Novena do Espírito Santo

Pe. Francisco Faus

A finalidade desta Novena do Espírito Santo é a preparação para a solenidade de Pentecostes, em que a Igreja comemora a vinda do Espírito Santo sobre a Virgem Maria, os Apóstolos e os discípulos, conforme a promessa de Jesus.

No primeiro dia da novena esclarece-se que esta devoção pode constar de nove dias (novena) ou de dez dias (“decenário”), conforme a contagem que se fizer do intervalo entre o dia da Ascensão de Jesus aos Céus (comemorado na quinta-feira de sexta semana da Pás- coa) e a Vigília ou a própria Solenidade de Pentecostes. São legítimas e tradicionais ambas as contagens.

A maneira de fazer a novena ou o “decenário” dependerá das circunstâncias de cada comunidade, grupo ou família. Pode-se seguir o sistema de fazer nove (ou dez) encontros em dias consecutivos, ou de fazê-los espaçados, com intervalos variáveis conforme as conveniências.

Além disso, o texto pode ser útil também para devoção e reflexão individual. O próprio texto da novena prevê momentos de silêncio, para oração e reflexão, e cada dia termina com a sugestão de algum propósito concreto, cujo cumprimento está ao alcance de todos os que participam.

No caso de que a novena seja praticada em uma paróquia ou comunidade, será bom que o pároco, o diácono, a religiosa, etc. que presida a cada encontro — além de selecionar oportunamente os leitores e leitoras — estude a conveniência, ou não, de introduzir breves pregações ou comentários, e alguns cânticos. Por outro lado, tratando-se de um texto de devoção, nada impede que, quando se considerar oportuno, se escolham apenas alguns dos dias, ou, inclusive, se abreviem os textos dos dias escolhidos.

Não é preciso esclarecer que textos desta Novena — adequadamente selecionados — podem ser escolhidos livremente para exercícios de devoção ao divino Espírito Santo, em qualquer época do ano, independentemente da preparação para Pentecostes.

Primeiro dia

UMA NOVENA ESPECIAL

TODOS. — Ó Deus, nosso Pai, concedei-nos fazer com fé e devoção esta Novena ao Espírito Santo, de modo que, quando vier no dia de Pentecostes, encontre as nossas almas digna- mente preparadas para recebê-lo e possa derramar em nós a sua Graça e os seus sete Dons.

LEITOR 1. — Hoje vamos começar uma novena especial… Inclusive pode-se dizer que é uma novena “muito especial”, “única”…

LEITOR 3. — “Única”…, por quê? Há muitas novenas ótimas. Por que essa seria diferente?

LEITOR 1. — Pois, olhe, é mesmo “única”, porque tem uma característica que nenhuma outra tem: é uma novena que o próprio Jesus mandou fazer…

TODOS. — Isto é muito interessante! Poderíamos ter uma explicação, antes de começar?

LEITOR 1. — Sem dúvida. A explicação encontra-se no livro dos Atos dos Apóstolos, escrito por São Lucas. Alguém se lembra?

LEITOR 2. — Sim, é verdade… Nosso Senhor, momentos antes da sua Ascensão aos céus, de- clarou aos discípulos: Eu vos mandarei o Prometido de meu Pai [o Espírito Santo], e, a seguir, deu-lhes uma ordem: permanecei na cidade [ em Jerusalém], até que sejais revestidos da força do alto 1 . Vocês vêem? Jesus lhes mandou que não saíssem de Jerusalém, mas que lá ficassem, juntos, rezando, enquanto não viesse o Espírito Santo…, coisa que aconteceu dez dias depois, na festa judaica de Pentecostes.

LEITOR 1. — E, de fato, eles cumpriram ao pé da letra o que o Senhor lhes tinha mandado. Desceram do monte das Oliveiras, após a Ascensão, voltaram a Jerusalém, e logo foram reu- nir-se no Cenáculo, na sala onde Cristo celebrara a última Ceia. Essa “sala de cima”, depois da Ressurreição, era seu ponto de encontro. Lá permaneceram todos — Apóstolos, discípu- los, santas mulheres — durante nove dias, e perseveravam unanimemente na oração — como escreve São Lucas —, juntamente com Maria, a Mãe de Jesus. 2

LEITOR 2. — Vocês vêem? A Igreja sempre teve presente que a Ascensão foi numa quin- ta-feira e que, dez dias depois, na festa de Pentecostes, veio o Espírito Santo. Nove dias de intervalo ao todo. Ou então dez dias se incluirmos na “novena” o dia da Ascensão (quin- ta-feira, ainda que no Brasil a festa litúrgica seja transferida para domingo), ou o próprio dia de Pentecostes. Daí que alguns, em vez de fazer uma novena preferem fazer um “decenário”. É a mesma coisa: as duas formas são legítimas, e esta novena prevê as duas possibilida- des…

TODOS. — Que alegria! Vamos fazer esta novena como se estivéssemos rezando no Cenáculo, pertinho de Nossa Senhora, unidos à oração dEla, dos Apóstolos e discípulos e das santas mulheres…

LEITOR 3. — Escutem. Não digamos “como se estivéssemos”… É muito mais! Vamos “estar” mesmo, vivendo de verdade aqueles dias no Cenáculo. O Catecismo da Igreja nos ensina que “tudo o que Cristo é, tudo o que fez e sofreu por todos os homens participa da eternidade divina, e assim ultrapassa todos os tempos e em todos se torna presente” 3.

TODOS. — Que maravilha! Rezaremos sentindo palpitar o coração materno de Maria, real e presente, bem junto do nosso coração. E assim a nossa oração receberá a força da interces- são da Mãe de Deus!

LEITOR 3. — Que acham se fazemos um pequeno intervalo de silêncio, para meditar e agra- decer essa realidade, e depois rezamos todos juntos.

(pausa de silêncio).

TODOS. — Ó Maria, Mãe de Deus e Mãe nossa, não nos abandoneis. Ficai conosco e alcançai do Espírito Santo, vosso Esposo divino, que esta novena nos obtenha a graça de uma mu- dança profunda nas nossas vidas, uma mudança que nos faça melhores filhos de Deus, mais coerentes com a nossa santa fé, e nos torne capazes de fazer um maior bem aos outros.

LEITOR 1. — Estamos pedindo uma mudança de espírito e de conduta, e com toda a razão. Vocês sabem, com certeza, quem é o Espírito Santo, para cuja vinda começamos a prepa- rar-nos.

LEITOR 3. — Claro. Ele é a terceira Pessoa da Santíssima Trindade, o Amor de Deus em pesso-

a. Ele é toda a força, toda a potência, toda a vitalidade, todo o calor, toda a suavidade, toda a riqueza, todo o esplendor do Amor de Deus.

TODOS. — Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis e acendei neles o fogo do vosso amor!

LEITOR 2. — Só Ele pode transformar os corações e fazer com que sejamos capazes de “nas- cer do novo”, como Jesus pedia a Nicodemos 4. Só Ele, o Espírito divino, pode mudar o mun- do, através daqueles corações que Ele já mudou. Porque, se os corações não mudam, não se pode esperar que mude a família, nem poderá mudar a comunidade, nem nós, os cristãos, poderemos mudar o mundo como Jesus quer.

TODOS. — Enviai o vosso Espírito e tudo será criado. E renovareis a face da terra!

LEITOR 1. — Se soubermos acolher o Espírito Santo, Ele derramará nas nossas almas e na sociedade, juntamente com o seu Amor, os seus “frutos”, aqueles de que fala São Paulo na sua Carta aos Gálatas: Alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, lealdade, mansidão, autodo- mínio, castidade 5 . Acho que vemos muito claro que o mundo só será renovado quando esses frutos amadurecerem na vida dos cristãos.

TODOS. — Divino Espírito Santo, fazei-nos dignos de possuir e de irradiar, na família, no trabalho e na sociedade, os vossos santos frutos.

LEITOR 2. — E só o Espírito Santo pode difundir nas nossas almas os seus sete Dons, que são como que o toque da mão de Deus, do Amor de Deus, na alma, um toque forte e delicado que nos transforma em filhos de Deus empenhados sinceramente na procura da santidade. Todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus — diz São Paulo — são filhos de Deus 6.

TODOS. — Vinde, Espírito Santo, concedei a todos os fiéis, que em vós confiam, os sete dons sagrados.

LEITOR 1. — Pois bem. É justamente sobre esses sete dons que vamos fazer a nossa novena. Cada dia meditaremos sobre um dom, e pediremos ao Espírito Santo, pai dos pobres, doador das graças — como diz a Liturgia de Pentecostes—, que o infunda na nossa alma e o mante- nha como uma chama acesa. Deus faça que esta novena nos dê a alegria de “descobrir” mais plenamente as riquezas do Espírito Santo e dos seus dons.

TODOS. — Santíssima Mãe de Deus, ficai perto de nós, conduzi-nos pela mão, como boa Mãe, pois somos vossos filhos. Ajudai-nos a receber, na alma purificada por uma boa confissão, o divino Espírito Santo, e, com Ele, seus frutos e dons, que são o cume e a plenitude da vida cristã.

LEITOR 1. — No final de cada dia da novena, gostaria de fazer a sugestão de um propósito concreto. Para este primeiro dia, penso que seria bom propor-nos a ler, no Catecismo ou em algum bom livro de doutrina católica, o que a Igreja nos ensina sobre o Espírito Santo. E também poderíamos propor-nos repetir com freqüência, ao longo destes dias, a oração “Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis e acendei neles o fogo do vosso amor!”

Segundo dia

O DOM DE SABEDORIA

TODOS. — Divino Espírito Santo, “luz felicíssima, enchei até ao íntimo os corações dos vos- sos fiéis”, Vós que sois, como canta a Igreja, “fonte viva, fogo, caridade e unção espiritual”.

LEITOR 1. — A Igreja, como vocês provavelmente sabem, conhece os dons do Espírito Santo porque o profeta Isaías os enumera no capítulo onze do seu livro, e depois São Paulo os completa em suas Cartas 7. São sete: sabedoria, entendimento, conselho, fortaleza, ciência, piedade (que se desdobra em piedade para com Deus e para com o próximo) e temor de Deus.

LEITOR 2. — O Catecismo da Igreja diz que são “disposições permanentes — infundidas pelo Espírito Santo na alma como qualidades sobrenaturais — que tornam o homem dócil para seguir os impulsos do mesmo Espírito” 8.

LEITOR 1. — Uma vez lembrada essa doutrina sobre os dons em geral, a partir de hoje vamos dedicar cada dia a um dom, ainda que não sigamos exatamente a ordem em que os mencio- na Isaías. Para início de reflexão, o primeiro que vamos considerar é o dom de Sabedoria. Antes de mais nada, porém, peçamos a ajuda de Maria.

TODOS. — Mãe santíssima, Vaso espiritual, sede da Sabedoria, ajudai-nos a abrir a mente e o coração à luz de Deus, para compreender a grandeza deste dom.

LEITOR 1. — É muito clara e bela a descrição do dom de Sabedoria que fez certa vez João Paulo II. Dizia que é um conhecimento das coisas de Deus impregnado de amor, graças ao qual a nossa alma ganha familiaridade e sintonia com as realidades divinas e chega a ter delas um conhecimento amoroso, saboroso, delicioso e feliz.

LEITOR 2. — Quer dizer que a Sabedoria que o Espírito Santo nos dá não é uma sabedoria de sala de aula, nem o conhecimento de um conjunto de verdades teóricas, mas é aquele tipo de conhecimento, cheio de luz e calor, que se poderia chamar “sintonia com Deus”, e que só o Amor é capaz de proporcionar.

LEITOR 3. — É verdade… Só o amor nos permite conhecer bem a Deus e entendê-lo; da mes- ma forma que só o amor nos faz capazes de conhecer e compreender bem as pessoas. Sem amor, achamos que conhecemos, mas ficamos no escuro e apenas vemos verdades parciais, sombras, imagens confusas, misturadas com preconceitos e dúvidas.

LEITOR 2. — Bem dizia Jesus, citando Isaías, que há cegos de olhos abertos: têm olhos e não vêem; têm ouvidos e não ouvemPor que?

LEITOR 3. — Porque lhes falta o Amor divino: Seu coração se endureceu e, então, não compreen- dem nada nem se convertem 9.

TODOS. — Divino Espírito Santo, livrai-nos da aridez de um coração seco, morno, tíbio, sem amor; dessa aridez horrível, que é a crosta que o nosso egoísmo, a nossa fé rotineira e os nossos pecados vão grudando na alma, até deixá-la tapada, cega para Deus.

LEITOR 1. — Mas, se tivermos boa vontade e formos capazes de nos arrependermos since- ramente dos nossos pecados, o Espírito Santo nos concederá esse dom, inflamará o nosso

7 Ver Is 11,1-2; Rm 8,14.17; etc.

8 N.os 1830 e 1831

9 Cf. Mt 13,14-15

coração, e então experimentaremos, maravilhados, as grandezas de Deus, as belezas de Deus, as bondades de Deus, os abismos de luz dos mistérios de Deus, as maravilhas da Graça divina e as exigências santas de seu Amor! Uma felicidade que não tem igual na terra, e que já é um prenúncio do Céu… Então, as coisas de Deus nunca nos parecerão pesadas, ou exa- geradas, ou negativas ou desagradáveis… Ler a Bíblia e rezar, por exemplo, ou participar ativamente da Missa, nos trará uma grande felicidade.

