XIII DOMINGO DO TEMPO COMUM – B – Duas curas milagrosas a favor de duas mulheres
Mc 5,21-43
Caros irmãos e irmãs
Neste domingo, o evangelista São Marcos nos apresenta a narração de duas curas milagrosas operadas por Jesus em favor de duas mulheres em uma única narrativa: a ressurreição da filha de um dos chefes da Sinagoga, chamado Jairo, e a recuperação da saúde de uma mulher que sofria de hemorragia (cf. Mc 5,21-43). O lecionário fornece uma leitura abreviada, mas aconselha-se a leitura integral do texto. De fato, os três evangelhos sinóticos mostram as duas curas em um relacionamento seguido e um está de certa forma ligado ao outro.
As duas mulheres beneficiárias das ações de Jesus neste Evangelho têm algo em comum: a primeira estava doente há 12 anos e a menina, filha de Jairo, morreu aos 12 anos. Segundo os textos bíblicos do Novo Testamento, por três vezes Jesus trouxe alguém de volta à vida.
Para o povo de Israel, o percurso destas duas mulheres era sinal de um fracasso. Uma mulher está perdendo a sua vida, uma vez que sangue é princípio e sinal de vida na mentalidade semítica, e por doze anos sofre uma doença que não encontra cura na medicina. A menina, aos doze anos, perde a sua vida. Além da cura da filha de Jairo, temos também a ressurreição do filho da viúva de Naim (cf. Lc 7,11-17) e a ressurreição de Lázaro (cf. Jo 11,1-46).
Em ambos os casos, realiza-se a salvação da pessoa, algo mais profundo e transcendental que o resultado físico, embora importante à saúde e à vida; algo que está além dos limites da enfermidade e da morte. É difícil aceitar o fato de se estar doente e também aceitar o doente. De fato, olhar nos olhos de um homem enfermo ou moribundo significa tomar profunda consciência dos próprios limites humanos, da inevitabilidade da morte; significa sentir a própria precariedade e achar-se de mãos vazias em face do outro. No Novo Testamento, Jesus é apresentado como o Salvador dos enfermos, alguém que cura não apenas as doenças do corpo, mas também as doenças morais, e também o pecado (cf. Mc 2,1-2).
A história começa quando Jairo pede a Jesus como um pai desesperado: “A minha filha está a morrer. Vem impor-lhe as mãos, para que se salve e viva” (v. 23). Enquanto Jesus e seus discípulos seguem para a casa de Jairo, uma mulher doente atingida por um fluxo de sangue não diz nada, mas se contenta em tocar as vestes de Jesus, porque se considera impura. A lei estabelece que a mulher que estivesse sofrendo de perdas de sangue não podia ser admitida nos encontros comunitários e deveria ser evitada, como se fosse uma leprosa: “Mas a mulher, quando tiver fluxo, e o seu fluxo de sangue estiver na sua carne, estará sete dias na sua separação, e qualquer um que a tocar, será imundo até à tarde” (Lv 15,19). Aquele que tivesse contato com a mulher, antes de retomar as atividades religiosas, deveria se submeter a cerimônias de purificação (cf. Lv 15,25-27). A perda contínua de sangue causa muita fraqueza no enfermo. Entretanto, a dor maior era talvez não da doença física, mas da doença social.
