punhadas. Outros esbofeteavam-n’O, dizendo:
R 68«Adivinha, Messias: quem foi que Te bateu?»
N 69Entretanto, Pedro estava sentado no pátio. Uma criada aproximou-se dele e disse-lhe:
R «Tu também estavas com Jesus, o galileu».
N 70Mas ele negou diante de todos, dizendo:
R «Não sei o que dizes».
N 71Dirigindo-se para a porta, foi visto por outra criada que disse aos circunstantes:
R «Este homem estava com Jesus de Nazaré».
N 72E, de novo, ele negou com juramento:
R «Não conheço tal homem».
N 73Pouco depois, aproximaram-se os que ali estavam e disseram a Pedro:
R «Com certeza tu és deles, pois até a fala te denuncia».
N 74Começou então a dizer imprecações e a jurar:
R «Não conheço tal homem».
N E, imediatamente, um galo cantou. 75Então, Pedro lembrou-se das palavras que Jesus dissera: «Antes do galo cantar, tu Me negarás três vezes». E, saindo, chorou amargamente. 27, 1Ao romper da manhã, todos os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo se reuniram em conselho contra Jesus, para Lhe darem a morte. 2Depois de Lhe atarem as mãos, levaram-n’O e entregaram-n’O ao governador Pilatos. 3Então Judas, que entregara Jesus, vendo que Ele tinha sido condenado, tocado pelo remorso, devolveu as trinta moedas de prata aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos, dizendo:
R 4«Pequei, entregando sangue inocente».
N Mas eles replicaram:
R «Que nos importa? É lá contigo».
N 5Então arremessou as moedas para o santuário, saiu dali e foi-se enforcar. 6Mas os príncipes dos sacerdotes apanharam as moedas e disseram:
R «Não se podem lançar no tesouro, porque são preço de sangue».
N 7E, depois de terem deliberado, compraram com elas o Campo do Oleiro. 8Por este motivo se tem chamado àquele campo, até ao dia de hoje, «Campo de Sangue». 9Cumpriu-se então o que fora dito pelo profeta: «Tomaram trinta moedas de prata, preço em que foi avaliado Aquele que os filhos de Israel avaliaram 10e deram-nas pelo Campo do Oleiro, como o Senhor me tinha ordenado».]
N 11Entretanto,] Jesus foi levado à presença do governador, que lhe perguntou:
R «Tu és o Rei dos judeus?»
N Jesus respondeu:
J «É como dizes».
N 12Mas, ao ser acusado pelos príncipes dos sacerdotes e pelos anciãos, nada respondeu. 13Disse-Lhe então Pilatos:
R «Não ouves quantas acusações levantam contra Ti?»
N 14Mas Jesus não respondeu coisa alguma, a ponto de o governador ficar muito admirado. 15Ora, pela festa da Páscoa, o governador costumava soltar um preso, à escolha do povo. 16Nessa altura, havia um preso famoso, chamado Barrabás. 17E, quando eles se reuniram, disse-lhes:
R «Qual quereis que vos solte? Barrabás, ou Jesus, chamado Cristo?»
N 19Ele bem sabia que O tinham entregado por inveja. 20Enquanto estava sentado no tribunal, a mulher mandou-lhe dizer:
R «Não te prendas com a causa desse justo, pois hoje sofri muito em sonhos por causa d’Ele».
N Entretanto, os príncipes dos sacerdotes e os anciãos persuadiram a multidão a que pedisse Barrabás e fizesse morrer Jesus. 21O governador tomou a palavra e perguntou-lhes:
R «Qual dos dois quereis que vos solte?»
N Eles responderam:
R «Barrabás».
N 22Disse-lhes Pilatos:
R «E que hei-de fazer de Jesus, chamado Cristo?»
N Responderam todos:
R «Seja crucificado».
N 23Pilatos insistiu:
R «Que mal fez Ele?»
N Mas eles gritavam cada vez mais:
R «Seja crucificado».
N 24Pilatos, vendo que não conseguia nada e aumentava o tumulto, mandou vir água e lavou as mãos na presença da multidão, dizendo:
R «Estou inocente do sangue deste homem. Isso é lá convosco».
N 25E todo o povo respondeu:
R «O seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos».
N 26Soltou-lhes então Barrabás. E, depois de ter mandado açoitar Jesus, entregou-lh’O para ser crucificado. 27Então os soldados do governador levaram Jesus para o pretório e reuniram à volta d’Ele toda a coorte.28Tiraram-Lhe a roupa e envolveram-n’O num manto vermelho. 29Teceram uma coroa de espinhos e puseram-Lha na cabeça e colocaram uma cana na sua mão direita. Ajoelhando diante d’Ele, escarneciam-n’O, dizendo:
R «Salve, Rei dos judeus!»
N 30Depois, cuspiam-Lhe no rosto e, pegando na cana, batiam-Lhe com ela na cabeça. 31Depois de O terem escarnecido, tiraram-Lhe o manto, vestiram-Lhe as suas roupas e levaram-n’O para ser crucificado.
N 32Ao saírem, encontraram um homem de Cirene, chamado Simão, e requisitaram-no para levar a cruz de Jesus. 33Chegados a um lugar chamado Gólgota, que quer dizer lugar do Calvário, 34deram-Lhe a beber vinho misturado com fel. Mas Jesus, depois de o provar, não quis beber. 35Depois de O terem crucificado, repartiram entre si as suas vestes, tirando-as à sorte, 36e ficaram ali sentados a guardá-l’O. 37Por cima da sua cabeça puseram um letreiro, indicando a causa da sua condenação: «Este é Jesus, o Rei dos judeus». 38Foram crucificados com Ele dois salteadores, um à direita e outro à esquerda. 39Os que passavam insultavam-n’O e abanavam a cabeça, dizendo:
R 40«Tu, que destruías o templo e o reedificavas em três dias, salva-Te a Ti mesmo; se és Filho de Deus, desce da cruz».
N 41Os príncipes dos sacerdotes, juntamente com os escribas e os anciãos, também troçavam d’Ele, dizendo:
R 42«Salvou os outros e não pode salvar-Se a Si mesmo! Se é o Rei de Israel, desça agora da cruz e acreditaremos n’Ele. 43Confiou em Deus: Ele que O livre agora, se O ama, porque disse: ‘Eu sou Filho de Deus’».
N 44Até os salteadores crucificados com Ele O insultavam. 45Desde o meio-dia até às três horas da tarde, as trevas envolveram toda a terra. 46E, pelas três horas da tarde, Jesus clamou com voz forte:
J «Eli, Eli, lema sabachtani!»,
N que quer dizer: «Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonastes?» 47Alguns dos presentes, ouvindo isto, disseram:
R «Está a chamar por Elias».
N 48Um deles correu a tomar uma esponja, embebeu-a em vinagre, pô-la na ponta duma cana e deu-Lhe a beber. 49Mas os outros disseram:
R «Deixa lá. Vejamos se Elias vem salvá-l’O».
N 50E Jesus, clamando outra vez com voz forte, expirou.
N 51Então, o véu do templo rasgou-se em duas partes, de alto a baixo; a terra tremeu e as rochas fenderam-se. 52Abriram-se os túmulos e muitos dos corpos de santos que tinham morrido ressuscitaram; 53e, saindo do sepulcro, depois da ressurreição de Jesus, entraram na cidade santa e apareceram a muitos. 54Entretanto, o centurião e os que com ele guardavam Jesus, ao verem o tremor de terra e o que estava a acontecer, ficaram aterrados e disseram:
R «Este era verdadeiramente Filho de Deus».
