Homilia do Mons. José Maria – XXVIII Domingo do Tempo Comum – Ano B

Que Preciso Vender Para Ser Feliz? 

O Evangelho (Mc 10, 17-30) toca num tema muito importante: a relação entre fé e riquezas, entre o chamado de Deus e o chamado do dinheiro. O Evangelho mostra-nos um jovem ao qual Jesus oferece: “Terás um tesouro no Céu!” Mas o jovem não quis: Ficou abatido e foi embora cheio de tristeza porque possuía muitos bens. 

Essa passagem bíblica impressiona! Primeiro, pelo desejo sincero de alguém que tem sede de eternidade. Sua pergunta é: “que farei para herdar a vida eterna?”. É uma boa pergunta que todos os cristãos deveriam fazer. Antes, porém, de responder à pergunta, Jesus já ensina que “bom” é somente Deus. Quem ama o seu semelhante cumpriu o maior mandamento: o do amor!

Quando Jesus saiu com os seus discípulos, a caminho de Jerusalém, apareceu um jovem que se ajoelhou diante d’Ele e lhe perguntou: “Bom Mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?” O Senhor indica-lhe os Mandamentos como caminho seguro e necessário para alcançar a salvação. O jovem, com grande simplicidade, respondeu-lhe que os cumpria desde a infância. Então, Jesus, que conhecia a pureza daquele coração e o fundo de generosidade e de entrega que existe em cada homem e em cada mulher, “olhou para ele com amor” e convidou-o a segui-Lo, pondo à parte tudo o que possuía.

Sim! Jesus olhou para ele com amor… e Jesus, então, olhou ao redor: Quando Jesus olha para o rico que se dirige a ele e lhe pergunta: “Bom Mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?”, seu olhar é de amor. Mas, quando ele dirige um ensinamento importante, antes “olha ao redor”. O olhar de Jesus, descrito por Marcos é uma peculiaridade do seu Evangelho. Esse olhar de Jesus é o verbo grego peri-blepomai, significa “olhar tudo ao redor”. Esse verbo aparece cinco vezes no Evangelho de Marcos. É preciso olhar as pessoas, as situações da vida com o olhar de Jesus, ora com amor e, muitas vezes, “olhar ao redor”, ver a realidade. Esse olhar revela o que não é visto ou o que não se quer enxergar, pois “ver” implica vivenciar novas atitudes, assumir responsabilidades, tomar decisões, mudar de vida. 

À pergunta, voluntariamente insidiosa, Jesus responde com simplicidade absoluta: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, toda a tua alma e todo o teu espírito. Este é o maior e o primeiro Mandamento” (vv. 37-38). Com efeito, a exigência principal para cada um de nós é que Deus  esteja presente na nossa vida. Como diz a Escritura, Ele deve imbuir todas as camadas do nosso ser e enchê-las completamente: o coração deve conhecê-Lo e deixar-se tocar por Ele; e, assim também, a alma, as energias do nosso querer e decidir, bem como a inteligência e o pensamento. É poder dizer como São Paulo: “Eu vivo, mas não eu: é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20).

Neste texto, podemos situar dois casos: do jovem rico, que não vende tudo, para seguir Jesus e dos apóstolos que, ao invés, abandonam tudo para segui-Lo. A tônica deste trecho evangélico não é “vender tudo”, mas “vem e segue-me”; ele não fala em primeiro lugar da pobreza voluntária, mas da suprema riqueza que é possuir Jesus. Pode-se aproximar esta passagem do Evangelho à parábola do homem que descobriu um tesouro no campo e vende tudo para comprá-lo, e do homem que cede toda uma coleção de pedras preciosas para adquirir a pérola de grande valor (Mt 13, 44-46).

