Homilia Terça-feira II Semana do Tempo Comum | Ano A

Terça-feira, 17/01/2023 – Mc 2,23-28

  • A questão da abstinência

Os discípulos de Jesus, mesmo com fome, não deveriam comer das espigas, por ser sábado de descanso? (Mcc 2,23-26). A resposta é clara: “O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado” (Mc 2,27). Certamente, é preciso abster-se algumas vezes de algumas coisas, porém oportunamente. De fato, a Igreja Católica prescreve que todos devemos abster-nos de alguma coisa todas as sextas-feiras do ano, por serem dias de abstinência. Contudo, pode haver algum motivo que não nos obrigue a fazer esta penitência concreta, nem outra, em plena sexta-feira. Cada um pode julgar sobre si mesmo.

E, contudo, a Igreja prescreve (C. 1251-1253) a abstinência (não comer carne) todas as sextas-feiras do ano, a não ser que coincida com alguma solenidade. No Brasil, porém, todo fiel católico pode abster-se de carne ou de qualquer outro alimento ou fazer uma obra de caridade ou realizar alguma oração a mais. Qualquer uma dessas obras cumpre a lei da abstinência, à qual estão obrigados todos os fiéis que já completaram catorze anos de idade.

Pergunta-se frequentemente se o fiel que não faz nenhuma abstinência peca mortalmente? Apesar de várias respostas sobre a questão, considero que não, a não ser que haja um desprezo formal pela lei da Igreja a respeito da abstinência. Explico-me: o teor desta lei foi tão enfraquecido, tanto na sua letra quanto no seu espírito, que não é possível encontrar uma matéria grave nela. Sem matéria grave, não há como realizar um pecado mortal. Além do mais, a maioria dos fiéis que não fazem abstinência, é, simplesmente, porque nem se lembram ou não sabem desta lei; falta, portanto, a plena advertência, sem a qual não há pecado mortal. Mais ainda, normalmente não há consentimento pleno, uma vez que o pessoal não faz penitência mais por fraquezas não consentidas do que por atos voluntários.

Alguém poderia me dizer: mas a Constituição Apostólica “Poenitemini”, de 1966, do Papa Paulo VI, estabelece que o cumprimento substancial nos dias de penitência obrigam sob pecado mortal (cf. III, II, § 2). A expressão “cumprimento substancial” já é objeto de interpretação, ou seja, alguém poderia fazer a penitência substancialmente (no seu núcleo mais importante), mesmo que não a faça acidentalmente. Por exemplo, o sujeito não comeu carne no almoço, mas saiu com os amigos pela noite e tinha um churrasco gostoso e… acabou comendo o churrasco. Julgo que este fiel cumpriu a lei da penitência substancialmente, porém não a cumpriu acidentalmente. Logo, não houve pecado mortal.

Tem ainda outra realidade a ser pensada seriamente: observe-se que o novo ordenamento jurídico da Igreja é de 1983 e aquela lei era de 1966. Os cânones de 1983 são, na verdade, bem abertos, inclusive para ulteriores determinações das Conferências Episcopais. De fato, no Brasil, a lei foi ainda mais relaxada. Portanto, não há como julgar tudo isso, com todas as novidades que implicaram o Código de 1983 e as adaptações da Conferência Episcopal, com os mesmos critérios de 1966. A Santa Sé precisaria dar uma nova resposta à questão, mas, enquanto ela não dá, creio que o fiel católico bem instruído pode basear-se tranquilamente nesta nossa resposta. Certamente, se algum dia a Igreja determinar outra coisa, serei o primeiro a aderir.

Pe. Françoá Costa

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