N 55Estavam ali, a observar de longe, muitas mulheres que tinham seguido Jesus desde a Galileia, para O servirem. 56Entre elas encontrava-se Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e de José, e a mãe dos filhos de Zebedeu. 57Ao cair da tarde, veio um homem rico de Arimateia, chamado José, que também se tinha tornado discípulo de Jesus. 58Foi ter com Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus. E Pilatos ordenou que lho entregassem.59José tomou o corpo, envolveu-o num lençol limpo 60e depositou-o no seu sepulcro novo que tinha mandado escavar na rocha. Depois rolou uma grande pedra para a entrada do sepulcro, e retirou-se. 61Entretanto, estavam ali Maria Madalena e a outra Maria, sentadas em frente do sepulcro. 62No dia seguinte, isto é, depois da Preparação, os príncipes dos sacerdotes e os fariseus foram ter com Pilatos 63e disseram-lhe:
R «Senhor, lembrámo-nos do que aquele impostor disse quando ainda era vivo: ‘Depois de três dias ressuscitarei’. 64Por isso, manda que o sepulcro seja mantido em segurança até ao terceiro dia, para que não venham os discípulos roubá-lo e dizer ao povo: ‘Ressuscitou dos mortos’. E a última impostura seria pior do que a primeira».
N Pilatos respondeu:
R 65«Tendes à vossa disposição a guarda: ide e guardai-o como entenderdes».
N 66Eles foram e guardaram o sepulcro, selando a pedra e pondo a guarda.
A parte da vida de Jesus relatada mais pormenorizadamente por todos os Evangelistas é a sua Paixão, pois culmina a vida e obra redentora de Cristo. Os padecimentos colossais que o Senhor abraçou voluntariamente põem em evidência do modo mais significativo tanto o seu amor infinito para com todos e cada um de nós (cf. Gál 2, 20), como a tremenda gravidade dos nossos pecados (cf. Gál 1, 4). Os estudiosos pensam que foi a parte do Evangelho que tomou a forma definitiva escrita mais cedo.
N.B. – Podem ver-se mais comentários sobre a Paixão do Senhor, em Sexta-Feira Santa.
15 A traição de Judas causa-nos um grande desconcerto. Não teria chegado a entender a missão espiritual de Jesus e, como era interesseiro, oportunista e sem amor sincero, ao pressentir o que considerava um fracasso da missão do Mestre, tentou tirar o máximo rendimento da situação: antes que viesse a ser incomodado por ser discípulo de Jesus, passou para o grupo dos inimigos e, como também é hábil, negoceia a traição para tirar dela todo o lucro. O dinheiro da traição foram trinta moedas de prata. Em nenhum sítio se diz que eram 30 dinheiros: tanto se podia tratar da moeda romana (denário), como da grega (estáter), ou da moeda do Templo (siclo). Daqui que é difícil de calcular o preço da traição na moeda actual; de qualquer modo não iria muito além de 10 euros.
17 Durante os sete dias que duravam as festas da Páscoa comia-se pão sem fermento (ázimo), em memória do pão que os israelitas cozeram apressadamente ao fugir da escravidão do Egipto (cf. Ex 12, 34).
18 Os encarregados de preparar a Ceia pascal, em que se comia um cordeiro sacrificado no Templo, foram Pedro e João (Lc 22, 8-13; cf. Mc 14, 12-16) a quem Jesus deu indicações precisas: seria na casa de um homem que encontrariam com uma bilha de água. É natural que Jesus já tivesse falado a esse homem no assunto e que ele fosse conhecido dos Apóstolos. Talvez Jesus tivesse querido evitar que Judas ficasse a conhecer o local da Ceia para que este não o fosse indicar aos inimigos que poderiam aproveitar esta ocasião para O prenderem.
25 A resposta positiva à pergunta de Judas passa despercebida aos restantes Apóstolos (cf. Jo 13, 26-29). Isto mostra a delicadeza de Jesus, bem como a sua vontade de tocar o coração empedernido de Judas e também a firme decisão que Jesus tinha de ir para a morte: se os demais soubessem que Judas ia consumar a traição, tê-lo-iam impedido. Ainda que Jesus vá para a morte porque quer, isto em nada diminuiu a responsabilidade do traidor (v. 24).
26-29 Podem ver-se os comentários à 2.ª leitura de Quinta-Feira Santa.
30 Referência aos Salmos que então se rezavam: 113-118.
31-35 Jesus mostra que sabe tudo o que vai acontecer. O aviso a Pedro de que iria negar o Mestre não evitou a sua estrondosa queda, porque lhe faltou humildade. O Senhor permitiu aquela humilhação de Pedro para que o Chefe da Igreja fosse grande pela humildade e para lição de todos nós. Comenta S. João Crisóstomo: «Aprendemos daqui uma grande verdade, a saber, que não é suficiente o desejo do homem, a não ser que se apoie na ajuda de Deus».
36-46 Temos aqui uma das páginas mais impressionantes e misteriosas do Evangelho. Jesus podia ter dominado perfeitamente o ímpeto da emoção da sua sensibilidade finíssima. No entanto, deixa que ela reaja na proporção da gravidade da hora. Desta maneira revela-se como homem em tudo igual a nós (excepto no pecado) e aparece-nos como modelo que pode ser imitado por nós, que não temos o perfeito domínio da sensibilidade. Assim o Senhor nos aparece estendido por terra (v. 39) e sentindo uma angústia tão profunda que se queixa dizendo que sente uma tristeza de morte, suando sangue (Lc 22, 44), precisando de buscar apoio nos mais íntimos para consolo da sua dor e solidão. Jesus diz a Pedro, Tiago e João que fiquem perto, mas, por delicadeza, não os quer impressionar com a sua agonia, por isso se afasta deles na distância de um tiro de pedra (Lc 22, 41). Pede-lhes que velem e rezem não só para Lhe servirem de companhia e apoio humano, mas também para terem a coragem de se portarem bem, à altura da tremenda hora que se avizinha. Ainda que eles tenham podido ouvir algumas palavras da oração do Senhor, não se aperceberam perfeitamente do que se passava com Jesus, aliás não se teriam deixado adormecer; é, pois, natural que só depois da Ressurreição tenham ficado a saber os pormenores da oração do Senhor no Getsemani, quando Ele lhos tenha contado.
35 «Passe de mim este cálice». Não obstante a perfeita identificação da própria vontade humana de Jesus com a sua vontade divina, a mesma vontade do Pai – «não se faça como Eu quero, mas como Tu queres» –, a viva repugnância da finíssima sensibilidade de Jesus pelos iminentes martírios da Sua Paixão leva-O a falar assim.
«Cálice» significa no Antigo Testamento a ira divina que faz cair a dor sobre os pecadores (cf. Is 51, 17.22; Jer 25, 15; Lam 4, 21; Ez 23, 33; Sal 75 (74), 9). Jesus não é pecador, mas esta mesma imagem sugere a «expiação vicária»: Jesus sofre uma dor expiatória dos pecados da Humanidade (cf. 2 Cor 5, 21; Is 53, 1-12). O motivo da agonia de Jesus parece ser, antes de mais, a antevisão da sua Paixão e Morte na cruz, mas juntava-se a isto um motivo de dor não de menos importância e que facilmente podemos adivinhar: a visão da maldade e ingratidão humana, a falta de correspondência a tão grande excesso do amor de Deus pelas criaturas, o abandono e adormecimento dos mais íntimos, etc.
