Homilia de D. Henrique Soares da Costa – VI Domingo do Tempo Comum – Ano C

Jr 17,5-8; 

Sl 1;  

1Cor 15,12.16-20;

 Lc 6,17.20-26 

A Palavra de Deus, neste Domingo é de uma gravidade que chega a ser angustiante! O Senhor nos convida – ou melhor, força-nos – a uma escolha, a que nos decidamos por um modo de viver. E apresenta-nos dois caminhos: o da bênção e o da maldição. Dois caminhos; só dois. Não mais! Jesus, nosso Senhor, desce da montanha e chega a uma planície, onde encontra Seus discípulos – não só os Doze, mas todo discípulo – e uma grande multidão. Ele é o Deus misericordioso que “desce” até a planície de nossa pobre existência, tão emaranhada em tantas vicissitudes e preocupações, em tantos desafios escolhas, em tantas dúvidas e incertezas. Desce para encontrar as pessoas concretas, aquelas que encontramos nas ruas de nossas cidades… E, então, dirige a palavra, não a todos, mas “levantando os olhos para os Seus discípulos, disse…” O que Ele vai falar, então, é para nós, cristãos, Seus discípulos!

 “Bem-aventurados vós, os pobres… Bem-aventurados vós, que agora tendes fome… Bem-aventurados vós, que agora chorais… Bem-aventurados sereis quando vos odiarem e vos expulsarem… por causa do Filho do Homem…” São palavras misteriosas, desconcertantes, que desmoralizam definitivamente qualquer “teologia” da prosperidade das seitas neopentecostais! Palavras que desmascaram como diabólica, satânica essa “teologia” impostora que não tem nada de evangélica! Não há nada mais antievangélico e anticristão, nada de mais mascarado e satânico que a maldita “teologia” da prosperidade!

 Quem são os pobres e aflitos e famintos e perseguidos de que fala Jesus? Pobre, na Bíblia, é todo aquele que se encontra numa situação limite, numa situação de miséria, seja qual for: miséria econômica, social, de saúde, moral, psicológica… Mas, aqui, pobre, concretamente, é o cristão que, por causa do Evangelho, por causa de Jesus, “perdeu-se” na vida, levou a pior, perdeu uma chance de se dar bem, de “salvar” a vida, de ter prestígio, fama, poder… Por isso, Jesus diz aos discípulos: Bem-aventurados vós… Meus discípulos, que sois pobres, que chorais, que tendes fome, que sois perseguidos por Minha causa! Um exemplo de pobre, segundo estas bem-aventuranças, foi São Paulo: “O que era para mim lucro eu o tive como perda, por amor de Cristo. Mais ainda: tudo eu considero perda, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor. Por Ele, eu perdi tudo e tudo tenho como esterco, para ganhar a Cristo e ser achado Nele” (Fl 3,7s). O que perdemos por Cristo? O que estamos dispostos a deixar por Cristo? Até onde? Em que medida? Perguntas angustiantes, desafiadoras! Jesus exige que deixemos até a própria vida: “Se alguém vem a Mim e não odeia seu próprio pai e mãe, mulher, filhos, irmãos, irmãs e até a própria vida, não pode ser Meu discípulo” (Lc 14,25ss). Não dá para ser cristão vivendo a vidinha do nosso jeito: cristão maneiro, cristão jeitoso, cristão boa-vida, cristão mundano, cristão burguês…

 O contrário das bem-aventuranças de hoje, são as maldições: “Ai de vós, ricos… Ai de vós, que agora tendes fartura… Ai de vós, que agora rides… Ai de vós, quando todos vos elogiam…”Quem são esses malditos? “Vós”, ou seja, os discípulos que renegaram o Senhor para salvar a própria pele, para levar uma vida cômoda e acomodada… aqueles que, por um nada, na hora de decidir, não deixam nada, nem se deixam, por Cristo. Para esses, Cristo não passa de um apêndice, de uma crendice, de uma teoria, uma ideia abstrata… Desses, Cristo não é o eixo, o caminho, o fundamento da vida… Como é angustiante a possibilidade concreta de estarmos entre esses malditos! O que não tivemos a coragem de perder por Cristo? O que não quisemos deixar por Cristo? O que colocamos acima de Cristo em nossa vida? Ai de vós, porque tudo quanto ganhastes fora de Cristo é efêmero, ilusório, passageiro: “já tendes vossa consolação… passareis fome… tereis luto e lágrimas… assim foram tratados os falsos profetas…” Dizendo de outro modo: a Palavra do Senhor deste hoje pergunta-nos pela veracidade ou não de nosso ser cristãos, de nosso ser discípulos de Jesus! E coloca as coisas de um modo duríssimo, seríssimo! Não dá para enrolar, não dá para escapar!

