A Doutrina Católica do Batismo Infantil

Karl Keating, Catholic Answers
Tradução: Rondinelly Ribeiro

Fonte: www.veritatis.com.br

Algumas igrejas protestantes, principalmente as fundamentalistas, criticam a prática da Igreja Católica de batizar crianças. Para eles, o batismo é reservado apenas para adultos e crianças mais crescidas, pois este deve ser administrado apenas após a evidência do “nascer de novo” – isto é, após a pessoa “aceitar Jesus como único Senhor e salvador”. No instante desta “aceitação”, a pessoa “nasce de novo” e se torna cristão, um dos eleitos, e sua salvação está garantida, para sempre. Só então se segue o batismo, já que este não possui poder salvífico algum. Na verdade, quem morre antes que seja batizado, mas depois de ter “aceitado” Jesus, vai para o paraíso de qualquer forma.

Da forma como estes protestantes entendem, o batismo não é um sacramento (no real sentido da palavra) mas um ordenança. De forma alguma transmitiria a graça que está simbolizando. Para eles, é apenas um manifestação pública da conversão de alguém. Pelo fato de somente adultos ou crianças maiores poderem se converter, o batismo é negado às crianças que ainda não alcançaram a “idade da razão” (em torno dos sete anos). A maioria destes fundamentalistas bíblicos afirmam que durante os anos anteriores à idade da razão, os bebês e as crianças menores estão automaticamente salvas. Assim que determinado indivíduo alcança a tal idade, deve “aceitar” Jesus para alcançar o paraíso.

Desde os tempos do Antigo Testamento, a Igreja Católica entendeu o batismo de forma diferente, ensinando que este é um sacramento que traz consigo diversas coisas, a primeira das quais é a remissão dos pecados, tanto o pecado original como o pecado atual – apenas o pecado original no caso dos bebês e crianças pequenas, pois são incapazes de pecado atual – quando o batizado for adolescente ou adulto.

Pedro explica o que no ocorre no batismo quando diz, arrependei-vos e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo (At 2,38). Porém, ele não faz restrição a este ensinamento apenas aos adultos. Ele acrescenta, pois a promessa é para vós, para vossos filhos e para todos os que ouvirem de longe o apelo do Senhor, nosso Deus (v.39). E também lemos, Levanta-te. Recebe o batismo e purifica-te dos teus pecados, invocando o seu nome (At 22,16). Este mandamento é universal, não restrito a adultos. Além do mais, estes versículos tornam clara a necessária conexão entre o batismo e a salvação, uma conexão explicitamente mencionada por Pedro, que diz, esta água prefigurava o batismo de agora, que vos salva também a vós, não pela purificação das impurezas do corpo, mas pela que consiste em pedir a Deus uma consciência boa, pela ressurreição de Jesus Cristo (1Pd 3,21).

Cristo chama todos ao batismo

Apesar de os protestantes fundamentalistas modernos serem os principais opositores do batismo de crianças, esta heresia não é nova. Na idade média, alguns grupos começaram a rejeitar o pedobatismo, como os Cátaros e Valdenses. Mais tarde, os Anabatistas (re-batizadores) deram prosseguimento a esta corrente doutrinária, afirmando que crianças são incapazes de receber o batismo validamente. Porém, a Igreja Cristã historicamente sempre sustentou que as leis de Cristo se aplicam às crianças da mesma forma como aos adultos, pois Cristo disse que ninguém poderá entrar no céu a menos que tenha renascido pela água e pelo Espírito (Jo 3,5). Suas palavras devem ser aplicadas a todos aqueles que desejem ter direito ao seu reino. Ele também defendeu este direito mesmo às crianças, deixai vir a mim estas criancinhas e não as impeçais, porque o Reino dos céus é para aqueles que se lhes assemelham (Mt 19,14).

Lucas nos dá mais detalhes sobre esta bela passagem das Escrituras. Trouxeram-lhe também criancinhas, para que ele as tocasse. Vendo isto, os discípulos as repreendiam. Jesus, porém, chamou-as e disse: Deixai vir a mim as criancinhas e não as impeçais, porque o Reino de Deus é daqueles que se parecem com elas (Lc 18,15-16).