45 «Dormi agora e descansai». Costumam entender-se estas palavras de Jesus como uma censura com certa ironia. Porém estas palavras poderiam indicar uma certa condescendência para com a fraqueza dos Apóstolos, ao dar-lhes tempo de repouso antes de começar o drama da sua prisão.
49 Na escuridão da noite (embora houvesse Lua cheia, havia as sombra das árvores), convinha um sinal para que os encarregados de prender a Jesus atacassem de surpresa. Judas escolheu o sinal mais discreto e mais velhaco: um sinal de afeição e cortesia como manifestação da traição. A tão monstruosa vilania, Jesus corresponde com enorme delicadeza, deixando uma porta aberta ao arrependimento, ao tratar o traidor por «amigo»; assim nos ensina a respeitar e a tratar com caridade os nossos inimigos.
53 «Uma legião» era um efectivo militar com mais de 6.000 homens.
57-58 Jesus comparece perante as autoridades judaicas. Este julgamento não sabemos se foi feito em duas ou três sessões: S. João fala da comparência do Senhor perante Anãs, sogro de Caifãs e sumo sacerdote deposto, que conservava grande preponderância (Jo 18, 19-24); S. Lucas fala da sessão oficial do Sinédrio, de manhã, em que é dada a sentença (Lc 22, 66-67), relato que coincide com a sessão nocturna perante Caifãs contada aqui por S. Marcos. Como S. Mateus (que coincide com S. Marcos) fala de uma outra sessão depois de amanhecer (Mt 27, 1), ou houve três sessões ou então teremos de supor que S. Mateus, por motivos redaccionais, simplificou as coisas, atribuindo a uma sessão nocturna o que se passou na sessão diurna.
61 O depoimento das testemunhas era deturpado, pois Jesus não tinha dito «posso destruir o Templo», mas «desfazei este Templo» e referindo-se ao seu corpo (Jo 2, 19).
63-65 Jesus cala-se perante as falsas acusações, mas fala agora quando tem de dar testemunho da sua missão, embora isto Lhe acarreta a morte. E fá-lo aplicando a si dois textos bíblicos considerados como referidos ao Messias: Salm 109 (110), 1 e Dan 7, 13. De acordo com o uso respeitoso de evitar pronunciar o nome inefável de Jahwéh, diz «à direita do Todo-Poderoso», (v. 64). O Senhor é condenado por blasfémia: não por se declarar o Messias, mas por declarações com que se situava num nível divino.
70-75 As negações de Pedro. A fé de Pedro que Jesus louvara (Mt 16, 17) tem de suportar uma dura prova (cf. Lc 22, 31-32). O rápido desenlace dos acontecimentos deixara Pedro desconcertado e sem força para reagir e confessar o seu Mestre: se Ele lhe mandara arrumar a espada quando O tentava defender (Mt 26, 52), que lhe restava fazer agora por Jesus? Um homem tão impulsivo como Pedro não se resignava a seguir Jesus até à morte sem lutar. Pedro sentia-se atordoado e confuso: quando vê que os seus planos humanos de defesa falharam tem a grande fraqueza de negar insistentemente o Mestre e com juramento, esquecendo os insistentes protestos de fidelidade pouco antes feitos (v. 35). Mas, se foi grande o seu pecado, também foi profundo o seu arrependimento, merecendo da misericórdia do Senhor não vir a ser rejeitado como chefe da sua Igreja.
27, 3-5 O desespero de Judas. Judas também se arrepende, mas o seu arrependimento não é uma conversão, um regresso para Deus; é um fechar-se na sua miséria e na sua soberba ferida pelo remorso. Judas desespera porque não sabe confiar na misericórdia infinita de Deus. A sua soberba não o deixa voltar atrás, pedir perdão a Deus e ir ao encontro dos seus irmãos, os Apóstolos.
9 O Evangelista sublinha que se cumpre o que estava previsto por Deus: não era uma fatalidade inexorável ou um fracasso de Jesus. A citação de Jeremias (32, 6-9) é completada com um oráculo doutro profeta (Zac 11, 12-13).
11-31 Jesus no tribunal do governador romano. O recurso à autoridade romana tornava-se necessário para que se pudesse levar a cabo legalmente a morte de Jesus, coisa que não estava nas atribuições do Sinédrio. Pilatos foi governador (præfectus) na Palestina de 26 a 36 d. C. Vivia habitualmente em Cesareia, mas encontrava-se então em Jerusalém para estar mais atento aos movimentos dos judeus por ocasião das festas da Páscoa. Era cruel e odiava os judeus, não perdendo ocasião de os humilhar. Devia estar ao par da actuação de Jesus, que consideraria inofensiva para a causa do império. O processo diante de Pilatos é contado mais detalhadamente por S. João. Aqui apenas temos umas pinceladas pouco conexas. Não é acusado de culpas no campo religioso, mas de ser um elemento perigoso para o domínio romano.
24 O gesto hipócrita de Pilatos com que pretende justificar a sua cobardia pode explicar-se por um certo medo supersticioso de vir a sofrer más consequências da sua iníqua sentença, demais que a sua mulher tinha tido um pesadelo de mau presságio (v. 21): lavar as mãos teria o sentido mágico de afastar de si qualquer castigo divino.
26 A flagelação foi mais um expediente de Pilatos para evitar a morte de Jesus (Jo 19, 1.5.14). S. Mateus não desce a este detalhe do processo de Jesus diante de Pilatos; limita-se a referir este crudelíssimo suplício, que era habitual para a vítima destinada à crucifixão.
27 A companhia, ou «coorte», constava de uns 625 soldados recrutados entre a gente não judia que morava na Palestina; estavam aquartelados permanentemente em Jerusalém, na torre Antónia ao lado do Templo, às ordens do governador romano.
32 Simão de Cirene. Este cireneu é um estranho que é forçado a levar a cruz de Jesus (talvez só o pau transversal. segundo era costume, pois o poste vertical já estaria erguido no lugar da execução). É de fazer pensar a solidão de Jesus: não tem um amigo, um discípulo, um beneficiário dos seus milagres que apareça para O ajudar a levar a Cruz. Este serviço de Simão de Cirene há-de ser bem recompensado, pois os seus dois filhos, Alexandre e Rufo. hão-de vir a tornar-se cristãos dignos de especial menção (cf. Mc 15, 21; Rom 16, 13).
34 Provou, mas não quis beber. Costumava ser oferecida aos que iam ser crucificados uma mistura de vinho com mirra, para lhes acalmar as terríveis dores. Jesus, por delicadeza e deferência, provou, mas não quis beber, para poder sofrer conscientemente todas as dores por nós.
35 Cf. Sal 21 (22), 19.
45 Com estas palavras do Salmo 21 (22), 2, o Senhor deixa-nos ver toda a magnitude do seu sofrimento físico e moral. Não são palavras de desespero ou protesto, mas uma oração de desabafo, com que mostra como sofre no máximo grau de intensidade a sua alma e o seu corpo, mas numa atitude de abandono, pois este é o tom do Salmo, que Jesus rezaria inteiro e não apenas o 1º versículo.
