Comentário Exegético – XXI Domingo do Tempo Comum (Ano C)

EPÍSTOLA (Hb 12,5-7.11-13)

 

(Pe. Ignácio, dos padres escolápios)

INTRODUÇÃO: Como todo pai, Deus também usa da correção ou castigo para reformar condutas que de outro modo seria difícil ou impossível emendar. Claro que sua correção é dolorosa, mas finalmente serve para uma vida honrada e pacificamente serena. Fortalece os mais fracos e robustece os pés vacilantes de quem se encontra como parcialmente impossibilitado de caminhar. O autor fala do exemplo de Cristo que sofreu um máximo castigo sendo inocente. Até agora –diz ele- não derramaste o sangue. E por isso, exorta de novo seus designatários.

A CORREÇÃO: E tendes esquecido a consolação que a vós, como filhos, argui: Filho meu, não menosprezes a correção do Senhor, nem desanimes quando castigado (5). Et obliti estis consolationis quae vobis tamquam filiis loquitur dicens fili mi noli neglegere disciplinam Domini neque fatigeris dum ab eo argueri. CONSOLAÇÃO [paraclësis <3874>=consolatio]. O grego tem a mesma raiz que parakletos [=consolador ou confortador como advogado defensor]. Podemos falar de conforto, consolação, consolo, alívio. Um exemplo: Simeão que esperava a consolação de Israel (Lc 2, 25). ARGUI [dialegetai<1256>=loquitur] presente do verbo dialegomai com dois significados diferentes: pensar, matutar ou ponderar; e logo, como conversar, arguir, discutir. Com esse segundo sentido temos Mc 9, 34: Eles [os discípulos] discutiam entre si pelo caminho quem seria o maior. A JKV usa speaks, ou seja, diz e a TEB se dirige que é mais fácil de interpretar. MENOSPREZES [oligöreö<3643>=neglegere] o verbo grego é descuidar, despreocupar-se, negligenciar, menosprezar, desdenhar. É apax neste versículo. CORREÇÃO [paideia<3809>=disciplina], o grego significa o conjunto de ações para a educação de um menino, como o ensino, as ordens, admoestações, repreensões e especialmente os meios coercitivos, como o castigo. O vocábulo sai 4 vezes neste capítulo 12 com o mesmo significado que a JKV traduz sempre como chastening [castigo, punição] e que a TEB traduz como correção, sem dúvida de um modo eufemístico, já que o verbo usado mais tarde elegchö é repreender severamente, arreganhar e castigar. Traduzido como correção não descartamos o castigo, tão necessário nos tempos antigos em que o provérbio latino declarava pueri et naves per posteriora reguntur [crianças e naves são dominadas pelas partes posteriores]. DESANIMES [eklyö<1590>=fatigare] o verbo grego é desatar, soltar, afrouxar, enfraquecer, e em sentido metafórico, desanimar, enfraquecer, desmaiar. É com este sentido que em Mt 9, 36 se fala das multidões que estavam decaídas e exaustas como ovelhas sem pastor. CASTIGADO [elegchomenos<1651>=argueris] é o particípio de presente passivo do verbo elegchö que significa condenar, corrigir, repreender e finalmente castigar. O sentido é que não devemos nos sentir desanimados pelas humilhações e sofrimentos que nos acompanham na vida. Porque são uma forma de educar-nos. No livro dos Provérbios 3, 11, lemos: Filho meu, não rejeites a disciplina do Senhor nem te enfades da sua repreensão, um texto em grego da Setenta que coincide palavra por palavra com o texto dos Hebreus

