Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – XXI Domingo do Tempo Comum – Ano B

Vós também não quereis ir também?

Jo 6,60-69

Caros irmãos e irmãs,

Nos últimos domingos a Liturgia da Palavra nos proporcionou meditar sobre o discurso do “pão da vida”, pronunciado por Jesus na sinagoga de Cafarnaum, depois de ter dado de comer a milhares de pessoas com cinco pães e dois peixes (cf. Jo 6,1-15). Neste discurso Jesus se apresenta como o “pão vivo que desceu do céu” e acrescenta: “Se alguém comer deste pão viverá eternamente; e o pão que Eu hei de dar é a minha carne pela vida do mundo” (Jo 6,51). E mediante o questionamento de alguns: “Como pode Ele dar-nos a comer a Sua carne?” (v. 52). Jesus reafirma: “Se não comerdes a carne do Filho do Homem, e não beberdes o Meu sangue não tereis a vida em vós” (v. 53).

É sempre oportuno e válido o estudo sobre o Sacramento da Eucaristia e a recordação das palavras de Jesus pronunciadas no Cenáculo ao referir-se ao pão: “Tomai, isto é o meu Corpo”. E com relação ao vinho disse: “Isto é o meu sangue da aliança, que será derramado por vós” (Mc 14,22-24). Cada vez que um sacerdote renova o sacrifício eucarístico, na oração da consagração, ele repete estas mesmas palavras pronunciadas por Jesus no momento da instituição da Eucaristia, que não são simplesmente palavras, mas acontecimento. É verdadeiramente a presença de Cristo entre nós. E, como sinal dessa sua presença, foram escolhidos dois símbolos próprios da cultura da época: o pão e o vinho.

O pão é feito com farinha e água, tipo mais simples de pão e de alimento. Nisso vemos o Cristo como alimento dos pobres, aos quais ele destinou em primeiro lugar a sua proximidade. O pão é ainda o símbolo universal do alimento, por ser ele de fundamental importância para a vida de muitos povos. Serve para designar os bens da criação e amplia-se para a ideia de sustento, oriundo do suor do próprio rosto, como lemos no Livro do Gênesis: “Com o suor do teu rosto comerás o teu pão” (Gn 3,19).  Também podemos dizer que este mesmo pão tem a beleza metafórica de só poder ser comido se for partido. O gesto de partir o pão e reparti-lo aparece nos evangelhos como um traço de Jesus, tanto no sentido de alimento material, na multiplicação dos pães, como na partilha do seu corpo na ceia e, depois de ressuscitado, aos discípulos de Emaús (cf. Jo 6,1-16; Lc 24,14). Partir e repartir o pão serve para valorizar a dimensão da fraternidade, já que não se come sozinho um pão distribuído. 

Também no momento da instituição da Eucaristia, vemos que Jesus, após abençoar o pão, o partiu e o distribuiu aos seus discípulos. Partir o pão é o gesto do pai de família que se preocupa com os seus filhos e lhes proporciona aquilo de que têm necessidade para a vida. Mas é também o gesto da hospitalidade com a qual o estrangeiro e o hóspede são acolhidos, sendo-lhes concedido tomar parte da vida familiar. Partir e partilhar é unir. Através da partilha, cria-se a comunhão. Cristo distribui-se a si mesmo, verdadeiro “pão para a vida do mundo” (cf. Jo 6,51).

O pão feito por muitos grãos indica também um acontecimento de união: o tornar-se pão dos grãos moídos é um processo de unificação. Nós próprios, sendo muitos, devemos tornar-nos um só pão, um só corpo, como nos diz São Paulo (cf. 1Cor 10,17). Assim o sinal do pão torna-se ao mesmo tempo esperança e tarefa. No pão distribuído, reconhecemos ainda o mistério do grão de trigo que morre e assim dá fruto e isto deriva da morte do grão de trigo, um indicativo da pessoa do próprio Cristo: “Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto” (Jo 12,24). No pão feito de grãos moídos está de certa forma presente o mistério da Paixão do Senhor. A farinha, o grão moído, pressupõe a morte e a ressurreição do grão. Ao ser moído e cozido ele tem em si mais uma vez o mesmo mistério da Paixão. Só através da morte consegue ressuscitar, dá o fruto e a vida nova.