Os protestantes afirmam que estas passagens não se aplicam a crianças mais jovens e a bebês pois a passagem implica que as crianças a que Cristo está se referindo são aquelas que podem ir até ele por si mesmas (algumas traduções trazem “soltem as criancinhas para que venham a mim”, o que dá a entender que elas poderiam fazer isso por si próprias). Os fundamentalistas, então, concluem que a passagem se aplica somente às crianças que são capazes de andar, e, presumivelmente, capazes de cometer pecados. Mas o texto de Lc 18,15 diz Trouxeram-lhe também criancinhas (do grego proseferon de auto kai ta brephe). A palavra grega brephe significa “bebês, crianças nos primeiros anos de vida” – crianças completamente incapazes de chegar até Cristo por si mesmas e que não possuem a capacidade de fazer uma decisão consciente de “aceitar Jesus como seu Senhor e salvador”. Este é precisamente o problema. Os fundamentalistas refutam a possibilidade de conceder o batismo a crianças por que elas não possuem ainda a capacidade de fazer uma escolha consciente, como esta, por exemplo. Mas notem que Jesus diz porque o Reino de Deus é daqueles que se parecem com elas [referindo-se justamente a estas crianças que estavam sendo levadas a ele por suas mães/responsáveis]. O Senhor não exigiu que elas fizessem uma escolha consciente. Disse que elas são precisamente o tipo de pessoa que pode vir até Ele e receber o reino. Então com que bases, pergunta-se aos protestantes fundamentalistas, os bebês e as crianças jovens deveriam ser excluídas do sacramento do batismo? Se Jesus disse Deixai vir a mim as criancinhas e não as impeçais, porque impedi-las negando-as o batismo?

Em lugar da Circuncisão

Além disso, Paulo nota que o batismo substitui a circuncisão (cf. Cl 2,11-12). Nesta passagem, ele se refere ao batismo como “circuncisão de Cristo” e “circuncisão não feita por mão de homem”. Usualmente, somente crianças eram circuncidadas sob a Antiga Lei; a circuncisão de adultos era rara, pois eram poucos os convertidos ao judaísmo. Se Paulo quisesse excluir as crianças, não teria escolhido a circuncisão como paralelo do batismo.

Esta comparação entre quem poderia receber o batismo e a circuncisão é muito apropriada. No Antigo Testamento, se alguém quisesse se tornar judeu, deveria crer no Deus de Israel, e ser circuncidado. No Novo Testamento, se alguém quisesse se tornar cristão, deveria crer em Deus e em Seu Filho Jesus, e ser batizado. No Antigo Testamento, aqueles nascidos em lares judeus poderiam ser circuncidados em antecipação à fé judaica na qual iriam crescer e praticar. Da mesma forma, no Novo Testamento, aqueles nascidos em lares cristãos poderiam ser batizados em antecipação à fé cristã na qual iriam crescer e praticar. O caminho é o mesmo: se alguém é adulto, deverá proclamar a fé para ser aceito entre os membros; porém se este alguém é uma criança que ainda não possui faculdades para proclamar a fé, a ele será conferido o rito para aceitação entre os membros sabendo que será nesta fé que irá crescer. Esta é a base da referência de Paulo ao batismo como sendo uma “circuncisão de Cristo” – ou seja, o equivalente cristão da circuncisão.

Somente adultos eram batizados?

Os fundamentalistas relutam em admitir que a Escritura em lugar algum restringe o batismo a adultos, mas quando pressionados, acabam admitindo. Eles concluem que mesmo que o texto não explicite esta idéia, existem significados que suportam esta visão. Naturalmente, as pessoas cujos batismos são lidos na Escritura (e alguns são identificados individualmente) eram adultos, mas porque foram convertidos como adultos. Isto faz muito sentido, pois o cristianismo estava apenas em seu começo. Não existia ainda uma “população cristã”, com crianças educadas em lares cristãos, etc.

Mesmo nos livros do Novo Testamento escritos mais tardiamente no primeiro século, nós nunca – nem mesmo uma vez – vemos uma criança crescida em lar cristão sendo batizada apenas após fazer a tal “decisão” por Cristo. De preferência, sempre se assumiu que as crianças nascidas em lares cristãos já eram cristãs, pois já haviam sido “batizadas em Cristo” (Rm 6,3). Se o batismo de crianças não fosse o costume, deveriam haver referências de filhos de pais cristãos sendo aceitos na Igreja apenas após chegarem à idade da razão, mas não há nenhuma referência a isso na Bíblia.

Referências Bíblicas?

Mas, alguém poderia perguntar, a Bíblia diz que bebês e crianças menores podem ser batizadas? As evidências são claras. No Novo Testamento lemos que Lídia foi convertida pela pregação de Paulo e que foi batizada juntamente com a sua família (At 16,15). O carcereiro a quem Paulo e Silas converteram foi batizado naquela noite juntamente com sua família, então, naquela mesma hora da noite, ele cuidou deles e lavou-lhes as chagas. Imediatamente foi batizado, ele e toda a sua família (v. 33). Em sua saudação aos coríntios, Paulo recorda, aliás, batizei também a família de Estéfanas (1Cor 1,16).

