Homilia Sábado da II Quaresma | Ano C

Decisões de São José

Sexta-feira- II Quaresma – C – 2 Sm 7,4-16; Sl 88; Rm 4,13-22; Mt 1,16-24

A genealogia do Messias passa por vários homens ilustres até chegar a um tal Jacó, pai de José, esposo de Maria. Certamente também seria interessante saber o nome da mãe de São José. O nome de Jacó, seu pai, faz lembrar o tempo dos patriarcas, isto é, quando Jacó, filho de Isaac, teve a descendência que seria a base de todo o povo de Israel e um deles se chamava José, o qual foi instrumento escolhido por Deus para melhorar a vida de seu povo. Assim São José foi escolhido por Deus para melhorar a nossa vida, pois o Senhor confiou a ele os seus tesouros ao acrescentar à sua vida Maria e Jesus. Desta maneira, São José foi constituído guardião dos tesouros do rei, o adorável Jesus e a venerabilíssima Santa Maria. 

O evangelista Mateus se mostra muito interessado pela “origem de Jesus Cristo” (1,1.18), uma vez que ele só vem de Maria. Sendo assim será preciso ver quem é seu pai, qual a sua tribo e seu lugar no povo de Israel, também será importante procurar entrar no mistério da encarnação para amar mais os mistérios de Deus. De fato, Mateus tinha falado da origem de Jesus de Nazaré desde um ponto de vista mais amplo, em um nível universal (Mt 1,1), pois Jesus, segundo a sua humanidade, tem a ver com a grande família humana e, de maneira mais localizada, com o Povo de Israel e, dentro dele, com a tribo de Judá. Neste segundo momento, em um nível particular, o evangelista enquadra Jesus em uma família bem concreta: a origem de Jesus é fruto da ação de Deus, da generosidade de Maria e do acolhimento de José. Finalmente, a origem de Jesus Cristo tem a ver com uma ação secretíssima de Deus – um nível íntimo – nas entranhas puríssimas da Virgem Maria, pois ela “achou-se grávida do Espírito Santo” (1,18) em sentido análogo como o Espírito do Senhor agitava sobre o caos e, em seguida, foram feitas todas as coisas (cf. Gn 1,2; Mt 1,18; Lc 1,35), isto é, vieram ao ser e à existência; assim também, o Espírito Santo soprou sobre Maria e ela ficou grávida. Tudo de maneira puríssima e espiritual.

Apesar de Jesus não ter sua origem humana em São José, Maria já estava “comprometida em casamento com José” (Mt 1,18), porém ainda não moravam juntos. Este compromisso (primeira fase) entre os judeus, é levado tão a sério que os noivos já se consideram marido e mulher; contudo entre esse compromisso e o “morar na mesma casa” havia um tempo prudencial no qual se preparava as coisas para que os dois pudessem coabitar. Sempre se defendeu na Tradição cristã o verdadeiro matrimônio de Maria e José (cf. Mt 1,1-25). Por isso, a meu ver, Maria, mesmo sendo a Virgem Perpétua, nunca fez um voto de virgindade. Efetivamente, tal voto anularia o matrimônio por manifestar o desejo de não contraí-lo, já que quando um dos noivos não querem as relações matrimoniais tampouco querem o matrimônio. Antes de se casar com José e antes de coabitar com ele, Maria queria viver um matrimônio normal, e o mesmo se diga do glorioso São José. Depois, porém, que o anjo lhes apareceu, então eles viram claramente sua vocação na qual estava incluída a virgindade perpétua. Assim como a decisão de contrair um matrimônio normal não os fez menos virgens, a decisão posterior de permanecer virgens não a fez menos casados.

São José logo percebeu que Maria era uma moça diferenciada e que ele tinha recebido a missão de cuidar dela e de seu filho. Em Mt 1,19, José é reconhecido como esposo de Maria. Ambos estavam muito felizes por sua condição de casados e se amavam castamente. Em um determinado momento, Deus se faz mais presente na vida deles e dá uma nova direção nas histórias deles. Mas antes de chegar a esta nova orientação, entende-se o drama da situação. O justo José sabe da integridade de Maria, intui também que tem algo que sobrepassa o simples entendimento e que é de origem sobrenatural. Ao mesmo tempo, ele conhece a Lei que o manda denunciar Maria. Denunciar? Exatamente, pois Maria estava grávida e José não podia dizer que o filho era dele. Logo, pareceria que Maria o houvesse traído. Se assim fosse, a Lei mandava José denunciar Maria, a qual teria como pena a lapidação por causa do suposto adultério (cf. Dt 22,23-24) ou, no mínimo, expô-la ao ritual da oferenda pelo ciúme (cf. Nm 5,11-31). Contudo, José tem certeza que Maria não o teria traído, tanto pela indubitável honestidade de Maria quanto por causa do seu amor sincero. Caso fique calado e permanecesse com Maria, ele seria mal falado; caso fale, ela seria morta. Decide, então, que ele deve sair de cena, porém  secretamente (cf. Mt 1,19).

E, no entanto, “repudiá-la em segredo” (Mt 1,19) não significa um “desprezo de José para com Maria”. O ato de José se retirar sub-repticiamente significaria a desonra de José no povoado: dele dirão que teria engravidado Maria, mas não teve coragem de assumi-la juntamente com o filho. Ele ficaria como covarde perante os seus compatriotas:  foi o que ele preferiu. Ao não conhecer o mistério sobrenatural que estava na vida de Maria, ao saber que ele mesmo não tem culpa em tudo isso, para preservar a criança e não humilhar Maria, ele mesmo se submete à humilhação de ser chamado covarde e irresponsável. José não deixa de ser justo por não aplicar a este caso a letra da Lei, como o fariam aqueles que Jesus chamaria de “fariseus hipócritas”. Como Ele não tem dados, não dá para aplicar as penalidades prescritas. Se ele soubesse de algo que o fizesse aplicar a Lei, ele o faria, pois é um homem temente a Deus, mas não há: ele nem tem ciúme de Maria, nem ela o traiu. 

A atitude de José revela, em muitos aspectos,  quem ele é: justo com a justiça que vem de Deus, silencioso, meditativo, homem que confia no Senhor, alguém que aprendeu a amar de maneira profunda, uma pessoa que não julga temerariamente. José é uma alma bondosa que não se transformou em mero cumpridor formal da Lei, mas mergulhou no seu espírito através da letra. Não é difícil imaginar a atitude contemplativa daqueles dias entre ele ficar sabendo que Maria está grávida e tomar conhecimento pela voz do anjo sobre os planos de Deus. Nem excluímos a possibilidade que em algum dia, pensando abstratamente em tudo isso, ele tenha machucado o próprio  dedo com o martelo.

O silêncio e a oração de José são ensinamentos de como chegar a uma decisão desde o ponto de vista humano e, ao mesmo tempo, de como se preparar para as aventuras de Deus. O cristão conversa com Deus e lhe pede aquilo que lhe parece alcançável dentro de uma lógica real, consideradas todas as circunstâncias, mas não pode fechar-se a qualquer posterior observação divina. Celebrar São José é celebrar um homem que soube guardar os tesouros de Deus, Maria e Jesus, de maneira livre e responsável, totalmente envolvido nos projetos de Deus. Que por sua intercessão consigamos ser tão simples e tão decidido como o glorioso patriarca São José, a quem tanto amamos.

Padre Françoá Costa
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