O padre e a atividade política

Escrito por Pedro Maria Reyes Vizcaíno.

O sacerdote, como pessoa consagrada a Cristo e chamada a identificar-se de modo especial com o Senhor, tem a função especial de levar a luz do Evangelho aos seus semelhantes (cf. Decreto Presbyterorum Ordinis, no 2). Testemunhas das realidades terrenas, não podem permanecer alheias às questões humanas; têm, portanto, a obrigação específica de não se conformar com este mundo (cf. Ibidem, no 3). Devido à sua especial dedicação às coisas divinas, devem ser particularmente sensíveis às injustiças deste mundo, à pobreza e a outros males sociais (cf. Ibidem, no 6). Os Bispos, além disso, devem mostrar-se especialmente dispostos “a conhecer bem as necessidades [dos fiéis], as condições sociais em que vivem, recorrendo aos meios adequados, especialmente à investigação social. Preocupem-se com todos, qualquer que seja a sua idade, condição, nacionalidade, quer sejam naturais do país, estrangeiros ou forasteiros” (Decreto Christus Dominus, 16).

Muitas vezes a caridade levará o sacerdote a ajudar ativamente a luta contra alguma situação de injustiça no seu meio; nisto a Igreja Católica ao longo da história oferece um vasto leque de exemplos, desde a criação de hospitais para os mais necessitados, à direção de escolas e centros de ensino para pessoas sem recursos, à constituição de cooperativas de trabalho em regiões desfavorecidas, Organizações Não Governamentais para o desenvolvimento, etc.

Ao mesmo tempo, deve-se ter em mente que a ordem justa é a tarefa primordial da atividade política (cf. Bento XVI, Encíclica Deus Caritas Est, no 28); de fato, “aqui política e fé se encontram” (Ibidem, no 28).

Entretanto, não é missão da Igreja dar respostas concretas aos problemas sociais de cada momento ou de cada lugar, pois essa é a missão do Estado. “Uma sociedade justa não pode ser obra da Igreja, mas da política” (Ibidem no 28). A Igreja pode ajudar de muitas maneiras a alcançar os objetivos da justiça social através de orientações morais, da difusão da Doutrina Social da Igreja ou da sensibilização das consciências para os graves problemas da sociedade. Mas ela não deve empreender por conta própria o processo político de alcançar a sociedade mais justa possível. A Igreja não pode e não deve substituir o Estado.

É missão dos leigos transformar as estruturas temporais da sociedade: cabe a eles “iluminar e organizar todos os assuntos temporais com os quais estão intimamente ligados, para que sejam continuamente realizados segundo o espírito de Jesus Cristo e se desenvolvam e sejam para a glória do Criador e Redentor” (Const. Dogm Lumen Gentium, 31). Faz parte da vocação específica dos leigos “descobrir ou conceber os meios pelos quais as exigências da doutrina e da vida cristã possam permear as realidades sociais, políticas e econômicas” (Catecismo da Igreja Católica, no 899).

Os fiéis leigos atuarão de acordo com sua competência pessoal e, no uso de sua liberdade, proporão – juntamente com outros cidadãos, católicos ou não católicos – várias soluções para os problemas sociais e políticos de seu tempo. Essas soluções serão oferecidas à sociedade sob sua própria responsabilidade. Nenhum fiel pode atribuir a si mesmo ou a seu programa político a exclusividade da doutrina da Igreja. É normal que muitas soluções possam ser legitimamente encontradas para o mesmo problema. A Igreja, como tal, não prefere nenhuma solução política dentre as propostas pelos cidadãos. O direito da Igreja permanece, no entanto, de “emitir o seu juízo moral, mesmo em matéria de ordem política, quando os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigem, utilizando todos e somente os meios que estão em conformidade com o Evangelho e o bem de todos, segundo a diversidade dos tempos e das situações” (Constituição Pastoral Gaudium et Spes, no 76). Esse julgamento normalmente será negativo, no sentido de indicar que uma determinada doutrina política é contrária ao ensinamento da Igreja: os dois exemplos mais conhecidos são a condenação do nazismo (Pio XI, Encíclica Mit Brenender Sorge) e do comunismo (Pio XI, Encíclica Divini Redemptoris) em 1937. Esses julgamentos morais, quando emitidos, não devem ser entendidos como uma interferência na legítima liberdade dos católicos ou na organização do Estado, mas como uma orientação moral para os leigos que os ajuda em sua missão de transformar as estruturas temporais à luz da doutrina do Evangelho.