LEITOR 2. — É verdade. Mas acho que é bom compreendermos que esse conhecimento, fruto do dom de Sabedoria, não fica só, nem principalmente, em sentimentos. Justamente por ser um conhecimento de amor autêntico, ele nos leva à doação, ao sacrifício generoso, à obedi- ência à vontade de Deus, ao cumprimento alegre do dever. Ou seja, nos compromete.

LEITOR 3. — Isso me faz lembrar que, no dia da Transfiguração, São Pedro, extasiado ao ver Jesus radiante de luz no alto do monte Tabor, queria deixar-se ficar lá para sempre: Como é bom ficarmos aqui; vamos fazer três tendas e acamparEntão Jesus lhe esclareceu que, se lhes tinha feito desfrutar daquela maravilha, era para que estivessem preparados, prontos, para tomar a cruz e acompanhar o seu Senhor até o Calvário 10 .

LEITOR 1. — Sim, é isso mesmo. Lembremos o que Cristo dizia na Última Ceia: Se me amais, guardareis os meus mandamentos. E: Ninguém tem maior amor que aquele que dá a vida por seus amigos. E o que São João, que, na Ceia, esteve à mesa junto dele, escrevia muitos anos depois aos primeiros cristãos: Eis como sabemos que conhecemos Jesus Cristo: se guardarmos os seus mandamentos. Aquele que diz conhecê-lo e não guarda os seus mandamentos é mentiroso e a verdade não está nele. Aquele, porém, que guarda a sua palavra, nele o amor de Deus é verdadeiramente per- feito. Jesus deu a sua vida por nós; nós também devemos dar a nossa vida 11.

TODOS. — Que Deus nos ajude a ser sinceros, a não ser daqueles cristãos que falam muito de Deus, que parecem muito “sábios”, que até querem dar lições aos outros e, no entanto, estão atolados nos erros e pecados, porque não levam a sério os mandamentos de Deus. É para eles que escrevia São João: “Meus filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas por atos e em verdade” 12.

LEITOR 2. — Não acham que seria bom fazermos uma pausa de silêncio, para meditar e examinar a nossa vida…, e depois rezarmos todos juntos.

(pausa de silêncio).

TODOS. — Santa Maria, Esposa fiel do Espírito Santo, dai-nos a sinceridade dos bons cristãos que, embora se vejam fracos e pecadores, não querem enganar-se a si mesmos. Fazei com que a alegria deslumbrante de conhecer o vosso Filho Jesus inflame em nós o desejo de a- má-lo muito “com atos e de verdade”, de agradá-lo em tudo e de cumprir a sua santa Von- tade, vivendo fielmente os mandamentos de Deus e da Igreja.

LEITOR 1. — Acabamos de dizer, na nossa oração, uma coisa que talvez seja o ponto máximo da Sabedoria.

LEITOR 3. — O que foi?

LEITOR 1. — Pedimos a “alegria deslumbrante de conhecer Jesus”. Aí está o grande segredo do cristão. Quando conhecemos Cristo de verdade, nós somos fortemente arrebatados pelo seu amor e, então, no tornamos capazes de assumir, por Ele, os grandes ideais cristãos, com todas as suas exigências e compromissos. Por isso, todos deveríamos desejar o que São Paulo pedia na Carta aos Efésios. Que acham se recitamos todos juntos as suas palavras?

TODOS. — Que sejais poderosamente robustecidos pelo seu Espírito em vista do crescimento do vosso homem interior. Que Cristo habite pela fé em vossos corações, arraigados e conso- lidados no amor, a fim de que possais compreender, com todos os santos, qual seja a largura, o comprimento, a altura e a profundidade, isto é, conhecer o amor de Cristo, que desafia todo conhecimento, e sejais cheios de toda a plenitude de Deus 13.

LEITOR 1. — Parece-me que hoje podemos encerrar por aqui o segundo dia da nossa novena, recitando, como fecho, esta bela oração espontânea de São Josemaria Escrivá:

TODOS. — Jesus: ver-Te, falar contigo! Permanecer assim, contemplando-Te, abismado na imensidade da tua formosura, e não cessar nunca, nunca, nessa contemplação! Oh, Cristo, quem Te pudesse ver! Quem Te pudesse ver, para ficar ferido de amor por Ti! 14

Santa Maria, templo e sacrário do Espírito Santo, Sede da Sabedoria, rogai por nós, que recorremos a vós.

LEITOR 1. — Sugestão de propósito concreto para este segundo dia: Visitar Jesus na Eucaris- tia, no Sacrário, sempre que pudermos. Ficar pelo menos uns minutos meditando no imenso amor de Cristo no Santíssimo Sacramento, e abrir-lhe o coração num colóquio íntimo.

Terceiro dia

O DOM DE ENTENDIMENTO

TODOS. — Ó Deus, nosso Pai: o Espírito Santo que de vós procede ilumine as nossas inteli- gências, para conduzi-las à plenitude da verdade, conforme o vosso Filho prometeu.

LEITOR 1. — Hoje vamos refletir sobre o dom de Entendimento. Mediante esse dom, o Espí- rito Santo faz com que a nossa inteligência capte e entenda bem, de maneira correta, sem deturpações nem erros, o significado autêntico das verdades reveladas por Deus, ou seja, das verdades contidas na Bíblia, transmitidas pela Tradição da Igreja e conservadas e interpre-

12 1Jo 3,18

13 Ef 3,16-19

14 São Josemaria Escrivá, Santo Rosário, Apêndice (mistérios da luz)

tadas fielmente pelo Magistério da Igreja: pelos ensinamentos magisteriais do Papa e dos bispos que estão em plena comunhão com o Santo Padre, sucessor de Pedro.

LEITOR 2. — Realmente, sem esse dom do Espírito Santo, poderíamos saber de cor o teor literal dessas verdades, recitar o Creio em Deus Pai e repetir pontos do Catecismo sem ne- nhuma falha, e, mesmo assim, ficarmos sem entender essas doutrinas ou, o que seria bem pior, interpretá-las erradamente, adaptar as verdades (por exemplo, as verdades sobre o Sacramento do Matrimônio, sobre a Confissão, sobre o pecado e a graça) aos nossos gostos e paixões; ou então — coisa que hoje é fácil que aconteça — fazer uma confusão entre as idéias certas e as idéias erradas que a mentalidade pagã no mundo atual difunde constantemente.

LEITOR 3. — O que faz o dom de entendimento é como que acender a luz de Deus dentro de cada uma dessas verdades cristãs. Para colocar uma comparação, assim como o milagre da Transfiguração fez contemplar com luz divina a figura humana de Cristo, assim o dom de entendimento “transfigura”, por assim dizer, as verdades da fé que já conhecemos, e faz com que as vejamos cheias de um luz nítida, sem sombras.

LEITOR 1. — Gostariam de ver alguns exemplos desse dom “em ação”?

TODOS. — Gostaríamos, e desde já queremos pedir, como faz a Igreja, que a luz do Espírito Santo instrua os nossos corações para apreciarmos o que é verdadeiro.

LEITOR 1. — Vamos, então, aos exemplos. Vou recordar agora apenas três. O primeiro é ci- tado por João Paulo II justamente como exemplo desse dom. Trata-se da cena dos discípulos de Emaús que, mesmo estando a caminhar com Jesus e a conversar com Ele, tinham os olhos como que vendados e não o reconheceram. Só depois de entrar em casa e sentar-se à mesa com Ele, no preciso momento em que nosso Senhor repetiu ali o milagre da Eucaristia, é que se lhes abriram os olhos e o reconheceram 15. Instantes antes, não captavam nada e até se engana- vam a si mesmos. Agora, entendem tudo. O Espírito Santo concedeu-lhes esse dom. Como é importante pedir luz ao Espírito Santo!

TODOS. — E os outros dois exemplos?

LEITOR 1. — O segundo aconteceu também durante uma aparição de Jesus ressuscitado. Desta vez, Ele foi ao encontro dos onze Apóstolos (pois Judas já não estava), reunidos no Cenáculo. Nosso Senhor achou-os ainda perturbados, cheios de dúvidas. Então, após mos- trar-lhes as chagas das mãos e dos pés e de comer diante deles, como prova de que estava vivo, comunicou-lhes o dom do entendimento: Abriu-lhes então o espírito para que compreen- dessem as Escrituras 16: aqueles textos do Antigo Testamento —sobretudo dos Salmos e dos Profetas — que, quando o Espírito Santo abre os olhos da mente, nos deixam boquiabertos, pois “captamos”, com emoção, que narram a vida de Jesus, os detalhes de sua Paixão, Morte e Ressurreição de modo impressionante, com muitos séculos de antecedência. A terceira cena é dos Atos dos Apóstolos. Alguém se lembra?

15 Lc 24,16ss

16 Lc 24,38ss

LEITOR 2. — Refere-se à conversão de Lídia?

LEITOR 1. — Exatamente. É uma beleza esta cena.

LEITOR 2. — Sim. É uma passagem muito bonita, da época em que São Paulo começou a pre- gar o Evangelho na cidade de Filipos, na região da Macedônia. Pregava ao ar livre, num lugar tranqüilo junto de um rio, e lá se encontrava, prestando muita atenção, uma mulher piedo- sa… Mas vamos deixar que São Lucas, que estava lá presente, nos conte a cena com suas próprias palavras: Uma mulher chamada Lídia, da cidade de Tiatira, vendedora de púrpura, temen- te a Deus, nos escutava. O Senhor abriu-lhe o coração para atender às coisas que Paulo dizia. Foi bati- zada com toda a sua família 17. Em poucas palavras, quase como num telegrama, São Lucas conta-nos como o dom de entendimento transformou uma mulher sincera e de boa vontade e, através dela, toda uma família.

TODOS. — Que maravilhoso seria se Deus nos concedesse uma graça como essa! Divino Espí- rito Santo, vós que sois “luz dos corações”, derramai essa luz na nossa alma e na de todos os nossos familiares e amigos!

LEITOR 3. — Todos temos este desejo, claro! Mas…, será que a nossa alma está suficiente- mente aberta para receber esse dom? Porque a Bíblia também fala de almas que se fecharam à luz do Espírito Santo. É triste! Para começar, os fariseus, que trancavam com orgulho o coração perante a pregação de Jesus: Nós diziam — somos discípulos de Moisés, mas este ho- mem não sabemos de onde é 18. Não suportavam a doutrina de Jesus, porque Cristo desmasca- rava a sua religiosidade formalista, hipócrita e interesseira. E nosso Senhor teve que lhes dizer coisas duras: Por que não compreendeis a minha linguagem? Quem é de Deus ouve as palavras de Deus, e se vós não as ouvis é porque não sois de Deus 19.

LEITOR 2. — Vocês sabem o que acontece com aquele que “não é de Deus”, porque seu único “deus” é ele mesmo, e, por isso, não quer nem saber de Deus nem da religião verdadeira, nem da autêntica prática religiosa? Acontece que se joga nas mãos do demônio, do “pai da mentira”. Assim falava Cristo: Por que não compreendeis?Vós tendes como pai o demônioEle não permaneceu na verdadeQuando diz a mentira fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira 20.

TODOS. — Que Deus nos livre desse horror!

LEITOR 3. — Certo. Mas vamos refletir… Por que é que as pessoas não querem conhecer a verdade de Deus? Inclusive, por que, às vezes, nós mesmos não queremos aprofundar nelas?

Paremos um pouco para meditar nisso…

(pausa de silêncio)

17 At 16,14-15

18 Jo 9,29

19 Jo 8,43.47

20 Jo 8,43-44

LEITOR 2. — Uns não querem conhecer as verdades de Deus por má vontade, porque não querem mudar, como aquele governador romano chamado Félix que conversava com São Paulo, quando o Apóstolo estava preso em Cesaréia marítima. Conta São Lucas, nos Atos, que Félix ouvia Paulo falar da fé em Jesus Cristo; mas, quando Paulo começou a falar sobre a santidade, a castidade e o juízo futuro, Félix, todo atemorizado, disse-lhe: Por ora, podes retirar-te. Eu te ouvirei em outra ocasião 21 . Não queria mudar a sua conduta licenciosa, e por isso afastou os ouvidos da verdade. Preferia não ficar sabendo verdades que o incomodavam.

LEITOR 3. — Outros, infelizmente, são vítimas da ignorância; ou, então, se deixaram envol- ver, sem reparar, pelos erros que hoje estão tão difundidos — inclusive em ambientes cató- licos —, e que são falsas interpretações da doutrina de Cristo, do ensinamento da Igreja. Ou- tros, além de comodistas e superficiais, são convencidos: em vez de estudarem a doutrina católica, de aprofundar nela e de meditá-la seriamente, se dedicam a exibir sabedorias que não têm, e opinam à toa sobre tudo o que desconhecem… “Eu acho” — dizem … “Eu penso assim”… “Não acredito nisso”… No lugar do dom de entendimento, eles têm a confusão. Em vez de estudar a doutrina, praticam o “achismo”.

