Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – XXXII Domingo do Tempo Comum C 

Ensinamentos sobre a ressurreição

Lc 20,27-38

Caros irmãos e irmãs,

Cada domingo é o dia do encontro com aquele que é a nossa origem e a nossa meta.  Exatamente porque no domingo se trata em profundidade do encontro, pela Palavra e pelo Sacramento, com Cristo ressuscitado. Os primeiros cristãos celebraram o primeiro dia da semana como Dia do Senhor, pois era o dia da ressurreição. Mas, muito cedo, a Igreja tomou consciência também do fato de que o primeiro dia da semana é o dia da criação, o dia no qual Deus disse: “Faça-se a luz!” (Gn 1,3). Por isso, o domingo na Igreja é também a festa semanal da criação festa da gratidão e da alegria pela criação de Deus.

Em cada domingo nos alimentamos da Palavra e do Pão e para este domingo, as leituras nos permitem traçar um quadro bem significativo acerca da revelação bíblica sobre a ressurreição dos mortos. Como de fato, somente no final do Antigo Testamento é que podemos constatar, de forma mais clara, uma catequese sobre a ressurreição. O trecho do livro dos Macabeus relata as palavras que um dos sete irmãos mortos por Antíoco Epífanes diz: “Tu nos arrebatas a vida presente, mas o Rei do universo nos ressuscitará para uma vida eterna” (2Mac 7,9).  A fé na ressurreição e a certeza de que Deus reserva para os seus fiéis a vida eterna motivou os sete irmãos a enfrentar a tortura e a morte. Esta fé na ressurreição tem suas raízes na certeza da onipotência de Deus perante a injustiça terrena, pois o poder criador e salvador de Deus acompanha o homem também depois da morte.

A página evangélica deste domingo nos descreve o estado desta crença nos tempos do Novo Testamento e nos faz conhecer o pensamento de Jesus acerca da ressurreição. Ele nos garante que a ressurreição é a realidade que nos espera. No entanto, não vale a pena julgar e imaginar essa realidade à luz das categorias que marcam a nossa existência finita e limitada neste mundo; a nossa existência de ressuscitados será uma existência plena, total, nova. A forma como isso acontecerá é um mistério; mas a ressurreição é uma certeza absoluta no horizonte dos crentes.

O texto evangélico nos apresenta Jesus respondendo a uma pergunta formulada pelos saduceus, homens que exerciam uma forte autoridade à volta do Templo de Jerusalém e dominavam o Sinédrio. Para os saduceus, apenas interessava a Lei escrita, a Torá, por isso, não aceitavam a ressurreição dos mortos.  Como de fato, nenhum versículo da Torá apoiava essa crença. A questão apresentada pelos Saduceus diz que uma mulher casou, sucessivamente, com sete irmãos, cumprindo a lei do levirato, segundo a qual o irmão de um defunto que morreu sem filhos devia casar com a viúva, a fim de dar descendência ao falecido e impedir que os bens da família fossem parar em mãos estranhas (cf. Dt 25,5-10). Tendo apresentado a Jesus este relato, perguntam: “Quando cada irmão ressuscitar, será ela mulher de qual deles?”.

Jesus responde a pergunta dos Saduceus ressaltando a fé na ressurreição dos mortos com uma expressiva e convincente argumentação, ressaltado que tudo é possível para Deus.  O poder de Deus, que chama os homens da morte à vida, transforma e assume a totalidade do ser humano, de forma que nascemos para uma vida nova, na qual nossas potencialidades serão elevadas à plenitude. A nossa capacidade de compreensão deste mistério é limitada, pois contemplamos os fatos e os classificamos à luz das nossas realidades, no entanto, a ressurreição que nos espera ultrapassa totalmente a nossa vida terrena.

A ressurreição dos mortos foi revelada progressivamente por Deus a seu povo. A esperança na ressurreição corporal dos mortos foi-se impondo como uma consequência intrínseca da fé em um Deus criador do homem com alma e corpo. O criador do céu e da terra é também aquele que mantém fielmente sua aliança com Abraão e sua descendência.

