Homilia do Mons. José Maria – XIX Domingo do Tempo Comum (Ano C)

Estar preparado para a volta do Senhor!

A Palavra de Deus, deste Domingo, convida os cristãos a não colocarem sua esperança em falsas seguranças. Convoca-os a viverem sempre no serviço, à espera do Senhor; convida os cristãos a desapegarem-se dos bens materiais, em grande parte ilusórios, e a cumprirem fielmente o próprio dever com uma constante propensão para o Alto. O crente permanece alerta e vigilante a fim de estar pronto para receber Jesus quando Ele vier na sua glória. Através de exemplos tirados da vida cotidiana, o Senhor exorta os seus discípulos, isto é, a nós, a viver nesta disposição interior, como aqueles servos da parábola que estão à espera do regresso do seu dono. “Bem-aventurados os servos que o Senhor encontrar acordados quando chegar” (Lc 12, 37). Devemos, portanto, vigiar, rezando e praticando o bem.

A 2ª leitura (Hb 11, 1 – 2. 8 – 12) fala da fé que tinham as grandes figuras do Antigo Testamento, sobretudo Abraão. A fé que guia os nossos passos é precisamente o fundamento das coisas que se esperam. A fé dá-nos a conhecer com certeza que o nosso destino é o Céu e, por isso, todas as coisas devem ordenar-se para esse fim supremo e subordinar-se a ele.

O trecho evangélico (Lc 12, 32 – 48), continua o discurso de Jesus aos discípulos sobre o valor da pessoa aos olhos de Deus e sobre a inutilidade das preocupações terrenas. Não se trata de um elogio ao desinteresse. Pelo contrário, ouvindo o convite tranquilizador de Jesus: “Não tenha medo, pequeno rebanho, pois agradou ao vosso Pai dar-vos o Reino” (Lc 12, 32), o nosso coração abre-se a uma esperança que ilumina e anima a existência concreta: temos a certeza de que o “o Evangelho não é apenas uma comunicação de realidades que se podem saber, mas uma comunicação que gera fatos e muda a vida. A porta tenebrosa do tempo, do futuro, foi aberta de par em par. Quem tem esperança, vive diversamente; foi-lhe dada uma vida nova” (Encíclica Spe Salvi, 2). O Senhor, também, exorta-nos à vigilância: “Ficai cingidos, em prontidão, com as lâmpadas acesas. Sede como quem está esperando o seu Senhor voltar de uma festa de casamento, para lhe abrir a porta, logo que chegar e bater” (Lc 12,35 – 36). Jesus, através de três parábolas, explica como a espera do cumprimento da “bem-aventurada esperança”, a sua vinda, deve impelir ainda mais a uma vida intensa, rica de obras boas: “Vendei vossos bens e dai esmola. Fazei para vós bolsas que não se estraguem, um tesouro no Céu que nunca se acabe, aonde não chega o ladrão, nem a traça corrói” (Lc 12, 33 ). Trata-se de um convite a utilizar as coisas sem egoísmo, nem sede de posse ou de domínio, mas segundo a lógica de Deus, a lógica da atenção ao próximo, a lógica do amor: como escreve sinteticamente Romano Guardini, “na forma de uma relação: a partir de Deus, em vista de Deus”.

Ter as roupas cingidas é uma imagem expressiva utilizada para indicar que alguém se preparava para realizar um trabalho, para empreender uma viagem, para entrar em luta. Ter lâmpadas acesas indica a atitude própria daquele que está de vigia ou espera a chegada de alguém. Quando o Senhor vier no final da nossa vida, deve encontrar-nos assim: em estado de vigília, como quem vive ao dia; servindo por amor e empenhados em melhorar as realidades terrenas, mas sem perder o sentido sobrenatural da vida, o fim para que tudo se dirige.

