A Igreja aceita comunicação com os mortos?

Em síntese: Mais uma vez os espíritas propagam a falsa noticia de que a Igreja Católica já’ reconhece e aceita a comunicação com os mor­tos. 0 fundamento de tal notícia é inconsistente e confuso. Não há pers­pectiva de que tal tenha acontecido ou venha a acontecer, já que se trata de algo proibido pelas Escrituras e amplamente explicado pela parapsicologia; os fenômenos mediúnicos nada tem de transcendental, mas são expressões do psiquismo do médium respectivo.

* * *

Por e-mail a Redação de PR recebeu a seguinte mensagem:

“Mais uma da nossa “amada” Igreja Católica…
O  Vaticano admite Consulta aos Mortos

Matéria transcrita da revista “0 Espírita”, de Brasília /DF, que, por sua vez, o transcreveu do Jornal “0 Popular” de Goiânia:

Há anos radicada na Europa, psicóloga goiana divulga a aprovação pela Igreja da comunicação com os mortos através de médiuns.

Oficialmente a Igreja Católica nunca admitiu o contato com os mor­tos, como prega a doutrina espírita. Nem mesmo a atividade de médiuns e paranormais até há bem pouco tempo, era levada em consideração pelos religiosos. Essa opinião mudou. Através do jornal “L’Osservatore Romano”, órgão oficial da Igreja com sede em Roma, em edição de no­vembro de 1996, o padre Gino Concetti concedeu uma entrevista, depois reproduzida em outros periódicos, como os italianos “Gente” e “La Stampa” e o mexicano “El Universal”, revelando os novos conceitos católicos em relação as mensagens ditadas pelos espíritos depois da morte carnal. Padre Gino Concetti, irmão da Ordem dos Franciscanos Menores, consi­derado um dos mais competentes teólogos do Vaticano, admite ser pos­sível dialogar com os desencarnados. Segundo ele, o catecismo moder­no ensina que Deus permite aqueles que vivem na dimensão ultra terrestre enviar mensagens para nos guiar em determinados momentos da vida. Após as novas descobertas no domínio da psicologia sobre o paranormal, a Igreja decidiu não mais proibir as experiências do diálogo com os trespassados, desde que elas sejam feitas com finalidades religiosas e científicas e com muita seriedade’.

Alegria

A medida ditada pela nova cartilha da Igreja Católica deixou eufórica a espirita Terezinha Rey psicóloga e ex-professora goiana, que reside há mais de 40 anos na Suíça. Ela é tradutora e divulgadora do texto do padre Gino Concetti. De férias em Goiânia, faz a divulgação desse mate­rial. Terezinha diz que as novas opiniões dos católicos a respeito da dou­trina pregada por Allan Kardec  são uma questão da evolução natural das coisas. “Tenho um grande respeito pela Igreja Católica e creio ser oportu­na esta revisão de suas opiniões sobre o espiritismo”, afirma ela, que preside um centro espírita em Genebra, freqüentado por centenas de pessoas. Terezinha considera importantes as pregações do padre italia­no porque tiram a culpa dos católicos por procurar os espíritas em busca de contatos com seus entes queridos. “Conheço padres na Europa que são médiuns”, revela a professora, citando como exemplo o padre Biondi, capelão dos jornalistas de Paris. Fundadora do Instituto Pestalozzi, Terezinha Rey foi para a Suíça em 1957 para fazer um doutorado em psicologia. Lá conheceu o renomado professor André Rey um dos cria­dores da psicologia clínica, e acabou ficando em Genebra, onde também foi aluna da professa Hélène Antipoff educadora de grande prestígio no mundo inteiro. Hoje, paralelamente as atividades que desenvolve no centro espirita, faz palestras e organiza os arquivos científicos do marido”.

QUE DIZER?

1. Inconsistência da notícia

Não é esta a primeira vez que o espiritismo procura atrair para si o abono da Igreja Católica. Já em PR 434/1998, pp 324-327 foi publicada uma refutação da notícia em foco, transmitida (tal notícia) aproximada­mente nos termos do texto atrás transcrito.

Voltamos ao assunto propondo quatro reflexões:

1) Toda decisão doutrinária da Santa Sé e publicada em documen­to assinado pelo Santo Padre ou por seus colaboradores; a coleção “Acta Apostolicae Sedis” é o órgão através do qual são divulgados todos os atos oficiais da Santa Sé. Um teólogo isolado, dando entrevista a um jornal vagamente citado, não pode ser tido como representante do pen­samento da Igreja.

2) 0 jornal LOSSERVATORE ROMANO1, ao qual G. Concetti terá concedido a sua entrevista, é citado de maneira imprecisa, sem data de edição – O que foge às normas de uma noticia cientifica.

3) O novo Catecismo da Igreja Católica também é vagamente aduzido, sem indicação de parágrafos alusivos a mediunidade. Aliás, estes não se acham no Catecismo; quem o percorre, só encontra aí  a clássica doutrina da Comunhão dos Santos, sem referência a “diálogo com os falecidos”. Vejam-se os parágrafos seguintes:

§ 958 “A comunhão com os falecidos. Reconhecendo cabalmente esta comunhão de todo o corpo místico de Jesus Cristo, a Igreja terres­tre, desde os tempos primeiros da religião cristã, venerou com grande piedade a memória dos defuntos (…) e já que é um pensamento santo e salutar rezar pelos defuntos para que sejam perdoados de seus pecados” (2Mc 12, 46), também ofereceu sufrágios em favor deles. A nossa oração por eles pode não somente ajudá-los, mas também tornar eficaz a sua intercessão por nós.

