Caros Irmãos no Sacerdócio!
1. Encontramo-nos hoje em torno da Eucaristia, na qual, como recorda o Concílio Vaticano II, “está contido todo o tesouro espiritual da Igreja” (Presbyterorum ordinis, n. 5). Quando na liturgia da Quinta-feira Santa comemoramos a instituição da Eucaristia, torna-se patente aos nossos olhos aquilo que Cristo nos deixou em tão sublime Sacramento: “Ele que amara os seus que estavam no mundo, levou até ao extremo o Seu amor por eles” (Jo 13,1). Esta afirmação de S. João inclui, em certo sentido, toda a verdade da Eucaristia: verdade que constitui contemporaneamente o âmago da verdade sobre a Igreja. De fato, é como se a Igreja nascesse diariamente da Eucaristia celebrada em muitos lugares da terra, nas condições mais variadas e entre culturas tão distintas, a ponto de a renovação do mistério eucarístico se tornar quase uma “criação” quotidiana. Graças à celebração da Eucaristia, amadurece mais e mais a consciência evangélica do Povo de Deus, tanto nas nações de secular tradição cristã, como nos povos há pouco ingressados na nova dimensão que, sempre e em toda a parte, é conferida à cultura dos homens pelo mistério da encarnação do Verbo e da redenção, mediante a Sua morte na cruz e a Sua ressurreição.
O Tríduo Sacro introduz-nos neste mistério de um modo único por todo o ano litúrgico. A liturgia da instituição da Eucaristia constitui uma singular antecipação da Páscoa, que se desenrola ao longo da Sexta-feira Santa e da Vigília Pascal, até ao Domingo e toda a Oitava da Ressurreição.
No limiar da celebração deste grande mistério da fé, caros Irmãos no Sacerdócio, encontrais-vos hoje ao redor dos vossos respectivos Bispos, nas catedrais das Igrejas diocesanas, para reviver a instituição do Sacramento do Sacerdócio junto com o da Eucaristia. O Bispo de Roma celebra esta liturgia rodeado pelo Presbitério da sua Igreja, da mesma forma que o fazem os meus Irmãos no episcopado com os presbíteros das suas Comunidades diocesanas.
Eis o motivo do encontro de hoje. Nesta circunstância, desejo fazer-vos chegar uma minha palavra especial, para que juntos possamos viver plenamente o grande dom que Cristo nos concedeu. Na verdade, para nós presbíteros, o Sacerdócio constitui o supremo dom, uma chamada particular a participar no mistério de Cristo, que nos confere a sublime possibilidade de falar e agir em Seu nome. Todas as vezes que celebramos a Eucaristia, esta possibilidade torna-se realidade. Agimos “in persona Christi” quando, no momento da consagração, pronunciamos as palavras: “Isto é o meu Corpo que será entregue por vós (…). Este é o cálice do meu Sangue, o Sangue da nova e eterna Aliança, que será derramado por vós e por todos para remissão dos pecados. Fazei isto em memória de Mim”. Façamo-lo de fato: com muita humildade e profunda gratidão. Este acto, simultaneamente supremo e simples, da nossa missão quotidiana de sacerdotes estende, poder-se-ia dizer, a nossa humanidade até aos últimos confins.
Participamos no mistério da encarnação do Verbo, “o primogênito de toda a criação” (Col 1,15), que na Eucaristia devolve ao Pai toda a criação, o mundo passado e o futuro, e, sobretudo, o mundo contemporâneo, no qual Ele vive conosco, faz-se presente por meio de nós e, precisamente por nosso intermédio, oferece ao Pai o sacrifício redentor. Participamos no mistério de Cristo, “o Primogênito daqueles que ressuscitam dos mortos” (Col 1,18), que na Sua Páscoa transforma incessantemente o mundo, fazendo-o progredir para “a revelação dos filhos de Deus” (Rom 8,19). Deste modo, pois, toda a realidade, em quaisquer dos seus âmbitos, torna-se presente no nosso ministério eucarístico, que se abre, ao mesmo tempo, a toda a exigência pessoal concreta, a cada sofrimento, anseio, alegria ou tristeza, segundo as intenções que os fiéis apresentam para a Santa Missa. Nós acolhemos tais intenções em espírito de caridade, introduzindo assim cada problema humano na dimensão da redenção universal.