51 O véu do Templo era um cortinado que separava, no santuário, o Santo do Santo dos Santos. Este rasgar-se significa que, a partir da morte de Jesus, ficam abertas para todos os homens as portas do Céu (cf. Hebr 9, 15) e também que acabou a Antiga Aliança dando lugar à Nova, selada com o sangue de Cristo. Os sinais prodigiosos que acompanham a morte de Jesus atestam a transcendência do que se passa no momento: não morre mais um homem qualquer, é o Filho de Deus que morre, redimindo a Humanidade pecadora.
52-53 Passagem muito difícil de interpretar e sobre cujo sentido nunca houve acordo. Cristo foi certamente o primeiro a ressuscitar (1 Cor 15, 20; Col 1, 18), por isso haverá que distinguir dois factos: a abertura dos túmulos (talvez devida ao tremor de terra) e a ressurreição de muitos santos que só teria vindo a dar-se depois da ressurreição de Jesus (v. 53). No v. 52 S. Mateus, não se fixando na ordem dos acontecimentos, adianta a referência à ressurreição, como se dissesse: «e muitos corpos dos santos que tinham morrido vieram a ressuscitar». Esta falta de atenção à ordem dos factos narrados é frequente em S. Mateus.
62-66 A guarda do sepulcro. As medidas de segurança tomadas pelos inimigos de Jesus vão ser mais uma prova do facto da Ressurreição. Estas precauções têm toda a credibilidade: compreende-se que tenham sido tomadas só no sábado, pois a sepultura tinha tido lugar no fim de sexta-feira e com a intervenção de um homem influente, José de Arimateia; também é crível que os inimigos de Jesus tivessem qualquer referência à ressurreição a partir do anunciado sinal de Jonas (Mt 12, 40), embora fosse só do conhecimento dos Apóstolos o tríplice anúncio da Paixão, Morte e Ressurreição. Por mais descabida que parecesse a Pilatos a preocupação dos chefes judeus, ele bem poderia ter acabado por destacar os seus soldados para guardarem o túmulo.
Sugestões para a homilia
– O triunfo de Cristo pela Cruz
O triunfo na humildade
As armas do sofrimento
A fidelidade
– A Paixão de Jesus, prova de Amor supremo
Lição e prova de Amor
O caminho da Cruz
Caminho de glorificação
Introdução
Com a entrada triunfal em Jerusalém, como tinha sido profetizada, Jesus apresenta-Se como o Messias para o qual apontam todas as profecias do Antigo Testamento. Depois da Sua vinda, nada mais temos a esperar.
1. O triunfo de Cristo pela Cruz
a) O triunfo pela humildade. Com toda a clareza possível, Jesus desfaz o sonho triunfalista dos Seus conterrâneos. Esperavam um rei que se apresentasse revestido de glória e poder. Viria restaurar a grandeza e o esplendor perdidos de Israel, reduzindo as nações vizinhas à sua obediência.
É também verdade que um «pequeno resto» já tinha arrumado estes sonhos inúteis mas, na prática, era isto que esperavam. Quando Pedro ouve Jesus falar da Sua paixão, chama-O à parte, para O demover deste propósito; a mãe dos filhos de Zebedeu pede para eles um lugar de relevo no reino; e Jesus surpreende os Apóstolos a discutir entre si qual deles era o maior, o mais importante no reino.
No é também este o sonho que acalentamos acerca da situação da Igreja no mundo? No estamos à espera de triunfalismos dela que reduzam ao silêncio e à inacção os seus adversários, enquanto, de fora, contemplamos e aplaudimos, felizes, a vitória dela? No falamos com tanta frequência no triunfo de sabor mundano?
Jesus apresenta-Se humildemente montado num jumentinho, e no num luxuoso cavalo bem ajaezado; no ostenta quaisquer insígnias que lembrem a Sua realeza. Vem, como sempre, revestido de simplicidade e humildade e pede que a Igreja O imite.
b) As armas do sofrimento. Isaías apresenta o Servo do Yhaveh – figura do Messias profetizado – triunfando pelo sofrimento, pela paciência e pela mansidão.
No trava com ninguém uma luta corpo a corpo, porque no é este o caminho que o Pai escolheu. Alcançará o triunfo pelo Amor sem limites.
Com toda a paciência, sem voltar o rosto, desarma os Seus adversários, que esperavam enfrentar dificuldades. O seu ouvido atento vai recolhendo o que o Senhor lhe manda.
Nós, porém, somos tentados a fazer da fuga a tudo o que exige de nós sacrifício o ideal da nossa vida e uma táctica de combate. Por este caminho no chegaríamos nunca, com Jesus Cristo, ao Calvário e, por ele, à glorificação eterna.
c) A fidelidade. É a grande lição do caminho da Cruz. Ao terminá-lo, Jesus pode exclamar: «Tudo está consumado!»
Tal como fora profetizado no servo de Yhaveh, Jesus não volta o rosto para Se esquivar aos golpes, no Se retrai perante o sofrimento, mas leva até ao fim, com divina fidelidade, os desígnios do Pai.
Este caminhar a direito segundo a vontade de Deus, sem desvios nem paragens nos deveres, sem recuos, também quando a fidelidade no é aplaudida, é o ideal cristão.
A mensagem da Paixão de Jesus tem uma actualidade especial para os nossos dias em que muitos sonham com um cristianismo sem renúncias, sem mandamentos nem dificuldades.
2. A Paixão de Jesus, prova de Amor supremo
Perante o desconcerto dos Apóstolos, dos discípulos e também do nosso, Jesus entrega-Se à Paixão e Morte. É a passagem obrigatório pelo túnel que dá para a glorificação final, pela Ressurreição.
a) Lição e prova de Amor. Jesus anunciara: «Ninguém tem mais amor do que aquele que dá a sua vida pelo irmão.»
Um só acto de amor ao Pai seria sido suficiente para nos resgatar, porque tem valor infinito. Por que nos dá então esta grandiosa lição de sofrimento generoso?
Nunca vislumbraremos até ao fim os desígnios de Deus. Mas a nossa limitada inteligência pode ver nisto a pedagogia de Deus. Este era o único modo de nos fazer entender o Seu Amor por nós.
Também nisto somos o oposto de Deus. Como regra, tentamos reduzir a nossa generosidade ao mínimo indispensável.
Também com isto combateu a nossa tendência doentia para banalizar o pecado. Tremendo deve ser, para pedir uma tal reparação.
b) O caminho da Cruz. É também o nosso caminho. Quer queiramos, quer no, caminhamos de cruz aos ombros e devemos levá-la com generosidade. É constituída pelas nossas limitações de criaturas, pela incompatibilidade de feitios dos que vivem connosco, pelas doenças, contradições e tantas outras coisas que nos fazem sofrer.
Nenhuma perspectiva de sofrimento nos autoriza a recuar na vida cristã, desviando-nos para o caminho da cobardia, da fuga ao que exige sacrifício.
Seguindo este mesmo caminho, muitos irmãos nossos caminharam até ao martírio. Basta pensar num S. Tomás Moro decapitado pela sua fidelidade à fé; em Santa Maria Goretti, para se manter fiel ao sexto e nono mandamentos; aos milhares de mártires da guerra civil espanhola e a tantos outros.
Por ele têm seguido os santos de todos os temos, sem recuos estratégicos, nem cedências a caprichos humanos, na realização fiel da vontade de Deus.
Podem faltar-nos a coragem e a força, mas havemos de contar com Deus, se Lhe pedirmos ajuda com humildade.
c) Caminho de glorificação. O caminho do cristão está cheio de exigências desconcertantes.
Como é possível, optando pela cruz, alcançar a felicidade que tanto desejamos? À nossa frente vai Jesus Cristo, com a Cruz aos ombros, dizendo-nos, com a palavra e com o exemplo, que este é o verdadeiro caminho para sermos felizes.
Como podemos conquistar amigos e atraí-los ao caminho da salvação eterna, se nos opomos aos seus desejos e convites?
Gostamos instintivamente de ser simpáticos, conquistar amores para edificar uma família. No é conspurcando-nos na lama da impureza, pactuando com injustiças e mentiras, que alcançaremos a amizade de todos.
A celebração da Eucaristia – renovação do mistério pascal de Cristo – é a lembrança perene deste caminho de felicidade que havemos de seguir.
É uma celebração de todo o Corpo Místico, tendo Jesus como Cabeça e Sumo Sacerdote. Todos nós estamos envolvidos, como sacerdotes e vítimas, neste único sacrifício aceite pelo Pai, para nossa Redenção. Participemos nele com uma consciência cada vez mais profunda.
Sigamos o exemplo de Maria Santíssima, contemplando, em silêncio, o mistério da Cruz do Salvador.
Fala o Santo Padre
MENSAGEM DO PAPA BENTO XVI PARA A XXIII JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE
Prezados jovens
1. A XXIII Jornada Mundial da Juventude
Recordo sempre com grande alegria os vários momentos transcorridos juntos em Colónia, em Agosto de 2005. No final daquela inesquecível manifestação de fé e de entusiasmo, que permanece impressa no meu espírito e no meu coração, marquei encontro convosco para a próxima reunião que terá lugar em Sydney em 2008. Será a XXIII Jornada Mundial da Juventude e terá como tema: «Ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós e sereis minhas testemunhas» (Act 1, 8). O fio condutor da preparação espiritual para o encontro de Sydney é o Espírito Santo e a missão. Se em 2006 parámos para meditar sobre o Espírito Santo comoEspírito de verdade, em 2007 procuramos descobri-lo mais profundamente, como Espírito de amor, para nos encaminharmos depois rumo à Jornada Mundial da Juventude de 2008, reflectindo acerca do Espírito de fortaleza e testemunho, que nos dá a coragem de viver o Evangelho e a audácia para o proclamar. Por isso, é fundamental que cada um de vós, jovens, na comunidade e com os educadores, possa reflectir sobre este Protagonista da história da salvação, que é o Espírito Santo ou Espírito de Jesus, para alcançar estas altas finalidades: reconhecer a verdadeira identidade do Espírito, em primeiro lugar ouvindo a Palavra de Deus na Revelação da Bíblia; tomar uma consciência límpida da sua presença contínua e activa na vida da Igreja, em particular redescobrindo que o Espírito Santo se põe como «alma», sopro vital da própria vida cristã, graças aos sacramentos da iniciação cristã Baptismo, Confirmação e Eucaristia; tornar-se assim capaz de amadurecer uma compreensão de Jesus cada vez mais profunda e alegre e, contemporaneamente, de realizar uma prática eficaz do Evangelho no alvorecer do terceiro milénio. Com esta mensagem, ofereço-vos de bom grado um percurso de meditação para aprofundar ao longo deste ano de preparação, no qual verificar a qualidade da vossa fé no Espírito Santo, reencontrá-la se foi perdida, revigorá-la se está debilitada e saboreá-la como companhia do Pai e do Filho Jesus Cristo, precisamente graças à obra indispensável do Espírito Santo. Nunca esqueçais que a Igreja, aliás a própria humanidade, a que vos circunda e a que vos aguarda no futuro, espera muito de vós, jovens, porque tendes em vós o dom supremo do Pai, o Espírito de Jesus.
2. A promessa do Espírito Santo na Bíblia
A escuta atenta da Palavra de Deus a respeito do mistério e da obra do Espírito Santo introduz-nos em conhecimentos vastos e estimulantes, que resumo nos seguintes pontos.
Pouco antes da sua ascensão, Jesus disse aos discípulos: «Eu vou mandar sobre vós o que meu Pai prometeu» (Lc 24, 49). Isto realizou-se no dia do Pentecostes, quando eles estavam reunidos em oração no Cenáculo com a Virgem Maria. A efusão do Espírito Santo na Igreja nascente foi o cumprimento de uma promessa de Deus, muito mais antiga, anunciada e preparada em todo o Antigo Testamento.
Com efeito, desde as primeiras páginas a Bíblia evoca o espírito de Deus como um sopro que «se movia sobre a superfície das águas» (cf. Gn 1, 2) e especifica que Deus insuflou pelas narinas do homem um sopro de vida (cf. Gn 2, 7), infundindo-lhe assim a própria vida. Depois do pecado original, o espírito vivificador de Deus manifestar-se-á diversas vezes na história dos homens, suscitando profetas para incitar o povo eleito a voltar para Deus e a observar fielmente os seus mandamentos. Na célebre visão do profeta Ezequiel, Deus faz reviver com o seu espírito o povo de Israel, representado por «ossos dissecados» (cf. 37, 1-14). Joel profetiza uma «efusão do espírito» sobre todo o povo, sem excluir ninguém: «Depois disto escreve o Autor sagrado acontecerá que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne… Naqueles dias, derramarei também o meu Espírito sobre os escravos e as escravas» (3, 1-2).
Na «plenitude dos tempos» (cf. Gl 4, 4), o anjo do Senhor anuncia à Virgem de Nazaré que o Espírito Santo, «poder do Altíssimo», descerá e estenderá sobre ela a sua sombra. Aquele que Ela dará à luz será, portanto, santo e chamado Filho de Deus (cf. Lc 1, 35). Segundo a expressão do profeta Isaías, o Messias será Aquele sobre o qual se repousará o Espírito do Senhor (cf. 11, 1-2; 42, 1). Jesus retomou precisamente esta profecia no início do seu ministério público na sinagoga de Nazaré: «O Espírito do Senhor disse Ele, no meio da admiração dos presentes está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, o recobrar da vista; para mandar em liberdade os oprimidos e proclamar um ano de graça do Senhor» (Lc 4, 18-19; cf. Is 61, 1-2). Dirigindo-se aos presentes, referirá a si mesmo estas palavras proféticas, afirmando: «Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura, que acabastes de ouvir» (Lc 4, 21). E antes da sua morte na cruz, ainda anunciará várias vezes aos discípulos a vinda do Espírito Santo, o «Consolador», cuja missão consistirá em dar-lhe testemunho e assistir os fiéis, ensinando-os e orientando-os para a Verdade integral (cf. Jo 14, 16-17.25-26; 15, 26; 16, 13).
3. O Pentecostes, ponto de partida da missão da Igreja
À noite, no dia da sua ressurreição, Jesus apareceu aos discípulos, «soprou sobre eles e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo»» (Jo 20, 22). Com força ainda maior, o Espírito Santo desceu sobre os Apóstolos no dia do Pentecostes: «Subitamente ressoou, vindo do Céu lê-se nos Actos dos Apóstolos um som comparável ao de forte rajada de vento, que encheu toda a casa onde se encontravam. Viram, então, aparecer umas línguas à maneira de fogo, que se iam dividindo, e pousou sobre cada um deles» (2, 2-3).
