A possibilidade da participação política direta dos presbíteros, segundo o Código de Direito Canônico

José Nacif Nicolau
Novembro de 2003
(Sociedade Brasileira de Canonistas)

Fonte: Clerus

Há um ano das próximas eleições municipais, começam os rumores de presbíteros querendo ser candidatos. O que o Direito Canônico nos diz sobre isto?

Apresento um pequeno parecer jurídico-canônico sobre tal possibilidade .

Diversos Presbíteros Diocesanos e Religiosos de diferentes Institutos são plenamente engajados na vida pastoral de suas comunidades e vivem na própria carne os dramas muito sofridos de gestões de prefeitos municipais não comprometidos com a causa dos últimos. Nasce então neles o desejo de prestar um serviço maior ao povo estando diretamente presentes nas estruturas políticas do executivo municipal, conseguindo desta forma, pensam muitos, ter condições de interferir a favor dos excluídos exercendo o poder do lado de dentro .

É possível um religioso, presbítero ou não, ser candidato a prefeito municipal ?

A matéria que rege a questão se encontra no Código de Direito Canônico de 1983 especificamente nos cânones 285 § 3º e 287 § § 1º e 2º

A) O cânon 285 diz no §1º : “Os clérigos se abstenham de tudo aquilo que é inconveniente ao próprio estado, segundo as disposições do direito particular”.

§ 2º- Evitem aquilo que, mesmo não sendo indecoroso, é alheio ao estado clerical

§ 3º- Os clérigos são proibidos de assumir cargos públicos, que implicam participação no exercício do poder civil.

§ 4 º – Sem a licença do Ordinário próprio não se incumbam da administração de bens pertencentes a leigos ­nem exerçam ofícios seculares que implicam obrigação de prestar contas; ……….

B) O cânon 287 diz: §1º “Os clérigos sempre favoreçam de modo máximo a manutenção entre os homens da paz e da concórdia fundada na justiça ”

§ 2º “Os clérigos não tenham parte ativa nos partidos políticos e na direção de associações sindicais,a não ser que a juízo da competente autoridade eclesiástica, o exijam a defesa dos direitos da Igreja ou a promoção do bem comum”.

Na interpretação abaixo são focalizados somente os aspectos canônico-jurídicos não sendo levados em conta, embora fundamentais, a dimensão eclesiológica do Povo de Deus, o lugar que deve ocupar o leigo na sociedade e nem mesmo o papel, a função e a identidade do presbítero no mundo de hoje.

Observa-se que o texto canônico latino em todos os parágrafos citados emprega diferentes verbos com significados específicos, que nos ajudam na interpretação.

1. No cn 285 §1º está dito : “O que é inconveniente ao estado clerical . A inconveniência de um “estado” é uma noção relativa,mutável,histórica. Será preciso buscar a interpretação do que é ‘inconveniente” através de um conjunto de elementos objetivos e de elementos sócio-subjetivos valorados relativamente a épocas, lugares e contextos culturais. Por tal motivo não é possível determinar penalidades específicas para quem transgride tal norma; o livro VI do Código ao apresentar os tipos de sanções na igreja silencia sobre este ponto.Sabe-se que o que é inconveniente em um lugar,época ou cultura não o será em outro contexto .

2. – O conteúdo do § 2º deve ser lido tendo presente o explicitado nos parágrafos 3º e 4º do referido cânon.. O teor da norma deste § 2º é inferior, isto é, menos incisivo que o do 1º parágrafo atendo-se aos termos latinos empregados.

3 – Os cargos públicos nas áreas dos poderes no nível federal, estadual ou municipal são exercício do poder civil

A norma apresentada no § 3º é taxativa e claramente proibitiva. Não são previstas exceções nem dispensas,

A tradução brasileira diz que “são proibidos de assumir” mas o verbo latino empregado é “vetantur”. Tal verbo carrega maior peso que sua tradução “proibir”. Trata-se de uma proibição taxativa = vetare

3. O parágrafo 4º compreende um conjunto de encargos e deveres transitórios , privados ou públicos. Todos os ocupantes de qualquer cargo público estão obrigados tanto ética quanto juridicamente a prestar contas. O verbo latino empregado ajuda a diferenciar mais claramente em que este parágrafo é diverso do anterior. Não é empregado “vetantur” mas “ne ineant”. Não se trata de proibição, mas de uma recomendação. É um subjuntivo exortativo. Assim sendo, com a licença do Ordinário próprio (Bispo Diocesano; Superior Provincial), pode-se exercer um ofício que implique na obrigação de prestação de contas, quando tal encargo for transitório.