Caros Irmãos no Sacerdócio! Este ministério forma uma nova vida em nós e ao nosso redor. A Eucaristia evangeliza os ambientes humanos e reforça-nos na esperança de que as palavras de Cristo não passam (cf. Lc 21,33). Não passam as Suas palavras, enraizadas como estão no sacrifício da Cruz: da perpetuidade desta verdade e do amor divino, nós somos testemunhas particulares e ministros privilegiados. Podemos, pois, congratularmo-nos juntos, se os homens sentem necessidade do novo Catecismo, se tomam em suas mãos a Encíclica Veritatis splendor. Tudo isto nos consolida na convicção de que o nosso ministério do Evangelho torna-se frutuoso em virtude da Eucaristia. Aliás, durante a última Ceia, Cristo disse aos Apóstolos: “Já não vos chamo servos (…); chamei-vos amigos (…). Não fostes vós que Me escolhestes, fui Eu que vos escolhi e vos nomeei para irdes e dardes fruto, e o vosso fruto permanecer” (Jo 15, 15-16).
Que riqueza imensa de conteúdos a Igreja nos oferece durante o Tríduo Sacro, e especialmente em Quinta-feira Santa na liturgia crismal! Estas minhas palavras são apenas um reflexo parcial dos sentimentos que cada um de vós certamente traz no coração. Talvez esta Carta por ocasião da Quinta-feira Santa sirva para fazer com que as múltiplas manifestações do dom de Cristo, difundidas em tantos corações, confluam ante a majestade do grande “mistério da fé”, numa significativa partilha daquilo que o Sacerdócio é e sempre permanecerá na Igreja. Possa, então, a nossa união à volta do altar abraçar a todos os que levam em si o sinal indelével deste Sacramento, na recordação também daqueles nossos irmãos que de algum modo se afastaram do sagrado ministério. Espero que esta lembrança leve cada um a viver ainda mais profundamente a sublimidade do dom constituído pelo Sacerdócio de Cristo.
2. Caros Irmãos, hoje desejo entregar-vos idealmente a Carta que dirigi às Famílias no Ano a elas dedicado. Considero uma circunstância providencial que a Organização das Nações Unidas tenha proclamado 1994, Ano Internacional da Família. A Igreja, concentrando o seu olhar sobre o mistério da Sagrada Família de Nazaré, participa nessa iniciativa, encontrando nela uma especial ocasião para anunciar o “evangelho da família“. Cristo proclamou-o com a Sua vida escondida em Nazaré no seio da Sagrada Família. Este evangelho foi, depois, anunciado pela Igreja apostólica, como se vê no Novo Testamento, e, mais tarde, foi testemunhado pela Igreja pós-apostólica, da qual herdamos o costume de considerar a família como igreja doméstica.
No nosso século, o “evangelho da família” é apresentado pela Igreja na voz de tantos sacerdotes, párocos, confessores, Bispos; em particular, com a voz do Sucessor de Pedro. Quase todos os meus Predecessores dedicaram à família uma significativa parcela do seu “magistério petrino”. Além disso, o Concílio Vaticano II exprimiu o seu amor pela instituição familiar através da Constituição pastoral Gaudium et spes, na qual reafirmou a necessidade de promover a dignidade do matrimônio e da família no mundo contemporâneo.
O Sínodo dos Bispos de 1980 está na origem da Exortação Apostólica Familiaris consortio, que pode ser considerada a magna carta da pastoral da família. As dificuldades do mundo atual, e especialmente da família, enfrentadas com coragem por Paulo VI na Encíclica Humanae vitae, exigiam uma visão global sobre a família humana e sobre a ecclesia domestica na sociedade atual. Isto mesmo se propôs a Exortação Apostólica. Foi necessário elaborar novos métodos de ação pastoral segundo as exigências da família contemporânea. Em síntese, poder-se-ia dizer que a solicitude pela família, nomeadamente pelos cônjuges, pelas crianças, os jovens e os adultos, requer de nós, sacerdotes e confessores, antes de mais, a descoberta e a constante promoção do apostolado dos leigos em tal âmbito. A pastoral familiar – sei-o por experiência pessoal – constitui, em certo sentido, a quinta-essência da atividade dos sacerdotes em todo o nível. Disto tudo, fala a Familiaris consortio. A Carta às Famílias nada mais faz senão retomar e atualizar esse patrimônio da Igreja pós-conciliar.
Desejo que esta Carta possa ser útil às famílias, na Igreja e fora dela; que sirva, caros sacerdotes, no vosso ministério pastoral dedicado às famílias. É, em certa medida, como a Carta aos Jovens de 1985, que deu início a uma grande animação apostólica e pastoral dos jovens no mundo inteiro. Manifestação deste movimento são as Jornadas Mundiais da Juventude, celebradas nas paróquias, nas dioceses e a nível da Igreja inteira – como a realizada recentemente em Denver, nos Estados Unidos.
Esta Carta às Famílias é mais ampla. De fato, a problemática da família é mais complexa e universal. Ao preparar o texto, convenci-Me mais uma vez que o magistério do Concílio Vaticano II, particularmente a Constituição pastoral Gaudium et spes, é realmente uma fonte muito rica de pensamento e de vida cristã. Espero que esta Carta, inspirada pelo ensinamento conciliar, possa constituir para vós uma ajuda não inferior àquela que será para todas as famílias de boa vontade, a quem ela se dirige.
