EVANGELHO (Mt 3, 13-17)
SEGUNDA EPIFANIA. Lugares paralelos: Mc 1, 9-11 e Lc 3, 21-22
(Pe. Ignácio. Dos padre escolápios)
INTRODUÇÃO: Os outros dois sinóticos trazem este episódio, em que, pela primeira vez, Jesus é mostrado como Filho de Deus que cumpre seus planos com perfeição. No AT temos dois versículos que antecipam esta manifestação ou Epifania. No Sl 2, 7 lemos: Proclamarei o secreto que o Senhor tem manifestado: Tu és meu filho; eu hoje te gerei. E em Is 42, 1 temos: Eis o meu servo que eu sustento, o meu eleito em quem tenho prazer. Pus sobre ele o meu espírito: ele trará o julgamento à nações. No primeiro caso trata-se de um salmo real. No segundo caso a versão grega coloca Jacó como o servo e transforma uma leitura individual numa glosa coletiva, como se fosse o povo de Israel o servo apontado pela palavra do profeta. Mas no caso do evangelho de hoje, é Jesus, o servo e o filho, antecipado pelos antigos textos do Velho Testamento. Existem algumas razões para entender como Jesus, que não tinha pecado, se submete a um batismo para a confissão dos mesmos (Mc 1, 5). A razão dada por Mateus é para cumprir a vontade divina (=toda justiça ou retidão). Resumamos as explicações modernas: 1º) Jesus reconhece a missão de João. 2º) Jesus se mostra solidário com os pecadores que renunciam ao pecado. 3º)Jesus está na mesma linha de salvação proclamada por João: é necessário um arrependimento e haverá um batismo, como morte ao pecado e ressurreição a uma vida de santidade.
PARA SER BATIZADO: Nesse tempo, marcha Jesus da Galiléia para o Jordão, junto a João, para que fosse batizado por ele (13). Tunc venit Iesus a Galilaea in Iordanen ad Iohannem ut baptizaretur ab eo. NESSE TEMPO: Pouco antes, Mateus e em termos retóricos, tinha escrito: Naqueles dias apareceu João Batista (3, 15). E agora se refere a esse início com o Tote grego, indicando uma continuação temporal, sem determinação de dias ou lapso sequencial algum, a exceção de que era a época em que João batizava. MARCHA: A Galiléia estava rodeada pelo lago de Genezaret e unicamente tinha um trecho de 10 a 15 km no sul da mesma, limitando com o rio Jordão e que alguns mapas atribuem à Decápolis. O resto do rio bordejava a Decápolis e a Samaria, tendo do outro lado a Peréia (ver mapa). O Batista batizava em Betabara (Bethany beyond Jordan no mapa) em Enom, perto de Salim [mapa] que era território da Decápolis.
Enom estava na metade do curso do rio Jordão entre o lago ao norte e o mar Morto. No mapa aparece Salim com ? dentro da Samaria e no limite com a Decápolis. Betabara pois, estava a poucos quilômetros de de Gadara e de Citópolis ou Scythopolis no mapa, a antiga Belsan e a uma distância de 35 km de Cana onde Jesus fez o primeiro de seus signos, muito mais perto da Galiléia que da Judéia. Lucas dá opção a esta interpretação geográfica quando afirma que João batizava ao longo do rio Jordão (Lc 3, 3). Betabara é chamada de Betânia da Transjordânia [beyond the Jordan] em certos textos antigos. O quarto evangelho, tremendamente exato em Geografia, distingue entre Betânia ao outro lado do Jordão (1, 28) onde João batizava e Betânia, distante de Jerusalém como 15 estádios [três quilômetros] (11,18). Aliás, os melhores textos gregos falam de Betabara no lugar de Betânia do outro lado do rio, como vemos na tradução inglesa de JK: in Bethabara beyond Jordan, where John was baptizing. A solução parece ser a de que, inicialmente, João batizava pero de Jericó para depois se trasladar a Betabara, perto da Galiléia onde teve o encontro com Jesus, do qual falamos no evangelho de hoje. Unicamente temos uma discordância nas palavras de Mateus [que aliás não é fiável em termos geográficos] quando diz que João pregava no deserto da Judéia (3, 1). Os outros dois sinóticos falam só do deserto, e João, o evangelista, é quem faz a distinção entre os dois lugares da pregação e batismo do precursor. É também este último evangelista quem afirma que Jesus, para evitar a perseguição dos judeus, retirou-se ao outro lado do Jordão, lugar que foi onde inicialmente o Batista batizava (10, 40). PARA SER BATIZADO: É o propósito real da visita de Jesus a seu parente. Jesus quis ser batizado como um simples judeu que aceita a pregação do Batista. Com este raciocínio, Mateus derruba a possível tese de que o futuro Messias teve necessidade do batismo de João; já que foi por livre vontade e escolha e não por necessidade que ele, o futuro Messias, quis se submeter a um batismo que, no seu caso, não era necessário.