TODOS. — Divino Espírito Santo, nós vos pedimos que não permitais que ninguém transmita aos nossos filhos — e a nós mesmos — teorias erradas ou religiosidade sentimental e oca, em vez do alimento sólido da nossa santa doutrina católica. Fazei que nos ensinem sempre a doutrina da fé e da moral tal como a Igreja sempre a ensinou: a doutrina tal como está no Catecismo da Igreja Católica e nos bons e sadios catecismos, esses pequenos catecismos de perguntas e respostas que fazem um bem enorme e que é tão bom aprender de cor.

LEITOR 2. — Vocês têm toda a razão. Quando se conhece a verdade com exatidão, tal como a explica o Magistério da Igreja e tal como a ensinam os bons catecismos, então o Espírito Santo, com o dom de entendimento, acende luzes de inteligência maravilhosas sobre as verdades conhecidas.

LEITOR 3. — Como é fantástico, por exemplo, receber luzes divinas para entender todas as dimensões da “loucura de amor” da sagrada Eucaristia! O dom de entendimento lança sem- pre luzes novas no nosso coração, luzes que nos fazem compreender que, ao entregar-se a nós na Eucaristia, Jesus “amou-nos até ao fim” 22; que, na Santa Missa, o sacrifício redentor de Cristo na Cruz se torna realmente presente, ultrapassando os limites do espaço e do tempo; que, no Sacrário, está Jesus em pessoa o dia inteiro à nossa disposição, desejando a nossa companhia, como na casa de Lázaro, Marta e Maria…

LEITOR 2. — Quando o Espírito Santo nos ajuda a entender isso, como não vamos sentir um desejo ardente de participar mais freqüentemente da Missa? Como não vamos achar o jeito de visitar mais vezes Jesus no sacrário, numa igreja ou numa capela, e de ficar lá, junto dele, um bom tempo em adoração?

LEITOR 3. — E, se compreendemos bem o que é a Eucaristia, como não vamos sentir a neces-

21 At 24,24

22 Jo 13,1

sidade de receber a Santa Comunhão com a maior freqüência possível? E de nos preparar- mos para comungar purificando bem a nossa alma — sempre que preciso, pela Confissão pessoal —, pois sabemos, pela fé, que receberemos o Filho de Deus, Jesus, com seu Corpo, seu Sangue, sua Alma e sua Divindade?

TODOS. — Senhor, fazei-nos compreender e amar a maravilha do Sacramento da Reconcili- ação, da Confissão individual dos nossos pecados, que nos leva de volta, como o filho pródi- go, à Casa do Pai, desse Pai-Deus que sempre nos espera pessoalmente, que nos abraça com imenso carinho, que nos cobre de beijos e nos cumula de dons. E, depois, nos alimenta com o banquete do Pão do Céu.

LEITOR 1. — Está na hora de encerrarmos este encontro. Então, sugiro como propósito con- creto para este terceiro dia o seguinte: decidir-nos a ler e estudar, de maneira sistemática e constante, o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica — tão recomendado pelo Papa Bento XVI — ou algum outro bom Catecismo que contenha, de modo ordenado e completo, o autêntico ensinamento da Igreja. E, na medida do possível, normalmente de acordo com o pároco, colaborar no ensino do catecismo a crianças, adolescentes ou adultos. E, sempre, pedir as luzes do Espírito Santo para esse estudo e para esse trabalho de catequese.

Quarto dia

O DOM DE CIÊNCIA

TODOS. — Vinde, Espírito Santo, e enviai do Céu um raio da vossa luz. Iluminai a nossa mente e o nosso coração, para que possamos contemplar o mundo e as coisas do mundo, a vida, os acontecimentos e as pessoas no seu verdadeiro valor, tal como Deus os vê.

LEITOR 1. — Com esta oração, começamos hoje a implorar o dom de Ciência, um dos dons que precisamos pedir ao Espírito Santo, porque nos faz muita falta.

LEITOR 2. — O Papa João Paulo II dizia que, graças a esse dom, o Espírito Santo nos dá a co- nhecer “o verdadeiro valor das coisas criadas na sua relação com o Criador”, ou seja, o sen- tido autêntico que as coisas do mundo têm aos olhos de Deus, e, portanto, o sentido que de- veriam ter também aos nossos olhos.

LEITOR 3. — Quer dizer que o dom de ciência faz com que possamos enxergar “com os olhos de Deus” a finalidade, o significado e o valor da natureza, dos bens materiais, do nosso cor- po, do sexo, da saúde, da dor, do prazer, do trabalho e do descanso, em resumo, de todas as realidades deste mundo.

TODOS. — Divino Espírito Santo, iluminai as nossas mentes e os nossos corações, para que possamos contemplar e entender todas as coisas do mundo e da vida com a luz de Deus, e

não com a visão deturpada do materialismo, do egoísmo e do hedonismo.

LEITOR 1. — Todos temos a experiência de que as realidades deste mundo nos atraem. Elas têm um encanto, um fascínio, que lhes vem de Deus, porque são obra dEle. Mas — depois que o pecado entrou no mundo — esse encantamento das criaturas ficou ambíguo e perigo- so: tanto pode cativar-nos com uma atração boa, que eleva para Deus, como seduzir-nos e desviar-nos com uma atração má, que leva à perdição.

TODOS. — Este assunto é importante! Valeria a pena meditá-lo mais a fundo.

LEITOR 1. — Certo. Vejam. A atração boa é a admiração, o deleite que experimentamos ao contemplarmos, extasiados, a beleza das obras de Deus. É aquela sensação de enlevo que temos ao contemplar as maravilhas da natureza, o fascínio do mar num dia ensolarado; ou a beleza da paisagem que se avista do alto de uma montanha; ou, ainda, a graça, a riqueza e a variedade dos seres vivos — da “criaçãozinha de Deus”, como dizia um poeta —; e sobretudo a grandeza e beleza do ser humano, da mulher, do homem, da criança…, assim como das maravilhas que os seres humanos, criados à imagem e semelhança de Deus, foram capazes de realizar ao longo dos séculos no campo das artes, das ciências, da técnica…

LEITOR 2. — Através dessa contemplação e mediante o dom de ciência, o Espírito Santo nos move a cantar a glória de Deus e as suas grandezas, e a viver numa contínua ação de graças. É isso o que levava, por exemplo, São Francisco de Assis à alegria de louvar a Deus pelo sol, pela lua, pelo vento, pela água, pelo fogo, por todas as criaturas: «Louvado sejais, meu Se- nhor, no conjunto de todas as vossas criaturas, especialmente pelo irmão sol… Ele é belo e radiante com grande esplendor, e traz o vosso sinal, ó Altíssimo… Louvado sejais, meu Se- nhor, pela irmã água, a qual é muito útil e humilde e preciosa e casta…»

TODOS. — E ainda dizia: «Louvado sejais, meu Senhor, pelo irmão fogo, pelo qual iluminais a noite, e ele é belo e alegre e vigoroso e forte… Louvado sejais, meu Senhor, por nossa irmã e mãe terra, que nos alimenta e produz variados frutos e coloridas flores e ervas… ».

LEITOR 3. — E tão bonito lembrar que São Francisco exultava de alegria, louvando o irmão pássaro, o irmão jumentinho, o irmão lobo… E, sobretudo, louvando o bom coração dos seus irmãos os homens: «Louvado sejais, meu Senhor, por aqueles que perdoam por vosso amor, e por amor suportam as enfermidades e tribulações…».

LEITOR 1. — Ele, como todas as almas puras, via nas criaturas a marca da mão de Deus que as fez; e especialmente nos seres humanos via a marca sagrada da dignidade dos filhos de Deus. Os santos aprenderam isso com Jesus que, com as suas parábolas, ensinava os mais elevados mistérios de Deus utilizando-se de comparações tiradas da natureza: do campo, da pesca, das aves do céu; e da vida cotidiana dos homens: o semeador, a mulher que prepara o pão, a viúva que dá uma esmolinha, o homem que constrói uma torre, o rei que convida ao casa- mento do filho…

LEITOR 2. — Esse é o olhar certo. Dele falava São Paulo aos romanos: De fato, as perfeições invi-

síveis de Deus são percebidas pela inteligência através das suas obras, desde a criação do mundo 23. É o mesmo pensamento que se encontrava no Livro da Sabedoria, quando fala dos insensatos que não souberam reconhecer o Artista divino, considerando as suas obras 24.

LEITOR 1. — Quando nós vemos as coisas com os olhos de Deus, respeitamos o plano que o Senhor quis para elas, a ordem santa da Criação, a lei de Deus que, pelo nosso bem, nos manda respeitar — sem exceções — a vida humana desde o primeiro instante da concepção até a morte natural; a santa lei de Deus que manda viver a castidade e respeitar, assim, a grandeza do sexo, que Ele destinou ao amor fiel e à procriação dentro do casamento; a santa lei de Deus que nos ensina a usar de maneira sóbria, justa e temperada 25 as riquezas materiais, o alimento, a bebida, o esporte, as distrações e os prazeres sadios do mundo; sem esque- cer-nos nunca do que Jesus dizia: De que serve ao homem ganhar o mundo inteiro, se vem a perder a sua alma? 26.

LEITOR 3. — Esta vida em harmonia com a Vontade de Deus é que é a autêntica “vida boa”, a única que nos pode dar a paz e a felicidade aqui na terra e depois no Céu. Aí está é a verda- deira “ciência” do viver. A falsa ciência, pelo contrário, é aquela atitude que não quer saber da lei de Deus nem dos seus planos sábios e santos, e só quer obedecer à lei do egoísmo, do desejo e do gosto: essa é a “atração má” de que falávamos antes.

TODOS. — É pena que poucos o entendam assim e se deixem arrastar pela visão mundana, que faz do prazer egoísta, do dinheiro e da ambição um ídolo que atropela a fé e a moral, que acaba com a saúde física e psíquica — nesses horrores do alcoolismo, das drogas, das desordens sexuais! —, que pulveriza o amor humano e arruína a família.

LEITOR 1. — Será que tudo isso não mexe conosco, e nos faz compreender o dever grave que temos de dar exemplo com a nossa conduta moral, de cuidar mais da educação da consciên- cia moral dos filhos, ajudando-os a entender o valor da lei de Deus; e de lutarmos, de ma- neira positiva, para difundir a verdade sobre a dignidade do ser humano, sobre o matrimô- nio estável e fiel, sobre o erro das aberrações do aborto e da eutanásia…? Que acham se fa- zemos uma pausa, para pensar um pouco?

(pausa de silêncio)

TODOS. — Divino Espírito Santo, dai-nos forças para sermos testemunhas da verdade de Deus, da felicidades que se consegue seguindo fielmente o que Deus nos pede, o que a moral da Santa Igreja nos ensina; e não permitais que os nossos filhos se percam na confusão ma- terialista deste mundo: que não sejam iludidos por amizades ou por mestres desorientados, nem pelo mau uso da Internet e de outros meios de comunicação.

LEITOR 1. — Mas a nossa meditação sobre o dom de ciência ficaria incompleta se não falás- semos de outro modo maravilhoso de ver o mundo com os olhos de Deus. Dizíamos que a

23 Rm 1,20

24 Sb 13,1

25 Cf. Tt 2,12

26 Mc 8,36

criação, vista com olhos puros, nos leva a louvar a Deus e também a descobrir que a harmo- nia e o bem da criação só se alcança obedecendo a lei que o Criador lhe deu. Mas Deus nos mostra ainda outra beleza. Ele nos ensina que, no mundo, os nossos trabalhos, até mesmo os mais materiais, os deveres cotidianos simples e sem brilho, podem e devem ser um grande

«caminho de santificação».

TODOS. — Como assim? Que quer dizer com isso?

LEITOR 1. — Vale a pena meditá-lo brevemente, e nada melhor, para isso, do que escutar palavras de um santo que, na nossa época, foi o mensageiro escolhido por Deus para difun- dir essa doutrina: São Josemaria Escrivá. Escutemos, pois, alguns dos seus ensinamentos, tirados de uma belíssima homilia 27.

LEITOR 2. — «O mundo não é ruim, porque saiu das mãos de Deus… Nós, os homens é que o fazemos ruim e feio, com os nossos pecados e as nossas infidelidades».

LEITOR 3. — Dentro deste mundo que, em si mesmo, é bom, «Deus nos espera em cada dia: no laboratório, na sala de operações de um hospital, no quartel, na cátedra universitária, na fábrica, na oficina, no campo, no seio dom lar e em todo o imenso panorama do trabalho. Não esqueçam nunca: há algo de santo, de divino, escondido nas situações mais comuns, algo que a cada um de nós compete descobrir».

TODOS. — E em que consiste esse algo de santo, de divino?

LEITOR 3. — Na possibilidade que temos a toda hora de fazer o trabalho e de cumprir o de- ver, mesmo nos detalhes mais insignificantes — desde que se trate de tarefas honestas —, com amor a Deus e amor ao próximo, como uma oferenda para Deus e um serviço aos ir- mãos. «Eu lhes asseguro, meus filhos — dizia São Josemaria —, que quando um cristão de- sempenha com amor a mais intranscendente das ações diárias, está desempenhando algo de onde transborda a transcendência de Deus… Não há outro caminho: ou sabemos encontrar o Senhor na nossa vida de todos os dias, ou não o encontraremos nunca».