Como gostaríamos de contemplar esse olhar de Jesus! Umas vezes, imperioso; outras, de pena e de tristeza, por exemplo, ao ver a incredulidade dos fariseus (Mc 2,5); outras, de compaixão, como à entrada de Naim, quando passou o enterro do filho da viúva (Lc 7,13). É esse olhar que comunica uma força persuasiva às palavras com que convida Mateus a deixar tudo e segui-Lo (Mt 9,9); ou com que se faz convidar à casa de Zaqueu, levando-o à conversão (Lc 19,5).

Mas, o jovem prefere a “segurança” da riqueza e recusa o convite de Jesus!

Ao recusar o convite, diz o Evangelho: “ quando ele ouviu isso, ficou abatido e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico” (Mc 10,22). “A tristeza deste jovem deve fazer-nos refletir. Podemos ter a tentação de pensar que possuir muitas coisas, muitos bens neste mundo, pode fazer-nos felizes. E, no entanto, vemos, no caso deste jovem do Evangelho que as muitas riquezas se converteram em obstáculo para aceitar o chamamento de Jesus. Não estava disposto a dizer Sim a Jesus e Não a si próprio; a dizer Sim ao amor e Não à fuga!

O amor verdadeiro é exigente. O amor exige esforço e compromisso pessoal para cumprir a vontade de Deus. Significa disciplina e sacrifício, mas significa também alegria e realização humana. Não tenhais medo a um esforço honesto e a um trabalho honesto; não tenhais medo à verdade. Queridos jovens, com a ajuda de Cristo e através da oração, vós podeis responder ao Seu chamamento, resistindo às tentações, aos entusiasmos passageiros e a toda a forma de manipulação de massas.

Segui a Cristo! Vós, esposos, tornai-vos participantes, reciprocamente, do vosso amor e das vossas cargas, respeitai a dignidade humana do vosso cônjuge; aceitai, com alegria, a vida que Deus vos confia; tornai estável e seguro o vosso matrimônio por amor aos vossos filhos.

Segui a Cristo! Vós solteiros ou que estais se preparando para o matrimônio!

Em nome de Cristo, estendo a todos vós o chamamento, o convite, a vocação: Vem e segue-Me” (São João Paulo II).

A reflexão da passagem bíblica, sobre o jovem rico, leva-nos a entender o uso dos bens materiais. Jesus não os condena por si mesmos; são meios que Deus pôs à disposição do homem para o seu desenvolvimento, em sociedade, com os outros. O apego indevido a eles é o que faz que se convertam em ocasião pecaminosa. O pecado consiste em “confiar” neles, como solução única da vida, voltando as costas à divina Providência. São Paulo diz que a ganância é uma idolatria (Cl 3,5). Cristo exclui do Reino de Deus a quem cai nesse apego às riquezas, constituindo-as em centro da sua vida, ou melhor, ele mesmo se exclui.

Quem é esse jovem do Evangelho?

Posso ser eu. Pode ser você… São muitas pessoas que observam os Mandamentos e até desejariam fazer mais… Mas, quando Deus pede algo mais…, retiram-se tristes, porque estão apegadas a muitas coisas, que prendem o seu coração e impedem de dar esse passo a mais. Às vezes são medíocres, querem ficar satisfeitas apenas com o mínimo necessário!

“Vem e segue-Me” (V.22). Mas aquele jovem, em vez de aceitar, com alegria, o convite de Jesus, vai-se embora entristecido (v. 23), porque não consegue desapegar-se das suas riquezas, que nunca lhe poderão dar a felicidade e a vida eterna. Ora, é loucura considerar a finalidade principal da vida, conseguir riquezas, quando se sabe que, de um momento para o outro, pode ser chamado a deixar tudo e comparecer diante de Deus. Contudo, é fato inegável que os bens materiais são capazes de prender o coração de um ser humano, sufocando nele todas as aspirações nobres e elevadas. A ganância, os prazeres materiais fascinam. E aparecem o desperdício, a autossuficiência orgulhosa, a prepotência.

