As tentações no deserto
Lc 4,1-13
Caros irmãos e irmãs,
Na última quarta-feira, com o tradicional rito das cinzas, entramos no clima penitencial da Quaresma, um tempo litúrgico que nos recorda os quarenta dias transcorridos por Jesus no deserto e constitui para todos os batizados um forte convite à conversão. Neste tempo, a Igreja chama todos os seus filhos a renovar-se no espírito, a orientar-se de novo decididamente para Deus, dizendo não ao erro e ao pecado para viver em plena união com o Criador, no amor e na paz.
Neste primeiro domingo do tempo quaresmal, o Evangelho nos apresenta Cristo, conduzido pelo Espírito Santo ao deserto, onde é tentado pelo demônio, após receber o Batismo de João no Jordão. A exemplo de Cristo, que soube lutar com o demônio tentador, também nós somos chamados a este combate espiritual contra o maligno, porque o espírito do mal naturalmente se opõe à nossa santificação e procura desviar-nos do caminho de Deus. Por isso, neste primeiro domingo de Quaresma, todos os anos é proclamado o Evangelho das tentações de Jesus no deserto.
O relato evangélico é constituído em torno de um diálogo em que tanto o diabo como Jesus citam passagens da Sagrada Escritura como base para certificar as suas afirmações. Das três tentações às quais Satanás submete Jesus, a primeira tem origem na fome, ou seja, na necessidade material: “Se és Filho de Deus, diz a estas pedras que se transformem em pão”. Mas Jesus responde: “Nem só de pão vive o homem” (Lc 4,3-4; cf. Dt 8,3). Esta tentação sugere que Jesus poderia ter optado por um caminho de facilidade e de riqueza, utilizando a sua divindade para resolver qualquer necessidade material. No entanto, Jesus sabe que o caminho do Pai não passa pela acumulação egoísta de bens e sugere que o seu alimento, ou seja, a sua prioridade, é a Palavra do Pai.
Depois, na segunda tentação, o diabo mostra a Jesus todos os reinos da terra e diz: “Tudo será teu se, prostrando-te, me adorares”. É o engano do poder. E Jesus desmascara esta tentativa dizendo: “Ao Senhor, teu Deus, adorarás, e só a Ele prestarás culto” (cf. Dt 6, 13). Não à adoração do poder, mas só a Deus. Jesus poderia ter escolhido um caminho de poder semelhante aos dos grandes poderosos da terra. No entanto, Jesus sabe que esses esquemas são diabólicos e que não entram nos planos do Pai; por isso, citando Dt 6,13, diz que só o Pai é o seu “absoluto” e que não se deve adorar mais nada: adorar o poder que corrompe e escraviza não tem nada a ver com o projeto de Deus.
Por fim, na terceira e última tentação, o diabo propõe a Jesus que realize um milagre espetacular: lançar-se dos altos muros do Templo e fazer-se salvar pelos anjos, de modo que todos acreditem nele. Mas Jesus responde que Deus nunca deve ser posto à prova (cf. Dt 6, 16). Não podemos “fazer uma experiência” na qual Deus deve responder e mostrar-se Deus: devemos acreditar nele. Jesus responde a esta proposta citando Dt 6,16, que manda “não tentar” o Senhor Deus.
O texto nos mostra que entre Jesus e o diabo há a Palavra de Deus. E fazendo referência à Sagrada Escritura, Jesus antepõe aos critérios humanos o único critério autêntico: a obediência, a conformidade com a vontade de Deus, que é o fundamento do nosso ser. Também este é um ensinamento fundamental para nós: se trouxermos na mente e no coração a Palavra de Deus, se esta entrar na nossa vida, se tivermos confiança em Deus, poderemos rejeitar qualquer gênero de engano do Tentador.
Jesus não está só no deserto. O evangelista São Lucas assinala que o Espírito Santo acompanha Jesus. Ele está cheio do Espírito Santo e é por Ele conduzido. Com o Espírito Santo, Jesus resiste às tentações. E se o demónio se afasta até ao momento fixado, quando este momento vier, Jesus será ainda o grande vencedor sobre o Maligno. Jesus não escolhe partir para o deserto. É conduzido pelo Espírito Santo.
Na história, houve multidões de homens e mulheres que escolheram imitar esse Jesus que se retira ao deserto. Mas o convite a seguir Jesus ao deserto não se dirige só a monges e ermitãos. De maneira diferente, também se dirige a todos. Monges e eremitas escolheram um espaço no deserto; nós devemos escolher ao menos um tempo de deserto. Passar um tempo de deserto significa fazer um pouco de vazio e de silêncio ao nosso redor; reencontrar o caminho do nosso coração, subtrair-nos das agitações e dos chamados externos, a fim de entrar em contato com as fontes mais profundas de nosso ser e de nosso crer.
Quaresma é tempo de renovação espiritual, de conversão interior e de renovação da vida. É um itinerário que nos deve fazer rever a nossa vida. É como um longo “retiro”, durante o qual cair de novo em nós mesmos e ouvir a voz de Deus, para vencer as tentações do Maligno e encontrar a verdade do nosso ser. Podemos dizer, um tempo de “competição” espiritual para viver juntamente com Jesus, usando as armas da fé, ou seja, a oração, a escuta da Palavra de Deus e a penitência. Deste modo poderemos chegar a celebrar a Páscoa na verdade, prontos para renovar as promessas do nosso Batismo.
O Evangelho nos fala de pão e de tentação. Estas duas palavras aparecem na oração do Pai Nosso: “O pão nosso de cada dia nos dai hoje… não nos deixeis cair em tentação”. Se não alimentamos com o pão da Palavra, não temos forças para resistirmos, quando chegar a prova da tentação.
Confiantes comecemos o itinerário quaresmal. Ressoe em nós intensamente o convite à conversão, a “converter-se a Deus de todo o coração”, acolhendo a sua graça que faz de nós novas criaturas. Não fiquemos surdos a este apelo, que nos é dirigido neste tempo quaresmal.
Também o cristão, cuja existência é guiada pelo mesmo Espírito recebido no Batismo e na Confirmação, é chamado a enfrentar o quotidiano combate da fé, sustentado pela graça de Cristo.
Não tenhamos receio de enfrentar o combate contra o espírito do mal, tendo como arma a Palavra de Deus, unidos ao Cristo Senhor pela oração, que deve ser sempre o centro da nossa vida. Ajude-nos a Virgem Maria para que, guiados pelo Espírito Santo, vivamos com alegria e proveito este tempo de graça.
D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB