Homilia do Mons. José Maria – III Domingo do Tempo Comum – Ano C

Transmitir o Evangelho

Ao ouvir um trecho do Evangelho, devemos nos preparar, repetindo no refrão do Salmo 18b (19), este ato de fé: “Vossas palavras, Senhor, são Espírito e Vida!” Na aclamação ao Evangelho, a Liturgia separou algumas palavras, propondo-as como tema de reflexão para a homilia: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu; e enviou-me para anunciar a Boa-Nova aos pobres. Trata-se de um oráculo do Profeta Isaías, que Jesus aplica a si mesmo. Orígines comenta: “Não é por acaso que Ele abriu o rolo e encontrou o capítulo da leitura que profetiza acerca dele, mas também isto foi obra da providência de Deus”.

Jesus pronunciou estas palavras na Sinagoga de Nazaré, no início de seu ministério público; elas constituem por assim dizer um título colocado no início de todo o Evangelho: Esta é a minha missão – parece dizer Jesus – e estes são seus destinatários! A importância de tais palavras para compreender o espírito do Evangelho e a obra de Jesus é, portanto, imensa; dela depende diretamente a compreensão da bem-aventurança: Felizes os pobres de coração: deles é o Reino dos céus.

Naquele dia, na Sinagoga, num silêncio repleto de atenção, Jesus disse: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir” (Lc. 4,21). São Cirilo de Alexandria afirma que o “hoje”, inserido entre a primeira e a última vinda de Cristo, está vinculado à capacidade que o fiel tem de ouvir e de se arrepender. Mas, num sentido ainda mais radical, o próprio Jesus é o “hoje” da salvação na História, porque leva a cumprimento a plenitude da redenção. Já nas narrações da infância, o termo “hoje” é apresentado com as palavras que o Anjo dirigiu aos pastores: “Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós o salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc 2, 11). Nós também fechemos o livro do Evangelho do qual ouvimos estes ensinamentos (Lc 4,20): mas nem tudo pode acabar aqui; aliás, num certo sentido, tudo começa neste momento: “Sabendo isso, sereis felizes se o praticardes (Jo 13,17). A Palavra de Deus cumpre-se, de novo, cada vez que há alguém que a escuta e a coloca em prática; o “hoje” por Ele pronunciado naquele dia prolonga-se na Igreja e dura ainda.

Também nós, em outras palavras, somos enviados a anunciar a Boa Nova do Evangelho.
Na Primeira Leitura (Ne 8, 2-10), encontramos o Povo reunido, em assembleia, lendo e estudando a Palavra de Deus.

Já em solo judaico, um dos sacerdotes, Esdras, explica ao povo o conteúdo da Lei que tinham esquecido naqueles anos transcorridos em “terras estranhas”. Leu o livro sagrado, desde o amanhecer até o meio dia, e todos, de pé, seguiam a leitura com atenção, e o povo inteiro chorava. É um pranto em que se misturam naqueles homens a alegria de reconhecerem novamente a Lei de Deus e a tristeza de perceberem que o seu antigo esquecimento da Lei fora a causa de que tivessem sido desterrados.

A Palavra interpela e provoca no povo uma atitude de conversão.

Diz Santo Agostinho: “ Devemos ouvir o Evangelho como se o Senhor estivesse presente e nos falasse. Não devemos dizer: “Felizes aqueles que puderam vê-Lo”. Porque muitos dos que O viram crucificaram-no; e muitos dos que não O viram creram nele. As mesmas palavras que saíam da boca do Senhor foram escritas, guardadas e conservadas para nós”.

Em todas as épocas da história, sobretudo em épocas de crise, os homens voltaram a alimentar-se da Bíblia, procurando nela um sentido para a sua vida e o encontraram.

Paulo afirma: “Toda Escritura é inspirada por Deus e é útil para ensinar, para argumentar, para corrigir, para educar conforme a justiça. Assim, a pessoa que é de Deus estará capacitada e bem preparada para toda boa obra”. (2Tm 3, 16 – 17).

