Homilia do Mons. José Maria – XXVI Domingo do Tempo Comum – Ano A

As Aparências Enganam

Hoje, o Evangelho (Mt 21, 28-32), apresenta-nos a parábola dos dois filhos enviados pelo pai para trabalhar na sua vinha. Um deles diz imediatamente sim, mas depois não vai; o outro, ao contrário, recusa-se imediatamente, mas depois, tendo-se arrependido, obedece ao desejo paterno. À pergunta de Jesus sobre qual dos dois cumprira a vontade do pai, os ouvintes respondem: “O primeiro” (Mt 21, 31). A mensagem da parábola é clara: Não são as palavras que contam, mas o agir, os atos de conversão e de fé. Jesus, no trecho evangélico, insiste, porém, sobre um aspecto importante: sobre a concretude da resposta. A adesão do homem a Deus é livre, mas deve ser concreta e eficiente. Não é quem diz “Senhor, Senhor” que entra no Reino dos Céus, mas quem faz a vontade de Deus. Não quem se contenta com pios sentimentos e veleidades, mas quem arregaça as mangas e traduz em gestos e fatos de vida cotidiana a vontade de Deus. Dos dois filhos da parábola, Jesus diz que prefere aquele que recusa por palavras, mas depois se arrepende e faz aquilo que o pai lhe pediu; prefere a este porque o outro diz sim ao pai, mas depois não faz nada e não vai para a lavoura trabalhar. Com esta parábola Jesus recorda a sua predileção pelos pecadores que se convertem e ensina-nos que é preciso humildade para acolher o dom da salvação. Jesus dirige esta mensagem aos sumos sacerdotes e aos anciãos do povo de Israel, isto é, aos peritos da religião do seu povo. Estes começam por dizer “sim” à Vontade de Deus; mas a sua religiosidade torna-se rotineira, e Deus já não os inquieta. Por isso sentem a mensagem de João Batista e a de Jesus como um incômodo. E assim o Senhor conclui a sua parábola, com estas palavras: “Os cobradores de impostos e as prostitutas vos precedem no Reino de Deus. Porque João veio até vós, num caminho de justiça, e vós não acreditastes nele. Ao contrário, os cobradores de impostos e as prostitutas creram nele. Vós, porém, mesmo vendo isso, não vos arrependestes para crer nele” (Mt 21,31-32). É urgente que interroguemo-nos: Como é minha relação pessoal com Deus na oração, na participação da Missa dominical, no aprofundamento da fé por meio da meditação da Sagrada Escritura e do estudo do Catecismo da Igreja Católica? Em última análise, a renovação da Igreja só poderá realizar-se através da disponibilidade à conversão e de uma fé renovada.  

Se descuidarmos de procurar com mais diligência consolidar nossa vocação e eleição (2Pd 1,10), mediante uma contínua conversão do coração, é contra nós que se dirige a Palavra de Jesus: Os publicanos e as meretrizes vos precedem no Reino de Deus. A salvação é coisa pessoal e se decide na atitude que cada um assume diante de Deus e de seu anúncio. Cada um tem a possibilidade de se salvar, mas somente se o quiser; sinal disso é o perdão que Deus dá sempre e generosamente a quem decide deixar a vida do mal para converter – se a Ele de todo o coração. Diz Santo Agostinho: “Aquele que te criou sem a tua vontade não te salva se tu não queres”. Sinal dessa liberdade do homem é sua capacidade de se converter do mal para o bem, de mau tornar – se bom e, por outro lado, a capacidade de se perverter, passando de bom para réprobo. Ninguém, portanto, está condicionado irremediavelmente na vida pelo seu passado.

Se os adversários de Jesus não acreditaram na Sua palavra e não se converteram, foi, principalmente, por orgulho, o bicho roedor de todo o bem e máximo obstáculo à salvação. Por isso, surge muito a propósito, a exortação de São Paulo à Virtude da humildade: “Tende entre vós o mesmo sentimento que existe em Cristo Jesus. Ele que era de condição divina…esvaziou-se a Si mesmo, assumindo a condição de escravo, tornando –se igual aos homens” (Fl.2,5-7). Se o Filho de Deus Se humilhou ao ponto de carregar sobre Si os pecados dos homens, será pedir muito que estes sejam humildes no reconhecimento do seu orgulho e dos seus pecados? Assim como Cristo estava totalmente unido ao Pai e era-Lhe obediente, assim também os seus discípulos devem obedecer a Deus e manter entre si um mesmo sentir.

