Homilia do Mons. José Maria – Transfiguração do Senhor – (Ano A)


Festa da Transfiguração do Senhor!

Esta festa do Senhor é celebrada desde os começos, nesta mesma data, em muitos lugares do Ocidente e do Oriente. No século XV, o Papa Calixto lll estendeu-a a toda a Igreja. O milagre da Transfiguração é recordado mais de uma vez, durante o ano: no segundo domingo da Quaresma, para afirmar a divindade de Cristo, pouco antes da Paixão; e hoje, para festejar a exaltação de Cristo na sua glória. A Transfiguração do Senhor é, além disso, uma antecipação do que será a glória do Céu, onde veremos a Deus face a face, e onde o seu Amor nos envolverá. Uma glória da qual podemos ser participantes já nesta terra, de modo imperfeito, mas real, por meio da graça.

A caminho de Jerusalém, Jesus faz o primeiro anúncio da Paixão. Disse que iria sofrer e padecer em Jerusalém, e que morreria às mãos dos príncipes dos sacerdotes, dos anciãos e dos escribas. Os apóstolos tinham ficado aflitos e tristes com a notícia. O caminho da salvação esperado pelos discípulos é bem diferente! Para fortalecer o ânimo, profundamente abalado dos discípulos, Jesus toma consigo Pedro, Tiago e João e leva-os a um lugar à parte para orar. Aí, no Monte Tabor, revela-lhes a glória da divindade. “Enquanto orava, o seu rosto transformou-se e as suas vestes tornaram-se resplandecentes” (Lc 9, 29; Mt 17, 1 – 9). A Transfiguração, portanto, constitui ânimo para os discípulos, pois nela se manifesta a glória de Jesus e atesta-se que Ele é o Filho amado de Deus, apesar da Cruz que se aproxima. Os discípulos recebem, assim, a garantia de que o projeto que Jesus apresenta vem de Deus; e, apesar das próprias dúvidas, recebem um complemento de esperança. A Cruz não será a palavra final, pois no fim do caminho de Jesus e dos que seguirem Jesus está a Ressurreição, a vida plena, a vitória sobre a morte.

São Leão Magno diz que “a finalidade principal da Transfiguração foi desterrar das almas dos discípulos o escândalo da Cruz.”

Pela Transfiguração, Deus demonstra que uma existência feita dom não é fracassada, mesmo quando termina na Cruz. Também nos revela que Jesus é “o Filho amado do Pai” e nos convida a escutar o que Ele diz. Pode – se dizer que foi um presente do Céu: ver Jesus radiante de glória, secundado pelos personagens mais renomados da Antiga Lei. Foi tanta a felicidade que aquela visão produziu em suas almas que Pedro exclamou sem poder conter – se: “Mestre, é bom ficarmos aqui”.

A Transfiguração do Senhor antecipa a Ressurreição e anuncia a divinização do homem. Conduz-nos a um alto Monte para acolher de novo, em Cristo, como filhos do Filho, o dom da Graça de Deus: “Este é o meu Filho amado: Escutai-O.”

O Senhor, momentaneamente, permitiu que os três discípulos pudessem entrever a sua divindade, e eles ficaram fora de si, cheios de uma imensa felicidade. “A Transfiguração revela – lhes um Cristo que não se mostrava na vida cotidiana. Está diante deles como Alguém no qual se cumpre a Antiga Aliança, e sobretudo como o Filho eleito do Pai Eterno, a quem é preciso prestar  fé absoluta e obediência total” (São João Paulo ll, Homilia), a quem devemos buscar ao longo da nossa existência aqui na terra.

A Transfiguração foi uma centelha de glória divina que inundou os apóstolos de uma felicidade tão grande que fez Pedro exclamar: “Senhor, é bom ficarmos aqui. Se queres, vou fazer aqui três tendas…” (Mt 17, 4). Pedro quer prolongar aquele momento. Mas, Pedro não sabia o que dizia; pois o que é bom, o que importa, não é estar aqui ou ali, mas estar sempre com Cristo, em qualquer parte, e vê-lo por trás das circunstâncias em que nos encontramos. Se estamos com Ele, tanto faz que estejamos rodeados dos maiores consolos do mundo ou prostrados no leito de um hospital, padecendo dores terríveis. O que importa é somente isto: vê-lo e viver sempre com Ele! Esta é a única coisa verdadeiramente boa e importante na vida presente e na outra. Desejo ver-te, Senhor, e procurarei o teu rosto nas circunstâncias habituais da minha vida!
São Beda diz que o Senhor, “numa piedosa autorização, permitiu que Pedro, Tiago e João fruíssem durante um tempo muito curto da contemplação da felicidade que dura para sempre, a fim de fortalecê-los perante a adversidade”. A lembrança desses momentos, ao lado do Senhor, no Tabor, foi sem dúvida uma grande ajuda nas várias situações difíceis em que estes três Apóstolos viriam a passar.

