Homilia Domingo da III Quaresma | Ano C

O mal e a alegria

Domingo – III Quaresma – C – Ex 3,1-15; Sl 102/103; 1 Cor 10,1-12; Lc 13,1-9

As desgraças dos seres humanos tem a ver com os seus pecados? Certamente. Basta ver como Jesus fala dos galileus: morreram porque mataram (Lc 13,1). Mas, as desgraças sempre têm a ver com os pecados das pessoas? Parece que não, pois o fato de uma torre cair sobre dezoito pessoas e matá-las é algo cheio de azar. O fato é que temos aqui dois tipos de males, o primeiro é causado pelo mau uso da liberdade dos seres humanos; o segundo, por causa de uma fatalidade, a qual costuma estar relacionado com fenômenos da natureza. Com outras palavras, há males que existem por causa dos homens; outros, pela limitação essencial das coisas naturais.

Então, o que é o mal? É a carência de um bem devido. Não é um mal para um ser humano não ter asas, porque isso não lhe é devido. Ao contrário, se um pássaro não tem asas, isso é um mal, pois as asas lhe são devidas por natureza. De maneira semelhante, um câncer é um mal, já que os tumores não são coisas devidas ao bem do organismo humano; o pecado é um mal porque não são realidades devidas ao bem do organismo sobrenatural de uma pessoa. Na verdade, como o pecado atinge a pessoa na sua interioridade mais profunda, o pecado deveria ser considerado o único mal verdadeiramente mal. Efetivamente, um terremoto nada mais é do que uma necessidade que as placas tectônicas têm de se ajustarem de vez em quando; um vulcão em erupção nada mais é do que um alívio de larvas. Por mais dramático que tudo isso possa parecer, entende-se que estamos diante de fenômenos naturais, semelhante ao caso do leão que come uma zebra. Para a zebra é um mal ser comida, mas para o leão é um bem comê-la.

É preciso que entendamos bem o caso dos males cuja causa são as escolhas equivocadas dos seres humanos. Deus resolveu respeitar a estrutura do próprio ser humano, a qual encontra-se transpassada pela liberdade. Explico-me: o Senhor preferiu criar-nos com liberdade, inclusive quis que tivéssemos o poder de escolha para manifestar mais claramente a nossa liberdade. Se ele tivesse nos criado como robôs, poderia facilmente nos controlar, porém não seríamos livres nem seríamos semelhantes a ele. Exatamente, a nossa liberdade nos faz semelhantes a Deus, pois é manifestação das nossas faculdades espirituais, a saber, a inteligência, cujo objeto é a verdade, e a vontade, cujo objeto é o bem. Com outras palavras podemos dizer que nós somos livres porque somos inteligentes e volitivos. Logo, a nossa liberdade deve estar relacionada com a verdade e com a bondade, que são os objetos da inteligência e da vontade, respectivamente. Escolher mal é um erro da liberdade, não edifica o ser humano e, com o passar do tempo, vai corrompendo cada vez mais a pessoa que não sabe escolher o bem e a verdade para a sua vida.

Caso tenhamos utilizado mal a nossa liberdade até o momento presente, é preciso que escutemos bem essas palavras de Jesus Cristo, caso queiramos ser, de verdade, felizes: “Se não vos arrependerdes, perecerei todos” (Lc 13,5). É isso mesmo: muitas pessoas perecem pelo mau uso da liberdade: escolhem as drogas e morrem de overdose, escolhem os prazeres da carne e morrem de doenças contagiosas, escolhem as bebedeiras e morrem de câncer de fígado ou de mama, escolhem as baladas noturnas e levam um tiro fatal. Contudo, morrer neste mundo não é nada diante da morte eterna. Os pagãos que não seguem sua consciência que lhes dita os bens que devem seguir, perecerão no inferno; cristãos que não seguem a Lei de Deus inscrita em seus corações, perecerão no inferno; religiosos de todos os credos que não seguem pelo menos aquele bem básico que suas religiões lhes mostram, perecerão todos no inferno. Qual a condição? “Se não vos arrependerdes”, como diz o Senhor. Ainda temos tempo, especialmente na Quaresma, que é um espaço para fazer penitência, um tempo para o arrependimento, para arrumar a liberdade.

Precisamente nessa esperança está a nossa alegria desse domingo: ainda há tempo e Deus está disposto a nos perdoar. De fato, Jesus vem frequentemente procurando frutos na nossa vida. É como se nós fossemos quais árvores, as quais, por natureza, devem dar frutos. Se não damos frutos, há algo errado conosco. Se fomos feitos para pensar e não pensamos, para amar e não amamos, para estar com Deus e não estamos, para servir e não servimos… Convenhamos: há algo errado conosco, há males instalados na nossa vida. Precisamos daquela conversão que é um dom do céu. Qual é o seu verdadeiro mal? Qual é a maldade que está instalada no seu coração e que você ainda está muito apegado a ela? Será que você não sabe que um mínimo prazer na ordem sobrenatural supera o maior prazer na ordem natural. Você só não tem experiência dessa realidade porque quiçá ainda não se decidiu a seguir o Senhor de verdade, a abandonar tudo pelo Tudo, que é Deus, a viver na dependência dele.

Outro dado importante no contexto da nossa esperança é que a Igreja, nossa Mãe, faz a mediação entre nós e o próprio Deus: “Senhor, deixa-a ainda este ano para que cave ao redor e coloque adubo. Depois, talvez, dê frutos… Caso contrário, tu a cortarás” (Lc 13,8-9). Durante toda a nossa vida, a Igreja, serva de Deus neste mundo, procura encaminhar-nos para o céu, para que não fracassemos nem como seres humanos nem como cristãos. Da nossa parte, gostamos de teimar com essa boa Mãe que é a Igreja, tal como fazíamos com as nossas mães naturais, fazendo birras e sendo mal educados para com elas. Discordamos da Igreja e de suas leis como discordávamos das nossas mães e de seus mandatos. Com o passar do tempo, se amadurecemos, descobrimos que os nossos pais tinham razão, quebramos muito a cabeça para descobrir isso. Essa teimosia se dá também nas coisas espirituais: sempre brigando com a Igreja e suas doutrina tradicionais e, no entanto, vamos acabar descobrindo que a nossa Mãe tem razão, que o caminho da felicidade está em seguir o Senhor em fidelidade. Alegria, pois, porque o Senhor nos chama para o bem, porque a nossa liberdade se decidiu um pouco mais pela verdade e pela bondade, porque se aproxima a nossa libertação pascal.

Padre Françoá Costa
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