E a este ponto Jesus dá aos discípulos – e, também, a nós hoje – o seu ensinamento: “Como é difícil, para aqueles que possuem riquezas, entrar no Reino de Deus!” (v. 23). Ouvindo essas palavras, os discípulos ficaram desapontados; e ainda mais quando Jesus acrescentou: “É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus”. Mas, vendo-os admirados, disse: “Aos homens é impossível, mas a Deus não; pois a Deus tudo é possível”. (vv. 24-27). Assim comenta São Clemente de Alexandria: “A parábola ensina aos ricos que não devem descuidar da sua salvação como se fossem já condenados, nem devem abandonar a riqueza nem a condenar, como insidiosa e hostil à vida, mas devem aprender de que modo usar a riqueza e conquistar a vida”. A História da Igreja está cheia de exemplos de pessoas ricas, que usaram os próprios bens de modo evangélico, alcançando também a santidade. Pensemos apenas em São Francisco de Assis, em Santa Isabel da Hungria ou São Carlos Borromeu, etc.

Cristo dirige-nos, ainda hoje, o mesmo convite: “Vai e vende tudo o que tens e dá aos pobres… e depois, vem e segue-Me.”  Todos nós temos alguma coisa para “vender”…

Quais são as “riquezas” de que devemos nos desfazer para esse algo mais e que tornam o nosso coração materializado e insensível às coisas de Deus?

Cristo continua nos olhando com amor!

Com esforço, devemos seguir o Mestre. “Neste esforço de identificação com Cristo, costumo distinguir como que quatro degraus: procurá-Lo, encontrá-Lo, tratá-Lo, amá-Lo. Talvez vos sintais como que na primeira etapa. Procurai o Senhor com fome, procurai-O em vós mesmos com todas as forças. Atuando com este empenho, atrevo-me a garantir que já O tereis encontrado, e que tereis começado a tratá-Lo e a amá-Lo” (São Josemaria Escrivá, Amigos de Deus, nº 300).

É hora de cada um se perguntar: que me falta ainda para ser o que Deus quer que eu seja? É hora de perguntarmos ao Senhor: que me falta ainda? E Ele nos dirá: se queres, pois, te converte: manias, egoísmos, apegos…

“Só uma coisa te falta” (Mc 10, 21). A atitude do homem rico revela que mesmo tendo tudo, sendo muito rico, falta-lhe alguma coisa. É um dado antropológico e teológico o fato de que o ser humano, sendo finito, tem em seu ser o desejo ardente de eternidade. “Deus criou o homem para a imortalidade e o fez imagem de sua própria natureza” (Sb 2,23). Nada pode preencher o lugar de Deus no coração humano. Deus, que é infinito, criou-nos finitos, mas com aspiração transcendente, com ardente desejo de unir-se ao seu Criador. Recorda-nos Santo Agostinho: “Senhor, criastes-nos para Vós e o nosso coração está inquieto, enquanto não repousar em Vós”. Assim sendo, Jesus resgata o significado do “ser” e não do “ter” como fonte de verdadeira felicidade. É no serviço e na gratuidade que a vida do fiel pode tornar-se plena enquanto aspira pela vida eterna.

Podemos ter a tentação de pensar que possuir muitas coisas, muitos bens, neste mundo, pode fazer-nos felizes. A tristeza do jovem rico deve fazer-nos pensar. As muitas riquezas  converteram em obstáculo para aceitar o chamado de Jesus a segui-Lo.

Não tenhamos medo de Deus, de suas exigências e de suas promessas. Com a ajuda de Cristo podemos responder ao Seu chamado. Não façamos como o jovem rico, voltar as costas para Jesus e ir embora tristes. Deus procura, ama e espera. Hoje, Jesus olha para nós com amor e espera uma resposta generosa. A cada um de nós diz: Vem e segue-me!

Que a Virgem Maria, Sede da Sabedoria, ajude-nos a acolher com alegria o convite de Jesus, para entrar na plenitude da vida.

Mons. José Maria Pereira

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