 Mas, tem mais: o Senhor nos adverte seriamente de que quando estamos nos dando bem na vida, consolados, elogiados, bem sucedidos, temos o sério perigo de nos apoiar nessas coisas e fazer delas o nosso arrimo, a nossa vida, a nossa felicidade! Ai de vós! “Tudo é vosso, mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus!” (1Cor 3,22) É tão grande, tão concreto, o perigo de nos apegar a essas coisas que passam e coloca-las no lugar de Deus! “Ai de vós!”– alerta o Senhor!

 Eco deste desafio do Senhor Jesus, é a afirmação de Jeremias: “Bendito o homem que confia no Senhor, cuja esperança é o Senhor. É como a árvore plantada junto às águas… não teme a chegada do calor… não sofre míngua em tempo de seca… Maldito o homem que confia no homem e faz consistir sua força na carne humana, enquanto seu coração se afasta do Senhor… ele não vê chegar a floração, vegeta na secura do deserto, em região salobra e desabitada”. Não há como escapar: o Senhor não nos deixa alternativa! É preciso escolher um dos dois modos de viver: abertos para o Senhor ou fechados em nós!

 Pensemos bem o que estamos fazendo de nossa existência. Se cremos que Jesus é o Cristo-Deus, Aquele que pode nos dar um sentido para a vida já agora e nos pode dar a Vida plena após a morte, então, vale a pena segui-Lo! Esta é a questão, será sempre a questão! Nossa vida será salva ou não, terá sentido ou não, será perdida ou não, dependendo de nossa decisão e de nosso comportamento em relação a Jesus! São Paulo deixa isso muito claro na segunda leitura: “Se Cristo não ressuscitou, a vossa fé não tem valor e ainda estais em vossos pecados. Se é para esta vida que pusemos nossa esperança em Cristo, nós somos os mais dignos de pena de todos os homens!” Aqui está a questão: Qual a nossa esperança? Cremos, de fato, que nossa vida neste mundo é fermento de eternidade? Cremos que aqui estamos de passagem e que em Cristo é que permanecemos para sempre? Cremos que o Senhor de nossa vida e de nossa morte é Cristo? O Apóstolo coloca as coisas de modo cru e muito realístico. E termina, triunfal: “Mas, na realidade, Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram!” Por isso Paulo teve a coragem de se fazer pobre, de perder tudo, de viver para Cristo: porque sabia com toda convicção que a vida e a morte somente em Cristo podem encontrar um sentido definitivo: “Ninguém de nós vive e ninguém morre para si mesmo, porque se vivemos é para o Senhor que vivemos, e se morremos é para o Senhor que morremos. Portanto, quer vivamos, quer morramos pertencemos ao Senhor” (Rm 14,7s).

 Bem-aventurado, vós… Ai de vós! Pensemos bem onde nos enquadramos, onde estamos nos colocando, que vida estamos construindo! Recordemos que o mundo não compreenderá nunca a lógica do Cristo, nem mesmo muitos dos que tomam o nome de cristãos. Mas, o que conta é a Palavra do Senhor; e ela é dura, é exigente, nos desmascara e incomoda…

 Que a comunhão no Seu Corpo e no Seu Sangue nos dê a coragem da fé e da generosidade para perder a vida para ganhar a Vida verdadeira, já neste mundo – como paz, certeza, consolação e força… e, após a nossa morte, por toda a eternidade, na feliz ressurreição que o Cristo nos garante e nos concede. A Ele, nosso Senhor e Deus, a glória para sempre. Amém.

Dom Henrique Soares da Costa. 

 

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