CORREÇÃO DO AMADO: Porque a quem ama o Senhor corrige; açoita, porém, todo filho que acolhe (6). Quem enim diligit Dominus castigat flagellat autem omnem filium quem recipit. Temos aqui a razão dessa regra que podemos chamar de universal: O Senhor [Deus] corrige a quem ama. O verbo paideuö [<3811>=castigare] tem a mesma raiz que a palavra correção do versículo anterior. A correção é própria de quem ama, do amor; assim como a adulação corresponde ao que teme, ao servidor. Quem bem te quer te fará chorar, diz o provérbio, e é possível que a frase anterior de Hebreus tenha também um suporte proverbial. Em  seguida, o autor afirma que Deus, a quem acolhe como filho, castiga  [mastigoö <3146>=flagellare], com o significado de açoitar, usando o látego ou flagelo. Era o instrumento com o qual se castigava o escravo rebelde ou o filho culpável de uma falta grave. Mais tarde, será o cinto paterno o instrumento que seria usado com bastante frequência, até nos centros de educação inglesa como o próprio Churchil experimentou nos seus anos de juventude. Paulo sabia por experiência que para não se ensoberbecer, Deus lhe enviou um anjo de Satanás que me esbofeteasse. É interessante saber que em Pr 3, 12 a Setenta diz o mesmo que o autor dos hebreus e com as mesmas palavras gregas e na mesma ordem. Eis a tradução da RV: Porque o Senhor repreende a quem ama, assim como o pai ao filho a quem quer bem, que outros traduzem como um pai ao filho querido.

 

O PAI CASTIGA: Se sofreis o castigo, como a filhos Deus vos trata: pois que filho há a quem pai não castigue? (7). In disciplina perseverate tamquam filiis vobis offert Deus quis enim filius quem non corripit pater. Um provérbio judeu diz: a doutrina do castigo é o silêncio. Melhor é ver no castigo uma bênção divina, como o Sl 94, 12: Bemaventurado o homem a quem tu repreendes. Pois do castigo segue-se uma conversão que de outro modo não seria possível. Assim lemos no Sirácida 23, 2: quem aplicará a vara a meus pensamentos e a disciplina a meu coração… para que não se multipliquem meus erros nem se acumulem meus pecados? A correção divina está motivada somente pelo amor divino para conosco, não pela justiça estrita que podemos igualar com vingança do olho-por-olho. Assim Paulo trata o incestuoso de Corinto, cujo corpo entrega a Satanás para que o espírito seja salvo no dia do Senhor Jesus (1Cor 5,5). O castigo se torna correção ou se preferimos causa de conversão, de reformar o que não faríamos de outro modo por desídia ou falta de compreensão. Sendo erro o segundo motivo,  o primeiro já entra dentro do pecado, como vemos no versículo do Sirácida anteriormente citado.  Melhor do que SOFREIS [ypomenö <5278>= perseverare] embora o significado seja o de suportar, continuar, permanecer, é melhor traduzir por sofrer. Assim é a tradução da TEB, com o qual o autor afirma que o sofrimento e a humilhação formam parte da pedagogia com a qual Deus, o Pai, ilustra e educa seus filhos.

BONS FRUTOS DO CASTIGO: Pois todo castigo, no momento, não parece ser de alegria, mas de tristeza; porém, finalmente fruto pacífico para os que por ele exercitados, produz boa conduta (11). Omnis autem disciplina in praesenti quidem videtur non esse gaudii sed maeroris postea autem fructum pacatissimum exercitatis per eam reddit iustitiae. É lógico que todo castigo, como sofrimento é, de imediato, causa de tristeza e não de alegria; mas deve ser considerado como uma ascese necessária para produzir frutos de boa conduta. Faltam nesta leitura epistolar os versículos 8, 9 e 10. É interessante ver como no 8 podemos ler: se estais privados de castigo…então sois bastardos e não filhos. Entende-se isto melhor, sabendo que o bastardo não estava ao cuidado do pai e este não se interessava pela sua educação, que, como temos antes descrito, frequentemente incluía o castigo. O fruto é de paz e de justiça (TEB). Ou frutos apassíveis de justiça (Nácar). A paz é um dom de Deus, como o expressou o anjo (paz aos homens) anunciando o nascimento do Messias (Lc 2, 14). Se recebermos o sofrimento/castigo como filhos que necessitam de correção, teremos paz e ao reformarmos condutas erradas, o fruto é justiça [dikaiosynë] que não é a justiça distributiva, mas a conformidade com a lei divina, que pretende se conformar com o aequum et bonum [justo e bom], neste caso com a vontade do Pai e que devemos traduzir como boa conduta [righteousness em inglês].