O Espírito Santo renovou interiormente os Apóstolos, revestindo-os de uma força que os tornou audazes para anunciar sem medo: «Cristo morreu e ressuscitou!». Livres de todo o temor, eles começaram a falar comfranqueza (cf. Act 2, 29; 4, 13; 4, 29.31). De pescadores amedrontados, tornaram-se corajosos anunciadores do Evangelho. Nem sequer os seus inimigos conseguiam compreender como homens «iletrados e plebeus» (cf. Act4, 13) eram capazes de manifestar uma coragem como esta e suportar as contrariedades, os sofrimentos e as perseguições com alegria. Nada podia detê-los. Àqueles que procuravam reduzi-los ao silêncio, respondiam: «Quanto a nós, não podemos deixar de afirmar publicamente o que vimos e ouvimos» (Act 4, 20). Assim nasceu a Igreja, que a partir do dia do Pentecostes não cessou de irradiar a Boa Nova «até aos confins do mundo» (Act 1, 8).
4. O Espírito Santo alma da Igreja e princípio de comunhão
Mas para compreender a missão da Igreja, temos que voltar ao Cenáculo, onde os discípulos estavam reunidos (cf. Lc 24, 49) a rezar com Maria, a «Mãe», à espera do Espírito prometido. Neste ícone da Igreja nascente devem inspirar-se constantemente todas as comunidades cristãs. A fecundidade apostólica e missionária não é principalmente o resultado de programas e métodos pastorais sabiamente elaborados e «eficazes», mas é fruto da oração comunitária incessante (cf. Paulo VI, Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi, 75). Além disso, a eficácia da missão pressupõe que as comunidades permaneçam unidas, ou seja, tenham «um só coração e uma só alma» (cf. Act 4, 32) e estejam dispostas a dar testemunho do amor e da alegria que o Espírito Santo infunde nos corações dos fiéis (cf. Act 2, 42). O Servo de Deus João Paulo II pôde escrever que antes de ser acção, a missão da Igreja é testemunho e irradiação (cf. Encíclica Redemptoris missio, 26). Assim aconteceu nos primórdios do cristianismo, quando os pagãos escreve Tertuliano se convertiam ao verem o amor que reinava entre os cristãos: «Vê dizem como se amam uns aos outros» (cf. Apologético, 39 7).
Concluindo esta rápida consideração da Palavra de Deus na Bíblia, convido-vos a observar como o Espírito Santo é o dom mais excelso de Deus ao homem e, portanto, o testemunho supremo do seu amor por nós, um amor que se expressa concretamente como «sim à vida» que Deus deseja para cada uma das suas criaturas. Este «sim à vida» tem a sua forma plena em Jesus de Nazaré e na sua vitória sobre o mal, mediante a redenção. A este propósito, nunca esqueçamos que o Evangelho de Jesus, precisamente em virtude do Espírito, não se reduz a uma simples constatação, mas quer tornar-se «boa nova para os pobres, libertação para os prisioneiros, vista para os cegos…». É aquilo que se manifestou com vigor no dia do Pentecostes, tornando-se graça e tarefa da Igreja em favor do mundo, a sua missão prioritária.
Nós somos os frutos desta missão da Igreja, por obra do Espírito Santo. Trazemos dentro de nós aquele selo do amor do Pai em Jesus Cristo, que é o Espírito Santo. Nunca o esqueçamos, porque o Espírito do Senhor se recorda sempre de cada um e quer, em particular mediante vós, jovens, suscitar no mundo o vento e o fogo de um novo Pentecostes.
5. O Espírito Santo «Mestre interior»
Estimados jovens, portanto também hoje o Espírito Santo continua a agir com poder na Igreja, e os seus frutos são abundantes na medida em que se dispõem a abrir-nos à sua força renovadora. Por isso, é importante que cada um de nós O conheça, entre em relação com Ele e por Ele se deixe orientar. Mas nesta altura apresenta-se naturalmente uma pergunta: quem é para mim o Espírito Santo? Com efeito, não são poucos os cristãos para os quais Ele continua a ser o «grande desconhecido». Eis por que, ao preparar-nos para a próxima Jornada Mundial da Juventude, desejei convidar-vos a aprofundar o conhecimento pessoal do Espírito Santo. Na nossa profissão de fé, proclamamos: «Creio no Espírito Santo, que é Senhor e dá a vida, e procede do Pai e do Filho» (Símbolo Niceno-Constantinopolitano). Sim, o Espírito Santo, Espírito de amor do Pai e do Filho, é Fonte de vida que nos santifica, «porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações, pelo Espírito Santo que nos foi concedido» (Rm 5, 5). Todavia, não é suficiente conhecê-lo; é necessário acolhê-lo como guia das nossas almas, como o «Mestre interior» que nos introduz no Mistério trinitário, porque somente Ele pode abrir-nos à fé e permitir-nos vivê-la plenamente todos os dias. Ele impele-nos rumo aos outros, acende em nós o fogo do amor e torna-nos missionários da caridade de Deus.
Bem sei como vós, jovens, tendes no coração uma grande estima e amor a Jesus, como desejais encontrá-lo e falar com Ele. Pois bem, recordai-vos que precisamente a presença do Espírito em nós atesta, constitui e constrói a nossa pessoa na própria Pessoa de Jesus crucificado e ressuscitado. Portanto, tornemo-nos familiares com o Espírito Santo, para o sermos com Jesus.
6. Os Sacramentos da Confirmação e da Eucaristia
Mas direis como podemos deixar-nos renovar pelo Espírito Santo e crescer na nossa vida espiritual? A resposta sabeis é: através dos sacramentos, porque a fé nasce e se fortalece em nós graças aos sacramentos, antes de tudo aos sacramentos da iniciação cristã: o Baptismo, a Confirmação e a Eucaristia, que são complementares e inseparáveis (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1285). Esta verdade sobre os três sacramentos que se encontram no início do nosso ser cristãos é, talvez, descuidada na vida de fé de não poucos cristãos, para os quais eles são gestos cumpridos no passado, sem incidência real no presente, como raízes desprovidas da linfa vital. Acontece que, depois de terem recebido a Confirmação, diversos jovens se afastam da vida de fé. E há também jovens que nem sequer recebem este sacramento. Contudo, é mediante os sacramentos do Baptismo, da Confirmação e em seguida, de modo continuativo, da Eucaristia, que o Espírito Santo nos torna filhos do Pai, irmãos de Jesus, membros da sua Igreja, capazes de um verdadeiro testemunho do Evangelho, fruidores da alegria da fé.
Por isso, convido-vos a reflectir sobre aquilo que vos escrevo. Hoje é particularmente importante redescobrir o sacramento da Confirmação e voltar a encontrar o seu valor para o nosso crescimento espiritual. Quem recebeu os sacramentos do Baptismo e da Confirmação recorde-se que se tornou «templo do Espírito»: Deus habita nele. Esteja sempre consciente disto e faça com que o tesouro que nele se encontra dê frutos de santidade. Quem é baptizado, mas ainda não recebeu o sacramento da Confirmação, prepare-se para o receber, consciente de que assim há-de tornar-se um cristão «completo», porque a Confirmação aperfeiçoa a graça baptismal (cf.Catecismo da Igreja Católica, nn. 1302-1304).