RECUS A DE JOÃO : Porém, João lhe impedia, dizendo: eu tenho necessidade de ser batizado por ti e tu vens a mim? (14). Iohannes autem prohibebat eum dicens ego a te debeo baptizari et tu venis ad me. Pelo texto de Mateus parece que João conhecia de antemão quem era o Messias, antes da Epifania dos versículos 16-17. Poderia ser; pois sendo parentes (Lc 1, 36) João poderia ter conhecido esse dado sobre Jesus através de sua mãe, Isabel. João se sabia ser o precursor (Mc 1, 7-8 e Jo 1, 15) e dele [de Jesus] deu testemunho como diz o quarto evangelista (Jo 1, 34). Unicamente Mateus narra o episódio da pequena disputa entre Jesus e João, resumida neste e no seguinte versículo. Pode ser um recurso redacional, catequético, dos quais Mateus usa em seu evangelho. Mas também pode ser uma realidade, tendo em conta o que acabamos de dizer. João conhecia o Messias, mas não totalmente e essa absoluta informação lhe veio da Epifania que provavelmente não teria acontecido caso Jesus não recebesse o batismo de mãos de João. Por outra parte, o batismo de Jesus por João, implicava em submissão daquele a este último e uma superioridade do Batista. Como explicar semelhante paradoxo? O versículo 15 é a explicação de semelhante contradição.
RESPOSTA DE JESUS: Tendo pois, respondido Jesus, disse-lhe: deixa por agora, já que assim é conveniente que nós cumpramos toda legalidade. Então permitiu (15). Respondens autem Iesus dixit ei sine modo sic enim decet nos implere omnem iustitiam tunc dimisit eum. LEGALIDADE: A palavra é dikaiosynë,[<1343>= iustitia em latim] que significa a correta correspondência da conduta humana com os planos divinos, especialmente declarados nos mandamentos. Em que sentido essa legalidade, como temos traduzido, foi realizada por Jesus? Existem algumas razões para entender como Jesus, que não tinha pecado, se submete a um batismo para confessar os mesmos [não perdoar] (Mt 3, 6). A razão dada por Mateus é para cumprir a vontade divina [toda justiça, legalidade ou retidão]. Vamos resumir as explicações modernas: 1º) Porque Jesus reconhece a missão de João como vindo da parte de Deus e essa foi a melhor maneira de demonstrá-lo. 2º) Jesus se mostra solidário com os pecadores que renunciam ao pecado, de modo a mostrar o valor não unicamente da fé, mas também do arrependimento. 3º) Jesus está na mesma linha de salvação proclamada pelo Batista: é necessário um arrependimento e haverá um batismo como morte ao pecado e ressurreição a uma vida de santidade. Quando Jesus veio da Galiléia, seu propósito era ser batizado por João, pois o caminho para Jerusalém estava fora da rota do lugar onde Batizava o Batista. Este batizava em Betânia do outro lado do Jordão (Jo 1, 28). O ato de Jesus, foi pois, propositado. 4º) O batismo de Jesus pode se entender como batismo expiatório. Ele, entrando na água, a purifica, de modo que possa servir para o verdadeiro batismo, como diz S. Agostinho: é lavacrum aquae in verbum: Tolle aquam, non est batismum. Tolle Verbum, non est batismum [lavagem de água na palavra. Tira a água e não terás batismo. Tira a palavra e não terás batismo]. 