ANIMADOS: Por isso, as descaídas mãos e os trópegos joelhos restabelecei (12). Propter quod remissas manus et soluta genua erigite. Lemos em Isaías 35, 3 a mesma exortação: fortalecei as mãos frouxas e firmai os joelhos vacilantes. É a palavra do profeta diante da presença de Jahveh que pretende recorrer ao deserto transformado em vergel do Líbano com sua presença. É tempo de se levantar e trabalhar não de depressão e desânimo em que o pessimismo dá lugar a falta de esperança.

AO TRABALHO: E fazei sendas retas para vossos pés para que o coxo não se desloque, pelo contrário seja curado (12). Et gressus rectos facite pedibus vestris ut non claudicans erret magis autem sanetur. Parece concordar com Pr 4, 26-27:Traça um trilho  para os teus pés e sejam seguros os teus caminhos. Não te desvies nem à direita nem à esquerda. Afasta os pés do mal. Em termos metafóricos, Provérbios descreve o que deve ser a atitude do cristão que está sujeito à correção divina e o triunfo final como corresponde a atitude de quem se acomoda com os desejos do Pai.

 

Evangelho (Lc 13, 22-30)

QUANTOS SÃO OS QUE SE SALVAM?

(Pe Ignácio, dos padres escolápios)

 

SEGUNDA PARTE DA VIAGEM: E caminhava pelas cidades e vilas ensinando e fazendo caminho em direção a Jerusalém (22). et ibat per civitates et castella docens et iter faciens in Hierusalem. No grande resumo doutrinal que constitui a viagem de Jesus desde a Galileia a Jerusalém, encontramos um segundo propósito da subida a Jerusalém, precisamente neste evangelho. Jesus atravessava cidades [polis] e pequenas aldeias [kome]. Lucas diz que isso era na sua viagem em direção a Jerusalém. É um marco literário para o evangelista emoldurar nele uma série de ensinamentos que Mateus recolhe no seu sermão da montanha. Um deles é o problema da salvação.

A PERGUNTA: Então lhe disse alguém: Senhor, se [são] poucos os salvos? Ele então lhes disse (23). Ait autem illi quidam Domine si pauci sunt qui salvantur ipse autem dixit ad illos. Alguém perguntou. É um recurso de Lucas para introduzir um tema em profundidade que Jesus, como Mestre, deve resolver. O interlocutor introduz sua pergunta com Kyrie [Senhor]. Logicamente não é o Kyrios, título do Ressuscitado, de quem tem o máximo poder na terra como representante do Deus vivo, como diriam os judeus. Sem dúvida que aqui é um título de respeito e cortesia de quem se espera uma resposta sábia. A pergunta indica uma base semítica clara. Não tem o verbo ser e, traduzida diretamente do grego, seria: Se poucos os salvados? É uma pergunta que hoje, como antigamente, forma parte de nossas ansiedades mais íntimas. Formaremos nós parte desses privilegiados? Porque se são poucos, estaremos em perigo de não ser contados entre eles.