§ 959 Na única família de Deus. Todos os que somos filhos de Deus e constituímos uma única família em Cristo, enquanto nos comuni­camos uns com Os outros em mútua caridade e num mesmo louvor a Santíssima Trindade, realizamos a vocação própria da Igreja.

§ 2683  As testemunhas que nos precederem no Reino, especial­mente as que a Igreja reconhece como santos, participam da tradição viva da oração, pelo exemplo modelar de sua vida, pela transmissão de seus escritos e pela sua oração hoje. Contemplam a Deus, louvam-no e não deixam de velar por aqueles que deixaram na terra. Entrando na alegria do Mestre, eles foram postos a frente de muito. A sua intercessão é o mais alto serviço que prestam ao plano de Deus. Podemos e deve­mos pedir-lhes que intercedam por nós e pelo mundo inteiro”.

A Igreja aceita a invocação dos santos (orações humildes dirigidas aos justos do céu para que intercedam por nós), mas não aceita a evocação dos mortos (pratica ritual que julga obter respostas e mensagens dos mortos).

4) 0 estudo da paranormalidade é algo de científico; consiste em observar o comportamento psíquico paranormal (= ao lado do normal). Precisamente a consciência de que existe um comportamento paranormal dissipa a concepção de que os fenômenos estranhos produzidos no es­piritismo se devem ao além, pois se verifica que são suficientemente ex­plicados pelo psiquismo do indivíduo paranormal.

A Igreja aceita tranqüilamente o estudo da paranormalidade que ela distingue da comunicação com os mortos. O sensitivo é o indivíduo dotado de paranormalidade mais ampla; não é necessariamente um médium espírita; só será médium se julgar que os seus fenômenos psí­quicos paranormais são produzidos por espíritos do além.

Estas observações permitem concluir que a notícia em foco é fal­sa.

2.  O   testemunho bíblico

Para o católico, é importante o testemunho da Sagrada Escritura. 0 mesmo Deus que, segundo seus inscrutáveis desígnios, permite as vezes a aparição de santos ou defuntos, proibiu terminantemente a evo­cação dos mortos:

“Se alguém se dirigir aos que evocam os espíritos e aos advinhos, para se entregar as suas práticas, voltarei minha face contra esse ho­mem e o afastarei do meu povo”. (Lv 20, 6).

“Todo homem ou toda mulher que evocar os espíritos ou se der a adivinhação, será punido de morte; lapidá-lo-ão; seu sangue recairá so­bre ele”. (Lv 20, 27). Verainda Lv 19, 31,’ Dt 18,11.

Não obstante estas proibições, sabe-se que o rei Saul, atribulado numa campanha bélica, foi ter com a pitonisa (ou adivinha) de Endor, pedindo-lhe que o pusesse em comunicação com a alma de Samuel, seu guia de outrora (cf. iSm 28, 7-14). O cronista bíblico acentua bem que esse feito foi ilícito: “Saul… se tornara culpado diante do Senhor… porque interrogara e consultara os que evocam os mortos” (1Cr 10, 13). Não obstante, Deus se dignou permitir que o espírito de Samuel evocado respondesse: permitiu-o, não por causa dos ritos da pitonisa, que eram totalmente ineptos para tanto, mas tornando como mera oca­sião a visita do rei a adivinha o motivo por que então o Senhor atendeu a Saul foi, como se depreende das palavras de Samuel, o desejo de admoestar o rei a penitência ao menos no fim de sua vida (o rei Saul havia de morrer no dia seguinte); a exortação dirigida a Saul em circuns­tâncias tão extraordinárias seria particularmente eficaz. Disto, porém, não se segue que Deus se dirija aos homens por via tão estranha todas as vezes que estes o desejem.

A razão por que e proibida a necromancia, não é o falso pressu­posto de que esta incomoda os mortos; deve-se simplesmente ao fato de que e uma crendice ou superstição.

3.   E as visões dos Santos?

Bem diferentes dos fenômenos espíritas são as visões que os santos tem.

Estas são totalmente gratuitas, não resultando de ritos previamen­te executados para as provocar. Não há dúvida, tais visões podem ser a resposta do Senhor a preces de almas justas desejosas de obter um sinal sobrenatural. Contudo, assim como o Senhor Deus pode atender a essas orações (caso isso ocorra para o bem dos fiéis), pode  também não as deferir; nunca será lícito ao cristão crer que dispõe de meio seguro para se comunicar com as almas dos defuntos; todo o nosso intercâmbio com eles se realiza mediante insondável e soberana permissão de Deus. Mesmo quando uma pessoa devota julga estar sendo agraciada por vi­sões, os mestres da vida espiritual aconselham-lhe toda a cautela na interpretação de tais fenômenos, pois Satanás não raro se dissimula em “anjo de luz” (cf. 2Cor 11, 14). As autênticas aparições de santos ou almas neste mundo (mesmo não provocadas) não são tão freqüentes quanto propalam as noticias!

Como se vê, este ponto de vista não se identifica com a posição dos espiritas, que afirmam poder entrar em contato com tal alma, por ocasião de tais ritos… Procedem como se ainda tivessem jurisdição ou poder sobre aqueles que não são mais da nossa convivência e cuja sorte só Deus conhece.

1. A notícia anterior afirmava que Gino Concetti falara ao jornal ANSA.

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