4. O cânon 287 § 2º veta aos clérigos duas coisas : uma referente a partidos políticos e outra a sindicatos .-“Veta-se ao clérigo ter parte ativa nos partidos políticos, isto é, não pode ser filiado e portanto exercer tudo aquilo que tal filiação implica. Como, por ex., ter voz e vez nas decisões e eleições do partido. Atendo-se ao texto da lei, não é vetado ao clérigo ser militante de algum partido.

Quanto a Sindicatos, é vetado ao clérigo tomar parte na direção deles, podendo no entanto se filiar a algum”.

O texto latino deste parágrafo diz: “ne habeant”( não tenham) .Trata-se de um subjuntivo exortativo, uma exortação, uma recomendação. Traduzido em linguagem coloquial seria dito ao clérigo :”Olhe! Cuidado! Não entre nessa! sua missão de clérigo é outra!”

Estas duas restrições não são proibições fechadas em si mesmas,porque admitem exceções. As licenças para que o clérigo se filie a um partido político ou faça parte da direção de algum sindicato não devem ser dadas de modo aleatório. O texto canônico restringe sua concessão a duas exigências fundadas numa realidade bem específica. O Ordinário Eclesiástico Competente poderá dar a licença quando estiver em questão “a defesa dos direitos da igreja” ou “a promoção do bem comum”.

É bom notar que a legislação civil determina que só é possível ser candidato a prefeito municipal filiando-se a algum partido político, dentro do prazo da lei.

5. Se for dada a licença a um clérigo para se filiar a um partido e em decorrência se candidatar, seu Ordinário Próprio poderá (e deverá, por coerência,)colocar uma condição: que o presbítero (religioso ou diocesano) se afaste temporariamente do exercício do ministério presbiteral. E se o clérigo for religioso deve estar implicada na licença a questão da exclaustração temporária. É questão de “coerência” porque o presbítero é aquele que deve ser o facilitador da união na comunidade entre todos os cristãos pertencentes a qualquer filiação partidária,e isto não seria possível no período da “campanha” política, pelo menos.

É bom notar que a restrição apresentada no cânon não compreende : em abandonar as próprias idéias políticas; em não ter nenhuma posição política ;nem mesmo não votar no partido que o clérigo julga em consciência ser o que atende mais ao ideal de justiça e paz. Nada impede pois que o clérigo possa ter sua opção partidária, sem a “filiação” que não é recomendada pelo direito canônico .

6 Conforme o cn. 672 a autoridade competente do religioso é o Provincial, o Superior ou outro nome que lhe é dado conforme as constituições e estatutos de cada Instituto de Vida Consagrada. Devendo-se neste caso haver um entendimento entre o Superior do Instituto Religioso e o Bispo Diocesano

7 , Alguns critérios da Igreja Católica para os religiosos, tirados do Documento “Religiosos e Promoção Integral da Pessoa Humana.”que embora sendo da década de 80 continuam atualíssimos quanto a esta matéria:

a. Os religiosos não devem se deixar levar pela ilusão de poder interferir cada vez mais no desenvolvimento das pessoas e dos povos, substituindo os próprios deveres específicos com um empenho político no sentido estrito do termo;

b. Construir o Reino de Deus dentro das próprias estruturas do mundo, enquanto animadores da história do homem… com vivo interesse… mas não no sentido de se deixarem envolver na “práxis política partidária”… e promover de todos os modos a juventude, a mulher, os excluídos mas não por estratégia de conquista, é tornarem-se úteis, como tal, para o soerguimento e construção da sociedade…. como homens e mulheres instrumentos de pacificação e de solidariedade fraterna;

c. Uma participação política partidária ativa continua a ser uma exceção e uma questão de suplência, que deve ser pensada e pesada segundo critérios específicos em cada caso. Mas sua missão continua sendo sempre formar os leigos para a política.

José Nacif Nicolau, pe., mestre em Direito Canônico Professor nos Institutos de teologia ISTA em Belo Horizonte e ITASA (CES) em Juiz de Fora; Vice Presidente da Sociedade Brasileira de Canonistas ( 2º mandato)

Fontes consultadas :

Código de Direito Canônico, Ed Loyola, 1983

Dicionário de Direito Canônico. Ed. Loyola. 1998

GUIRLANDA, G Il Diritto nella Chiesa mistero de comunione. Ed. Paoline-Editrice Universtà Gregoriana. Roma-Milano. 1990

ANDRÉS, Domingo Javier. El Derecho de Los Religiosos. Publicaciones Claretianas.Madrid. 1996. 4ª Ed

D’OSTILIO, Francesco. Prontuario del Codice di Diritto Canonico. Libreria Editrice Vaticana. 1995.

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