A RESPOSTA: Lutai para entrar através da porta estreita porque muitos, vos digo, buscarão entrar e não poderão (24). Contendite intrare per angustam portam quia multi dico vobis quaerunt intrare et non poterunt. Não é uma resposta direta mas uma exortação para se preparar porque o tempo é curto e a entrada estreita. Sem dúvida que temos necessidade de ambientar a resposta, segundo os pareceres da época: 1o) Os judeus, que acreditavam na vida após a morte, afirmavam que a salvação era monopólio do povo escolhido, deles, pois (ver Mt 3, 9). 2o) Tanto a pergunta como a resposta estão limitadas pelas circunstâncias do momento. Trata-se de saber quantos dentre os contemporâneos de Jesus e do kerigma apostólico entrariam no Reino. Isto pode ser deduzido das palavras do versículo 25. Por isso Jesus exorta a lutar e se esforçar seriamente para entrar através da porta estreita, restrita e difícil que dá acesso ao banquete e separa o mundo exterior dos rejeitados, do mundo interno dos escolhidos. De fato, essa luta deu-se no início do cristianismo. O Reino dos Céus sofre violência (Mt 11, 12). Assim começa a pequena parábola que tem como ambiente o banquete de bodas.

A PARÁBOLA: Pois, do momento que entrar o dono e ter fechado a porta e começardes de fora, a estar de pé e bater na porta dizendo: Senhor, Senhor, abre-nos; e respondendo vos diga: Não vos conheço de onde sois (25). Cum autem intraverit pater familias et cluserit ostium et incipietis foris stare et pulsare ostium dicentes Domine aperi nobis et respondens dicet vobis nescio vos unde sitis. Está dirigida aos contemporâneos de Jesus. Tem como lugar paralelo a parábola das dez virgens em Mateus 25, 1-13 e como comentários Mt 7, 13-14; 8, 11-12 e 21-23. Temos também como complemento a essas dificuldades do Reino nos primeiros anos de sua proclamação um comentário que Marcos recopila em 10, 24-25. Por isso dirá Jesus em Mateus que os filhos do Reino serão lançados fora, nas trevas (8, 12). Para entender a parábola de hoje devemos partir do fato de que Jesus compara a entrada definitiva no Reino com a resposta ao convite para um banquete de um rei pelas bodas de seu filho, como lemos em Mateus 22, 1-14. Ou em Lc 14, 15-24. Nesta  pequena parábola do evangelho de hoje, Jesus não quer dar uma reposta definitiva ao número, porque depende de circunstâncias temporais. Mas bem se refere a seus conterrâneos e a seu tempo, tempo que ele magistralmente descreve como os dos que comiam e bebiam com ele, de modo que os ensinamentos de Jesus eram escutados nas suas praças (26). E é para esse tempo e esses homens que Jesus está falando. Realmente foram poucos os que entraram no Reino e Jesus foi rejeitado, tanto pelas autoridades judaicas como por grande parte do povo em geral. Desta forma se cumpria o que Jesus tinha previsto: Muitos desejarão entrar e não poderão fazê-lo. Porque a entrada não está aberta de modo contínuo. A porta será fechada pelo dono da casa e muitos ficarão de pé do lado de fora batendo à porta. Estes últimos pedirão: Senhor abre-nos! A resposta do dono será: Não conheço de onde sois.