5º) É um paradigma [exemplo próprio ] do batismo cristão. Na Igreja grega, o dia da Epifania reunia três elementos num só: Natal, batismo de Jesus e bodas de Cana. Esse dia, junto com o dia da Páscoa, era escolhido para o batismo dos neófitos. 6º) Um ato de humildade na linha do que se tem chamado kenosis ou esvaziamento da sua divindade e poder, para se assemelhar ao homem comum, que o Batista não entendeu na hora, mas que teve que aceitar ante a atitude de Jesus. A resposta divina foi uma extraordinária Epifania, ou como os gregos chamavam Teofania [=manifestação da divindade]. Nem Marcos, nem Lucas, ou João dizem uma palavra sobre esta discussão entre o Batista e Jesus. Mas temos indiretamente o testemunho do Batista que afirma que, aquele que vêm após mim é maior [mais forte]; do qual ele [o Batista] não era digno de ser seu mais ínfimo escravo: aquele que desata as correias das sandálias quando o amo chega em casa (Mt 3, 11). Segundo o quarto evangelista, o Batista não conhecia Jesus. Só após o batismo deste último é que ele teve conhecimento de quem era o batizado, pois foi então que viu o espírito como uma pomba descendo do céu e permanecer sobre ele (Jo 1,31-34). A JUSTIÇA: Segundo Mateus, estas são as primeiras palavras de Jesus, especialmente escolhidas. A palavra grega dikaiosyne pode ter o sentido moderno de justiça [ dar a cada um o que lhe corresponde] (Lc 18, 3); mas geralmente o sentido bíblico é de ordem justa, segundo o plano de Deus (Mt 6, 33) e, finalmente, no NT, segundo Paulo, significa justificação ou seja, a ação divina de tornar santo ou justo o homem através da escolha divina e a fé de quem escolhe Jesus com Senhor (Rm 1, 17).Logicamente aqui é o segundo significado que devemos atribuir às palavras de Jesus: os planos de Deus devem ser cumpridos. O adjetivopasa<3956> grego significa que, absolutamente todo o plano divino deve ser estritamente cumprido. Justiça é em hebraico Tsadak [correto] ouTsedakah [como sujeito, correto ; como objeto, justiça; como moral, virtude]. Com isso, o evangelista tira da cabeça de seus leitores a dúvida de por que Jesus, inocente e sem pecado, se submete a um batismo que tinha como finalidade o arrependimento e a preparação para estar atento à voz de quem trazia a salvação. Por que se submeter á ação subordinada de quem a estava esperando e a preparava com um batismo que era inferior? Os planos divinos passavam por uma representação oficial do que deveria acontecer com aqueles que recebessem o batismo de mãos dos discípulos de Jesus: Sairiam da água justificados, como verdadeiros filhos de Deus. O Batista seria substituído pelos apóstolos e seus sucessores. E o fenômeno de Jesus, sendo batizado, repetir-se-ia em cada batizado . Jesus se humilha e, obediene à vontade do Pai, pasa a ser modelo e exemplo dos cristãos. Jesus se torna Tapeinós [pequeno] para que João seja mostrado em sua grandeza. Finalmente temos o verbo Pleroö, cujo significado é cumprir ou melhor completar, saciar ou encher. Existem duas maneiras de cumprir a vontade de Deus: de maneira forçada como fazem a maioria dos homens, ou de modo perfeito, tendo como plano de vida, o plano de Deus e isso é completar toda justiça.