Para uma correta visão deste texto, convém tornar àquela passagem dos Atos dos Apóstolos, onde se lê que as primeiras Comunidades eram “assíduas ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fração do pão e às orações” (2,42). A Carta às Famílias, mais que um tratado doutrinal é sobretudo uma preparação e uma exortação à oração com as famílias e pelas famílias. Esta é a primeira tarefa, mediante a qual vós, caros Irmãos, podeis iniciar ou desenvolver a pastoral e o apostolado das famílias nas vossas Comunidades paroquiais. Se vos encontrais perante a interrogação: Como cumprir as metas do Ano da Família?, a exortação à oração, contida na Carta, indicar-vos-á, de certo modo, a direção mais simples a tomar. Disse Jesus aos Apóstolos: “Sem Mim nada podeis fazer” (Jo 15,5). Portanto, é claro que devemos “atuar com Ele”; isto é, de joelhos e em oração. “Pois onde estiverem reunidos, em Meu nome, dois ou três, Eu estou no meio deles” (Mt 18,20). Estas palavras hão-de ser traduzidas por iniciativas concretas em cada Comunidade. Delas se pode obter um bom programa pastoral, um programa rico, mesmo com grande pobreza de meios.
Quantas famílias rezam no mundo! Rezam as crianças, às quais, antes de mais, pertence o Reino dos céus (cf. Mt 18, 2-5); graças a elas, rezam não só as mães, mas também os pais, reencontrando, às vezes, a prática religiosa da qual se tinham afastado. Por acaso, não é o que ocorre por ocasião da Primeira Comunhão? E porventura não se nota subir a “temperatura espiritual” dos jovens, e não só dos jovens, por ocasião das peregrinações aos santuários? Os antiqüíssimos itinerários de peregrinações no Oriente e no Ocidente, começando pelos de Jerusalém, Roma e Santiago de Compostela, até aos santuários marianos de Lourdes, Fátima, Jasna Góra e muitos outros, tornaram-se, ao longo dos séculos, ocasião para a descoberta da Igreja por parte de multidões de fiéis e, certamente, também de inumeráveis famílias. O Ano da Família deve confirmar, ampliar e enriquecer esta experiência. Cuidem disto todos os pastores e as instâncias responsáveis pela pastoral familiar, de acordo com o Pontifício Conselho para a Família, a quem está confiada esta obra no âmbito da Igreja universal. Como se sabe, o Presidente deste Conselho inaugurou o Ano da Família em Nazaré, na solenidade da Sagrada Família a 26 de Dezembro de 1993.
3. “Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fração do pão e às orações” (Act 2,42). Segundo a Constituição Lumen gentium, a Igreja é a “casa de Deus (cf. 1 Tm 3,15), na qual habita a sua «família»; habitação de Deus no Espírito (cf. Ef 2,19-22), «tabernáculo de Deus com os homens» (Ap 21,3)” (n.6). Deste modo, entre muitas outras imagens bíblicas, a imagem da “casa de Deus” é lembrada pelo Concílio ao descrever a Igreja. De resto, esta imagem encontra-se, de certa forma, em todas as outras; entra inclusive na analogia paulina do Corpo de Cristo (cf. 1 Cor 12,13.27; Rom 12,5), à qual se referia Pio XII na sua histórica encíclica Mystici Corporis; entra nas dimensões do Povo de Deus, conforme as citações do Concílio. O Ano da Família é para todos nós um apelo a tornar a Igreja ainda mais “casa na qual habita a família de Deus”.
É uma chamada, um convite que se pode revelar extraordinariamente fecundo para a evangelização do mundo contemporâneo. Como escrevi na Carta às Famílias, a dimensão fundamental da existência humana, constituída pela família, vê-se seriamente ameaçada de vários lados, na civilização contemporânea (cf. n.13). E no entanto, este “ser família” da vida humana representa um grande bem para o homem. A Igreja deseja servi-lo. O Ano da Família constitui, então, uma ocasião significativa para renovar o “ser família” da Igreja nos seus vários âmbitos.
Caros Irmãos no Sacerdócio! Cada um de vós encontrará certamente na oração a luz necessária para saber como concretizar tudo isto: vós, nas vossas paróquias e nos vários campos ao serviço do Evangelho; os Bispos nas suas dioceses; a Sé Apostólica relativamente à Cúria Romana, como expresso na Constituição Apostólica Pastor bonus.