O que parece ser uma interrupção inconveniente, por conta da cura da mulher, enquanto a filha morria, na verdade, pode se dizer que contribuiu para a salvação da filha de Jairo. O fato pode ter contribuído para fortalecer a sua fé. O texto evangélico nos diz que a mulher, não identificada, foi atingida por uma doença desconfortável e humilhante e a atinge em sua intimidade. E é causa de uma impureza religiosa. O sangue é símbolo da vida, mas quando sai do corpo, pode tornar-se sinal da morte próxima e, por isto, causa repugnância. Mas ela sente um forte impulso para estar com Jesus, para tocar nele: “Se tocar, ainda que seja na orla do seu manto, estarei curada” (v. 28). Mas ela vê um obstáculo: a multidão e o medo de transgredir as leis da época. Porém quando ouviu falar que o Messias prometido, Jesus, estava por perto, a fé genuína se acendeu no seu íntimo. Ela decide agir de forma discreta, porque o fluxo sanguíneo, segundo a legislação, a fez impura e tocar uma outra pessoa estaria contrariando a lei e ela poderia ser apedrejada (cf. Lv 15,25). Ela aproxima-se de Jesus por detrás, tocando a orla do seu manto. Neste momento, ela é atingida por uma força vital que restabelece a sua saúde: “No mesmo instante se lhe estancou a fonte de sangue, e ela teve a sensação de estar curada” (v. 29). Assustada ao ser descoberta pela pergunta e pelo olhar de Jesus, diz ele à mulher: “Filha, a tua fé te salvou. Vai em paz e sê curada do teu mal” (v. 34).
A mulher em questão nem por seu nome era conhecida. Ficou marcada como a mulher do fluxo de sangue. Mas graças à sua fé, foi restaurada na sua dignidade, restabelecida na sociedade que a excluía devido a doença. E a sua cura vem como uma consequência da fé, que é sempre fonte de vida e de felicidade.
Após a cura da hemorroíssa, é retomado o relato da filha de Jairo. E, estando Jesus com seus discípulos de sua casa lhe comunicam a triste notícia da morte de sua filha. Ele esperava que Jesus impusesse suas mãos sobre a menina para restabelecer a sua saúde. Na concepção judaica de retribuição, a morte de uma criança era considerada como um castigo, devido a algum pecado cometido pelos pais. A morte da filha significava para Jairo uma dupla perda: a da filha e também da sua posição social. Ele poderia ser considerado como um pecador castigado por Deus. Mas, diante da notícia, nesse momento difícil de prova, Jesus anima Jairo dizendo: “Não tenha medo. Basta que tenha fé” (v. 36).
Já na casa de Jairo, Jesus ouve o ruído das lamentações e dos flautistas (v. 38). Segundo a concepção judaica, este costume tinha como objetivo afastar os espíritos maus, que tentavam apoderar-se do espírito do morto. Mas diante deste cenário, Jesus diz: “A criança não morreu, mas dorme” (v. 39). Jesus toma a mão da menina e ordena que ela se levante (v. 41). E o evangelista conserva a ordem de Jesus em aramaico: “Talita cumi”, que quer dizer: “Menina, levanta-te”. O relato termina com a constatação do milagre (v. 42) e o espanto de todos diante da intervenção salvífica de Deus. Jesus também ordena que dê de comer à menina, isto para frisar a volta da realidade e também para acentuar o contexto da ressurreição.
Nas duas cenas do evangelho deste domingo, a fé humilde, que suplica pela boca do pai da menina e pelo gesto de tocar o manto de Jesus pela mulher, é também modelo de disposição para se aproximar de Cristo. Em ambos os casos a finalidade é o aperfeiçoamento da fé dos dois pedintes. Na narrativa observa-se que ao redor de Jesus se encontra uma grande multidão (v. 31). Certamente são os seus discípulos que o seguiam. Podemos imaginar que muitos encostavam nele, mas somente uma mulher o “tocou”, e sua vida passou por uma grande transformação. Isto pode acontecer também com cada um de nós. Muitas vezes temos contatos diretos com Jesus, pelo Sacramento da Eucaristia, por exemplo, ou através da sua Palavra, mas não somos transformados. Talvez falte em nós uma fé mais forte e sólida. A proximidade com Jesus precisa, necessariamente, produzir em nós mudanças. Se isto não acontece, significa que as suas palavras ainda não atingiram o nosso coração.
Por isto, precisamos pedir que ele mesmo nos ajude a crescer na fé, e que esta fé possa transbordar em amor, para que sejamos verdadeiramente transformados e renovados a cada dia. Assim seja.
Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