TODOS. — Que ideal maravilhoso! Assim se entende que a santidade seja possível para todos, que esteja ao alcance de todos os cristãos de boa vontade: mulheres e homens, casados e solteiros, trabalhadores manuais e trabalhadores intelectuais…

LEITOR 3. — Sim! E assim se entende que nós, os cristãos, possamos ver o casamento e a fa- mília na sua dimensão divina: como uma vocação para a santidade e o serviço aos outros; e também que possamos encarar o trabalho profissional como uma vocação de Deus para sermos santos nas próprias incidências do afazer cotidiano e fazermos apostolado com co- legas, amigos, parentes … A vocação cristã no meio do mundo é um grande ideal!

LEITOR 1. — Sem dúvida. E, como a Igreja ensina, é uma vocação de amor, uma chamada a ser, como diz São Paulo, filhos de Deus, santos e irrepreensíveis na sua presença 28. Mas a verdade é que já estamos na hora de encerrar este encontro, e, por isso, penso que será bom terminar, por um lado, pedindo a graça do Espírito Santo para que, por meio do dom de ciência, nos faça compreender e amar esse ideal de santidade no mundo; e, por outro, fazendo o propósito concreto — é a sugestão deste dia —de examinarmos se trabalhamos com amor, sob o olhar de Deus e com o coração voltado para o bem dos outros, e se evitamos no di- a-a-dia, o mais possível, voltar-nos para nós mesmos e para os nossos interesses egoístas.

TODOS. —Que Deus abençoe as nossas tarefas e nos ajude a cumprir nossos propósitos!

Quinto dia

O DOM DE CONSELHO

TODOS. — Fazei, ó divino Espírito Santo, que a vossa luz oriente todos os nossos planos, es- colhas e decisões, de modo que vivamos sempre guiados pela prudência cristã, e possamos “dar bom conselho a quem dele precisar”.

LEITOR 1. — Hoje vamos meditar sobre o dom de Conselho. A oração que acabamos de fazer, já nos dá uma boa idéia dele. Querem saber como o definia o Papa João Paulo II?

LEITOR 3. — Lógico! Mas eu gostaria de saber quando é que ele falou dos dons do Espírito Santo, e onde podemos encontrar esses seus ensinamentos?

LEITOR 1. — Desculpem não ter esclarecido antes. Ele expôs essa doutrina nas alocuções que fez aos domingos, antes de rezar o Regina Caeli [Céli] do meio-dia, no tempo de Páscoa de 1989 29. Foi no dia 7 de maio de 1989 que falou do dom de Conselho, e dizia que, mediante esse dom, o Espírito Santo enriquece e aperfeiçoa a virtude da prudência (necessária para fazer escolhas e planos, e para tomar decisões acertadas), e ilumina interiormente a alma sobre o que deve fazer, especialmente quando se trata de opções importantes. Dizia que é como “um sopro” do Espírito Santo dentro da nossa consciência.

TODOS. — Que falta nos faz! Como é importante rezar, implorando este dom!

LEITOR 2. — Sem dúvida. Já imaginaram como é importante acertar quando temos que deci- dir, por exemplo, sobre a escolha da vocação; sobre casar ou não com uma determinada pessoa; procurar ter ou não mais um filho; decidir entre um trabalho honesto e pouco lucra- tivo e outro mais lucrativo mas moralmente duvidoso; colocar um filho numa escola boa e que sai muito em conta, mas que transmite erros sobre a fé e a moral, ou em outra escola um pouco inferior, mas que não prejudica a fé e a moral dos alunos; ou, quando surgem pro- blemas difíceis na vida dos filhos, como ajudar um filho que já se envolveu com drogas; ou então saber se um católico pode recorrer, em caso de doença, a “passes” ou “bênçãos” dados por espíritas, etc. etc.

TODOS. — Meu Deus, como precisamos deste dom! A toda hora temos dúvidas que não sa- bemos resolver bem, e podemos fazer disparates, tomando decisões ou dando conselhos de conseqüências trágicas, pensando que agimos bem. Como doem, por exemplo, os erros co- metidos na educação dos filhos! Ou os cometidos por enganar-nos na escolha da vocação!

LEITOR 1. — Eu sugiro agora rezar com o coração, pedindo esse dom do Espírito Santo, e meditar em silêncio sobre as nossas dúvidas de consciência, talvez dúvidas que deixamos ficar enrustidas, sem resolver, quando deveríamos ter procurado, antes de que fosse tarde, a resposta de Deus na oração e no conselho de um bom orientador.

(pausa de silêncio)

LEITOR 2. — Acho que pode ser útil perceber que a prudência cristã, que nós pedimos com o dom de Conselho, não é necessária só para grandes ocasiões e grandes problemas, mas no dia-a-dia, nas coisas mais comuns.

LEITOR 3. — Por exemplo?

LEITOR 1. — Eu diria que, por exemplo, em questões de ordem… LEITOR 3. — Como assim?

LEITOR 1. — Muito simples. Todos nós podemos organizar os horários do nosso dia (dentro de certas limitações) como quisermos. Tendo a mesma carga horária de trabalho, há pessoas que encontram tempo para Deus, tempo para conversar com os filhos, tempo para visitar doentes…, e outras que não têm tempo para nada.

TODOS. — Mas hoje em dia é difícil achar tempo, quando os horários de trabalho se alongam cada vez mais, e, nas cidades grandes, precisamos gastar um tempo enorme no trânsito.

LEITOR 2. — É verdade. Mas nunca ouviu dizer que o tempo é de borracha? LEITOR 3. — Que quer dizer isso?

LEITOR 2. — Que o mesmo tempo pode ser “esticado” ou “encolhido”, dar para muito ou não dar para nada. Depende do coração!

TODOS. — Do coração?

LEITOR 2. — Sim, do coração. Ou, para dizê-lo de outra forma, do “querer”. Quando uma pessoa quer muito uma coisa (porque tem a convicção de que é boa para ele, ou porque gos- ta muito, ou porque tem entusiasmo), arranja tempo; não se sabe como, mas arranja tem- po…

LEITOR 1. — É verdade. A pessoa que quer muito fazer um curso superior, faz “milagres”, por assim dizer, mas arranja tempo; o namorado ou a namorada apaixonados arranjam tempo para namorar; o torcedor roxo, arranja tempo para fazer fila na bilheteria de um clássico; a dona de casa viciada em telenovela, arranja tempo para não perder nenhum ca- pítulo…

LEITOR 3. — E não se diga nada do “tempão” que muitos dedicam a programas noturnos de televisão ou à Internet — coisas muitas vezes indecentes —, um monte de pessoas que, por outro lado, dizem que não têm tempo para rezar, para ler, para trocar idéias com a esposa ou o marido e com os filhos, para visitar parentes…

LEITOR 1. — Então, vocês vêem como é importante que peçamos a Deus que nos ajude a ter prudência e conselho, para nos organizarmos e aproveitar o tempo da vida — que sempre é breve — para as coisas que realmente valem a pena, as coisas que Deus quer.

LEITOR 2. — Só que isso custa, exige sacrifício, e nós estamos mais a favor da “lei do gosto” do que da “lei do amor e do bem”.

TODOS. — Meu Deus, fazei com que enxerguemos essas verdades! Que não nos enganemos com desculpas (aquelas de: não tenho tempo de conversar em família, não tenho tempo pa- ra ir à Missa, não tenho tempo de rezar, não tenho tempo de fazer trabalhos apostólicos, não tenho tempo de ajudar e aconselhar os que se extraviam …). E assim vamos passando a vida, deixando as coisas para depois, evitando o que custa… Uma vida vazia de muitas coisas que Deus pede, e cheia de muitas coisas que Deus não quer.

LEITOR 1. — Lembram-se de que hoje, no começo, citando João Paulo II, dizíamos que, com dom de conselho, o Espírito Santo enriquece e aperfeiçoa a virtude da prudência? Acho que agora entendemos bem esta definição, pois a prudência é a virtude que nos ajuda a escolher os verdadeiros bens, as metas boas da vida, e os meios necessários para alcançá-las. Creio que com esses pensamentos podemos terminar a nossa reflexão de hoje.

TODOS. — Meu Deus, o que pedíamos na oração inicial deste dia, queremos pedir de novo para terminar: Fazei, ó divino Espírito Santo, que a vossa luz oriente todos os nossos planos, escolhas e decisões, de modo que vivamos sempre guiados pela prudência cristã, e possamos “dar bom conselho a quem dele precisar”.

LEITOR 1. — Sugestão de propósito concreto para este quinto dia: Fazer todas as noites uns minutos de exame de consciência, antes de nos retirarmos para descansar: para ver o que fizemos bem, o que fizemos mal, o que no dia seguinte devemos fazer melhor. E decidir-nos a praticar a confissão freqüente e a direção espiritual.

Sexto dia

O DOM DE FORTALEZA

TODOS. — Vinde, Espírito Santo, Vós que sois a “força da destra de Deus”, com o canta a Li- turgia, infundi a vossa graça nos nossos corações e cumulai de forças a nossa fraqueza.

LEITOR 1. — Como nos dias anteriores, hoje vamos começar lembrando em que consiste o novo dom sobre o qual vamos meditar: o dom de Fortaleza.

LEITOR 2. — Há uma definição bastante breve: é o dom que nos torna capazes de assumir com coragem as lutas necessárias para levar uma vida cristã, uma vida santa. Essas lutas espirituais são de dois tipos. Alguém se lembra deles?

LEITOR 3. — Acho que sim. O primeiro consiste em ter coragem para correr atrás dos ideais grandes e das virtudes difíceis que Deus nos pede, sem fugir deles por medo, nem desistir a meio caminho porque o esforço custa e cansa. O segundo é a paciência necessária para acei- tar com firmeza as contrariedades, incompreensões e até mesmo perseguições que possam surgir, quando nos decidirmos a ser cristãos de verdade.

LEITOR 1. — Perfeitamente. E, sabem qual é o exemplo máximo de fortaleza cristã?

TODOS. — O martírio! Ter a coragem de dar a vida por amor a Deus antes que renegar da fé e antes que ofender a Deus. É o exemplo que nos têm dado inúmeros santos: Antes morrer que pecar!

LEITOR 3. — Como é bonito, por exemplo, o testemunho dos mártires brasileiros, que são muitos…

TODOS. — Como muitos? Será que nunca nos falaram deles?

LEITOR 3. — Pois, se foi assim, é uma pena. Por isso, acho que vale a pena lembrar, ainda que resumidamente, dois exemplos maravilhosos, e peço a Deus que isso os anime a ler e co- nhecer melhor a santidade heróica de outros católicos brasileiros 30. O primeiro exemplo é o dos mártires do Rio Grande do Norte. Durante o domínio holandês, houve uma perseguição de protestantes contra os católicos. Em 16 de julho de 1645, soldados holandeses, com o au- xílio de guerreiros indígenas, invadiram uma igreja em Cunhaú, durante a Santa Missa. Logo depois da elevação da hóstia, martirizaram barbaramente o celebrante, o padre nonagená- rio André de Soveral, e mais 69 fiéis (homens, mulheres, crianças), que morreram invocado Jesus e Nossa Senhora. Dois meses e meio depois, em 3 de outubro, foram martirizados, à beira do rio Uruaçu, o padre Ambrósio Francisco Ferro e várias dezenas de fiéis católicos, enquanto se ouvia a voz do leigo Mateus Moreira rezando: “Louvado seja o Santíssimo Sa- cramento”. Todos estes mártires foram beatificados por João Paulo II. Mais recentemente, foi beatificada também uma maravilhosa menina catarinense de doze anos, a Bem-aventurada Albertina Berkenbrock, que, em 15 de junho de 1931, imitando o exemplo de Santa Maria Goretti, preferiu morrer antes que ofender a Deus cometendo um pecado grave contra a castidade, apesar das pressões e ameaças do homem que acabou matando-a. Que exemplos para a fé e a moral tão fraquinhas de muitos católicos atuais!

TODOS. — Que Deus nos perdoe as nossas fraquezas. Acho que, realmente, nós não seríamos capazes de fazer o que fizeram esses nossos irmãos brasileiros, heróis da fé e do amor a Deus. Custa dizer: antes morrer que pecar!

LEITOR 1. — Eu também estou certo de que, sem o auxílio da graça e do dom de fortaleza, nenhum de nós conseguiria ter a coragem de abraçar o martírio. Mas não fiquemos só pen-

  1. Basta procurar Santos Brasileiros, no Google

sando nessas situações extraordinárias, que muito provavelmente nunca se apresentarão na nossa vida. Pelo contrário, todos nós precisamos diariamente de coragem e fortaleza para enfrentar e suportar, tal como Deus nos pede, muitas dificuldades. Alguém nos poderia dar alguns exemplos dessa fortaleza no dia-a-dia?