A Confirmação dá-nos uma força especial para testemunhar e glorificar a Deus com toda a nossa vida (cf. Rm 12, 1); torna-nos intimamente conscientes da nossa pertença à Igreja, «Corpo de Cristo», de Quem todos nós somos membros vivos, solidários uns com os outros (cf. 1 Cor 12, 12-25). Deixando-se orientar pelo Espírito, cada baptizado pode oferecer a sua contribuição para a edificação da Igreja, graças aos carismas que Ele infunde, porque «a manifestação do Espírito é dada a cada um, para proveito comum» (1 Cor 12, 7). E quando o Espírito age, traz na própria alma os seus frutos, que são «caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão e temperança» (Gl 5, 22). A quantos ainda não receberam o sacramento da Confirmação, dirijo o cordial convite a preparar-se para o acolher, pedindo ajuda aos seus sacerdotes. O Senhor oferece-vos uma especial ocasião de graça: não a deixeis fugir!
Aqui, gostaria de acrescentar uma palavra sobre a Eucaristia. Para crescer na vida cristã, é necessário alimentar-se do Corpo e Sangue de Cristo: com efeito, somos baptizados e confirmados em vista da Eucaristia (cf.Catecismo da Igreja Católica, n. 1322; Exortação Apostólica Sacramentum caritatis, 17). «Fonte e ápice» da vida eclesial, a Eucaristia é um «Pentecostes perpétuo», porque cada vez que celebramos a Santa Missa recebemos o Espírito Santo que nos une mais profundamente a Cristo e nele nos transforma. Queridos jovens, se participardes frequentemente na Celebração eucarística, se consagrardes um pouco do vosso tempo à adoração do Santíssimo Sacramento, da Fonte do amor, que é a Eucaristia, haveis de receber aquela alegre determinação de dedicar a vida ao seguimento do Evangelho. Experimentareis, ao mesmo tempo, que quando as nossas forças não são suficientes, é o Espírito Santo que nos transforma, que nos cumula com a sua força e nos torna testemunhas repletas do ardor missionário de Cristo ressuscitado.
7. A necessidade e a urgência da missão
Muitos jovens reflectem sobre a sua vida com apreensão e formulam muitas interrogações acerca do seu futuro. Preocupados, eles perguntam-se: como inserir-se num mundo assinalado por numerosas e graves injustiças e sofrimentos? Como reagir ao egoísmo e à violência, que por vezes parecem prevalecer? Como dar pleno sentido à vida? Como contribuir para que os frutos do Espírito, que recordámos acima, «caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão e temperança» (ponto n. 6), inundem este mundo ferido e frágil, antes de tudo o mundo dos jovens? Com que condições o Espírito vivificador da primeira criação, e sobretudo da segunda criação ou redenção, pode tornar-se a nova alma da humanidade? Não esqueçamos que quanto maior é o dom de Deus e o do Espírito de Jesus é o máximo tanto maior é a necessidade que o mundo tem de o receber e, portanto, tanto maior e mais apaixonante é a missão da Igreja de dar testemunho credível do mesmo. E vós jovens, com a Jornada Mundial da Juventude, de certo modo testemunhais a vontade de participar em tal missão.
Caros amigos, a este propósito quero recordar-vos aqui algumas verdades de referência sobre as quais meditar. Mais uma vez, repito-vos que somente Cristo pode satisfazer as aspirações mais íntimas do coração do homem; só Ele é capaz de humanizar a humanidade e conduzi-la à sua «divinização». Com o poder do seu Espírito, Ele infunde em nós a caridade divina, que nos torna capazes de amar o próximo e de nos pormos com disponibilidade ao seu serviço. Revelando Cristo crucificado e ressuscitado, o Espírito Santo ilumina, indica-nos a vida para nos tornarmos mais semelhantes a Ele, ou seja, para sermos «expressão e instrumento do amor que dele dimana» (Encíclica Deus caritas est, 33). E quem se deixa guiar pelo Espírito, compreende que pôr-se ao serviço do Evangelho não é uma opção facultativa, porque sente como é urgente transmitir esta Boa Nova também aos outros. Todavia, é necessário voltar a recordá-lo, só podemos ser testemunhas de Cristo se nos deixarmos guiar pelo Espírito Santo, que é «o agente principal da evangelização» (cf. Evangelii nuntiandi, 75) e «o protagonista da missão» (cf. Redemptoris missio, 21).
Dilectos jovens, como reiteraram várias vezes os meus venerados Predecessores Paulo VI e João Paulo II, anunciar o Evangelho e dar testemunho da fé é hoje mais necessário do que nunca (cf. Redemptoris missio, 1). Alguns pensam que apresentar o tesouro precioso da fé às pessoas que não a compartilham significa ser intolerante para com elas, mas não é assim, porque propor Cristo não significa impô-lo (cf. Evangelii nuntiandi, 80). De resto, há dois mil anos doze Apóstolos deram a vida para que Cristo fosse conhecido e amado. A partir de então, o Evangelho continua a difundir-se ao longo dos séculos, graças a homens e mulheres animados pelo seu próprio zelo missionário. Portanto, também hoje são necessários discípulos de Cristo que não poupem tempo nem energias para servir o Evangelho. São precisos jovens que deixem arder dentro de si o amor a Deus e respondam generosamente ao seu apelo urgente, como fizeram muitos jovens Beatos e Santos do passado e inclusive de épocas mais próximas a nós. Em particular, asseguro-vos que o Espírito de Jesus hoje vos convida, jovens, a serdes portadores da Boa Nova de Jesus aos vossos coetâneos. A indubitável dificuldade que os adultos têm de encontrar de maneira compreensível e convincente a classe juvenil pode ser um sinal com que o Espírito tenciona impelir-vos, jovens, a assumir esta responsabilidade. Vós conheceis os ideais, as linguagens e também as feridas, as expectativas e ao mesmo tempo o desejo de bem dos vossos coetâneos. Abre-se o vasto mundo dos afectos, do trabalho, da formação, da expectativa, do sofrimento juvenil… Cada um de vós tenha a coragem de prometer ao Espírito Santo que conduzirá um jovem para Jesus Cristo, do modo como melhor considerar, sabendo «responder com doçura a todo aquele que vos perguntar a razão da vossa esperança» (cf. 1 Pd 3, 15).
Mas para alcançar esta finalidade, queridos amigos, sede santos, sede missionários, porque nunca se pode separar a santidade da missão (cf. Redemptoris missio, 90). Não tenhais medo de ser santos missionários, como São Francisco Xavier, que percorreu o Extremo Oriente para anunciar a Boa Nova até ao extremo das suas forças, ou como Santa Teresa do Menino Jesus, que foi missionária, contudo sem jamais ter deixado o Carmelo: ambos são «Padroeiros das Missões». Estai prontos a pôr em jogo a vossa vida, para iluminar o mundo com a verdade de Cristo; para responder com amor ao ódio e ao desprezo pela vida; e para proclamar em todos os cantos da terra a esperança de Cristo ressuscitado.