Essa vigilância há de ser contínua, perseverante, porque contínuo é o ataque do demônio que, “como um leão a rugir, está procurando a quem devorar” (1 Pd 5, 8). “Vela com o coração, vela com a fé, com a caridade, com as obras; prepara as lâmpadas, cuida de que não se apaguem, alimenta-as com o azeite interior de uma reta consciência; permanece unido ao Esposo pelo Amor, para que Ele te introduza na sala do banquete, onde a tua lâmpada nunca se extinguirá” (Santo Agostinho).
Estaremos vigilantes no amor e longe da tibieza e do pecado se nos mantivermos fiéis a Deus nas pequenas coisas que preenchem o dia. As pequenas coisas são a antessala das grandes, tanto no sentido negativo como positivo.

São Francisco de Sales fala-nos da necessidade de lutar nas pequenas tentações, pois são muitas as ocasiões em que se apresentam num dia corrente e, se se vencem, essas vitórias são mais importantes – por serem muitas – do que se se tivesse vencido uma tentação mais grave. É fácil, ensina o Santo, “não cometer um homicídio; mas é difícil repelir os pequenos ímpetos de cólera, que se apresentam com bastante facilidade. É fácil não furtar os bens do próximo, mas é difícil não os desejar. É fácil não levantar falsos testemunhos em juízo; mas é difícil não mentir numa conversa; é fácil não embriagar-se, mas é difícil ser sóbrio”!

As pequenas vitórias diárias fortalecem a vida interior e despertam a alma para as coisas divinas. São ocasiões que se apresentam com muita frequência: trata-se de viver a pontualidade à hora de levantar-se ou de começar o trabalho; de deixar de lado uma leitura inútil que leva à perda de tempo; trata-se de fazer um pequeno sacrifício à hora das refeições; de dominar a língua num encontro de amigos ou numa reunião social, etc.

Se formos fiéis nas pequenas coisas, permaneceremos cingidos, vigilantes, à espera do Senhor que está para chegar.

Disse Jesus: “onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração” (Lc 12, 34). O Senhor quer nos ensinar que nenhuma coisa criada pode ser o “tesouro”, o fim último do homem. Pelo contrário, o homem, usando retamente das coisas nobres da terra, percorre o caminho para Deus, santifica-se e dá ao Senhor toda a glória: “quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (1 Cor 10, 31). “…pois na hora em que menos pensais virá o Filho do Homem” (Lc 12, 40). Não devemos ficar preocupados com o dia ou a hora da morte. Deus quis ocultar o momento da morte de cada um e do fim do mundo. Imediatamente depois da morte, todo homem comparece para o juízo particular: “E como está determinado que cada um morra uma só vez, e depois vem o julgamento” (Hb 9, 27). Daí o cristão não poder aceitar a reencarnação! Quem morre não volta mais! Morre-se uma só vez! Estejamos preparados para esse encontro definitivo com o Senhor. Ele pedirá contas a cada um segundo as suas circunstâncias pessoais: todo o homem tem nesta vida uma missão para cumprir; dela teremos de responder diante do tribunal divino e seremos julgados segundo os frutos, abundantes ou escassos, que tenhamos dado. E só chegaremos ao Céu se aproveitarmos bem esta vida que recebemos para fazer o bem, para nos santificarmos, santificarmos o mundo e seus ambientes, e ajudarmos o Senhor na santificação dos outros fazendo apostolado, encaminhando-os para Deus.

O Senhor espera de nós uma conversão sincera e uma correspondência cada vez mais generosa: espera que estejamos vigilantes para que não adormeçamos na tibieza, para que andemos sempre despertos. Peçamos ao Senhor que nos transforme em pessoas de fé, que vivem da fé. Não uma fé sentimental, ocasional. Já dizia São Gregório: Só crê de verdade aquele que pratica o que crê. Peçamos: Senhor, aumenta a nossa fé!

A Virgem Maria, que do Céu vigia sobre nós, nos ajude a não esquecer que aqui, na Terra, estamos apenas de passagem, e nos ensine a preparar-nos para nos encontrarmos com Jesus que “está à direita do Pai Onipotente: de lá virá julgar os vivos e os mortos”.

Mons. José Maria Pereira

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