A Transfiguração leva-nos a pensar no Céu, que é a nossa morada. O Senhor quer confortar-nos com a esperança do Céu, de modo especial nos momentos mais duros ou quando se torna mais patente a fraqueza da nossa condição: “à hora da tentação, pensa no Amor que te espera no Céu. Fomenta a virtude da esperança, que não é falta de generosidade” (Caminho, 139).

A nossa vida é um caminho para o Céu. Mas é uma via que passa pela Cruz e pelo sacrifício. Até o último momento, teremos que lutar contra a corrente, e é possível que também passemos pela tentação de querer tornar compatível a entrega que o Senhor nos pede com uma vida fácil e talvez aburguesada, como a de tantos que vivem com o pensamento posto exclusivamente nas coisas materiais. “Não sentimos frequentemente a tentação de pensar que chegou o momento de converter o cristianismo em algo fácil, de torná – lo confortável, sem sacrifício algum; de fazê – lo conformar – se com as maneiras cômodas, elegantes e comuns dos outros e com o modo de vida mundano? Mas não é assim!… O cristianismo não pode dispensar a Cruz: a vida cristã é inviável sem o peso forte e grande do dever… Se procurássemos tirá – lo da nossa vida, criaríamos ilusões e debilitaríamos o cristianismo; transformaríamos o cristianismo numa interpretação branda e cômoda da vida” (São Paulo Vl).  Não é esse o caminho que o Senhor indicou.

O pensamento da glória que nos espera deve animar-nos na nossa luta diária. Nada vale tanto como ganhar o Céu. Ensina Santa Teresa: “E se fordes sempre avante com essa determinação de antes morrer do que desistir de chegar ao termo da jornada, o Senhor, mesmo que vos mantenha com alguma sede nesta vida, na outra, que durará para sempre, vos dará de beber com toda abundância e sem perigo de que vos venha a faltar.”

“Este é o meu Filho amado: ouvi-O”. Deus Pai fala através de Jesus Cristo a todos os homens, de todos os tempos. Ensina São João Paulo II: “procura continuamente as vias para tornar próximo do gênero humano o mistério do seu Mestre e Senhor: próximo dos povos, das nações, das gerações que se sucedem e de cada um dos homens em particular” (Encíclica Redemptor Hominis, 7). A sua voz faz-se ouvir em todas as épocas, sobretudo através dos ensinamentos da Igreja.

O significado concreto de tudo isso, hoje como então, é este: nossa vida de cristãos está permeada de provações; o sofrimento nos acompanha. Muitas vezes, é tanta a escuridão que não se consegue mais   divisar   o Céu; o horizonte da fé parece desaparecer ao longe. Vemos somente a realidade presente que se mostra com toda sua aspereza. É nesta hora   que a dor nos cerca com   seu espetáculo: dor de gerações passadas, dor atual, dor dos pecadores e dor dos justos…  Aos lábios aflora espontânea a pergunta: Por que tudo isto? Por que se Deus é bom, se Deus é Pai? São Pedro nos afirma que também alguns dos primeiros cristãos estavam tentados a dizer: Onde está a promessa de sua vinda? Desde que nossos pais morreram, tudo continua como desde o princípio do mundo  (2Pd 3,4).

Nesta prova da fé, brilha o Evangelho da Transfiguração, como penhor certíssimo de vitória. Toda esta dor irá acabar. Um dia, cada um de nós, e todo o universo, será transfigurado porque deverá ser como Jesus, deverá assumir seu modo de ser glorioso e espiritual e formar, aliás, “um só Espírito” com Ele.

Jesus, como fez com Pedro, Tiago e João, aproxima – se, coloca – nos uma mão sobre o ombro e nos convida a descer do monte. Convida – nos a seguí – Lo a Jerusalém, isto é, nas provas da vida cotidiana.

Nós devemos encontrar Jesus na nossa vida corrente, no meio do trabalho, na rua, nos que nos rodeiam, na oração, quando nos perdoa no Sacramento da Penitência (Confissão), e sobretudo na Eucaristia, onde se encontra verdadeira, real e substancialmente presente. Devemos aprender a descobri-Lo nas coisas ordinárias, correntes, fugindo da tentação de desejar o extraordinário.

Mons. José Maria Pereira

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