A Revelação do Amor de Deus!
Estamos no coração da Quaresma, que é o tempo propício da conversão, e a Igreja propõe-
nos, hoje, uma catequese acerca do Sacramento da Reconciliação (Confissão); quer fazer-nos
chegar purificados, na Páscoa, e indica-nos o caminho privilegiado para esta purificação. A
parábola do filho pródigo (Lc 15, 1-3. 11-32) apresenta-se como um Sacramento da Penitência
em ação, tendo, no centro, a confissão (Pai, pequei!) e, no final, a absolvição (este filho tornou
a viver).
O personagem central desta parábola é o próprio Deus (que é PAI), que lança mão de todos os
meios para recuperar os seus filhos feridos pelo pecado. “No seu grande amor pela
humanidade, Deus vai atrás do homem, escreve Clemente de Alexandria, como a mãe voa
sobre o passarinho quando este cai do ninho; e se a serpente começa a devorá-lo, esvoaça
gemendo sobre os seus filhotes (Dt 32, 11). Assim Deus busca, paternalmente, a criatura, cura-
a da sua queda, persegue a besta selvagem e recolhe o filho, animando-o a voltar, a voar para
o ninho”.
“Assim haverá alegria entre os anjos de Deus por um só pecador que se converte, do que por
noventa e nove justos, que não precisam de conversão” (Lc 15, 7). Isso não quer dizer que o
Senhor não estime a perseverança dos justos, mas aqui se põe em realce o gozo de Deus e dos
bem-aventurados diante do pecador que se converte. É um claro chamamento ao
arrependimento e a não duvidar nunca do perdão de Deus. Todos somos filhos de Deus e,
sendo filhos, somos também herdeiros. A herança que nos cabe é um conjunto de bens
incalculáveis e de felicidade sem limites, que só no Céu alcançará a sua plenitude e a sua
segurança completa. “Quantos homens, ao longo dos séculos, e, quantos do nosso tempo,
podem encontrar na parábola do filho pródigo as características principais da sua própria
história pessoal!” (São João Paulo ll). Temos a possibilidade de abandonar a casa paterna e
gastar os bens que recebemos de um modo indigno da nossa condição de filhos de
Deus.
Quando o homem peca gravemente, perde-se para Deus, e também para si mesmo, pois o
pecado tira-o do caminho que conduz ao Céu; é a maior desgraça que pode acontecer a um
cristão. A sua vida honrada, as esperanças que Deus tinha posto nele, a sua vocação para a
santidade, o seu passado e o seu futuro desabam. Afasta-se radicalmente do princípio da vida,
que é Deus, pela perda da Graça santificante. Perde os méritos adquiridos ao longo de toda a
vida e torna-se incapaz de adquirir outros, ficando sujeito, de algum modo, à escravidão do
demônio. O pecado, tão detalhadamente descrito na parábola do filho pródigo, consiste na
rebelião contra Deus, ou, ao menos, no esquecimento ou indiferença para com Ele e para com
o seu amor, no desejo tolo de viver fora do amparo de Deus, de emigrar para uma terra
distante, longe da casa paterna. Como se passa mal quando se está longe de Deus! “Onde se
passará bem sem Cristo – pergunta Santo Agostinho -, ou quando se poderá passar mal com
Ele?”
“Correu-lhe ao encontro, abraçou-o e cobriu-o de beijos” (Lc 15, 20). Acolhe-o como filho
imediatamente! Estas são as palavras da Bíblia: cobriu-o de beijos, comia-o a beijos. Pode-se
falar com mais calor humano? Pode-se descrever, de maneira mais gráfica, o amor paternal de
Deus pelos homens? Perante um Deus que corre ao nosso encontro, não nos podemos calar, e
temos que dizer-Lhe, como São Paulo: “Abbá, Pai” (Rm 8,15). Quer que Lhe chamemos de Pai,
que saboreemos essa palavra, deixando a alma inundar-se de alegria.
Correu – lhe ao encontro… Enquanto o arrependimento costuma formar-se lentamente, a
misericórdia de nosso Pai-Deus corre para nós logo que percebe de longe o nosso menor
desejo de voltar. Por isso a Confissão está impregnada da alegria e de esperança. “É a alegria
do perdão de Deus, mediante os seus sacerdotes, quando por desgraça ofendemos o seu
infinito amor e, arrependidos, voltamos para os seus braços de Pai” (São João Paulo ll).
“Deus espera-nos, como o Pai da parábola, estendendo para nós os braços, embora não o
mereçamos. Não importa o que lhe devemos. Como no caso do filho pródigo, o que é preciso é
que lhe abramos o coração, que tenhamos saudades do lar paterno, que nos maravilhemos e
nos alegremos perante o dom que Deus nos fez de nos podermos chamar e sermos realmente,
apesar de tanta falta de correspondência da nossa parte, seus filhos” (São Josemaria Escrivá;
Cristo que passa, nº.64).
