Cumpre-se com uma só Missa dois preceitos referentes a dois dias distintos e consecutivos?

Este ano teremos 2 solenidades litúrgicas (Natal e Santa Maria) que caem em uma segunda-feira. Precisamos ir à Missa no domingo e na segunda?

Este ano, as solenidades de preceito do Natal do Senhor (25 de dezembro) e Santa Maria Mãe de Deus (1 de janeiro) serão celebradas na segunda-feira. Portanto, poderão ser celebradas nas vésperas dos dias anteriores, que serão domingos… Daí, muitos fieis perguntam: com esta única missa, poder-se-iam cumprir os dois preceitos (o preceito do domingo e o preceito da segunda-feira)?

Antes de responder a pergunta, cabe lembrar que o preceito dominical e festivo é de direito eclesiástico. Em outras palavras, a Igreja, como responsável por determinar os atos de culto necessários para que o fiel cumpra as obrigações decorrentes da virtude da religião, especifica em quais dias é obrigatória a assistência da Santa Missa.

De fato, quando criou a possibilidade do cumprimento do preceito na missa pré-festiva, a Congregação para os ritos estabeleceu que “onde, por concessão da Sé Apostólica, permite-se que na tarde do sábado precedente se possa cumprir o preceito da missa dominical, os pastores instruam os fieis cuidadosamente sobre o significado dessa concessão e procurem que não se perca, por isso, o sentido do domingo” (Congregação para os ritos, Instrução Eucharisticum Mysterium [15.08.1967], n. 28).

Note-se que se trata tão somente de uma concessão dada pela Igreja, com vistas a facilitar o cumprimento do preceito, em que se encarece que os fieis sejam esclarecidos sobre a importância de não se obscurecer o sentido do próprio domingo ou dos dias festivos. Em outras palavras, a concessão é dada em benefício de cada domingo ou dia festivo, e não o contrário.

O Código de Direito Canônico recolhe essa disposição quando afirma que “cumpre o preceito de participar na Missa quem a ela assiste onde quer que se celebre em rito católico, quer no próprio dia festivo quer na tarde do dia antecedente” (c. 1248, § 1).

Em 1974, a Conferência Episcopal dos Estados Unidos apresentou à Congregação para o Clero uma pergunta (dubium) sobre a possibilidade, em caso de dias de preceito confinantes, de a missa pré-festiva do segundo dia de preceito servir para cumprir o preceito do dia anterior simultaneamente. Abaixo, o texto da resposta.

Cumprimento das festas e do preceito da Missa Dominical Em resposta às perguntas que recebeu, a Congregação para o Clero esclareceu a questão do cumprimento simultâneo das obrigações das festas e do domingo por atendimento à missa da véspera. A título de exemplo, apresentou-se o seguinte dubium: “Se os fiéis que comparecerem à missa no sábado, 15 de agosto, cumprirão o duplo preceito de ouvir a missa no sábado, festa da Assunção, e do domingo, 16 de agosto”? A Congregação respondeu “Negativo” ao caso acima e a todos os casos análogos. O indulto pelo qual a faculdade é dada para cumprir a obrigação de comparecer à missa na noite de um sábado ou de um dia de festa de preceito é geralmente concedido com vistas a tornar mais fácil o cumprimento de tal preceito, sem prejuízo de cumprir cada dia santo do Senhor (Congregação para o Clero, Responso in USCCB, 35 Years of the BCL Newsletter, p. 450).

No mesmo sentido, a Congregação para o Culto Divino, legislando acerca do formulário que se deveria escolher para a Santa Missa nesses casos, relevou que “uma dúvida surgiu quando uma certa solenidade obrigatória ocorre em um sábado ou uma segunda-feira. Pois na noite do primeiro dia da festa (sábado ou domingo) há uma sobreposição de dias litúrgicos porque ‘a celebração do domingo e das solenidades começa já na noite do dia do preceito’, e na mesma celebração alguns dos fiéis cumprem o preceito referente ao dia atual e outros o que pertence ao dia seguinte” (Congregação para o culto divino e a disciplina dos sacramentos, De missa diei dominicæ et festi de præcepto vespere diei præcedentis anticipata in Notitiæ 10 [1974], p. 222).