LEITOR 2. — Se não me engano, faz parte da fortaleza cristã, por exemplo, a paciência que a mãe precisa de ter com os filhos, ou a professora com os alunos rebeldes … E também a fir- meza que uma moça católica bem formada precisa ter para não ceder às tentações contra a castidade no namoro, ou nos ambientes de balada e bebida em que há muita licenciosidade

… E a força moral de que precisa um advogado, um policial, um fiscal da receita, um gerente de vendas e tantos outros profissionais, para não se deixarem corromper com propinas ou acordos desonestos… E ainda a coragem de mostrar as convicções cristãs, sem alarde nem agressividade, mas também sem covardia, quando Cristo, a Igreja e as suas instituições, ou algumas verdades da fé ou princípios de moral são atacados ou ridicularizados…

TODOS. — Podemos fazer uma pausa? Acho que, com os exemplos que acabamos de ouvir, todos nós já começamos a “enfiar a carapuça” — como se costuma dizer —, e precisamos tomar mais consciência de algumas falhas e ofensas a Deus que cometemos freqüentemente, por fraqueza.

(pausa de silêncio)

LEITOR 1. — Nestes momentos de silêncio, eu estava pensando na facilidade com que dize- mos, como desculpa, que “a carne é fraca”. E com que facilidade nos esquecemos de que, para um filho de Deus, “a graça é forte”.

LEITOR 2. — É verdade. São Paulo diz que o Espírito Santo vem em auxílio da nossa fraqueza 31, e, por isso, apesar de ele mesmo se sentir muito fraco, exclamava, cheio de alegria: Posso tudo naquele que me dá forças 32.

LEITOR 3. — É isso o que nós vemos acontecer no dia de Pentecostes. Os Apóstolos andavam encolhidos, apavorados, ainda cheios de medo dos que mataram Jesus. Mal recebem, porém, o Espírito Santo, na hora se põem de pé, enfrentam uma multidão de milhares de peregrinos que tinham ido à festa em Jerusalém, e começam a pregar sobre Jesus Cristo, com enorme desassombro: Que toda a casa de Israel saiba, com a maior certeza — clamava São Pedro em alta voz —, que este Jesus que vós crucificastes, Deus o constituiu Senhor e Cristo 33.

LEITOR 1. — Mas, vamos ver, antes de saírem de peito aberto diante de todos e arriscar a vida, o que eles fizeram?

TODOS. — O que nós víamos no primeiro dia da novena: rezar sem cessar, todos juntos, com Maria, a Mãe de Jesus, pedindo a força do alto.

LEITOR 1. — Perfeitamente. Rezar. Este é sempre o primeiro passo, que, como diziam os

31 Rm 8,26

32 Fl 4,13

33 At 2,36

santos, deve preceder, acompanhar e seguir todas as nossas ações. Na Missa de Pentecostes, a Igreja se dirige ao Espírito Santo com estas palavras: Sem o vosso poder divino, nada há de bom no homem, nada há que seja puro. Portanto, rezar, rezar e rezar… Mas há um outro passo im- prescindível. Alguém poderia nos falar dele?

LEITOR 3. — Creio que sim. Parece-me que, para obter a fortaleza de Deus, é preciso que nós nos esforcemos sinceramente, com generosidade, em colaborar, tomando a nossa cruz, co- mo Cristo nos pede: Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e si- ga-me 34.

LEITOR 2. — Uma cruz que é o nosso sacrifício diário, voluntário, corajoso e simples ao mesmo tempo. Por exemplo, oferecer a Deus a mortificação de calar-nos, quando estamos irritados; de não nos queixarmos quando temos motivos de queixa; ou de comer um pouco menos do que mais gostamos, e um pouco mais do que não gostamos; ou o esforço de levan- tar na hora certa, sem conceder um minuto à preguiça; ou a mortificação de acabar até o fim, com perfeição, cada trabalho, ainda que estejamos mortos de cansaço; ou a mortificação de não deixar de fazer oração, leitura espiritual e outras práticas, mesmo num dia muito apertado de tarefas… 35.

TODOS. — Senhor, perdoai-nos. Vós morrestes por nós na Cruz, e nós temos medo de pegar na nossa cruz de cada dia, por amor a Vós e aos nossos irmãos. Ajudai-nos a preparar-nos para receber do Espírito Santo o dom de fortaleza, fazendo mortificações pequenas, fre- qüentes e generosas

LEITOR 1. — E, com essa oração, terminamos o nosso sexto encontro. Eu daria a seguinte sugestão de propósito concreto para este dia: pedir intensamente ao Espírito Santo o dom de fortaleza. E, ao mesmo tempo, fazer uma lista das nossas molezas e covardias, e, parale- lamente, outra lista de mortificações práticas — de pequenos sacrifícios —que nos possam ajudar a vencer, com o auxílio da graça, essas fraquezas.

Sétimo dia

O DOM DE TEMOR

TODOS. — Divino Espírito Santo, lavai o que está manchado; ao que tem sede, dai-lhe água; curai o que está enfermo; abrandai o que é duro; aquecei o que tem frio, guiai o que anda errado.

LEITOR 1. — Hoje vamos meditar sobre o dom de Temor de Deus, que talvez seja um dos menos compreendidos. Porque essa palavra “temor” não é nada agradável. O que é que ela

34 Mt 16,24

35 Ver: São Josemaria Escrivá, Caminho, n.os 172 e segs.

nos sugere?

LEITOR . 3 — Dentro da nossa linguagem comum, a palavra “temor” sugere medo, receio…, até desconfiança. Poderia dar a idéia de que esse dom consiste em ter medo da severidade de Deus, dos seus castigos nesta terra e no inferno… Como se tivéssemos a imagem de Deus como um fiscal ou um juiz terrível.

LEITOR 1. — Como é lógico, isto está errado. A primeira coisa que Jesus nos ensinou é que Deus é Pai e nos ama. Por isso, João Paulo II dizia que esse dom “não significa medo irracio- nal, mas sentido da responsabilidade e de fidelidade à lei de Deus”. E que, sobretudo, con- siste no temor de ofender esse Pai boníssimo: “é o próprio amor de Deus — ensinava João Paulo II — , que faz com que a alma se preocupe de não causar desgosto a Deus, amado como Pai”.

TODOS. — Só ouvindo isso, já dá para perceber que esse dom também tem uma grande ri- queza. Daria para ir aprofundando, hoje, nos seus aspectos principais?

LEITOR 1. — Sem dúvida. É o que procuraremos fazer, começando por um primeiro aspecto, que é importantíssimo e que hoje anda bastante esquecido. Acabamos de ouvir que João Paulo II fala de “responsabilidade” diante de Deus. Vocês sabem que a responsabilidade é o contrário da leviandade, da falta de seriedade e de respeito. Pois bem, não acham que está havendo leviandade demais, falta de seriedade demais, falta de respeito demais para com as coisas de Deus? Uma coisa é ter uma confiança grande, de filhos carinhosos, para com Deus, e outra muito diferente é não ligar para o desrespeito, tratar Deus de qualquer jeito, sermos grosseiros, brincar com Deus…

LEITOR 2. — São Paulo bem que alertava, e são palavras que dão um certo arrepio: Não vos enganeis: de Deus ninguém zomba. O que o homem semeia, isso mesmo colherá, a corrupção ou a vida eterna 36.

TODOS. — Divino Espírito Santo, ajudai a vossa Igreja. Que pena dá ver que hoje, inclusive dentro da igreja e em atos de culto, muitos católicos — com pretextos inconsistentes — fal- tam aos detalhes mais elementares de educação, de respeito e de delicadeza para com Deus. Conversam distraídos. Vão vestidos, diante do sacrário ou na Santa Missa — que é o ato mais sagrado da terra —, como se estivessem num churrasco, quando não andam de forma inde- corosa…

LEITOR 3. — Sim. Parece que não são capazes de fazer uma genuflexão lenta, pausada, devo- ta, toda vez que passam pela frente do sacrário. E, o que é pior — e deveria horrorizar-nos

—, comungam tranqüilamente em estado de pecado mortal, sem se ter confessado antes, esquecendo que São Paulo diz que todo aquele que comungar indignamente, será réu do corpo e do sangue do SenhorE que aquele que comunga sem distinguir o Corpo do Senhor (sem estado de graça, sem fé, sem adoração), come e bebe a sua própria condenação 37.

36 Gl 6,7-8

37 1Cor 11,27.29

LEITOR 2. — Por isso, ao pedir ao Espírito Santo o dom de temor, será bom que lhe peçamos o espírito de adoração, que é um aspecto importante desse dom e um dos sentimentos mais belos e santificadores da vida cristã. Digamos todos, com palavras inspiradas numa devota oração:

TODOS. — Divino Espírito Santo, abri os nossos olhos à infinita grandeza e bondade de Deus. Ajudai-nos a ter um vivo sentimento da majestade de Deus, que nos abisme numa adoração profunda; uma adoração tão clarividente que torne o nosso coração capaz de extasiar-se perante a beleza e grandeza infinita do Amor de Deus, e que no torne também capazes de experimentar um forte temor de pecar, de ofendê-lo e de nos afastarmos dEle 38.

LEITOR 2. — Acho que este é um bom momento para pararmos uns instantes e fazer exame sobre o nosso espírito de amor, respeito e adoração.

(pausa de silêncio)

LEITOR 1. — Há um instante foi mencionado mais um aspecto importante do dom de temor, que é o temor de ofender a Deus, justamente porque queremos amá-lo muito. Algo parecido com o que acontece à pessoa que ama outra com loucura, e, por isso, sofre e se atormenta só de pensar que lhe possa ter causado um desgosto. Este é o temor filial, que é o perfeito temor de Deus. Dele falava Santa Teresa de Ávila nestes termos: “Trabalhai sempre por adquirir uma determinação tão grande de não ofender ao Senhor, que estejais dispostas a perder mil vidas de preferência a fazer um pecado mortal; e dos veniais guardai-vos com sumo desve- lo” 39.

LEITOR 2. — É assim mesmo. Não é perfeito evitar pecados e ofensas só por medo do castigo de Deus.

LEITOR 3. — Aliás, é isto o que nos diz São João: Aquele que teme não é perfeito no amor 40.

LEITOR 2. — E, de fato, os cristãos que só reagem por medo do castigo divino, caem inevita- velmente em duas doenças graves da alma, que costumam levar à ruína espiritual. A pri- meira, é que pouco se importam com os pecados veniais, porque não são de molde a mere- cer as penas do inferno. Acontece, porém, que o acúmulo de pecados veniais, sem o devido arrependimento, vai levando à cegueira da alma, à perda de sensibilidade moral, e precipita inevitavelmente no pecado mortal.

LEITOR 1. — Se alguém chega a esse estado infeliz — o que Deus não permita! —, então, sim, pode ter medo da justiça divina, porque já lembrávamos que com Deus não se brinca. E ser indiferente aos pecados veniais é brincar mesmo com Deus. É como se a pessoa dissesse: Senhor, a Ti que morreste na Cruz por mim, pouco me importa ofender-te, ferir-te a cabeça e o coração com espinhos, desde que isso não me prejudique a mim, isto é, não me ponha em perigo de condenação eterna. Que egoísmo! Deus é Pai, mas não é por ser um Pai tão bom

  1. F. Faus: A tibieza e os dons do Espírito Santo, cap. VII
  2. Caminho de perfeição, Cap. XLI 40 1Jo 4,18

que vamos desprezá-lo e maltratá-lo! LEITOR 3. — E A SEGUNDA DOENÇA?

LEITOR 2. — É uma doença ligada à primeira. É também uma falta de amor. Consiste na in- capacidade de viver o arrependimento verdadeiro — de ter dor de amor pelos pecados, gra- ves e leves — e, em conseqüência, na incapacidade de entender o valor da penitência e da reparação.

LEITOR 1. — Que medo têm muitos da penitência, que aversão a fazer sacrifícios que custem, como um pouco de jejum, ou uma vigília mais prolongada de oração, ou um dia sem televi- são, com a intenção de reparar pelos pecados, unindo-nos à Cruz redentora de Nosso Se- nhor, que padeceu para expiar esses nossos pecados. E, no entanto, a penitência é necessária para purificar a alma, aprimorar o amor e fazer amadurecer o nosso espírito de filhos de Deus.

TODOS. — Hoje, em muitas vidas, o amor foi substituído pelo prazer. Por isso os “amores” humanos, com freqüência, duram muito pouco. E por isso, na opinião pública, falta a capa- cidade, que só o amor pode dar, para compreender a prática da penitência cristã, voluntária. E então, infelizmente, a penitência é vista como coisa ultrapassada, medieval, absurda…

LEITOR 1. — Uma das maiores desgraças que um homem pode ter é não ser capaz de se ar- repender. Aquele que passar pela vida sem ter aprendido a chorar com as lágrimas da peca- dora que pediu perdão aos pés de Jesus, será fatalmente um ser humano mutilado na sua grandeza e diminuído na sua dignidade. Aquele que não “sabe” arrepender-se acaba por endurecer-se nos seus defeitos, e —para dizê-lo com crueza — morre ignorando o que signi- fica a palavra amor, aquela palavra que resume o primeiro e principal de todos os manda- mentos: “Amarás a Deus sobre todas as coisas 41”.

LEITOR 2. — ENQUANTO NÃO BROTAR UMA LÁGRIMA DE VERDADEIRO ARREPENDIMENTO, O CORAÇÃO HUMA- NO, MESMO O QUE PARECE BOM E LIMPO, NÃO POSSUIRÁ O SEGREDO DO ACESSO AO CORAÇÃO DE CRISTO. AS LÁGRIMAS PENITENTES SÃO A CHAVE QUE ABRE ESSA PORTA. SEM ELAS, PARA NÓS, PECADORES, NÃO HÁ OUTRA QUE ABRA.

LEITOR 3. — Que acham se rezamos uma oração, composta em forma de poema por um frade medieval, Jacopone da Todi, pedindo a Nossa Senhora que nos alcance, da graça do Espírito Santo, essa dor de amor, que encerra em si o perfeito temor filial de ofender a Deus.

TODOS. — Ótimo! Podemos rezá-la todos juntos, não? Como é?

LEITOR 3. — É assim. Vale a pena rezá-la pedindo ao Espírito Santo que a grave bem na nossa alma:

TODOS. —: “Eia, Mãe, fonte de amor, / fazei-me sentir a dor / para que eu chore convosco. / Que arda o meu coração / no amor a Cristo Senhor, / para que possa agradar-Lhe./ Fazei isto, santa Mãe: / gravai fundo em minha alma / as chagas do vosso Filho./ Junto à Cruz eu

41 Cf. Mt 22,37

quero estar, / minhas lágrimas juntar / às que lá Vós derramastes”.

LEITOR 1. — Com isso, acho que podemos dar por encerrado este sétimo dia da novena. Eu sugeriria hoje, como propósito concreto, que todas as noites terminássemos o nosso exame de consciência com um ato de dor de amor — por exemplo, Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor, tende piedade de mim, pecador; ou, como dizia São Pedro, Senhor, tu sabes tudo, tu sabes que eu te amo —; ato de contrição que esteja unido a um propósito de emenda e a uma decisão tam- bém concreta de fazer algum ato positivo que compense — como penitência e reparação

—os atos e palavras negativos de que nos arrependemos.

Oitavo dia

O DOM DE PIEDADE (para com Deus)

TODOS. — Ó DEUS, FONTE DE TODA A PIEDADE E SANTIDADE, DERRAMAI EM NOSSAS ALMAS A GRAÇA DO ESPÍ-

RITO SANTO E FAZEI COM QUE, MOVIDOS PELO DOM DE PIEDADE, TRATEMOS CONVOSCO COM A AFEIÇÃO DOS FILHOS MUITO AMADOS.

LEITOR 1. — Hoje vamos meditar sobre o dom de Piedade, mas, antes de começar, precisa- mos fazer um esclarecimento. A palavra piedade, na linguagem cristã, tem dois sentidos. Significa, por um lado, devoção, relacionamento afetuoso com Deus, com Maria, com os An- jos e com os santos. Por outro, significa compaixão, dó, atenção carinhosa aos males, deso- rientações e sofrimentos do próximo. Neste dia consideraremos apenas o primeiro sentido. Qual poderia ser, então, uma primeira definição do dom da Piedade para com Deus?

LEITOR 2. — O Papa João Paulo II diz que é o dom que cura a dureza do nosso coração e o abre à ternura para com Deus; um dom que cria em nós sentimentos de carinho filial e de profunda confiança em Deus, a quem vemos como Pai providente e bom.

LEITOR 3. — É deste dom que falava São Paulo, quando dizia: A prova de que sois filhos é que Deus enviou aos vossos corações o Espírito do seu Filho — o divino Espírito Santo — , que clama “Abá”, Pai! Portanto já não és escravo, mas filho 42. NÃO É UMA MARAVILHA?

LEITOR 1. — O Espírito Santo é o grande fruto da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo. Ao redimir-nos, Ele ganhou para nós o dom do Espírito Santo, o mesmo Espírito de Amor que inundava a sua alma e o fazia invocar seu Pai celestial com essa palavra aramaica, que São Paulo cita duas vezes: Abá (Pai, Papai, Paizinho), uma palavra que os primeiros cristãos con- servavam e repetiam com imenso carinho.

TODOS. — Pai nosso, que estais nos Céus e nos nossos corações, concedei-nos o dom de pie- dade, que nos ajude a viver como filhos muito amados de Deus; a pensar como filhos, a vos tratar como filhos, a corresponder ao vosso amor com carinho de filhos.

LEITOR 1. — Sabem qual é uma das primeiras coisas que o Espírito Santo nos ajuda a fazer, com o dom de piedade?

TODOS. — Gostaríamos de saber dessa…, e das demais, porque você acaba de falar de “uma das primeiras coisas”; quer dizer que há outras.

LEITOR 1. — É verdade. Pois bem, a primeira coisa é ensinar-nos a orar, a conversar de ma- neira íntima e confiada com Deus. São Paulo diz, na Carta aos Romanos, que nós não sabemos orar como convém, mas que o Espírito Santo intercede por nós, e nos ajuda a fazer verdadeira oração, auxiliando-nos com seus gemidos, suas inspirações inefáveis 43.

LEITOR 2. — É tão fácil cair no engano de fazer uma oração que não seja verdadeira oração! É o caso, por exemplo, das pessoas que só rezam quando estão muito preocupadas e aflitas, mas depois se esquecem totalmente de rezar e até de agradecer; ou dos que caíram na rotina ruim: pessoas que fazem habitualmente umas rezas por puro costume, mas de modo mecâ- nico, sem pensar no que dizem, nem colocar o coração em Deus, nem se preocupar por me- lhorar um pouco. A essa oração, Santa Teresa chamava “chacoalhar de latas”.

LEITOR 1. — E vocês sabem o que é ainda pior do que isso? É dizer que, como é tão fácil se distrair ao rezar, é melhor só fazer oração nos momentos em que temos vontade de orar e “sentimos” o gostinho da oração. Confundem a oração com o bolo de chocolate. A oração deles, no fundo, é uma “oração de consumo”, quer dizer, que só a fazem quando lhes dá prazer. Da mesma maneira que assistem cinema, vão passear ou tomam sorvete de maracujá só quando têm vontade. Essas pessoas confundem a autenticidade com seu gosto e prazer pessoal.

LEITOR 3. — É verdade. Dizem: Só vou à Missa quando sinto vontade, não quero ir se não “sinto”; ir sem vontade, só por obrigação, não seria autêntico. Que erro tremendo! Os maio- res atos de amor custam sacrifício, constituem deveres importantes (por exemplo, a mãe e o pai que sacrificam tantas coisas pelos filhos) e muitas vezes têm que ser feitos a contragosto, contra as nossas “vontades”, mas querendo (com uma decisão da vontade). A mãe sacrifica- da sente vontade de descansar, de se divertir, mas “dá o sangue” pelo filho.

LEITOR 2. — Como é fácil confundir a “vontade” — que é a capacidade de escolher, decidir e querer o que é bom, ainda que custe — com as “vontades”, que não passam de desejos volú- veis e de caprichos pessoais. Jesus praticou o máximo ato de amor, que foi dar a vida por nós na Cruz, querendo-o com toda a força da sua “vontade”, mas sem sentir “vontade” nenhu- ma: Meu Pai — dizia no Horto —, se é possível afasta de mim este cálice! Todavia não se faça o que eu quero, mas o que tu queres 44 . POR QUE NÓS NÃO SOMOS CAPAZES DE AMAR DEUS ASSIM? ELE, POR E- XEMPLO, NOS CHAMA NA MISSA, ELE NOS ESPERA NA MISSA, ELE SE ENTREGA A NÓS NA MISSA…, E NÓS RES- PONDEMOS DIZENDOLHE QUE NÃO TEMOS VONTADE”. PAREMOS UM INSTANTE PARA MEDITAR NISSO.

(PAUSA DE SILÊNCIO)

42 Gl 4,6-7

43 Rm 8,26

44 Mt 26,39

TODOS. — Realmente é absurda essa falsa autenticidade, e é uma tentação forte, não só para adolescentes e jovens, mas também para pessoas que se julgam muito maduras. Que Deus nos livre de ter uma religião “de consumo”, esse tipo de religião que se pratica só para obter vantagens ou para “sentir-se bem”; ou seja, para agradar-nos a nós mesmos, e não para a- gradar a Deus.

LEITOR 1. — Acho que seria bom que todos nós, com muita humildade, pedíssemos a Jesus, como os Apóstolos: Senhor, ensina-nos a orar! E, com certeza, nosso Senhor nos responderá, como respondeu a eles: Quando orardes, dizei: Pai 45. É PARA ISSO QUE O DOM DE PIEDADE NOS É DADO, PARA QUE A ORAÇÃO SEJA, ACIMA DE TUDO, UM ATO DE AMOR FILIAL.

LEITOR 2. — Essa oração de filhos é como o arco-íris: tem muitas cores. Umas vezes basta dizer: “Meu Deus, eu te amo!”. Outras, limitar-se a ficar diante do sacrário como aquele la- vrador que explicava ao Santo Cura d’Ars o tipo de oração que fazia: “Eu olho para Ele, e Ele olha para mim”. Outras, é ter a simplicidade de pedir o que necessitamos, sobretudo para a nossa alma e para o bem dos outros.

LEITOR 1. —Será que nos esquecemos da insistência tremenda com que Jesus nos move a pedir: Pedi e recebereis, buscai e achareis, batei e vos será abertoSe vós, sendo maus, sabeis dar coisas boas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai celeste dará boas coisas aos que lhe pedirem 46. ISSO

PROVA QUE DEUS GOSTA DA NOSSA PETIÇÃO CONFIANTE E A DESEJA, DESDE QUE ESTEJA IMPREGNADA DO ESPÍ- RITO DA SEGUNDA PETIÇÃO DO PAINOSSO: SEJA FEITA A VOSSA VONTADE, ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU.

LEITOR 3. — E, ainda poderíamos acrescentar que é muito bom fazer orações que consistam apenas em dar graças; ou em ficar lendo e contemplando a vida de Jesus e de Maria; ou em dizer com simplicidade: “Senhor, que não sei fazer oração” 47, MAS QUERO DEDICARVOS ESSE TEMPO, MESMO QUE SEJA SÓ PARA VOS FAZER COMPANHIA E REPETIR: “SENHOR, AJUDAIME”.

LEITOR 1. — E, além disso, vamos lembrar como é bom rezar todos os dias as orações da manhã e da noite; e, sempre que possível, rezar o “Anjo do Senhor” ao meio-dia; e — tomara que todos nós o fizéssemos — o Terço, que é a oração preferida de Nossa Senhora: Ela a ama tanto, que a recomendou pessoalmente quando apareceu em Lourdes e Fátima…

LEITOR 3. — Tudo isso nos traz ao pensamento como Cristo gosta de que sejamos simples de coração: Se não vos fizerdes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus 48. AS CRIANÇAS NÃO SE COMPLICAM, SABEM QUE SÃO FRACAS, PEQUENAS, QUE DÃO TOMBOS E SE MACHUCAM, QUE FAZEM TOLICES; MAS, DEPOIS DE UMAS LAGRIMINHAS NOS BRAÇOS DA MÃE OU DO PAI, VOLTAM A BRINCAR CONTENTES, PORQUE SABEM QUE SÃO QUERIDAS E SE SENTEM PROTEGIDAS; ELAS CONFIAM TOTALMENTE NOS PAIS.

LEITOR 2. — POIS, OLHEM, JUSTAMENTE ESSA CONFIANÇA FILIAL É UM DOS FRUTOS ESPECÍFICOS DO DOM DE PIEDADE, COMO RECORDA JOÃO PAULO II, COM UMAS PALAVRAS QUE CITÁVAMOS ANTERIORMENTE: O DOM DE PIEDADE — DIZ O PAPA — ENRIQUECE A ALMA “COM SENTIMENTOS DE PROFUNDA CONFIANÇA PARA COM DEUS,

45 Lc 11,1-2

46 Ver Mt 7,7-11

47 São Josemaria Escrivá: Caminho, n. 90 48 Mt 18,3

EXPERIMENTADO COMO PAI PROVIDENTE E BOM”.

LEITOR 3. —É maravilhoso constatar que essa confiança pode ser vivida a cada hora, a cada minuto da nossa vida.

TODOS. — De que maneira?

LEITOR 3. — Da maneira mais simples do mundo, exercitando a fé na Providência, compre- endendo que nosso Pai Deus nos acompanha com carinho a cada instante, como dizia Jesus: Não vos inquieteis; vosso Pai vê; vosso Pai sabe; não cai um passarinho do ninho sem a sua licença 49. SIM, DEUS NOS ACOMPANHA COM ZELO AMOROSO E, MUITAS VEZES, AS HORAS EM QUE ELE ESTÁ MAIS PERTO DE NÓS SÃO JUSTAMENTE AQUELAS EM QUE POR CAUSA DE UM SOFRIMENTO, DE UMA CONTRARIEDADE ACHAMOS QUE NOS ABANDONOU… MAS, COMO DIZIA SÃO PAULO: DEUS FAZ CONCORRER TODAS AS COISAS PARA O BEM DAQUELES QUE O AMAM 50.