Como a Eucaristia é interpretada como o sacrifício expiatório de Cristo, por isto, na instituição da Eucaristia o pão assumiu o termo de “hóstia”, que, em latim, significa “vítima”, fazendo parte fundamental do vocabulário sacrifical. Primitivamente, a palavra “hóstia” se usava para um ser vivo, para o animal que devia ser abatido. Hóstia vem do verbo “hostire”, que significa ferir. Devia-se entender primeiramente de Cristo, que se fez hóstia por nós (Ef 5,2), o cordeiro do sacrifício. Nisto, podemos constatar que na Eucaristia Jesus comunica o seu amor por nós: um amor tão grandioso que nos nutre e nos faz regenerar as próprias forças. Por isto, precisamos ter sempre consciência da grandeza deste mistério, a fim de que desenvolva a força transformadora no nosso íntimo para sermos verdadeiramente consanguíneos de Jesus.

E ao meditarmos neste domingo a parte conclusiva deste discurso de Jesus sobre o Pão da Vida; o Evangelista São João descreve a reação do povo e dos próprios discípulos, que ficam escandalizados com o discurso pronunciado: “Duras são estas palavras! Quem pode escutá-las?” (v. 60). A partir de então “muitos retiraram-se e já não andavam com Ele” (v. 66). Mas Jesus confirma as suas afirmações, e dirigindo-se aos doze apóstolos diz: “Também vós não quereis ir embora?” (v. 67).

Esta pergunta de Jesus deve atingir todos nós. Também hoje para muitos os ensinamentos de Jesus são “duros” e difíceis de serem colocados em prática e por isto também abandonam o Cristo. Mas esta pergunta feita por Jesus “Também vós não quereis ir?” deve ressoar no nosso coração pois ela também é feita a cada um de nós. Mas, mediante este questionamento de Jesus, Pedro responde à em nome dos Apóstolos: “Senhor, para quem iremos nós? Só Tu tens palavras de vida eterna; e nós acreditamos e sabemos que Tu és o Santo de Deus” (v. 68-69). Certamente todos nós queremos repetir a mesma resposta de São Pedro, mesmo conscientes da nossa fragilidade humana, dos nossos problemas e dificuldades, mas confiantes no poder do Espírito Santo, que vem em ajuda da nossa fraqueza. A fé é dom de Deus ao homem e é, ao mesmo tempo, entrega livre e total do homem a Deus; a fé é escuta dócil da palavra do Senhor, que é sempre uma luz para os nossos passos (cf. Sl 119,105). 

Por fim, Jesus sabia que também entre os doze Apóstolos havia um que não acreditava: Judas Iscariotes. Também ele poderia ter ido embora, como fizeram muitos discípulos; mas ele ficou com Jesus. Não ficou por estar movido pela fé, mas com o propósito secreto de vingar-se do Mestre, por se sentir enganado por Jesus, e por esta razão decidiu traí-lo. Judas era um zelote, e queria um Messias vencedor, que guiasse uma revolta contra os Romanos. Para ele Jesus desiludiu as suas expectativas. Mas o próprio Jesus havia dito certa vez: “O meu reino não é deste mundo” (Jo 18,36). O problema é que Judas não foi embora, e a sua culpa mais grave foi a falsidade, que é a marca do diabo. Por isso, Jesus disse aos Doze: “Um de vós é um demônio!” (Jo 6,70).

Peçamos a Virgem Maria, par que interceda sempre por nós e nos ajude a crer verdadeiramente em Jesus como São Pedro e muitos outros santos; que ela nos ensine a segui-lo fielmente pelo caminho da verdade e da esperança.

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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