A Igreja, de acordo com a vontade de Cristo, esforça-se em tornar-se sempre mais “família”, e o empenho da Sé Apostólica está orientado a favorecer tal crescimento. Sabem-no bem os Bispos que vêm aqui em visita ad limina Apostolorum. As suas visitas, tanto ao Papa como a cada Dicastério, mesmo mantendo o que está prescrito pela lei canônica, perdem cada vez mais o antigo sabor jurídico-administrativo. Assiste-se cada vez mais a um clima de “intercâmbio de dons”, conforme a expressão da Constituição Lumen gentium (cf. n.13). Os Irmãos no episcopado, freqüentemente, dão testemunho disto nos nossos encontros.
Desejo nesta circunstância mencionar o Directório preparado pela Congregação para o Clero, que será entregue aos Bispos, aos Conselhos Presbiterais e a todos os sacerdotes. Ele não deixará de proporcionar um amplo contributo para a renovação da sua vida e do seu ministério.
4. Caros Irmãos, o apelo à oração com as famílias e pelas famílias diz respeito a cada um de vós, de uma forma muito pessoal. Devemos a vida aos nossos pais e temos com eles uma perene dívida de gratidão. A eles, ainda vivos ou já na eternidade, estamos unidos por um vínculo estreito que o tempo não destrói. Se a Deus devemos a nossa vocação, uma parte significativa dela deve atribuir-se também a eles. A decisão de um filho se dedicar ao ministério sacerdotal, especialmente em terras de missão, constitui um sacrifício não pequeno para os pais. Assim o foi também para os nossos entes queridos, que, apesar de tudo, apresentaram a Deus a oferta dos seus sentimentos, deixando-se guiar por uma fé profunda, e acompanharam-nos depois com a oração, como fez Maria com Jesus, quando Ele deixou a casa de Nazaré para ir realizar a sua missão messiânica.
Que grande experiência foi para cada um de nós e, ao mesmo tempo, para os nossos pais, os nossos irmãos e irmãs e para os amigos, o dia da Missa Nova! Que repercussão tiveram aqueles começos nas nossas paróquias e nos ambientes onde tínhamos crescido! Cada nova vocação torna a paróquia consciente da fecundidade da sua maternidade espiritual: quanto mais isto se dá, maior é o estímulo que surge para os outros! Cada sacerdote pode dizer de si: “Tornei-me devedor a Deus e aos homens”. Muitas foram as pessoas que nos acompanharam com o pensamento e a oração, assim como numerosas são aquelas que acompanham com o pensamento e a oração o Meu ministério na Sé de Pedro. Esta grande solidariedade espiritual é para Mim fonte de força. Sim, os homens depositam a sua confiança na nossa vocação ao serviço de Deus. A Igreja reza constantemente pelas novas vocações sacerdotais; alegra-se com o seu aumento, entristece-se pela sua falta onde tal se verifica, assim como se lamenta com a escassa generosidade de muitas pessoas.
Renovamos cada ano, neste dia, as nossas promessas ligadas ao sacramento do Sacerdócio. É grande o alcance de tais promessas. Trata-se da palavra dada ao próprio Cristo. A fidelidade à vocação edifica a Igreja; pelo contrário, toda a infidelidade torna-se uma ferida dolorosa no Corpo Místico de Cristo. Ao reunirmo-nos, pois, para contemplar juntos o mistério da Eucaristia e do Sacerdócio, imploremos o Sumo Sacerdote que – como diz a Sagrada Escritura – se mostrou fiel (cf. Heb 2,17), para que seja dado, também a nós, mantermo-nos fiéis. No espírito desta “fraternidade sacramental”, peçamos uns pelos outros – os sacerdotes pelos sacerdotes! Que a Quinta-feira Santa se torne para nós uma nova chamada para cooperar com a graça do Sacramento do Sacerdócio. Rezemos pelas nossas famílias espirituais, pelas pessoas confiadas ao nosso ministério; rezemos especialmente por aqueles que de modo particular esperam a nossa oração e dela necessitam: a fidelidade à oração faça com que Cristo se torne cada vez mais vida das nossas almas.
Ó grande Sacramento da Fé, ó santo Sacerdócio do Redentor do mundo! Como Vos estamos gratos, Jesus Cristo, por nos terdes admitido à comunhão convosco, por nos terdes feito uma única comunidade em redor de Vós, por nos terdes permitido celebrar o Vosso sacrifício incruento e ser, em toda a parte, ministros dos mistérios divinos: no altar, no confessionário, no púlpito, nas visitas aos enfermos e aos encarcerados, nas salas de aula, nas cátedras universitárias, nos escritórios onde trabalhamos. Louvada sejais, ó Santíssima Eucaristia! Eu vos saúdo, Igreja de Deus, que sois o povo sacerdotal (cf. 1 Pd 2,9) redimido pelo preciosíssimo Sangue de Cristo!
Vaticano, 13 de Março – quarto Domingo da Quaresma – do ano 1994, décimo-sexto de Pontificado.
Fonte: www.vatican.va