EPIFANIA: Uma vez batizado, Jesus subiu logo da água; e eis que se abriram a ele os céus e viu o Espírito d(o) Deus descendo como pomba e vindo sobre ele(16). Baptizatus autem confestim ascendit de aqua et ecce aperti sunt ei caeli et vidit Spiritum Dei descendentem sicut columbam venientem super se. BATIZADO:Uma vez batizado [em latim Jesu baptizato], e estando orando [orante], segundo Lucas (3, 23), é quando se abriu o céu, ou seja a abóbada ou teto arqueado do qual pendiam as estrelas e que segurava as águas superiores, separando o terceiro céu, morada esta do Altíssimo. Segundo os outros dois sinóticos, aconteceu de imediato, acabado o batismo, quando os céus se abriram. Esta última versão está mais conforme com o que nos diz o quarto evangelista: tenho visto o Espírito descendo do céu, como pomba, e pousando sobre ele (Jo 1, 32). Batizado Jesus, saiu imediatamente da água; ou seja, ao se endireitar após a submersão, eis que se abriram os céus. Esta é a versão de Mateus, Marcos e João. CÉUS ABERTOS: esse abrir-se indica um relâmpago (Deus é luz) com o correspondente trovão, como descreve João evangelista a voz da Epifania aos gregos (Jo 12, 28). Segundo a maneira de sentir dos judeus, sobre a cúpula do firmamento que separava as águas superiores, estava o terceiro céu, o verdadeiro reino de Deus que era o Reino da luz. Essa luz, oposta ao reino das trevas, no abismo dos mares, era a que se fez visível na abertura dos mesmos ao ser batizado Jesus. Temos modernamente uma confirmação nos sucessos de Fátima, quando pouco antes das aparições, um relâmpago anunciava as visões do anjo ou de Maria. Esse relâmpago, dirá Lúcia, era como uma explosão ofuscante de luz. A POMBA: Yanah em hebraico, ou peristerá em grego. Era o único volátil permitido como animal de sacrifício. Era animal doméstico e os pombais eram frequentes na Palestina. No AT era símbolo de simplicidade, sem a duplicação do hipócrita que se tornava serpente, porque em seu seio albergava o veneno oculto. Seu vôo rápido e os gemidos do seu arrulho eram boa imagem da oração atribulada. No Cântico dos Cânticos é o símbolo da amada; e como símbolo do povo que está sob o tipo da amada, o Israel escolhido pode ser descrito como uma pomba aos olhos de Javé. No NT Jesus apela à sua simplicidade (Mt 10, 15) e, com a aparência física do Espírito Santo tomando sua forma, é provável que queira imitar o Israel novo que nasce do Batismo e que tem sua representação mais exata em Jesus. Não era propriamente uma pomba, mas alguma coisa que parecia pousar sobre Jesus como uma pomba pousa sobre seu ninho. Lucas diz que em forma corporal como [de] pomba. Mateus diz que [Jesus] viu o Espírito de Deus descendo como pomba e vindo sobre si [Jesus]. Temos também o testemunho dos assistentes nas aparições de Fátima que viram uma pequena nuvem branca pairando na pequena árvore onde pousavam os pés da Senhora. O exemplo moderno não só ilustra mas dá aspectos de certeza ao descrito pelos evangelistas no caso do batismo de Jesus. Caso não tivéssemos o quarto evangelho, quem foi o sujeito da revelação seria unicamente Jesus. Mas João deu testemunho de Jesus e esse testemunho devia ser fundamentado num fato extraordinário: uma manifestação divina como correspondia a um profeta. As palavras de quem lhe enviou a batizar eram claras: Sobre aquele que vejas o Espírito descendo e permanecendo, esse é o Filho de Deus (1, 3). O ESPÍRITO: Em hebraicoRuah, em grego Pneuma, em latim Spiritus, de onde temos a palavra Espírito