LEITOR 2. — Por isso nos ajuda tanto fazer muitos atos de presença de Deus — “Senhor, creio que estás aqui, que me vês, que me ouves” —, atos de fé e amor que nos movem a oferecer a Deus tudo o que fazemos, e, em conseqüência, a realizá-lo com a maior perfeição possível: com amor, com capricho. Isso é viver o dom de piedade nas menores coisas de cada dia.

TODOS. — Divino Espírito Santo, concedei-nos o dom de piedade, para que possamos expe- rimentar a imensa alegria de viver como filhos de Deus, de nos sentirmos filhos muito que- ridos de um Pai todo-poderoso que nos vê, que nos ama e nos escuta, e que nos acompanha em cada um dos nossos passos. Que saibamos cumprir cada dever, cada tarefa, mesmo as muito pequenas, com perfeição de amor, e oferecê-las a Deus desde que amanhece o dia.

LEITOR 1. — COM ISSO, PENSO QUE PODEMOS ENCERRAR ESTE OITAVO DIA DA NOVENA. EU SUGERIRIA, COMO PROPÓSITO CONCRETO, PREPARARMOS CADA UM DE NÓS COM CARINHO — INCLUSIVE POR ESCRITO — UM PLANO DE VIDA ESPIRITUAL, EM QUE FIQUEM DEFINIDAS, COM SEUS HORÁRIOS, AS ORAÇÕES E LEITURAS ESPIRITUAIS QUE NOS PROPOMOS A FAZER DIARIAMENTE; E TAMBÉM OS SISTEMAS PRÁTICOS DE LEMBRAR-NOS MAIS DA PRE- SENÇA DE DEUS AO LONGO DO DIA, COMO, POR EXEMPLO, ORAÇÕES BREVES, JACULATÓRIAS, OLHARES À IMAGEM DE CRISTO E DA VIRGEM SANTÍSSIMA, ETC. E ME PARECE BEM PRÓPRIO DESTE DIA, EM QUE MEDITAMOS SOBRE O DOM DE PIEDADE, TERMINAR REZANDO UM PAI NOSSO.

TODOS. — Pai nosso…

Nono dia

O DOM DE PIEDADE (para com o próximo)

TODOS. — VINDE, ESPÍRITO CRIADOR, VISITAI AS ALMAS DOS VOSSOS FIÉIS; ENCHEI DE GRAÇA CELESTIAL OS CORAÇÕES QUE VÓS CRIASTES; VÓS, QUE SOIS CHAMADO O CONSOLADOR, O DOM DO DEUS ALTÍSSIMO, FONTE

49 Mt 6,25s; 10,29

VIVA, FOGO, CARIDADE E UNÇÃO ESPIRITUAL.

LEITOR 1. — Hoje completamos a nossa meditação sobre os sete dons do Espírito Santo, e pedimos luz ao Paráclito para compreender bem a segunda manifestação do dom de Pieda- de, que — como víamos ontem — é a piedade para com o próximo. Como definiríamos esse dom?

LEITOR 2. — Com certeza, aqui também nos pode ajudar o que dizia João Paulo II, que, aliás, já lembramos no último encontro: “Mediante o dom de piedade, o Espírito Santo sana em nosso coração todo tipo de dureza e o abre à ternura para com Deus e para com os irmãos”. Sobre esse último aspecto, o Papa acrescentava que o dom de piedade nos comunica a ter- nura em forma de uma “abertura autenticamente fraterna para com o próximo, que se ma- nifesta na mansidão”. Ao mesmo tempo, dizia que esse dom “extingue no coração todos os focos de tensão e divisão, tais como a amargura, a cólera e a impaciência; e alimenta a alma com sentimentos de compreensão, de tolerância e de perdão”. Não acham que é um fantás- tico panorama de amor cristão? Não é isso o que todos nós desejaríamos praticar?

TODOS. — Meu Deus, só por causa dessas palavras que acabamos de ouvir já dá vontade de parar e meditar sobre tantas falhas diárias de amor que nós temos. Muitas faltas de carida- de! Que pena que muitas vezes nem nos demos conta delas e até achemos que são naturais! Supliquemos a Deus que perdoe a nossa falta de “ternura”, e nos conceda a piedade tal como João Paulo II a descreve.

LEITOR 3. Acho que agora, que reconhecemos isso, estamos em condições de meditar me- lhor sobre as palavras do Papa.

LEITOR 1. — Perfeitamente. Sem dúvida, todos nós já percebemos que João Paulo II fala, em primeiro lugar, da “mansidão”, como manifestação de “ternura fraterna”. E lembra que, para vivê-la bem, é preciso “extinguir os focos de tensão e divisão”, e concretamente: “a amargura, a cólera e a impaciência”.

LEITOR 2. — Parece-me natural que Jesus, que nos deu como mandamento principal o do amor a Deus e ao próximo, tenha pedido que pratiquemos a mansidão, porque sem ela o amor ao próximo fica abalado. Aprendei de mim dizia Cristo —, que sou manso e humilde de coração 51. NÃO É POR ACASO QUE ELE COLOCA JUNTAS ESSAS DUAS VIRTUDES, A HUMILDADE E A MANSIDÃO, PORQUE SÃO DUAS IRMÃS GÊMEAS, INSEPARÁVEIS.

LEITOR 3. — Realmente, sem humildade é impossível ter mansidão. A maior parte dos peca- dos de ira, como as explosões de cólera, as irritações, as raivas e as impaciências procedem da falta de humildade, de que nos colocamos como centro de tudo, e qualquer coisa que nos contraria ou nos humilha provoca em nós uma reação de orgulho ferido, de irritação, de protesto.

LEITOR 1. — A respeito disso, vou sugerir que meditemos, fazendo depois uma pausa de re-

50 Rm 8,28

51 Mt 11,29

flexão silenciosa, umas palavras impressionantes de São Paulo, na sua Carta aos Colossenses. São as seguintes: Deixai de lado a ira, animosidade, maledicência, maldade, palavras torpes da vossa bocaComo eleitos de Deus, santos e queridos, revesti-vos de entranhada misericórdia, de bondade, humildade, mansidão e paciência. Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente, toda vez que tiverdes queixa contra alguém. Como o Senhor vos perdoou, assim perdoai também vós 52.

(PAUSA DE SILÊNCIO)

TODOS. — É bem claro que o orgulho é a raiz venenosa da falta de amor ao próximo. Mas, como podemos vencer o orgulho e adquirir a humildade? Como conseguiremos extinguir os focos de divisão, a amargura, a cólera e a impaciência?

LEITOR 1. — Em primeiro lugar, rezando, pedindo humildemente: “Jesus, manso e humilde de coração, fazei o meu coração semelhante ao vosso”. Em segundo lugar, colaborando com esta graça que pedimos — no caso, o dom de piedade —, por meio da nossa luta para purifi- car a alma dos nossos maus sentimentos e maus hábitos, dos defeitos do nosso mau caráter, que são como espinhos que ferem o próximo.

LEITOR 3. — E como podemos lutar, de modo prático?

LEITOR 2. — ALGUNS AUTORES ESPIRITUAIS RECOMENDAM FAZER EXERCÍCIOS DE PACIÊNCIA.

LEITOR 3. — Por exemplo?

LEITOR 2. — Em algum lugar, li uns conselhos práticos, que anotei e trouxe aqui. Poderia ler agora essas anotações, ainda que sejam um pouco longas?

TODOS. — Lógico. O que interessa é meditar coisas que ajudem a melhorar. LEITOR 2. — Então, esse autor, sintetizando um pouco o que ele escreve, diz assim:

  1. Não repreender quando sentimos a indignação pela falta cometida — como diz São Jo- semaria Escrivá. Esperar até acalmar;
  2. Fazer o esforço de escutar pacientemente a todos, se possível com um sorriso dos lábios;
  1. não queixar-nos nem andar comentando a toda a hora as nossas dores de cabeça, de bar- riga ou de coluna nem, em geral, qualquer outro tipo de mal-estar, mas oferecer a Deus o sofrimento, e fazer boa cara;
  2. Não usar nunca as frases do Dicionário da Impaciência: “Você sempre faz isso!”, “De novo”, “Já é a terceira vez!”, “Já estou cansado”, etc., etc.;
  3. Evitar cobranças insistentes e antipáticas, e ajudar os outros com paciência, lembran- do-lhes sem rispidez as coisas que esqueceram e estimulando-os a fazê-las;
  4. não implicar com pequenos maus hábitos ou cacoetes dos outros, mas deixá-los passar como quem nem repara neles: mania de bater na cadeira, de fazer ruído com a boca, de dei-

52 Cl 3,8.12-13

xar luzes acesas e portas abertas;

  1. saber repetir calmamente as nossas explicações a quem não as entende;
  1. não buzinar na rua com raiva, e nunca olhar para a cara do motorista “barbeiro” (não vendo-lhe a cara, é difícil ter raiva dele);
  2. rezar quando a ira começa a ferver, como aquela mãe impaciente que se tornou “rezado- ra”, e dizia nessas horas: “Mãe de misericórdia, rogai por nós (por mim e por esse moleque danado)”; e, quando começava a estourar uma discussão conjugal: “Meu Deus, que eu veja aí a cruz e saiba oferecer-Vos essa contrariedade! Rainha da paz, rogai por nós!”… São só al- guns exemplos. Mas já vêem que isso ficou muito longo 53.

TODOS. — Não importa. É disso que precisamos!

LEITOR 3. — E o que fazer, para praticar esse outro aspecto da piedade, que é a compreensão e o perdão, tão difíceis de viver?

LEITOR 1. — Sobre a compreensão, muitos bons orientadores espirituais aconselham a fa- zer-nos estas perguntas: Eu amo só a “imagem ideal” que fiz dessa pessoa que não consigo compreender, aquela imagem com que sonhei (por exemplo, quando iniciei o namoro), ou estou disposto a amar a “imagem real”, ou seja, a pessoa real que convive comigo dia-a-dia, a pessoa como ela é? — Porque a tal “imagem ideal” (o que nós gostaríamos que os outros fossem e nos achamos no direito de exigir-lhes que sejam) nos impede de “entender”, de “compreender” a pessoa real, de ver por que é assim, por que responde assim, por que age assim. Só após um sério esforço de compreensão é que podemos amá-la — querê-la bem — e ajudá-la pouco a pouco, com paciência, a ser melhor. Dá para entender? Sei que isso exigiria uma longa conversa, mas o tempo não nos permite tê-la.

TODOS. — Está bem… Mas, mesmo que seja brevemente, ainda há tempo de nos perguntar- mos, a respeito do perdão, o que fazer quando não conseguimos perdoar as pessoas que nos ofendem ou prejudicam, mesmo querendo perdoar, mesmo sabendo que Jesus nos pede isso: perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido?

LEITOR 1. — Não é fácil. Para dar uma resposta breve, talvez a melhor coisa seja recordar o conselho que dá o Catecismo da Igreja Católica (núm. 2843): “Não está em nosso poder não mais sentir e esquecer a ofensa; mas o coração que se entrega ao Espírito Santo transforma a ferida em compaixão e purifica a memória, transformando a ofensa em intercessão”. Quer dizer, nós nem sempre somos donos das nossas emoções e sentimentos, mas podemos fazer duas coisas: esforçar-nos por ver o pecado do outro como o que é aos olhos de Deus, uma ferida que o machuca sobretudo a ele mesmo, e termos dor disso; e, depois, rezar — aí está a “intercessão” —, mesmo que não “sintamos” afeto ou simpatia pela pessoa por quem reza- mos.

TODOS. — Que bonita é a expressão do Catecismo, que fala de sermos “um coração que se

53 Cf. F. Faus, A paciência, págs. 25-29

entrega ao Espírito Santo”. Agora que este encontro está chegando ao fim, vamos fazer essa entrega, pelo menos com o desejo: — Divino Espírito Santo, Deus, Amor, eu quero entre- gar-vos o meu coração. Aceitai-o, ainda que esteja manchado e seja fraco e, como reza a I- greja, “acendei nele o fogo do vosso Amor”, para eu possa transmiti-lo aos outros em forma de compreensão e de perdão. Divino Espírito Santo, nós vos agradecemos, e ficamos com a convicção, bem clara e definitiva, de que só o Amor, o vosso Amor, é capaz de “renovar a face da terra”.

LEITOR 1. — Encerrando o nosso nono dia (para alguns, o último dia da novena; para os que desejam fazer o “decenário”, o penúltimo), eu sugeriria, como propósito concreto, examinar com toda a sinceridade as nossas faltas de ternura, de mansidão, de paciência, de compre- ensão e de perdão; e começar propondo-nos alguns “exercícios” práticos de paciência e ca- ridade, semelhantes aos que há pouco nos foram lembrados.

Décimo dia

MARIA: ESPOSA DO ESPÍRITO SANTO

TODOS. — Santa Maria, Filha de Deus Pai, Mãe de Deus Filho, Esposa de Deus Espírito Santo, acolhei maternalmente as nossas súplicas e intercedei por nós para que, na grande soleni- dade de Pentecostes, possamos oferecer ao Espírito Santo um coração aberto, transparente e puro. Vós que sempre acolhestes o Espírito Santo em vosso Coração Imaculado.