O sacerdote ou clérigo que pretende tomar parte ativa na vida política está, em certo sentido, traindo sua vocação particular, pois “não são do mundo, segundo a palavra do Senhor nosso Mestre” (Decreto Presbyterorum Ordinis, no 17). Os sacerdotes “são promovidos para servir a Cristo, Mestre, Sacerdote e Rei” Ibidem, no 1), e sua principal missão é oferecer sacrifícios e perdoar os pecados e desempenhar publicamente, em nome de Cristo, a função sacerdotal em favor dos homens (cf. Ibidem, no 2). Os sacerdotes servem ao povo cristão desempenhando suas funções ministeriais da melhor forma possível; o povo precisa de sacerdotes dedicados às suas funções, não de sacerdotes que busquem ocupar o espaço dos leigos. “Por essa razão, Deus consagra os sacerdotes, por meio do ministério dos Bispos, para que, participando de modo especial do sacerdócio de Cristo na celebração das coisas sagradas, atuem como ministros” de Cristo (Ibidem, 5). O povo cristão precisa de sacerdotes santos, que ofereçam o sacrifício de Cristo em plena união com seu mestre.

Se isto pode ser dito dos sacerdotes, é ainda mais verdadeiro para os Bispos, “colocados pelo Espírito Santo no lugar dos Apóstolos como pastores de almas” (Decreto Christus Dominus, no 2) e cuja missão principal é ensinar, santificar e governar. Sua atenção deve ser estendida a todos os fiéis confiados ao seu ministério, e também a todas as pessoas, inclusive aos não católicos (cf. Ibidem, no 11).

Não se deve esquecer que “os sagrados Pastores, na medida em que se dedicam ao cuidado espiritual do seu rebanho, de fato, cuidam também do bem e da prosperidade civil, unindo para isso o seu trabalho efetivo às autoridades públicas, em razão do seu ministério, e como convém aos Bispos, e aconselhando a obediência às leis justas e o respeito às autoridades legitimamente constituídas” (Ibidem, no 19). Da dedicação dos Bispos e sacerdotes ao ministério para o qual foram nomeados, portanto, resulta um duplo benefício para a sociedade:

a) A divulgação da doutrina da Igreja ajuda mais cidadãos a buscar a justiça na sociedade civil. Os cidadãos católicos têm um motivo a mais do que os outros cidadãos para buscar a justiça social, que é a fidelidade à sua fé religiosa, que para eles também é um motivo forte.

b) A difusão da doutrina da Igreja, que é eminentemente espiritual, é um bem em si para a sociedade. Nenhum poder civil pode negligenciar a dimensão espiritual dos cidadãos; com pleno respeito à liberdade religiosa – e, portanto, sem preferir uma confissão religiosa em detrimento de outras – é do interesse do Estado que os cidadãos tenham uma vida espiritual, porque toda a dimensão da personalidade humana se completa.

O Estado não pode proibir um bispo ou um padre de participar da vida política, pois isso seria uma discriminação intolerável de uma pessoa por motivos religiosos, o que seria radicalmente contrário à Declaração Universal dos Direitos Humanos (cf. Assembleia Geral das Nações Unidas, Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948, arts. 2 e 18). Os clérigos se abstém de participar da vida política de forma voluntária perante a autoridade civil, embora em seu íntimo o motivo para fazê-lo seja a obediência à autoridade eclesiástica e a consideração pela excelência de sua vocação.

Portanto, por meio da dedicação dos Bispos ao seu ministério espiritual, o clero – Bispos e sacerdotes – promovem o desenvolvimento da sociedade civil sem que seja necessário ou desejável que eles tomem parte ativa na vida política.

Ao se absterem de participar ativamente da vida política, não fazem outra coisa senão imitar o Senhor, que se recusou a ser declarado rei por seus concidadãos (cf. Jo 6, 15). Jesus se proclamou rei diante de Pôncio Pilatos (cf. Mt 27, 11, 14), embora soubesse que suas respostas diante do procurador romano poderiam levá-lo à morte (Jo 19, 10). Essa aparente contradição é resolvida ao se considerar que o reino do Senhor não é deste mundo (Jo 18,36). Essa doutrina fica clara no episódio do tributo a César: “Dai a César o que é de César e dai a Deus o que é de Deus” (Mc 12, 13-17); também na resposta ao homem que lhe pediu que intercedesse para que seu irmão dividisse com ele sua herança: “Quem me constituiu juiz ou árbitro entre vós? Pode-se notar que, nesse episódio, talvez o questionador estivesse certo em sua afirmação. O Senhor, entretanto, reafirma sua doutrina de que seu reino não é deste mundo e prefere não julgar essa questão.

O clero, portanto, ao abster-se de intervir ativamente em atividades políticas, imita o exemplo do Senhor, que se recusou a intervir nessas mesmas questões, tendo mais razão do que qualquer outra pessoa, pois ele é o Criador do Universo e, no dia da Parusia, ele virá como juiz.

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