Deus e o homem
5º Domingo do Tempo Comum – C – Is 6,1-8; Sl 137; 1 Cor 15,1-11; Lc 5,1-11
[Resumo: Deus que chama, santo e amável; o homem que é chamado, pecador e reverente; o chamado é para uma missão que deve ser realizada na “fórmula da Tradição”]
Estamos em um domingo de “vocações”, de chamamentos divinos: Isaías foi chamado por Deus para uma missão junto ao povo do Senhor (Is 6,1-8) e, de maneira semelhante, Pedro, André, Tiago e João também foram chamados pelo Senhor para serem pescadores de homens (Lc 5,10). Nesses casos de vocações, está presente tanto a voz imperiosa de um Deus que ama e escolhe, quanto a disponibilidade de pessoas boas. As nossas considerações bem poderiam seguir essas duas chaves interpretativas: Deus chama, o ser humano responde.
Em Is 6, o Senhor se manifesta como Deus de tremenda majestade: “sentado sobre um trono alto e elevado. A cauda da sua veste enchia o santuário” (Is 6,1), rodeado de anjos abrasados no amor santo, Serafins; magnificado por criaturas que rezam aquela oração que aparece todos os dias no santo sacrifício da Missa: “Santo, Santo, Santo, Senhor dos Exércitos, a sua glória enche toda a terra” (Is 6,3); pronto para purificar homens de lábios impuros que devem ir e anunciar a verdade a um povo que não entende e cujo coração encontra-se embotado, já que os olhos desse povo encontra-se tapado e seus ouvidos encontram-se pesados (Is 6,10).
A narração de Lucas, ao contrário daquela de Isaías, mostra o Deus que se fez homem, que anda em meio a um povo que o comprime, que sobe no barco dos pescadores, que pesca com esses profissionais (Lc 5,1-6). E, contudo, diante da pesca milagrosa, Pedro tem uma atitude semelhante àquela de Isaías: “atirou-se aos pés de Jesus, dizendo: “Afasta-te de mim, Senhor, porque sou pecador!”. O espanto, com efeito, se apoderara dele e de todos os que estavam em sua companhia” (Lc 5,8-9).
O Deus que se chama, tanto no Antigo Testamento quanto no Novo, seja com uma atitude de majestade seja com uma proximidade jamais pensada, sempre provoca no ser humano uma sensação de indignidade. Talvez por isso, os Serafins proclamam que o Senhor é Santo, Santo, Santo; o homem, porém, é pecador. Diante da santidade de Deus, calem-se todas bocas, congelem-se os humanos raciocínios; diante dele, adorem todos os povos.
Deus que torna os seres humanos verdadeiros vocacionados é verdadeiramente santo, separado dos pecadores, elevado sobre todos os povos. Ele pode até se manifestar de maneira bem próxima, como no caso do Evangelho, ou bem majestosa, no caso da vocação de Isaías. Na verdade, Deus é sempre transcendente e íntimo a cada um de nós, majestoso e misericordioso, temível e amável, grandioso e humilde. É precisamente essa maneira de ser de Deus que nos atrai tanto. Não é um Deus paternalista que chamará as pessoas e elas atenderão, mas o nosso Deus que é Pai, o qual é autoridade e carinho, tudo ao mesmo tempo. E, contudo, também temos que ter cuidado para não transmitir um Deus demasiado majestoso e transcendente que, praticamente, quase nada teria a ver com a nossa vida cotidiana.
O nosso labor evangelizador deve manifestar Deus como ele é: justo e bom, transcendente e próximo, temível e amável, justo e misericordioso. Precisamos transmitir o Deus da revelação, não as nossas impressões sobre quem é Deus. Temos que fazer como São Paulo: “Transmiti-vos, em primeiro lugar, aquilo que eu mesmo recebi: Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras. Foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. Apareceu a Cefas, e depois ao Doze. Em seguida, apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma vez” (1 Cor 15,3-6). Gosto de chamar essa passagem da Escritura de “a fórmula da Tradição”: transmitir aquilo que se recebeu, em toda a sua santa integridade.
Nos nossos tempos, mais do que em outros, é preciso estar atentos à fórmula da Tradição: transmitir aquilo que se recebeu, isto é, a Fé apostólica. Nesse sentido, aquele que foi chamado por Deus, isto é, o cristão chamado à santidade e ao apostolado; dentre os cristãos, os sacerdotes, chamados a pastorear o povo santo; todos devem estar ancorados na fórmula da Tradição: transmitir aquilo que se recebeu em toda a sua santa integridade.
Jesus chamou Pedro, André, Tiago e João, e mais tarde chamará outros, para serem pescadores de homens, porém não de qualquer maneira. Efetivamente, os pescadores de Jesus devem ter sentido sobrenatural: mesmo quando não se pescou nada a noite inteira, eles, por ordem de Jesus, vão e lançam as redes e pescam dois barcos cheios de peixes, tão cheios que quase afundaram.
Pescas milagrosas acontecem somente na fidelidade da Tradição, isto é, pescando como Jesus nos ordenou. Ainda que fiquem chateados comigo, precisam se convencer de que todas aquelas igrejas que se dedicaram a modernizarem-se, a mundanizarem-se, vão se esvaziando: o povo vai embora, as vocações não aparecem e, em alguns lugares, o prédio da igreja já foi até vendido. Mesmo que não estejam de acordo comigo, pelo menos inicialmente, façam uma análise desapaixonada e verão que é assim mesmo.
A pesca de homens para o Reino de Deus acontece quando fazemo-la como Jesus no-la ensinou. Voltemos a transmitir o Deus justo e amável, retornemos a responder a Deus com temor reverencial e amor entranhável e… coisas acontecerão.
Padre Françoá Costa
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