Essa parábola deve despertar-nos para a beleza do Sacramento da Reconciliação (Confissão).
Na Confissão, através do sacerdote, o Senhor devolve-nos tudo o que perdemos por culpa
própria: a graça e a dignidade de filhos de Deus. Cumula-nos da sua graça e, se o
arrependimento é profundo, coloca-nos num lugar mais alto do que aquele em que estávamos
anteriormente.
Devemos valorizar a Confissão, porque leva-nos ao problema mais universal e central da
conversão evangélica; trata-se de descobrir a verdadeira doença da alma (o pecado).
O pecado existe, e, todo pecado é uma ofensa a Deus; porém a misericórdia de Deus é maior
do que todos os nossos pecados. Contudo, supõe uma atitude de retorno: CONVERSÃO.
Deus espera de nós uma entrega alegre, sem tristeza nem constrangimento, pois Deus ama
aquele que dá com alegria (2 Cor 9, 7). “É uma doce alegria pensar que o Senhor é justo, que
conhece perfeitamente a fragilidade da nossa natureza! Por que então temer? Ele que se
dignou perdoar, com tanta misericórdia, as culpas do filho pródigo, não será também justo
comigo, que estou sempre junto dEle?” (Santa Teresinha do Menino Jesus). Com alegria,
sirvamos ao Senhor nas coisas mínimas! Preparemos a nossa volta (Confissão)!
“Vou voltar para meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei…” (Lc 15,18). Assim falou consigo o pródigo e
logo se levantou e começou a caminhar. Façamos isso também nós: não é necessário que
tenhamos ido para uma região distante; na verdade, todos estamos longe, todos pecamos sete
vezes; deixemo-nos reconciliar com Deus por Cristo e pela Igreja. A Páscoa será mais linda este
ano para nós; será uma verdadeira Páscoa de ressurreição!
Esta página de São Lucas, sobre o filho pródigo, constitui um vértice da espiritualidade e da
literatura de todos os tempos. De fato, o que seria a nossa cultura, a arte, e mais em geral a
nossa civilização sem esta Revelação de um Deus Pai cheio de misericórdia? Ela nunca cessa de
nos comover, e todas as vezes que a ouvimos ou lemos é capaz de nos sugerir sempre novos
significados. Este texto evangélico tem o poder de falar-nos de Deus, de nos fazer conhecer o
seu rosto, melhor ainda, o seu coração. Depois de Jesus nos ter narrado acerca do Pai
misericordioso, as coisas já não são como antes, agora conhecemos Deus: Ele é nosso Pai, que
por amor nos criou livres e dotados de consciência, que sofre se nos perdemos e faz festa se
voltamos.
Os dois filhos representam dois modos imaturos de relacionar-se com Deus: a rebelião e a
hipocrisia. Essas duas formas superam-se através da experiência da misericórdia. Só
experimentando o perdão, só reconhecendo-nos, amados por um amor gratuito, maior do que
a nossa miséria, mas, também, maior do que a nossa justiça, entramos finalmente num
relacionamento deveras filial e livre com Deus.
Nunca é demais frisar que, neste tempo da Quaresma, a Igreja ajuda-nos a percorrer este
caminho interior e convida-nos à conversão que, antes de ser um esforço sempre importante
para mudar os nossos comportamentos, é uma oportunidade para decidir levantar-nos e
recomeçar, ou seja, abandonando o pecado e escolhendo voltar para Deus. Percorramos, este
é o imperativo da Quaresma, juntos, este caminho de libertação interior. Porém, é preciso que
decidamos caminhar rumo a Jesus, como fez o filho pródigo, voltando, interior e
exteriormente, ao pai. Ao mesmo tempo, devemos abandonar a atitude egoísta do filho mais
velho, seguro de si, que condena facilmente os outros, fecha o coração à compreensão, ao
acolhimento e ao perdão dos irmãos, e esquece que, também ele, tem necessidade do perdão.
A parábola apresenta o rosto de Deus, assim como Jesus o revelou: um Deus de amor e de
perdão, que acolhe o pecador arrependido, reconduzindo-o à dignidade de filho.
Precisamos fazer o caminho de retorno à casa do Pai!
Queridos irmãos, meditemos sobre o significado dessa parábola! Contemplemos o coração do
Pai! Lancemo-nos nos seus braços e deixemo-nos regenerar pelo seu amor misericordioso.
Ajude-nos nisso a Virgem Maria, Mãe de Misericórdia!
Mons. José Maria Pereira