Com a exortação da unidade, Paulo associa o apelo à humildade. Diz: “Não façais nada por competição ou vanglória, mas, com humildade, cada um julgue que o outro é mais importante, e não cuide somente do que é seu, mas também do que é do outro” (Fl 2, 3-4). A vida cristã é uma “existência-para”: um viver para o outro, um compromisso humilde a favor do próximo e do bem comum. A humildade é uma virtude que no mundo de hoje e, de modo geral, de todos os tempos, não goza de grande estima. Mas os discípulos do Senhor sabem que esta virtude é, por assim dizer, o óleo que torna fecundos os processos de diálogo, possível a colaboração e cordial a unidade. As pessoas humildes vivem com ambos os pés na terra; mas sobretudo escutam Cristo, a Palavra de Deus, que ininterruptamente renova a Igreja e cada um dos seus membros.

Peçamos ao Senhor a graça de progredirmos na virtude da humildade, fundamento de todas as outras; pois a humildade, ensina o Cura D’Ars, “é a porta pela qual passam as graças que Deus nos outorga; é ela que amadurece todos os nossos atos, dando –lhes valor e fazendo com que sejam agradáveis a Deus. Finalmente, constitui-nos donos do coração de Deus, até fazer Dele, por assim dizer nosso servidor, pois Deus nunca pode resistir a um coração humilde”.  É uma virtude que não consiste essencialmente em reprimir os impulsos da soberba, da ambição, do egoísmo, da vaidade … Trata-se de uma virtude que consiste fundamentalmente em inclinar-se diante de Deus e diante de tudo o que há de Deus nas criaturas, em reconhecer a nossa pequenez e indigência em face da grandeza do Senhor. As almas santas sentem uma alegria muito grande em aniquilar-se diante de Deus, em reconhecer que só Ele é grande e que, em comparação com a dEle, todas as grandezas humanas estão vazias de verdade e não são mais do que mentira. Este aniquilamento não reduz, não encurta as verdadeiras aspirações da criatura, mas enobrece-as e concede-lhes novas asas, abre-lhes horizontes mais amplos.

A humildade nos fará descobrir que todas as coisas boas que existem em nós vêm de Deus, tanto no âmbito da natureza como no da graça: “Diante de Ti, Senhor, a minha vida é como um nada”(Sl.39(38),6). Somente a fraqueza e o erro é que são especificamente nossos.

A humildade nada tem a ver com a timidez ou a mediocridade. Os santos foram homens magnânimos, capazes de grandes empreendimentos para a glória de Deus. O humilde é audaz porque conta com a graça do Senhor, que tudo pode, porque recorre com frequência à oração, convencido da absoluta necessidade da ajuda divina. E por ser simples e nada arrogante ou autossuficiente, atrai as amizades, que são veículo para uma ação apostólica eficaz e de longo alcance. 

A soberba e a tristeza andam frequentemente de mãos dadas, enquanto a alegria é patrimônio da alma humilde.

Hoje o Senhor nos envia a trabalhar na sua vinha. Somos o filho que diz sim ou o que diz não? Somos o primeiro ou o segundo? Seria melhor que fôssemos como o terceiro filho, do qual a parábola não fala: aquele que diz sim e vai mesmo!

O que importa mesmo não é parecer, mas ser realmente, realizar na vida o plano de Deus. Para tal, que tenhamos “o mesmo sentimento que existe em Cristo Jesus” (Fl. 2,5). Para evitar as aparências que enganam, a Palavra de Deus nos convida a guiar-nos pelas atitudes de Cristo. Importa entrar na atitude de humildade, reconhecendo em tudo o dom de Deus. Quem se considera justo e perfeito, corre o risco de perder esse dom, porque já se apropriou da santidade.  A parábola dos dois filhos nos deve alertar contra o farisaísmo das aparências e conduzir-nos à essência das coisas geradas na humildade.  Sejamos humildes, sinceros. As aparências enganam!

 

Mons. José Maria Pereira

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