em português. A palavra espírito designa na Bíblia diversas realidades. Pode ser vento ou sopro (Ex 14, 21 e Jô 3, 8 como exemplos). Pode ser o alento de vida que Deus infunde no homem (Gn 2,7 e Mt 28, 19). No NT o termo espírito tem já uma dimensão supramaterial do ser humano (Mt 5, 3 e Mc 2, 8 como exemplos). Mas sobretudo o termo Espíritoevoca uma realidade divina que o AT descreve como força, poder, sabedoria, santidade e que em última instância se identifica com a mesma essência divina (Gn 1, 2 Nm 11, 29 e Sl 51, 12-13). O NT aprofunda estes dados e nos revela que se trata de uma pessoa da Sma. Trindade que recebe como nome especial o de Espírito Santo (Mt 1, 18; 20, Lc 1, 15, Jo 1, 33 etc), Espírito de Deus (Mt 12, 28; Lc 4, 18 etc), Espírito de Cristo, de Jesus, do Senhor (At 8, 39; Rm 8,9) ou simplesmente Espírito (Mt 4, 1; Jo 1, 23 etc ). Essa pessoa comunica seus dons e carismas à Igreja e seus membros (Jo 14, 26; At 4, 8; Rm 5, 5 etc). é importante que o cristão saiba distinguir quais são as manifestações do Espírito (1 Jo 4,1 e Cor 12, 1-3). E que os responsáveis da comunidade não obstaculizem a ação do Espírito (1 Ts 5, 19). Evidentemente aqui o Espírito é a realidade divina que é descrita como poder, força e santidade de Deus. João viu esse Espírito e deu testemunho do fato (Jo 1, 32). Mas era pomba ou podia ser uma nuvem como em Fátima? Ou como [ösei <5616>= sicut latino] implica certa semelhança, mas não identidade. A semelhança pode ser no pouso, a sua descida suave, ou também implicando a forma. Caso não tivéssemos a as palavras de Lucas somatikö eidei [em forma corporal] (Lc 3, 22) os outros evangelistas falariam do pouso como uma pomba. Também, forçando um pouco o sentido, podemos admitir que a forma corporal não era propriamente a de uma pomba, mas referida a sua visibilidade e que era o pouso o motivo da comparação com o volátil. Santa Teresa de Ávila fala de uma pomba, representante do Espírito, mas com asas especiais, como de escamas metálicas e de grande tamanho. A realidade é que não era uma pomba comum, mas tinha alguma semelhança com ela, ou na forma ou no vôo.
A VOZ: E eis uma voz dos céus dizendo: Este é o meu Filho, o amado, no qual encontrei meu agrado (17). Et ecce vox de caelis dicens hic est Filius meus dilectus in quo mihi conplacui. DOS CÉUS: Essa voz provinha dos céus (Mt e Mc) ou do céu (Lc). Segundo a cosmogonia semítica , céus, em plural, descrevia melhor o domínio divino nas alturas. A VOZ: Ela afirmava: este é meu Filho, o amado. Nele encontrei meu agrado (Mt). Marcos e Lucas substituem o este [outós]. Pronome que pode indicar a presença do Batista como testemunha da Epifania por tu [su grego], pronome que indica uma revelação particular a Jesus. O 4º evangelho segue os passos de Marcos e Lucas ao afirmar que o Batista viu e consequentemente testemunhou ser ele [Jesus] o filho de Deus (Jo 1, 32). Todos os sinóticos têm o verbo eudokeio [sentir gozo] em aoristo, ou seja em passado.FILHO: A palavra grega é uiós. É a palavra técnica par indicar um filho em sentido legal. Distingue-se de tecnon que significa o filho em termos biológicos. Logicamente como homem, Jesus não pode ser chamado de tecnon tou Theou [filho de Deus], mas tecnon Mariam [filho de Maria]. O AMADO: em grego agapetós, que segundo a maioria dos intérpretes significaria primogênito [protótokos grego], pois o tal era o amado do pai. É um dado muito importante: o monogenés responde a um nascimento e nascimento humano propriamente dito. Não