Homilia do Padre Françoá Costa – Santíssima Trindade

O que a Santíssima Trindade tem a ver com a sua vida?

Todos os anos celebramos esta grande festa: a Santíssima Trindade. Apesar de que os pregadores procuram elucidar esta verdade de fé anualmente, para muitos cristãos esta é, talvez, uma das doutrinas cristãs mais abstratas que existe. A pergunta é: o que a Santíssima Trindade tem a ver com a minha vida? Se esta questão não fosse capital, eu diria que seria mais uma tendência egoísta que o ser humano tem: tudo tem que ter a ver consigo mesmo, voltado para si. Mas não! Desta vez, a pergunta é assaz importante: o que Deus tem a ver comigo?

Exatamente, celebrar a Trindade é celebrar o próprio Deus, pois Deus é três Pessoas: o Pai e o Filho e o Espírito Santo. Em seguida, e desde outro ponto de vista, é preciso afirmar: as três Pessoas são o único Deus que existe. Mas a pergunta fica de pé: o que Deus tem a ver com a minha vida? São João dá-nos esta resposta: “Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha vida eterna” (Jo 3,16). Para quê? Para que tenhamos vida eterna, nós que estávamos na morte espiritual. A nossa salvação opera-se pela vontade do Pai e por meio da graça de Jesus Cristo.

Mas, como tudo isto toca a nossa vida de maneira ainda mais concreta? Vejam que Deus quer que tenhamos a vida eterna. Para entender um pouco este querer de Deus, temos que pensar um pouco sobre o que é “vida” para entendermos melhor, posteriormente, a “vida eterna”. Pois bem, vida é “automovimento”. Sendo assim, dos seres que conhecemos com certa experiência são vivos as plantas, os animais e os seres humanos. As plantas, ao possuírem automovimento, têm almas vegetativas, que, para elas, são princípios de vida. Os animais são seres vivos porque têm almas sensitivas, que são seus princípios de vida. Cada ser humano tem uma alma espiritual e, portanto, a vida humana é muito mais repleta, pois os homens não apenas vegetam ou se movem, mas conhecem e amam. Posto que conhecer e amar são atividades espirituais, é certo que a alma humana não morre quando o homem morre, isto é, a alma humana é espiritual e o espiritual não morre.

A riqueza da vida humana, com suas capacidades intelecto-volitivas, faz-nos perceber que há algo mais em cada pessoa humana que não pode ser reduzido ao mero automovimento. Ou seja, o ser humano vale mais do que uma planta ou do que um animal racional, pois a vida dele é mais abundante. A alma da planta morre quando a planta morre, a do animal quando este morre; motivos pelos quais não há um céu de plantas nem de animais. A vida humana é tão exuberante, tão maravilhosa, tão rica, que não morre quando a alma se separa do corpo. Se é evidente que, após a morte, o corpo apodrece no sepulcro ou se transforma em pó, é certo que as capacidades espirituais do ser humano pede um núcleo igualmente espiritual. Como o espírito não morre, a alma é imortal. Isto é, o princípio de vida do ser humano não morre.

Diante desta realidade natural – o ser humano não morre totalmente – é fácil afirmar que há algo mais: permanecer é, para o ser humano, um desejo de vida eterna e feliz. Por isso, os antigos filósofos entenderam que a finalidade da vida humana é a felicidade. Todo homem deseja ser feliz. Entenderam também que a vida depois da morte, aquela vida que continua por causa da alma espiritual de cada pessoa humana, pode ser feliz ou infeliz no além. Por isso, Deus enviou o seu Filho ao mundo “para que o mundo seja salvo por ele” (Jo 3,17). Vida eterna e salvação são, portanto, sinônimos. Logo, salvação e felicidade são a mesma coisa.

Fica claro também que a salvação foi-nos dada pela entrega do Filho Jesus Cristo na Cruz e que nós, homens de todos os séculos, precisávamos de um meio através do qual, tivéssemos acesso àquela única salvação oferecida na Cruz. É por isto que chamamos o Espírito Santo de “doador de vida” (vivificantem). Ele não nos dá qualquer vida, mas a eterna, aquela feliz, a salvação de Cristo. Opera-se em nós, pela ação do Espírito Santo, a vida de Jesus Cristo.