8. Invocar um «novo Pentecostes» sobre o mundo
Prezados jovens, aguardo-vos numerosos em Julho de 2008 em Sydney. Será uma ocasião providencial para experimentar plenamente o poder do Espírito Santo. Vinde em grande número, para serdes sinal de esperança e sustento precioso para as comunidades da Igreja na Austrália, que estão a preparar-se para vos receber. Para os jovens do país que nos hospedará, será uma extraordinária oportunidade de anunciar a beleza e a alegria do Evangelho a uma sociedade sob muitos aspectos secularizada. Como toda a Oceânia, a Austrália tem necessidade de descobrir novamente as suas raízes cristãs. Na Exortação pós-sinodal Ecclesia in Oceania, João Paulo II escrevia: «Com a força do Espírito Santo, a Igreja na Oceânia está a preparar-se para uma nova evangelização de povos que hoje têm fome de Cristo… A nova evangelização é uma prioridade para a Igreja na Oceânia» (n. 18).
Convido-vos a dedicar tempo à oração e à vossa formação espiritual neste último trecho do caminho que nos conduz à XXIII Jornada Mundial da Juventude, a fim de que em Sydney possais renovar as promessas do vosso Baptismo e da vossa Confirmação. Em conjunto, invocaremos o Espírito Santo, pedindo com confiança a Deus o dom de um renovado Pentecostes para a Igreja e para a humanidade do terceiro milénio.
Maria, unida em oração aos Apóstolos no Cenáculo, vos acompanhe durante estes meses e obtenha para todos os jovens cristãos uma renovada efusão do Espírito Santo, que inflame os seus corações. Recordai: a Igreja tem confiança em vós! Nós Pastores, de modo particular, rezamos para que vos ameis e façais com que Jesus seja cada vez mais amado, e a fim de que O sigais fielmente. Com estes sentimentos, abençoo-vos a todos com grande carinho.
Bento XVI, Lorenzago, 20 de Julho de 2007
LITURGIA EUCARÍSTICA
Introdução à Liturgia Eucarística
O Senhor recebeu das nossas mãos as humildes oferendas que trouxemos ao altar, para as transubstanciar no Seu Corpo e Sangue.
Que Ele nos ajude a transformar em obras a doutrina que ouvimos fortalecidos pela Eucaristia que vamos comungar.
ORAÇÃO SOBRE AS OBLATAS: Pela paixão do vosso Filho Unigénito, apressai, Senhor, a hora da nossa reconciliação: concedei-nos, por este único e admirável sacrifício, a misericórdia que nossos pecados não merecem. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
Prefácio
A paixão redentora de Cristo
V. O Senhor esteja convosco.
R. Ele está no meio de nós.
V. Corações ao alto.
R. O nosso coração está em Deus.
V. Dêmos graças ao Senhor nosso Deus.
R. E nosso dever, é nossa salvação.
Senhor, Pai santo, Deus eterno e omnipotente, é verdadeiramente nosso dever, é nossa salvação dar-Vos graças, sempre e em toda a parte, por Cristo nosso Senhor.
Sendo inocente, entregou-Se à morte pelos pecadores; não tendo culpas, deixou-Se condenar pelos culpados. A sua morte redimiu os nossos pecados e a sua ressurreição abriu-nos as portas da salvação.
Por isso, com os Anjos e os Santos, proclamamos com alegria a vossa glória, cantando numa só voz:
SANTO
Saudação da Paz
Jesus disse profeticamente a Natanael: «E Eu, quando for elevado da terra, atrairei todos a Mim».
Em Cristo crucificado procuremos a reconciliação com os irmãos. Se Ele morreu por nós, como não nos havemos de deixar atrair por Ele, morrendo nos nossos caprichos e orgulho ferido, para nos reconciliarmos com os outros?
Com estes sentimentos,
Saudai-vos na paz de Cristo!
Monição da Comunhão:
Jesus disse na oração do Getsemani: «Pai, se é possível, afasta de Mim este cálice. Todavia não se faça como Eu quero, mas como Tu queres».
A melhor disposição para bem comungarmos – depois de adquirido o estado de graça por uma confissão bem feita, se necessário – será o desejo de em tudo fazermos a vontade de Deus.
Mt 26, 42
ANTÍFONA DA COMUNHÃO: Pai, se este cálice não pode passar sem que Eu o beba, faça-Se a tua vontade.
ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO: Saciados com estes dons sagrados, nós Vos pedimos, Senhor: assim como, pela morte do vosso Filho, nos fizestes esperar o que a nossa fé nos promete, fazei-nos também chegar, pela sua ressurreição, às alegrias do reino que esperamos. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
RITOS FINAIS
Monição final
Começamos hoje a Semana Maior.
Todo o sentido de penitência e mortificação que a Igreja nos levou a viver durante esta Quaresma intensifica-se nesta Semana. Tudo nos fala agora da grande necessidade que temos de mudar o coração e derrubar as barreiras que impedem a nossa intimidade com Deus.
Procuremos, nestes dias, ler devotamente o Evangelho da Paixão do Senhor e tomemos parte, se é possível, na celebração do Tríduo Sacro. Aproximemos ainda, se possível, algum amigo do Sacramento da Penitência, se acaso anda afastado dos caminhos da salvação.
HOMILIAS FERIAIS
SEMANA SANTA
2ª feira, 17-III: O plano divino de salvação.
Is 42, 1-7 / Jo 12, 1-11
Fui eu, o Senhor, quem te chamou, num propósito de salvação.
O plano divino de salvação (cf. Leit) apoia-se na entrega à morte de Jesus. Ele próprio apresentou esse plano como cumprimento da vontade de Pai: O Filho age como servo de Deus: «Eis o meu servo, a quem eu protejo, o meu eleito» (Leit).
No começo da Semana Santa, encontramos aqueles que estiveram mais ligados à Paixão de Cristo (cf. Ev): Judas, que protesta contra os pormenores de carinho para com o Senhor; e Maria de Betânia, que derramou uma libra de perfume de elevado preço sobre Ele. Sejamos igualmente generosos nestes dias no seu acompanhamento.
3ª feira, 18-III: Darás a vida por mim?
Is 49, 1-6 / Jo 13, 21-33. 36-38
Não basta que sejas meu servo…Vou fazer de ti a luz das nações, para que a minha salvação chegue aos confins da terra.
Os cânticos do servo anunciam o sentido da paixão de Jesus: luz para as nações e salvação para todos os povos (cf. Leit).
Na Última Ceia, Jesus vê partir Judas, que o vai entregar e profetiza as negações de Pedro (cf. Ev). Também a nós nos pergunta: «Darás a vida por mim?» (Ev). Procuremos oferecer igualmente a nossa vida em expiação pelos nossos pecados; aceitemos as contrariedades, dores e sofrimentos; arrependamo-nos das nossas faltas de fidelidade…
4ª feira, 19-III: Preparativos para a Última Ceia.
Is 50, 4-9 / Mt 26, 14-25
Onde queres que façamos os preparativos para comermos a Páscoa?
Jesus dá o encargo aos discípulos de fazerem uma cuidadosa preparação da casa onde iria ter lugar a última ceia pascal (cf. Ev).
Façamos igualmente uma cuidadosa preparação para esta Páscoa: ofereçamos ao Senhor as indelicadezas que tiverem connosco (cf. Leit), ajudemos os que andam extenuados; ouçamos melhor a sua palavra. Tenhamos também um grande desejo de nos reunirmos com Ele e os discípulos para celebrarmos a instituição da Eucaristia. Jesus deseja a nossa companhia fiel e não como Judas que o abandonou (cf. Ev).
Celebração e Homilia: FERNANDO SILVA
Nota Exegética: GERALDO MORUJÃO
Homilias Feriais: NUNO ROMÃO
Fonte: Celebração Litúrgica