Em todos estes casos, lares e famílias inteiras foram batizadas. Isto significa mais do que apenas o cônjuge, pois as crianças também estavam incluídas. Se o texto de Atos fizesse referências apenas ao carcereiro e à sua esposa, porque não lemos “foi batizado, ele e sua esposa”? Portanto, suas crianças também deveriam estar incluídas. O mesmo se aplica aos demais batismos semelhantes citados na Escritura.

Devemos admitir que é impossível conhecer a idade exata das crianças; poderiam ser crianças que já passaram da idade da razão, mas também poderiam ser bebês ou crianças menores, mais jovens. É mais provável que habitassem tanto crianças mais novas como mais velhas, e certamente haveriam crianças que ainda não alcançaram a idade da razão nestes e tantos outros lares que foram batizados, especialmente se considerarmos que a sociedade da época não se preocupava com métodos de controle de natalidade. Além do mais, dado o caminho para o entendimento de batismo em lares inteiros, se houvesse exceção a esta regra (as crianças), deveria estar explícita.

Padres e Concílios

A doutrina da Igreja Católica de hoje sempre foi a mesma adotada desde o início do cristianismo. Orígenes, por exemplo, escreveu no terceiro século que “de acordo com o costume da Igreja, o batismo é conferido às crianças” [Homilia a Leviticus 8:3:11, (244 d.C.}]. O Concílio de Cartago, em 253, condenou a doutrina de que o batismo das crianças deveria ser adiado até os oito anos de idade. Mais tarde, Santo Agostinho ensinou que “O costume da madre Igreja de batizar crianças certamente não deve ser zombado…nem que esta tradição seja algo que não dos apóstolos” [Interpretação Literal do Gênesis 10:23:39 (408 d.C.)]

Sem chance para “invenção”

Nenhum dos pais ou Concílios da Igreja disse que esta prática era contrária às Escrituras ou à Tradição. Concordavam que o batismo de crianças era uma prática costumeira e apropriada desde os tempos da Igreja primitiva; a única incerteza parecia ser quando – exatamente – a criança deveria ser batizada. Mais evidências de que o batismo de crianças era uma prática aceita na Igreja primitiva é o fato de que se o batismo infantil fosse contrário às práticas religiosas dos primeiros cristãos, porque não possuímos nenhum documento, nenhum, de escritores cristãos que reprovem esta prática?

Entretanto os protestantes fundamentalistas buscam ignorar os escritos dos primitivos cristãos que claramente legitimam o batismo infantil. Tentam se refugiar apelando para a história de que o batismo requer fé e, pelo fato de as crianças serem incapazes de terem fé, não podem ser batizadas. É verdade que Cristo deu instruções sobre a fé atual de adultos convertidos (Mt 28,19-20), mas a sua lei geral sobre a necessidade do batismo (cf. Jo 3,5) não coloca restrições aos sujeitos ao batismo. Apesar de as crianças estarem incluídas na lei que Ele estabeleceu, existem exigências da lei que elas ainda não podem cumprir por causa de sua idade. Não se pode esperar que sejam instruídos e tenham fé se ainda são incapazes de receber alguma instrução ou manifestar a fé. O mesmo é verdadeiro para a circuncisão, a fé em Deus era necessária para que o adulto a recebesse, mas não se fazia necessária aos filhos dos judeus.

Além do mais, a Bíblia nunca diz “a fé em Cristo é necessária à salvação, com exceção das crianças”, mas simplesmente diz “a fé em Cristo é necessária à salvação”. Mesmo os protestantes fundamentalistas devem admitir que aqui há uma exceção às crianças a menos que desejem condenar todas as crianças automaticamente ao inferno. Desta forma, os próprios protestantes fazem uma exceção às crianças em relação à necessidade da fé para alcançar a salvação. Eles, dessa forma, criticam o católico por fazer a mesma exceção para o batismo, especialmente se, como cremos, o batismo for um instrumento para a salvação.

Torna-se aparente, então, que a posição fundamentalista acerca do batismo infantil de fato não é conseqüência de críticas bíblicas, mas da idéia protestante da salvação. Na realidade, a Bíblia indica que as crianças podem, e devem, ser batizadas, pois elas também podem herdar o Reino dos Céus. Além disso, o testemunho e a prática das primeiras comunidades devem silenciar de uma vez por todas os que criticam a prática da Igreja Católica de batizar crianças. A Igreja apenas dá continuidade à tradição estabelecida pelos primeiros cristãos, que atenderam as palavras de Jesus, Deixai vir a mim as criancinhas e não as impeçais, porque o Reino de Deus é daqueles que se parecem com elas (Lc 18,16)

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