Homilia do Mons. José Maria – XXIII Domingo do Tempo Comum – Ano B

Surdez Espiritual e Abertura para Deus.

O Profeta Isaías, num momento de tribulação, levanta-se para reconfortar o Povo eleito que vive no desterro (Is 35, 4-7). É um apelo à esperança, à plena confiança no Senhor! Anuncia o alegre retorno à pátria. “Dizei às pessoas deprimidas: criai ânimo, não tenhais medo! Vede, é vosso Deus… é Ele que vem para vos salvar”. E o Profeta apresenta prodígios que terão o seu pleno cumprimento com a chegada do Messias: “Então se abrirão os olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos surdos. O coxo saltará como um cervo e se desatará a língua dos mudos; brotarão águas no deserto e jorrarão torrentes no ermo. A terra árida se transformará em lago, e a região sedenta, em fontes d’água” (Is 35,6-7). Com Cristo, todos os homens são curados, e as fontes da graça, sempre inesgotáveis, convertem o mundo numa nova criação.

No Evangelho (Mc 7, 31-37), encontramos a realização da profecia de Isaías. No centro do Evangelho de hoje, há uma pequena palavra, muito importante. Uma palavra que – no seu sentido profundo – resume toda a mensagem e a inteira obra de Cristo. O Evangelista Marcos apresenta-a na mesma língua de Jesus, na qual Ele a pronunciou, de modo que a sentimos ainda mais viva. Esta palavra é “effathá,”que significa: “abre-te”. Jesus atravessava a região chamada “Decápole”, uma zona não judaica. Trouxeram-Lhe um homem surdo-mudo para que o curasse. Afastando-se com ele da multidão, tocou-lhe os ouvidos e a língua e depois, olhando para o Céu, com um suspiro profundo disse: “Effathá!” Imediatamente, os ouvidos do homem abriram-se, sua língua soltou-se, e ele começou a falar corretamente (Mc 7, 35). Graças à intervenção de Jesus, “abriu – se”; antes estava fechado, isolado, para ele era muito difícil comunicar-se; a cura para ele foi uma “abertura” aos outros e ao mundo, uma abertura que, partindo dos órgãos da audição e da palavra, envolveu toda a sua pessoa e a sua vida: finalmente podia comunicar-se e por conseguinte relacionar-se de modo novo.

Mas, todos nós sabemos que o fechamento do homem, o seu isolamento, não depende só dos órgãos dos sentidos. Existe um fechamento interior relativo ao núcleo profundo da pessoa, que a Bíblia chama “coração”. É isso que Jesus veio a “abrir”, a libertar, para tornar-nos capazes de viver plenamente a relação com Deus e com os outros. Eis por que esta pequena palavra, “effathá – abre-te”, resume em si toda a missão de Cristo. Ele se fez homem para que o homem, que se tornou interiormente surdo-mudo pelo pecado, seja capaz de escutar a voz de Deus, a voz do Amor que fala ao seu coração, e, assim, aprenda, por sua vez, a falar a linguagem do amor, a comunicar-se com Deus e com os outros. Por esse motivo a palavra e o gesto do “effathá” foram inseridos no Rito do Batismo, como um dos sinais que explicam o seu significado: o sacerdote, ao tocar a boca e os ouvidos do neobatizado, diz: “Effathá”, rezando para que possa, imediatamente, ouvir a Palavra de Deus e professar a fé. Mediante o Batismo, a pessoa humana inicia, por assim dizer, a “respirar” o Espírito Santo, Aquele que Jesus invocou ao Pai com o suspiro profundo, para curar o surdo-mudo.
Abre-te! O episódio do Evangelho está dotado de um significado profundo para nossa vida cristã, um símbolo para toda a humanidade. Refere-se à surdez espiritual. Os ouvidos surdos, na Bíblia, frequentemente, são sinal de coração indiferente. Às vezes, somos um povo duro de ouvidos com respeito à Palavra divina. Assim, surdo também é aquele que não escuta a Palavra de Deus como dirigida a si, mudo também é aquele que não transmite aos outros a fé e a alegria de ser cristão. Portanto, há os que têm ouvidos e não ouvem, têm lábios e não falam.
Abre-te! É uma palavra dirigida por Deus a cada um de nós, a cada ser humano. Um convite a não se fechar em si mesmo, a ser sensível aos problemas e dores dos outros. Um convite a escutar e deixar Deus entrar em nossa vida.
Abre-te! Jesus dirige-se a nós. Pede abertura não só dos ouvidos, mas da vida inteira, entregando-se àqueles valores da fé cristã, capazes de orientar toda a existência e garantir a própria felicidade agora e na eternidade. Entrar em comunicação com Deus, falar com Ele, dar testemunho da própria fé: devemos pedir a graça de exercitar as capacidades que nos deu no batismo. Deixamos que Deus nos fale? Queremos que Deus nos fale? Deixaremos que Ele fale através de nós?

