Homilia do Mons. José Maria – XXV Domingo do Tempo Comum – Ano A

Patrão Generoso: O Mesmo Salário Para Todos!

 Aqui encontramo-nos, de imediato, frente a frente, com Deus que nos fala em primeira pessoa: “ Pois os meus pensamentos não são como os vossos pensamentos, e vossos caminhos não são como os meus caminhos”, diz o Senhor (Is 55,8). No Salmo 144 (145): Grande é o Senhor e muito digno de louvores, e ninguém pode medir sua grandeza.

Grande, justo, bom, santo: Assim também Jesus rezava e louvava o Pai.

O homem não pode reduzir Deus à medida dos seus pensamentos, nem condicionar o comportamento do Altíssimo às suas categorias de justiça e de bondade. Deus está muito acima do homem, muito mais do que está o céu acima da terra (Is 55,9); por isso, muitas vezes os projetos da sua providência são incompreensíveis à inteligência humana, que os deve aceitar com humildade, sem pretender advinhá-los ou julgá-los. Quantas vezes ficamos aquém das maravilhas que Deus nos preparou! Quantas vezes os nossos planos se revelam tão estreitos!

É este o ensinamento profundo, contido na parábola dos trabalhadores da vinha (Mt 20,1-16); ou seja, Deus quer que consideremos seu plano de salvação como o trabalho na sua vinha, sejam quais forem as circunstâncias e a idade em que nos chame. Diz: “Ide também vós para a minha vinha!”. Quer que nos sintamos comprometidos com o crescimento do Reino de Deus. Somos responsáveis pelo mundo, pela família, pela Igreja.

 Jesus narra precisamente a parábola do senhor da vinha que em diversas horas do dia chama trabalhadores para a sua vinha. E à tarde dá a todos o mesmo salário, uma moeda, suscitando o protesto daqueles da primeira hora. É claro que aquela moeda representa a vida eterna, dádiva que Deus reserva a todos. Aliás, precisamente aqueles que são considerados os “últimos”, se O aceitarem, serão os “primeiros”, enquanto os “primeiros” podem correr o risco de ser os “últimos”. Uma primeira mensagem desta parábola está no próprio fato de que o Senhor não tolera, por assim dizer, o desemprego: quer que todos estejam ocupados na sua vinha. E na realidade ser chamado é já a primeira recompensa: poder trabalhar na vinha do Senhor, pôr-se ao seu serviço, colaborar para a sua obra, constitui por si mesmo um prêmio inestimável, que recompensa todo o esforço. Mas só o compreende quem ama o Senhor e o seu Reino; pelo contrário, quem trabalha unicamente pelo salário nunca se dará conta do valor deste tesouro inestimável. 

Trata-se de um patrão que saiu de manhã cedo para contratar trabalhadores para a sua vinha. Combina com eles uma moeda de prata por dia. Torna a sair pelas nove, pelo meio dia, pelas três da tarde e pelas cinco da tarde. Chegado ao fim do dia, manda pagar a todos o mesmo salário, a começar pelos últimos. Os primeiros murmuraram, pensando que haviam de receber mais. O patrão mostra que não é injusto para com os primeiros, e defende o direito de fazer o bem. Por que o patrão age assim? A resposta está no fim: “Porque eu sou bom!” Jesus quer dizer que o modo de agir dele é cópia do modo de agir de Deus; Ele é bom e por isso eu também o sou. O dono se compadece de sua pobreza e por isso manda pagar uma diária inteira. A parábola não descreve um ato arbitrário, mas um gesto de uma pessoa cheia de bondade, generosa e de fina sensibilidade para com os pobres. Deus é assim! –  quis dizer Jesus; é tão bom que faz participar de seu Reino também os publicanos e pecadores.

Mas eis que logo aparecem os pensamentos do homem. Eles se manifestam murmurando contra os primeiros contratados.

Esses homens têm inveja da bondade de Deus; gostariam que fosse prerrogativa só sua e se escandalizam de que Deus (e Jesus Cristo) se mostre tão generoso com quem, segundo eles, não o merece. A parábola evangélica de hoje nasceu desta situação que se criou ao redor de Jesus de Nazaré: justificar a Boa-Nova do Reino das contínuas acusações dos adversários. Agindo assim, quanta luz de revelação irradiou a parábola: luz de como é Deus, luz para saber quem é Jesus Cristo, luz sobre como são feitos os homens.

Esta parábola pode aplicar-se ao povo judeu, que passou para o último lugar porque não reconheceu o dom de Deus. Depois chamou também os gentios. Todos são chamados com o mesmo direito a fazer parte do novo Povo de Deus, que é a Igreja. Para todos o convite é gratuito. Por isso, os Judeus, que foram chamados primeiro, não teriam razão ao murmurar contra Deus pela escolha dos últimos, que têm o mesmo prêmio: fazer parte do Seu Povo. À primeira vista, o protesto dos trabalhadores da primeira hora parece justo. E parece-o, porque não compreendeu que poder trabalhar na vinha do Senhor é um dom divino. Jesus deixa claro com a parábola que são diversos os caminhos pelos quais chama, mas que o prêmio é sempre o mesmo: o Céu!

Com esta parábola o Senhor não deseja dar-nos uma lição de moral salarial ou profissional, mas sublinhar que, no mundo da Graça, tudo é um puro dom, mesmo o que parece ser um direito que nos assiste pelas nossas boas obras. 

Os que fomos chamados a diferentes horas para trabalhar na vinha do Senhor, só temos motivos de agradecimento. A chamada, em si mesma, já é uma honra. ”Não há ninguém, afirma São Bernardo, que, por pouco que reflita, não encontre em si mesmo poderosos motivos que o obriguem a mostrar-se agradecido a Deus. E especialmente nós, porque o Senhor nos escolheu para si e nos guardou para o servirmos somente a Ele.”
É imenso o trabalho na vinha do Senhor!

O patrão insiste com mais energia no seu convite: “Ide vós também para a minha vinha”.

Podemos ficar indiferentes diante de tantos que não conhecem a figura de Cristo? No campo do Senhor há trabalho para todos! Deus não chega nem demasiado cedo nem demasiado tarde às nossas vidas. O que Ele quer é que, a partir do momento em que nos visitou na sua misericórdia, nos sintamos verdadeiramente comprometidos a trabalhar na sua vinha, com todas as forças e com todo o entusiasmo, sem nos esquivarmos com promessas futuras, nem desanimarmos com o tempo perdido.

Não são gratas ao Senhor as queixas estéreis, que revelam falta de fé, ou mesmo um sentido negativo e cético do ambiente que nos rodeia. Esta é a vinha e este é o campo em que o Senhor quer que estejamos inseridos nessa sociedade que apresenta os seus valores e deficiências. É na nossa própria família, e não em outra, que devemos santificar-nos, e é essa família que devemos levar a Deus; e o trabalho que nos espera hoje, na Universidade ou no escritório, e não outro, que devemos converter em trabalho de Deus…Esta é a vinha do Senhor, onde Ele quer que trabalhemos sem falsas desculpas, sem saudosismos, sem exagerar as dificuldades, sem esperar oportunidades melhores.

Para levarmos a cabo este apostolado, temos todas as graças necessárias. É nisto que se fundamenta todo o nosso otimismo. Deus chama-me e envia-me como trabalhador para a sua vinha; chama-me e envia-me a trabalhar para o advento do seu Reino na história: esta vocação e missão pessoal define a dignidade e a responsabilidade de cada fiel leigo e constitui o ponto forte de toda a ação formativa.

O Senhor quer nos mostrar que no mundo da Graça não se podem fazer valer quaisquer direitos. É certo que o homem deve colaborar na sua salvação eterna, mas esta é um bem tão sublime que jamais deixa de ser um dom, até mesmo para as almas mais santas.

Deus pode chamar a qualquer hora e o homem deve estar sempre pronto para responder ao Seu chamamento. “Buscai o Senhor, enquanto pode ser achado; invocai-o, enquanto Ele está perto” (Is 55,6). Continuemos o trabalho na vinha do Senhor! Rejeitemos o pessimismo e a tristeza, se alguma vez não obtemos o resultado que esperávamos.

“Não admitas o desalento no teu apostolado. Não fracassaste, como Jesus também não fracassou na Cruz.  Ânimo!  Continua contra a corrente, protegido pelo Coração Materno e Puríssimo de Nossa Senhora! Tu és o meu refúgio e a minha fortaleza. 

“Tranquilo. Sereno… Deus tem muito poucos amigos na terra. Não te esquives ao peso dos dias, ainda que às vezes se nos tornem muito longos” (São Josemaria Escrivá, Via Sacra, Xlll estação).

Na Eucaristia que é celebrada, nos reunimos ao redor de Jesus, agradecidos e humildes, como aqueles últimos, chegados da parábola, que foram receber seu dinheiro e voltaram para casa, cheios de alegria por causa da generosidade do dono. Aquele dinheiro é o Reino de Deus que Jesus traz consigo como presente: aliás, é Jesus em pessoa!

O Senhor jamais se engana e nem pode enganar: conduz para a eterna felicidade. Diz São Paulo: “Só uma coisa importa: vivei à altura do Evangelho de Cristo” (Fl 1,27). E diante do que faz sofrer, deveria sair do fundo da alma uma oração simples, humilde, confiante: Senhor, Tu sabes mais, abandono-me em Ti. Entenderei mais tarde. 

Mons. José Maria Pereira

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