NÃO VOS CONHEÇO: Então começareis a dizer: Comemos contigo e bebemos e nas nossas praças ensinaste (26). E dirá: Digo-vos, não vos conheço de onde sois. Afastai-vos de mim todos os fautores da maldade (26). Ttunc incipietis dicere manducavimus coram te et bibimus et in plateis nostris docuisti. Et dicet vobis nescio vos unde sitis discedite a me omnes operarii iniquitatis. E os pretendentes iniciarão sua identificação dizendo que ele, o dono da casa, tinha comido e bebido com eles e até ensinado nas suas praças. Tudo era verdade para os judeus do tempo de Jesus, na Palestina. E termina a narração repetindo: Não sei de onde sois. Afastai-vos de mim todos os operários [ergates] da maldade [adikia]. O ergates é um operário, um trabalhador, exatamente como pede Jesus em Lc 10, 2: a colheita é grande os operários são poucos. Adikia significa coisa contrária à lei que pode ser injustiça, maldade ou iniquidade. A frase é uma cópia do Sl 6, 9: Afastai-vos de mim malfeitores todos. Que Mateus 7,13 traduz mais literalmente usando as mesmas palavras do grego dos setenta, ou seja, os que praticam a maldade. Por isso preferimos a tradução trabalhadores da maldade, ou operários do mal. Também no salmo 101, 8 lemos: A cada manhã eu farei calar todos os ímpios da terra, para extirpar da cidade de Javé todos os malfeitores [Ergazomenous ten anomian]. Deste modo se confunde adikia e anomia. No dicionário bíblico de língua inglesa adikia [sem justiça] sai 23 vezes traduzida como unrightneousness [injustiça] no sentido de não fazer o correto, e somente duas vezes como injustiça no sentido de ilegal. Anomia tem como tradução iniquidade (12) e na sua origem sem lei [lawlessness inglesa]. Não podemos traduzir a adikia, pois, como injustiça no sentido moderno de ir contra a virtude moral, de uma justa repartição de riquezas. Tem o sentido mais amplo de ser uma conduta contrária às normas da Torá ou lei divina.

A REJEIÇÃO: Lá haverá o pranto e o ranger de dentes, quando virdes Abraão e Isaac e Jacó e todos os profetas no Reino de Deus; mas vós lançados fora (28). Ibi erit fletus et stridor dentium cum videritis Abraham et Isaac et Iacob et omnes prophetas in regno Dei vos autem expelli foras. PRANTO E RANGER DE DENTES: É uma expressão usada muito frequentemente por Mateus (8,12; 13,42; 13,50; 22,13; 24, 51; e 25,30) Ela está unida ao lugar onde se encontram as trevas (3 vezes) ou a fornalha de fogo (2 vezes) e somente relacionada com os hipócritas (24, 51), que muitos traduzem por não dignos de confiança como em lugar paralelo de Lucas 24, 46, por ser uma deficiência do aramaico. No caso, Lucas usa a expressão de pranto e ranger de dentes, unicamente nesta passagem, indicando o lugar de fora, a exclusão do reino, ou banquete, onde estarão os três patriarcas representantes da fé e eleição de Israel. Estando fora do banquete, só encontrarão as trevas, pois não existindo luzes de rua, essa era a situação das mesmas à noite. Ao choro, ou melhor, às lamúrias próprias dos mendigos que clamavam por uma porção do jantar como esmola, unia-se o ranger dos dentes devido ao frio da noite ou à indignação de serem expulsos. Temos a tradição judaica que atribuía o ranger de dentes aos diabos no inferno; pois declaravam que à lisonja com a que bajulavam Coré, no caso da insurreição deste contra Moisés (Nm 16), o príncipe do inferno rangeu seus dentes a eles. O qual recebeu o nome de indignação ou tumulto do inferno. A frase aparece nos Salmos 35, 16 e 37,12 para expressar as injúrias dos ímpios contra os justos. No nosso caso seria para expressar o rancor contra o próprio dono da casa, seja o Senhor Jesus, seja o próprio Deus. A expressão, em Mateus, serve para indicar os castigos escatológicos como em 13,50, onde os que praticam o mal serão lançados na fornalha acesa onde haverá choro e ranger de dentes, como diz a conclusão da parábola da pesca onde se escolhem os peixes bons e se jogam os peixes proibidos. Podemos deduzir de tudo isso que o inferno será um lugar de fogo? Da expressão de Lucas é difícil argumentar definitivamente. Mateus se aproxima mais à ideia do inferno de fogo. Somente a Tradição resolverá o caso e tratará como formal um elemento que ao que parece é simbólico e narrativo.