Ou seja, a Santa Sé, neste caso, não cogita a possibilidade de se cumprir na mesma Missa os dois preceitos, supondo, portanto, que os fieis devam assistir uma Missa relativamente a cada dia de preceito.

Sendo assim, em meu entender, como duas idênticas obrigações requerem duas distintas satisfações, parece-me que ao fiel é moralmente requerida a assistência a duas missas de preceito, nas condições habituais que se requer para as situações análogas (possibilidade de dispensa por parte do pároco, não obrigatoriedade cum grave incommodo etc.).

Para mim, a questão é relativamente simples e a complexidade se deve ao fato de se misturarem duas perspectivas que não se deveriam confundir: a perspectiva moral e a perspectiva litúrgica.

– Perspectiva moral

Em dois dias de preceito confinantes, o fiel tem duas obrigações distintas e, portanto, precisa participar de duas missas, cada uma no período relativo ao preceito e independentemente de qual missa se celebre (por exemplo, poderia ser uma missa de funeral, uma missa de formatura, uma missa do dia ou o formulário do dia seguinte, tanto faz).

Há certo perigo de confusão pois existe uma faixa de tempo em que se podem cumprir os dois preceitos (na tarde do primeiro dia de preceito, que corresponde à tarde da véspera do preceito seguinte). 

Daí, alguns moralistas são da opinião de que uma missa só seria suficiente para “matar” os dois preceitos. Eu discordo dessa opinião, a qual reputo pouco provável, tanto por analogia com outras situações, quanto por falta de uma lei eclesiástica que positivamente resolva o problema nestes termos, quanto porque me parece que realmente, tratando-se de dois dias distintos, existem duas obrigações não redutíveis a uma.

– Perspectiva litúrgica

Aqui se trata do critério que o sacerdote utiliza para escolher qual formulário da Missa ele pretende usar. Em outras palavras, este é um assunto do padre, com que o fiel não se deveria preocupar tanto.

Em dia de preceito, a Igreja autoriza o fiel a cumpri-lo na tarde do dia anterior e, por isso, os padres podem usar o formulário do dia seguinte na tarde da véspera. Existem algumas solenidades com formulário de vigília e, neste caso, usa-se este e não o do dia.

Contudo, em dias de preceito confinante, a tarde do primeiro dia coincide com a tarde da véspera do posterior e, então, o sacerdote precisa usar algum critério para escolher qual missa ele irá celebrar. 

Existem, basicamente, dois critérios: o critério litúrgico, em que a Igreja diz qual festa prevalece sobre a outra; mas também existe o critério pastoral, por exemplo, para os casos em que a comunidade celebrou apenas uma missa naquele dia (então, pode fazer sentido não usar o critério estritamente litúrgico e usar, na noite do dia, a missa do próprio dia e não a do dia seguinte). 

De qualquer modo, a antecipação da missa do dia posterior para o anterior não é estritamente obrigatória, deve-se seguir um critério de conveniência.

– Conclusão pastoral

Às vezes, o liturgicismo moderno cansa, pois os fieis querem pontificar sobre um assunto para o qual não estão preparados. As leis litúrgicas não são inflexíveis e, ao mesmo tempo, existem muitas teorias e usos inventados que circulam pelas sacristias com o peso de leis. 

As normas litúrgicas existem para o celebrante e seus auxiliares. O povo fiel deve procurar servir a Deus com amor e devoção, sendo o mais assíduo possível aos sacramentos. Quem puder participar de três, quatro, cinco missas, faço-o com todo amor; quem puder apenas das duas obrigatórias, faça-o também com amor. O importante é servirmos a Deus com dedicação, pois o “Senhor pousa os seus olhos sobre aqueles que o temem”.

Pe. Dr. José Eduardo de Oliveira e Silva, Doutor em Teologia Moral pela PUSC (Roma)

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