Será que você entende, finalmente, o porquê da festa de hoje ser tão importante? Percebe que a Santíssima Trindade tem tudo a ver conosco? Compreende que esta solenidade não é tão abstrata quanto poderia parecer à primeira vista? São Paulo expressa-o de maneira bem categórica: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós” (2 Cor 13,13). O amor do Pai causa a graça de Jesus em nós pela ação do Espírito, que realiza a comunhão em nós com este mesmo único Deus. Assim como o amor é apropriado ao Pai, a graça ao Filho, a comunhão ao Espírito Santo; é sempre o único Deus que produz a nossa salvação, que nos dá vida eterna e feliz.

O dogma ou verdade irreformável da Trindade é tão fundamental que a Igreja nunca tolerou o mínimo erro quanto a esta confissão de fé. Nos primeiros cinco séculos da Igreja houve lutas constantes para defender a Santíssima Trindade contra os hereges da época, especialmente contra o desavergonhado padre Ário, um sacerdote de Alexandria que pensava que Deus é uma realidade fechada na qual existe somente o Pai; desta feita, ele não acreditava que o Filho era Deus, nem que o Espírito Santo era Deus. Para a mente obscurecida de Ário, somente o Pai é Deus; o Filho e o Espírito Santo seriam criaturas do Pai. Diante deste erro grosseiro, os nossos antigos Padres, especialmente o glorioso Santo Atanásio, fizeram frente contra a heresia daquele sacerdote atrevido e afirmaram que há um só Deus em três Pessoas ou, dito de outra maneira, que as três Pessoas são o único Deus.

Um dos motivos que mais moveram os Padres da nossa Fé a afirmarem a verdade contra o erro pestífero do padre Ário foi o seguinte: se o Filho e o Espírito Santo não são igualmente o único Deus com o Pai, então não fomos salvos. Se Jesus não é Deus, ele não nos salva; se o Espírito Santo não é Deus, ele não opera a nossa salvação. Somente Deus pode nos salvar e nos introduzir na vida eterna e feliz. Ou Deus é Deus e por isto nos salva, ou ele não é Deus e nós não fomos salvos. Mas a maneira como operou-se a nossa salvação, mostra-nos que Deus não é somente o Pai, pois a nossa salvação foi operada também pelo Filho Jesus Cristo e pelo Espírito Santo. Consequentemente, ou cada um deles é um Deus ou os três são o único Deus. 

Se cada um deles é Deus, então nenhum é Deus, pois um infinito não conteria o outro infinito. Explico-me: quando dizemos “Deus”, falamos da “causa não causada” e da “realidade infinitamente perfeita”. Ora, se o Pai é Deus e é infinitamente perfeito, como o Filho pode ser outro Deus sendo infinitamente perfeito? Ora, dois infinitos não são possíveis, porque um infinito não conteria o outro infinito. Logo, nenhum dos dois seria infinito e, consequentemente, nenhum dos dois seria Deus. Resta apenas afirmar a verdade católica: o Pai e o Filho e o Espírito Santo são o único Deus.

Festejemos hoje a nossa salvação, celebremos hoje o mistério do único Deus em três Pessoas, adoremos cada uma das Pessoas divinas que é o único Deus. Amemos a nossa salvação adorando o nosso Deus. Ele é Deus para nós também, para que fôssemos salvos, para que participássemos da eterna felicidade. Façamos como Moisés, ele “caiu de joelhos por terra e adorou” (Ex 34,8). Se uma criatura racional não adora a Deus é muito orgulhoso, assemelha-se a Satanás, que não adora. Ao contrário, “Moisés era um homem muito humilde, o mais humilde dos homens que havia na terra” (Nm 12,3) e, por isto, adorava: reconhecia-se criatura necessitada de salvação diante do Criador, o Deus uno e trino.

Diga muitas vezes durante o dia de hoje: Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo. Faça muitas vezes o Sinal da Cruz em você mesmo: Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Ou seja, preste mais atenção à adoração a Deus e esteja mais atento à sua salvação. Dê glória a Deus com a humildade de quem se sabe criatura; faça mais atentamente a Santa Cruz sobre você mesmo com a confiança de quem se sabe filho de Deus. Vou ser ainda mais claro: não faça o sinal da Cruz de qualquer maneira, como se estivesse fazendo um gesto engraçado, burlesco. Faça-o com atenção, com pausa, com amor. Frequentemente, faça-o completo: Pelo sinal + da Santa Cruz, livra-nos + Deus, Nosso Senhor, dos + nossos inimigos. Em nome do Pai + e do Filho + e do Espírito + Santo. Amém. Este é o sinal do cristão: a Santa Cruz santificada pelo amor do Pai, pela graça de Jesus Cristo e pela comunhão do Espírito Santo.

Pe. Françoá Costa

Instagram: @padrefcosta

Facebook
Twitter
LinkedIn

Biblioteca Presbíteros