A liturgia deste domingo também direciona a nossa atenção para outros ensinamentos apresentados pelo próprio Cristo.  Ele mesmo disse: “Eu sou a ressurreição e a vida, quem crê em mim não morrerá jamais” (Jo 11,25).  A ressurreição de Jesus não é um evento isolado, mas representa o início e a antecipação da ressurreição dos mortos.  Jesus liga a fé na ressurreição à sua própria pessoa: “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11,25). E Jesus mesmo prometeu: “Quem come a minha carne, e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele (Jo 6,56).

A ressurreição é, no entanto, a esperança que dá sentido a toda a caminhada do cristão. A fé cristã torna a esperança da ressurreição uma certeza absoluta, pois Cristo ressuscitou e quem se identifica com Cristo nascerá com Ele para a vida nova e definitiva.  A certeza da ressurreição deve ser algo que influencia, desde já, a nossa existência terrena. É o horizonte da ressurreição que deve influenciar as nossas opções, os nossos valores, as nossas atitudes.

Após a ressurreição, quando Jesus apareceu aos seus discípulos, teve que usar alguns recursos pedagógicos para os convencer de que era verdadeiramente ele, em seu próprio corpo. Eles não acreditaram imediatamente. A esperança cristã na ressurreição está toda marcada pelos encontros com Cristo ressuscitado: “Vede as minhas mãos e os meus pés: sou eu!” (Lc 24,39). Mas Cristo não voltou a uma vida terrestre como antes. Da mesma forma, nele “todos ressuscitarão com seu próprio corpo”; porém, este corpo será  “transfigurado em corpo de glória”, em “corpo espiritual” (1Cor 15, 44).  Para ressuscitar com Cristo é preciso morrer com Cristo, é preciso “deixar a morada deste corpo para ir morar junto do Senhor” (2Cor 5,8). Nesta “partida” que é a morte, a alma é separada do corpo. Contudo, esta alma volta ao seu corpo no dia da ressurreição dos mortos (cf. CIgC, n. 997).

Os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas não estão completamente purificados, embora tenham garantida a sua salvação eterna, passam, após sua morte, por uma purificação, a fim de obter a santidade necessária para entrar na alegria do céu. É o que a Igreja denomina purgatório, a purificação final dos eleitos (cf. CIgC, n. 998). Este ensinamento apoia-se também na prática da oração pelos defuntos, da qual a Sagrada Escritura nos fala: “Eis porque ele [Judas Macabeu] mandou oferecer esse sacrifício expiatório pelos que haviam morrido, a fim de que fossem absolvidos de seu pecado” (2Mac 12,46). Desde os primeiros tempos a Igreja honrou a memória dos defuntos e ofereceu sufrágios em seu favor, em especial o sacrifício eucarístico, a fim de que, purificados, eles possam chegar à visão beatífica de Deus.

Quando professamos a nossa fé, ao recitarmos o Credo, afirmamos a nossa crença na ressurreição da carne e na vida eterna, portanto, após a ressurreição não haverá mais morte nem nascimento. A alma não morre, porém a carne ressuscitará e assumirá um corpo imortal, semelhante aos anjos, por isso não haverá necessidade da união entre esposa e marido, como Jesus mesmo explica no Evangelho (cf. Lc 20,27-38).  Nunca é demais lembrar que, na mesma oração de profissão de fé, também afirmamos que cremos que Jesus Cristo Ressuscitado virá para julgar os vivos e os mortos.

Por tudo isso, devemos viver a justiça e o amor, pois Jesus disse também que o justo não conhecerá a morte eterna (cf. CIgC, n. 989).  O termo “carne”, como aparece na oração do Credo, quando falamos “creio na ressurreição da carne”, designa o homem em sua condição de fraqueza e de mortalidade. A “ressurreição da carne” significa que após a morte não haverá somente a vida da alma imortal, mas também os nossos “corpos mortais” (Rm 8,11) vão readquirir vida (cf. CIgC, n. 364).

Peçamos à Virgem Maria, a quem invocamos como Porta do Céu, que nos ajude a entender que o nosso morrer não é o fim, mas o ingresso na vida que não conhece a morte. E que possamos estar sempre direcionando os nossos passos para a verdadeira pátria celeste, que é a razão da nossa esperança.  Assim seja.

D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB Mosteiro de São Bento/RJ

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