podemos, pois, usar essa palavra técnica para o Verbo. Por outra parte, agapetós significa também , se precedido pelo artigo determinante, único, no sentido de não existir um outro. Como exemplo estão os dois versículos de Mc 12, 6 e de Lc 9, 35 em que o dono da vinha envia seu filho, o agapetós. Esta palavra é a usda por Marcos e Mateus na mesma naração do batismo de Jesus. É a mesma palavra usada na Teofania da nuvem no momento da transfiguração pelos três sinóticos (Mt 17, 5; Mc 9, 7 e Lc 9, 35). A palavra protótokos [primogênito] é unicamente usada como temo legal por Mt 1, 25 e Lc 2, 7. Paulo a usará para indicar que Jesus ressuscitado é o primogênito da nova criação, especialmente como primogênito dos mortos. Será João, excepcionalmente, quem no prólogo (1, 14 e 18) exalta a glória do Verbo Encarnado como sendo a do Filho Unigênito [monogenés] do Pai. Podemos, pois, dizer que agapetós tem em João uma palavra mais moderna e definida contra os hereges do seu tempo: Monogenés [= Unigênito]. AS COMPLACÊNCIAS: Podemos traduzir por: por ti encontrei meu enlevo, tu tens sido minha maravilha, o desejo cumprido de meus planos. Seria esta a trdução direta do texto hebraico de Isaías 42, 1: Aqui está o meu servo [ebed hebraico ou pais em grego que também significa filho] a quem protejo; meu escolhido [bachir hebraico ou ekletós grego] em quem minha alma se agrada. Pus nele meu espíritu [ruah ou pneuma] para que traga a justiça [mishpat =veredicto ou sentença judicial; em grego Krisis como sentença condenatória] às nações [pagãs] [os goim ou ethne]. O filho se transforma em servo e essa sua obediência, que o levará até a morte e morte de cruz, será o maior orgulho do Pai. Jesus confessa que ele deve morrer como morre o grão de trigo e é, nessa hora, que pede ser glorificado e a voz do céu responde: eu o glorifiquei e o glorificarei novamente (Jo 12, 28). Uma outra tradução do eudokeio é: eu o aprovei, eu o tenho retificado como tal. Neste último caso, a Epifania seria mais externa para fora de Jesus, sendo João o principal vidente da mesma.
PISTAS: 1) Não indica o batismo de Jesus uma superioridade do Batista? Por isso Mateus afirma que existe uma vontade superior a ambos os homens, que deve ser cumprida ou completada. É a vontade de Deus que deve ser acatada em sua totalidade.
2) Por que o batismo de Jesus entrava nos planos de Deus? Era uma forma de Jesus tomar o pecado humano como próprio (2 Cor 5, 21), tal e como o faria na sua agonia na cruz. Era também uma forma de escolher uma vida absolutamente humana, vestindo-se de tudo o que a carne [a humanidade] exigia, a exceção do pecado (Fp 2, 7-8).
3) As palavras servo e filho são ambíguas em grego, de modo que o verdadeiro filho é aquele que serve o Pai de forma completa. Por isso, ele nos deixou como testamento uma lição de serviço (Jo 13, 3) e um mandato de amor, que é obediência como diz João em 14, 21. Se isso acontecer, o Filho, e também o Pai manifestar-se-ão a ele, a todo discípulo que entrega sua vida como serviço (Jo 14, 22-23).
4) Uma interpretação moderna, sem ilação clara com os textos evangélicos ou a primitiva tradição, é a de que Jesus no batismo se desligou das estruturas de pecado da sociedade de seu tempo, uma sociedade judaica corrompida pelo poder elitista e social, subordinado aos dominadores romanos; ou rigorosamente atada a tradições externas de purificação e limpeza. Ele, no momento de seu batismo, se tornou totalmente desobrigado dos laços que o atavam à velha ordem.