Só se ama o que se conhece! Por isso, muitos cristãos reservam, todos os dias, alguns minutos para lerem e meditarem o Evangelho, e assim chegam espontaneamente a um conhecimento profundo e à contemplação de Jesus Cristo.

Seria muito difícil amar a Cristo, conhecê-Lo de verdade, se não se escutasse frequentemente a Palavra de Deus; se não se lesse o Evangelho com atenção, todos os dias. Essa leitura – bastam cinco minutos diários – alimenta a nossa piedade!

É urgente que tenhamos, cada vez mais, mais contato com a Palavra de Deus!

O Compêndio do Catecismo da Igreja Católica afirma: “A Sagrada Escritura dá suporte e vigor à vida da Igreja. É para seus filhos firmeza da fé, alimento e fonte de vida espiritual. É a alma da teologia e da pregação pastoral… A Igreja exorta, por isso, à frequente leitura da Sagrada Escritura, porque a ignorância das escrituras é ignorância de Cristo” (nº 24).

Dizia São João Crisóstomo: “Frequentemente, a ignorância é filha da preguiça.”

A boa formação exige tempo e constância!

Nunca devemos considerar-nos suficientemente formados, nunca devemos conformar-nos com o conhecimento de Jesus Cristo e dos seus ensinamentos que já possuímos. O amor pede que se conheçam mais coisas da pessoa amada. Na vida profissional, um médico, um arquiteto, um advogado, se querem ser bons profissionais, nunca dão por concluídos os seus estudos ao saírem da Faculdade; estão sempre em contínua formação. Com o cristão acontece o mesmo. Pode-se aplicar-lhe também aquela frase de S. Agostinho: “Disseste basta. Pereceste.”

Para podermos dar a doutrina de Jesus Cristo, é preciso que a tenhamos no entendimento e no coração: que a meditemos e a amemos.

A vida de fé leva a um fluxo contínuo de aquisição e transmissão das verdades reveladas: “ De fato, eu recebi do Senhor o que também vos transmiti…” (1 Cor 11,23). A fé da Igreja é fé viva, porque é continuamente recebida e entregue. De Cristo aos Apóstolos, destes aos seus sucessores.

Com o salmista repitamos: “Tua Palavra, Senhor, é lâmpada para meus pés, e luz para meu caminho” (Sl 119, 105).

Ide e ensinai…, diz o próprio Cristo a todos nós!

Que bons alto-falantes teria o Senhor, se todos os cristãos se decidissem – cada um no seu lugar – a proclamar a doutrina salvadora de Cristo, a ser elos dessa corrente que se prolongará até o fim dos tempos!

Hoje, por iniciativa do Santo Padre, Papa Francisco, com o Motu Proprio Aperuit Illis, de 30 de setembro de 2019, ficou estabelecido que “o Terceiro Domingo do Tempo Comum seja dedicado à celebração, reflexão e difusão da Palavra de Deus”, a fim de “fazer crescer, no povo de Deus, a religiosa e assídua familiaridade com as Sagradas Escrituras”.

A Igreja incentiva os fiéis à leitura frequente das Sagradas Escrituras, pois, segundo São Jerônimo, “desconhecimento das Escrituras é desconhecimento de Cristo”. Lembrem-se, porém, que a oração deve acompanhar a leitura da Sagrada Escritura, para que haja colóquio entre Deus e o homem; pois, “com Ele falamos quando rezamos, e a Ele ouvimos quando lemos os divinos oráculos” (Santo Ambrósio).

Façamos nossa a oração da Missa de hoje: “Deus eterno e todo poderoso, dirigi a nossa vida segundo o vosso amor, para que possamos, em nome do vosso Filho, frutificar em boas obras.”

A Virgem Maria seja sempre a nossa modelo e a nossa guia, para sabermos reconhecer e acolher, em cada dia da nossa vida, a Presença de Deus, Salvador nosso e de toda a humanidade.

Mons. José Maria Pereira

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