Homilia do Pe. Matheus Pigozz – Sexta-Feira Santa – Ano B

HOMILIA DA SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO

Amados irmãos, para ajudar na nossa meditação deste dia de forte contemplação e silêncio, gostaria de destacar três “personagens” do relato da Paixão de Nosso Senhor. Que possamos deixar as atitudes de Pilatos, das mulheres que choram no caminho e do Apóstolo São João visitarem nossa consciência e nos fazerem pensar no nosso seguimento a Jesus.

Pilatos

Pilatos era o governador pagão da região onde habitavam os judeus. Era o responsável por mantê-los politicamente subordinados ao Império Romano. Ele debochava da religião de Israel, e tratava os habitantes de seu território com desprezo e frieza. O sinédrio sabia qual era o único modo de Pilatos se interessar pelo caso de Jesus e realizar sua crucificação. Alegaram ser ele um agitador político, alguém que, se não fosse morto, poderia causar problemas para Pilatos diante do Império. Pilatos, mesmo não vendo crime em Jesus, permite a crucificação, pois, não conseguia pensar sua vida sem suas regalias materiais, sem seu poder de influência, sem seu conforto e sem sua boa imagem diante das pessoas importantes. Se ele fizesse opção por Cristo, suas seguranças mundanas poderiam ser perdidas. Pilatos ouviu falar do Reino que não era desse mundo, um Reino que superaria tudo que ele poderia imaginar, mas, por estar tão imerso e apegado ao seu modo de viver, preferiu seu reino material e finito.

Em Pilatos figura a tentação do mundanismo que todo o ser humano sofre. O desejo de estar bem diante dos poderosos, a recusa a não destoar do que a sociedade espera à custa de trair a própria consciência, o encanto perante o brilho desse mundo, seus prazeres e pompas aparentemente reconfortantes, a busca de colocar segurança no dinheiro e nos bens, o apego a si mesmo ao ponto de ver os outros como objetos e nunca como irmãos, cega o coração do homem ao eterno. Tão aprisionado fica ao passageiro que a proposta de Cristo, a adesão a Ele se transforma numa ameaça a perder o que acabou elegendo como sentido da vida. Pilatos não odiava Cristo, pareceu até simpatizar com Ele, mas também não O amava. Mais à frente Jesus perguntará a Pedro – “Tu me amas mais do que estes?”. Quando não nutrimos amor a Deus, quando Cristo é para nós só uma figura simpática e não o fundamento da vida que pelo qual a reprogramamos, o mundo nos convence que é melhor não nos comprometer com Ele, que é melhor deixar a vida do jeito que está, sem riscos, que é melhor fazer como Pilatos diante do Reino de Deus – lavar as mãos.

As Mulheres de Jerusalém

À beira do caminho, acompanhando a multidão, estavam as mulheres que choravam por verem a cena deprimente. Sem querer depreciar o piedoso pranto dessas mulheres, mas para nossa meditação, pensemos… Verônica rompe a guarda para ir a Jesus, Maria encontra seu filho no trajeto do Calvário, outras mulheres, nomeadas no Evangelho, estão com Maria aos pés da cruz, mas essas mulheres, chamadas de “Filhas de Jerusalém”, só choram, estão emocionadas, tristes com o ocorrido, sentem pena, mas isso não leva elas a nenhuma atitude eficaz, só choram. Como não pensar em nosso tempo hiper sentimental? Essas mulheres podem representar a tentação de buscar um seguimento a Cristo só da emoção. Quando nossa piedade vira um sentimento bonito, mas que não nos tira do lugar. Gostamos das sensações de paz na igreja, admiramos a liturgia, queremos a efusão dos cantos religiosos, mas nada muda concretamente. As vezes podemos até ter sentimentos de tristeza pelos nossos erros, mas isso não influi em nenhuma mudança. Jesus acolhe o nosso choro piedoso, mas quer nossas atitudes de conversão. Adquirir virtudes! Ter compromisso com as obrigações da família que Deus deu, levar a sério o apostolado no meio do mundo, dar testemunho no trabalho com uma postura cristã, corrigir erros e falta de amor nos relacionamentos com os amigos e familiares. Nosso choro, nossa piedade, só tem valor se nos tira da beira do caminho e nos lança no seguimento da cruz. Cristo na via crucis nos chama a um exame de consciência. Minha fé é baseada no amor do compromisso e da verdade, ou é conduzida pelas ondas dos sentimentos que ficam na superficialidade e na instabilidade das emoções?

São João

Por fim, olhemos para São João. João era um jovem cheio de possibilidades, mas respondeu o chamado de Jesus e deixou o futuro que tinha planejado para poder se dedicar a aprender de Cristo e servi-lO. João deixou dilatar seu coração e, por amar mais, estava, mesmo sendo o mais jovem, entre os que ouviam os ensinamentos e viviam os mistérios mais profundos. Volta e meia os relatos evangélicos dizem que Jesus chamou à parte Pedro, Tiago e João. João viu os milagres que Cristo realizou, presenciou a Transfiguração esplendorosa no Tabor, acolheu a multidão que vinha ter com Jesus em sua pregação. João estava com Jesus em seu sucesso popular. O Evangelho diz que no momento que o Senhor começa a padecer, os discípulos fogem, exceto João que está com Maria perante a cruz.

São João Mostra o amor a que todo o discípulo é chamado a ter a Jesus. O amor a Deus se prova ser verdadeiro não quando sua Palavra, sua Doutrina, sua Pessoa, levam ao aplauso e reconhecimento, mas quando se permanece fiel quando não é humanamente tão confortável a adesão ao Senhor. Pedro e os outros mais experientes e fortes fugiram, isso nos deve fazer imaginar a grande tensão que estava presente. A gravidade do risco de serem presos e condenados por serem discípulos do Mestre. São João estava ali, o amor a Cristo era maior que o amor a si mesmo, e por isso João era livre da maior prisão que é a prisão interior, era livre para amar, nenhuma ameaça era paralisante, pois o amor supera tudo! Com certeza o jovem lembrou das palavras de Jesus – “Quem quer ser meu discípulo, renuncie a si mesmo”. O amor de João é o amor que ama a Jesus não pelo o que Ele pode dar nessa vida, mas O ama por Ele mesmo. Somos chamados a amar assim. Mesmo quando a fidelidade à Palavra nos tira o prestígio diante dos outros, ou mexe em nossas concepções muito consolidadas, o amor nos dá a alegria de saber que Cristo, e não as circunstâncias, é a nossa paz, realização e plenitude.

Ao adoramos a Santa Cruz seremos reportados ao Calvário, que nosso choro transforme nossa vida, que nosso coração deseje estar como o de João. Que a Paixão de Cristo nos traga dor de nossos pecados, dor de nossa indiferença e de nossa falta de conversão. Peçamos graças da cruz, por intercessão da Mãe dolorosa, para amar aqu’Ele que nos amou por primeiro. Amém.

Pe. Matheus Pigozzo

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