LEITOR 1. — Hoje encerramos a nossa novena — o nosso “decenário” — ao Espírito Santo voltando o olhar para a nossa Mãe, Maria Santíssima. Ela é, como a chama o Catecismo da Igreja, “a obra prima de Deus” 54, a virgem puríssima que sempre correspondeu à graça do Espírito Santo, sem nunca lhe opor a menor resistência ou recusa.

TODOS. — Que alegria ter como Mãe aquela que é a “obra prima” do Amor divino, aquela que é movida somente pelo Amor de Deus em pessoa, pelo Espírito Santo.

LEITOR 1. — Vocês se lembram da primeira vez que Nossa Senhora aparece no Evangelho?

LEITOR 2. — Sim, foi no dia da Anunciação. Assim o conta São Lucas, no primeiro capítulo do seu Evangelho: Entrando o Anjo onde ela estava, disse-lhe: Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo 55.

LEITOR 1. — É bonito. Desde o primeiro momento, a Bíblia nos fala de Maria inseparavel- mente unida ao Espírito Santo.

LEITOR 3. — Como assim? Eu não ouvi que o Anjo mencionasse ainda o Espírito Santo. LEITOR 1. — Mas, sim, sem nomeá-lo, ele o mencionou. Repare que a saudação do Anjo Ga-

54 N.o 721

briel, entrando em casa de Maria, é anterior à Encarnação do Filho de Deus no seio da Vi- gem. É importante lembrar-nos disso. E veja que o Anjo saúda Maria com duas frases breves (as que nós repetimos no começo da Ave-Maria). A primeira é Cheia de graça! Vocês sabem que toda a graça é dada pelo Espírito Santo, e que toda alma em estado de graça — limpa de pecado grave—, é templo do Espírito Santo: Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito Santo habita em vós?, dizia São Paulo 56. Pois bem, se até uma alma cheia de pecados veniais é templo do Espírito Santo (ainda que o “entristeça” 57), quanto mais não o será Maria, que foi concebida sem pecado original e jamais foi atingida por pecado algum. Portanto, ao dizer Cheia de graça, o Anjo diz, na realidade: Tu és plenamente habitada pelo Espírito Santo, és o templo perfeito, a morada perfeita do Espírito Santo.

TODOS. — É bonito mesmo ter uma Mãe assim. Mas…, por favor, comente a segunda frase.

LEITOR 1. —O Senhor é contigo — diz o Arcanjo. Que Senhor? Voltemos a pensar que não pode ser Jesus, pois nesse instante ainda não estava em seu seio. Então, isso significa que quem “está com ela” é o Espírito Santo, a quem nós também invocamos como Senhor, no Credo longo da Missa, como aqui faz o Anjo. “Senhor que dá a vida” — dizemos no Credo.

LEITOR 3. — É verdade. E, depois disso, o que é que o Anjo disse? O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra. Por isso, o santo que nascer de ti será chama- do Filho de Deus 58. Nesse momento O Verbo se fez carne e habitou entre nós 59. Não acham mara- vilhoso que Jesus tenha vindo ao mundo como fruto direto do Espírito Santo, do Amor substancial no seio da Santíssima Trindade, e que tenha tido como Mãe a criatura mais bela, pura, maravilhosa e fantástica que saiu das mãos do Criador. E não acham que o mais tocan- te é que nos tenha dado essa Mãe como Mãe nossa? 60.

TODOS. — Sabendo disso, como nós sabemos, será possível que exista algum cristão que não tenha uma admiração, uma devoção, uma ternura e um amor imensos por essa Mãe santís- sima, que nos quer a cada um de nós como filhos seus, irmãos de Jesus Cristo? 61

LEITOR 3. — Agora, se me permitem…

LEITOR 1. — Lógico! Estamos falando de coração aberto…, Diga, por favor.

LEITOR 3. — Então, se me permitem, eu direi que a cena do Evangelho relativa a Maria e ao Espírito Santo que mais me toca o coração é a da Visitação.

TODOS. — Gostaríamos muito de acompanhar o seu pensamento.

LEITOR 3. — Só o fato de ler o que diz o Evangelho de São Lucas já é um jato de luz. Vejam. Maria, na Anunciação, ouviu dizer que sua prima Isabel, já idosa, por mercê especial de

55 Lc 1,28

56 1Cor 3,16

57 Cf. Ef 4,30

58 Lc 1,35

59 Jo 1,14

60 Jo 19,27

61 Rm, 8,29

Deus, estava esperando um filho. O Anjo falou disso como prova de que para Deus não há nada impossível. Mas Nossa Senhora logo captou que Isabel estaria precisando de ajuda nos últi- mos meses de gravidez e, então, diz São Lucas: Maria se levantou e foi às pressas às montanhas, a uma cidade de Judá, onde Isabel morava. Ora, apenas Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança

— o futuro São João Batista — estremeceu de gozo no seu ventre, e Isabel ficou cheia do Espírito Santo.

LEITOR 1. — Pensemos na mensagem que nos traz essa passagem do Evangelho.

LEITOR 2. — Realmente, traz uma mensagem fantástica. Deus nos mostra que, desde o pri- meiro momento em que Maria se tornou a Mãe de Jesus, Deus quis se servir dela como ins- trumento para derramar a graça do Espírito Santo em outras almas. De fato, Maria — tra- zendo Jesus em seu ventre — torna-se, por querer de Deus, medianeira da graça do Espírito Santo para sua prima Isabel. Bem claro o diz Evangelho: bastou que os olhos de Isabel vissem Maria e seus ouvidos escutassem a sua saudação, para que Isabel ficasse cheia do Espírito San- to.

LEITOR 1. — É por isso que a Igreja invoca Maria com o belo título de “Medianeira de todas as graças”. O Papa Leão XIII chegou a dizer: “Ainda que a graça e a verdade nos tenham vin- do, sem dúvida, por Jesus Cristo, é vontade de Deus que nada se distribua se não é através de Maria, de sorte que assim como ninguém pode ir ao Pai senão pelo Filho, do mesmo modo ninguém pode chegar-se ao Filho senão pela Mãe” 62.

LEITOR 3. — Faz muitos séculos, o grande poeta Dante Alighieri, na sua Divina Comédia, ex- pressou essa fé antiqüíssima do povo cristão com os seguintes versos de grande beleza: “Senhora, és tão grande e tanto podes, que quem quer graça e a ti não recorre, o seu desejo quer voar sem asas” 63.

TODOS. — Será que a devoção a Nossa Senhora ocupa, na nossa vida, o lugar que Deus quer? Será que às vezes não nos esquecemos do que acabamos de meditar: que o próprio Deus nos manifesta que quer trazer-nos a graça do Espírito Santo pela mediação maternal de Maria? Recorremos sempre e em tudo a ela, com plena confiança filial? Seria bom pararmos um pouco e refletir sobre isso.

(pausa de silêncio).

LEITOR 2. —Sem nos afastarmos da cena da Visitação, eu gostaria de acrescentar outra re- flexão. O Evangelho descreve o encontro de Maria e Isabel como uma verdadeira explosão de alegria: Isabel louva Maria, feliz, transbordante de entusiasmo: Bendita és tu entre as mu- lheres e bendito é o fruto do teu ventre. Agradece em voz alta a honra de ter sido digna de rece- ber a Mãe do meu Senhor, e acrescenta: Pois assim que a voz da tua saudação chegou aos meus ou- vidos, a criança estremeceu de alegria no meu seio. Logo a seguir, a própria Maria, inundada de alegria, expressa o seu gozo no cântico do Magnificat: Minha alma engrandece o Senhor e meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador 64. Toda esta cena, que tem o Espírito Santo co- mo principal “protagonista”, é um transbordamento de alegria. Realmente, não é sem razão que nós invocamos Nossa Senhora, na ladainha, como “Causa da nossa alegria”.

LEITOR 3. — É que a graça do Espírito Santo e a alegria vão juntas. Recordemos que, como víamos no primeiro dia da novena, São Paulo coloca a alegria como segundo “fruto” do Es- pírito Santo, junto com a caridade, com o amor…? 65 Ao pensarmos nisso, não acham que também poderíamos dizer, modificando um pouco os versos de Dante: “quem quer alegria e a ti, Santa Maria, não recorre, o seu desejo quer voar sem asas”?

LEITOR 1. — É isso mesmo! A alegria é o sinal de Deus, porque a alegria é inseparável do verdadeiro amor. Mesmo nos momentos difíceis da vida, se há amor a Deus e ao próximo, no fundo da alma reinam a paz e a alegria, que são compatíveis com as lágrimas. A alegria é inseparável do estado de graça, que nos faz templos do Espírito Santo, quer dizer — vale a pena repeti-lo mais uma vez —, do Amor divino. Bem dizia alguém que, no fundo, só existe uma tristeza, e é a de não sermos santos, de não termos em nós o amor de Deus.

LEITOR 3. — Com Maria, sempre poderemos alcançar ou recuperar a graça. Tendo um trato filial com ela, seremos capazes de aspirar à santidade, mesmo sendo pecadores, como de fato o somos. Mas Deus só nos pede isso: aspirar à santidade. E é uma verdade muito grande, talvez hoje mais do que nunca, o que dizia São Josemaria Escrivá: Um segredo Um segredo em voz alta. Estas crises mundiais são crises de santos 66.

LEITOR 1. — Que Deus acenda em nós o desejo de caminhar para a santidade, e que nós este- jamos prontos para dar cada dia um passo: passos de amor e passos de contrição pelos pe- cados . Peçamos a Maria que nos acompanhe até um encontro cada vez mais intenso com o Amor que santifica, com o Espírito Santo. Que Ela nos dê a mão e nos conduza, como o fez com os Apóstolos nos dez dias de espera de Pentecostes.

TODOS. — Santa Mãe nossa, Virgem Maria, Esposa do Espírito Santo, dai-nos a mão no ca- minho da vida. Nós somos fracos, pecadores, pequenos, mas somos as vossas crianças, cri- anças rebeldes e sujas às vezes, mas crianças que querem caminhar pelos caminhos do amor a Deus e ao próximo. Vós, Mãe querida, nos ajudareis a sermos, como vós, dóceis à graça do Espírito Santo, dóceis aos seus sete dons. Não nos solteis da mão e, se alguma vez caímos no chão, pegai-nos em vossos braços, ajudai-nos a curar-nos e limpar-nos na confissão, e voltai a ser a mão materna e doce que nos guia por onde o Espírito Santo nos quer conduzir.

LEITOR 1. — Este é o melhor propósito concreto que poderíamos oferecer ao terminar a no- vena. Que Deus, pela intercessão de Maria, abençoe a todos os que nos preparamos com Ela para a grande solenidade de Pentecostes.

[O texto completo desta novena pode ser achado — e pode ser baixado — no site

http://padrefaus.googlepages.com]

1 Lc 24,49

2 At 1,12-14

3 N.o 1085

4 Jo 3,7-8

5 Gl 5,22-23

6 Rm 8,14

7 Ver Is 11,1-2; Rm 8,14.17; etc.

8 N.os 1830 e 1831

9 Cf. Mt 13,14-15

10 Cf. Lc 9,28-36

11 Jo 14,15; Jo 15,13; 1Jo 2,3-5; 3,16

12 1Jo 3,18

13 Ef 3,16-19

14 São Josemaria Escrivá, Santo Rosário, Apêndice (mistérios da luz)

15 Lc 24,16ss

16 Lc 24,38ss

17 At 16,14-15

18 Jo 9,29

19 Jo 8,43.47

20 Jo 8,43-44

21 At 24,24

22 Jo 13,1

23 Rm 1,20

24 Sb 13,1

25 Cf. Tt 2,12

26 Mc 8,36

27 São Josemaria Escrivá, Amar o mundo apaixonadamente, em Questões atuais do Cristianismo, n.os 113-1233

28 Ef 1,4

29 Os textos estão no site do Vaticano (www.vatican.va, seção de João Paulo II, Angelus/Regina Coeli 1989)

30 Basta procurar Santos Brasileiros, no Google

31 Rm 8,26

32 Fl 4,13

33 At 2,36

34 Mt 16,24

35 Ver: São Josemaria Escrivá, Caminho, n.os 172 e segs.

36 Gl 6,7-8

37 1Cor 11,27.29

38 F. Faus: A tibieza e os dons do Espírito Santo, cap. VII

39 Caminho de perfeição, Cap. XLI 40 1Jo 4,18

41 Cf. Mt 22,37

42 Gl 4,6-7

43 Rm 8,26

44 Mt 26,39

45 Lc 11,1-2

46 Ver Mt 7,7-11

47 São Josemaria Escrivá: Caminho, n. 90 48 Mt 18,3

49 Mt 6,25s; 10,29

50 Rm 8,28

51 Mt 11,29

52 Cl 3,8.12-13

53 Cf. F. Faus, A paciência, págs. 25-29

54 N.o 721

55 Lc 1,28

56 1Cor 3,16

57 Cf. Ef 4,30

58 Lc 1,35

59 Jo 1,14

60 Jo 19,27

61 Rm, 8,29

62 Encíclica Octobri mense, 22/9/1891

63 Paradiso, XXXIII, 13-15

64 Cf. Lc 1, 39-47

65 Gl 5,2266 São Josemaria Escrivá, Caminho, n. 301

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