PATRIARCAS E PROFETAS: Os três nomes são clássicos na literatura hebraica. Os profetas não acompanhavam o grupo de líderes dos escolhidos; porém, Lucas em várias ocasiões os agrupa como conjunto que forma parte do Novo Reino. E termina: vós mesmos sereis lançados fora do mesmo. Esta última conclusão indica que Jesus se refere aos seus ouvintes conterrâneos. E que foi uma decisão divina, esta de rejeitar o povo, ao qual até agora pertenciam os filhos do Reino, naturais herdeiros das promessas.

OS NOVOS HERDEIROS: E virão do Oriente e Ocidente e do Norte e Sul e se reclinarão no Reino de Deus (29). Et venient ab oriente et occidente et aquilone et austro et accumbent in regno Dei. Dos quatro pontos do mundo virão os novos membros, ou filhos do Reino. Já Isaías o profetizou: Para que se saiba até o nascente do sol e até o poente que, além de mim, não há outro (45,6;) que Malaquias completa dizendo que nesses limites é grande o meu nome e em todo lugar lhe é queimado incenso e trazidas ofertas puras, porque é grande entre as nações (1,11). Se realmente faltam os outros dois pontos, Norte e Sul os encontramos em 49, 12: virão do Norte e do Ocidente e outros da terra de Sinim, que alguns identificam com o sul da China. É importante que Jesus o afirme. São todos os povos convidados e de todos eles se formará o novo Reino, sem distinção, como diz Paulo dos dois povos até então inimigos Deus fez um só, pois ele [Cristo] é nossa paz, tendo derrubado o muro de separação e suprimido em sua carne a inimizade (Ef 2, 14).

A MORAL DA HISTÓRIA: Porque eis que há últimos que serão primeiros e há primeiros que serão últimos (30). et ecce sunt novissimi qui erunt primi et sunt primi qui erunt novissimi. Evidentemente nessa afirmação há duas asseverações dignas de reflexão: Não são todos os últimos, os primeiros; e vice-versa. A segunda é que fundados no parágrafo anterior, as duas classes diferentes são gentios e judeus. Estes pertencem ao grupo dos primeiros e aqueles ao grupo inicial dos últimos. Logicamente o juízo é baseado na formação do novo Reino.

PISTAS: 1) Temos aqui um relato evangélico, aparentemente constituindo uma unidade tanto lógica como real. Porém, comparando-o com outros evangelistas vemos que é mais uma unidade lógica e redacional. Lucas escolheu um fim que é a moral da história e reuniu diversos materiais para escrever esta página que, separada do contexto, poderia ser tomada em termos absolutos e, embora Jesus não o afirme, nós o declaramos rotundamente, porque está na Bíblia: poucos são os escolhidos, os que se salvam, afirmamos.

2) Os evangelhos são relatos com bases históricas, mas com finalidade catequética ou apologética e por isso podem ser composições arbitrárias de fatos reais e palavras verdadeiras, que os evangelistas nem se atrevem a alterar. Assim o comprovam os lugares paralelos, porém usados com diferentes objetivos. Daí a diversidade nos contextos e conclusões.

3) Neste trecho nos encontramos com uma realidade que não podemos esquecer; pelo fato de ser circuncidados e pertencer ao povo eleito, o antigo Israel não foi salvo como um todo para entrar a formar parte do novo Reino, do novo Eon como agora se diz. Mas poucos foram os escolhidos, precisamente aqueles que tiveram que lutar e se esforçar contra corrente para entrarem, entre eles os que nada tinham a perder, os pequeninos, os que não eram sábios nem ilustrados [leídos] (Lc 10 21).

4) Fazendo uma apropriação parenética, a escolha do Reino deve ser imediata, não deixada para última hora, porque a porta pode estar fechada. Formamos parte do novo Israel, mas a conduta individual da qual depende em grande parte a escolha, é nossa responsabilidade. A prática da justiça, isto é, do bem [fazer a vontade do Pai] será a que nos torna verdadeiros discípulos e a que obrigará o dono a escolher e abrir a porta definitiva.

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