Nessa cura que o Senhor realizou, podemos ver uma imagem da sua ação nas almas: ela livra o homem do pecado, abre-lhe os ouvidos para que escute a Palavra de Deus e solta-lhe a língua para que louve e proclame as maravilhas divinas. Santo Agostinho, ao comentar essa passagem do Evangelho, diz que a língua de quem está unido a Deus “falará do bem, tornará unido os que estavam divididos, consolará os que choram… Deus será louvado, Cristo será anunciado.” É o que nós faremos se tivermos o ouvido atento às contínuas moções do Espírito Santo e a língua preparada para falar de Deus sem respeitos humanos.
Existe uma surdez da alma que é pior que a do corpo, porque não há pior surdo do que aquele que não quer ouvir. São muitos os que têm os ouvidos fechados à Palavra de Deus, e são, também, muitos os que se vão endurecendo cada vez mais ante as inúmeras chamadas da graça! O nosso apostolado paciente, tenaz, cheio de compreensão, acompanhado de oração, fará com que muitos dos nossos amigos ouçam a voz de Deus e se convertam em novos apóstolos, que a preguem por toda a parte.
Não podemos ficar mudos quando devemos falar de Deus e da sua mensagem sem constrangimento algum; antes, vendo nisso um título de glória: os pais aos seus filhos; o amigo ao amigo, com sentido de oportunidade, mas sem receios; o colega de escritório aos que trabalham ao seu lado, com o seu comportamento exemplar e alegre e com a palavra que estimula a sair da apatia; o estudante aos colegas de Universidade com quem convive tantas horas por dia…
Peçamos ao Senhor fé e audácia para anunciar com clareza e simplicidade as maravilhas de Deus de que somos testemunhas, como fizeram os Apóstolos depois do dia de Pentecostes. Santo Agostinho aconselha-nos: “Se amais a Deus, atraí para que O amem todos os que se reúnem convosco e todos os que vivem na vossa casa. Se amais o Corpo de Cristo, que é a unidade da Igreja, estimulai a todos para que gozem de Deus e dizei-lhes com Davi: “ Celebrai comigo o Senhor, exaltemos juntos o seu nome” (Sl 33 (34), 4); e nisso não sejais parcos nem tímidos, mas conquistai para Deus todos os que puderdes e por todos os meios possíveis, conforme a vossa capacidade, exortando-os, suportando-os, suplicando-lhes, conversando com eles e falando-lhes com toda a mansidão e suavidade da razão de ser das coisas que dizem respeito à fé.” Não fiquemos calados quando tantas são as coisas que Deus quer dizer através das nossas palavras.
Deus também fez uso da Palavra. Ele próprio se fez Palavra, na pessoa de Jesus Cristo. E o que nos lembra São Tiago? “… recebei com mansidão a Palavra que em vós foi implantada, e que é capaz de salvar-vos” (Tg 1,21).
Jesus tocou os ouvidos e a boca do doente, e ele começou a escutar e a falar! “…Jesus pôs os dedos nos seus ouvidos, cuspiu, e com a saliva tocou-lhe a língua ” (Mc 7, 33). Os dedos significam a poderosa ação divina, e a saliva evoca a eficácia que lhe era atribuída para aliviar as feridas. Ainda que a cura tenha resultado das palavras de Cristo, o Senhor quis utilizar, nesta ocasião, como aliás em outras, elementos materiais visíveis, para dar a entender, de alguma maneira, a ação mais profunda que os Sacramentos iriam efetuar nas almas.
Peçamos a Cristo que toque também:
Nossos ouvidos para que se tornem sensíveis em escutar sua Palavra;
Nossos lábios para que se tornem entusiastas em anunciá-La; e nossas mãos para que nos tornemos generosos em testemunhá-La…
Nossos pés, para que desperte em nós novo ardor missionário…
Peçamos a graça de que ele rompa nossa surdez e abra nossos lábios. Ele se propõe, suavemente, no capítulo terceiro do Apocalipse: “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, eu entrarei na sua casa e tomaremos a refeição, eu com ele e ele comigo” (Ap 3,20).  Quem tiver ouvidos, ouça e abra!
Na Santíssima Virgem, temos o modelo completo desse escutar com o ouvido atento o que Deus nos pede, para pô-lo em prática com uma disponibilidade total. 

Na Anunciação, Maria entregou-se a Deus completamente, manifestando “a obediência da fé” Àquele que lhe falava mediante o seu mensageiro, prestando-lhe o “obséquio pleno da inteligência e da vontade” (São João Paulo ll, Enc. Redemptoris Mater,13). A sua materna intercessão obtenha-nos experimentar todos os dias, na fé, o milagre do “effathá”, para viver em comunhão com Deus e com os irmãos.

Mons. José Maria Pereira

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