Caros irmãos e irmãs,
O Evangelho deste domingo nos coloca uma vez mais na sinagoga de Nazaré, a aldeia onde Jesus cresceu e onde todos o conhecem. Durante a liturgia do sábado, Jesus lê uma profecia do profeta Isaías sobre o Messias e anuncia o seu cumprimento, dando a entender que aquela palavra se refere a Ele. Com isto, suscita o desconcerto dos nazarenos. Os seus concidadãos, conhecendo o seu ambiente familiar, murmuram: “Não é este o filho de José?” (Lc 4,22), querendo dizer: um carpinteiro de Nazaré. Esta reação faz confirmar o conhecido provérbio: “Nenhum profeta é bem aceito na sua pátria”.
Jesus, percebendo a pouca fraternidade de seus conterrâneos que até o desprezavam, cita dois milagres realizados pelos grandes profetas Elias e Eliseu em favor de pessoas não israelitas, para demonstrar que por vezes há mais fé fora de Israel. Mas a reação é unânime: todos se levantam e o expulsam, e tencionam lançá-lo de um precipício, mas Ele passa no meio da multidão furiosa e se retira. Com isto observamos que Jesus, já no início do seu ministério, se coloca a serviço da verdade. Jesus é também o profeta do amor, mas o amor tem a sua verdade. Aliás, amor e verdade são dois nomes da mesma realidade, dois nomes de Deus.
O amor é a essência do próprio Deus, é o sentido da criação e da história, é a luz que dá bondade e beleza à existência de cada ser humano. Ao mesmo tempo, o amor se manifesta no comportamento de quem, respondendo ao amor de Deus, orienta a própria vida como dom de si a Deus e ao próximo. Em Jesus Cristo estes dois aspectos formam uma unidade perfeita: Ele é o Amor encarnado. Este Amor nos é revelado plenamente em Cristo crucificado (cf. BENTO XVI, Carta Encíclica “Deus caritas est”, n. 1).
E a liturgia da Palavra faz ressoar para nós o célebre hino à caridade do Apóstolo Paulo, que a segunda leitura nos apresenta para a nossa meditação. Recorda como é importante a caridade entre irmãos. É aí que deve acontecer em primeiro lugar a atenção ao outro, o acolhimento do outro, o respeito pelo outro. E São Paulo nos indica “um caminho superior a todos os outros” (1Cor 12,31), o caminho do amor e da caridade: O caminho do “ágape”. São Paulo apresenta este amor de forma bem prática. Ou seja, ele ressalta a vivência do amor. Deve ser colocado em ação e, para isto, utiliza 15 verbos: ter paciência, servir, não invejar, não se vangloriar, não se orgulhar etc. São verbos para a ação.
Convém dizer que o amor de que Paulo fala aqui é o amor “ágape”, tal como ele é entendido pelos cristãos: não é o amor egoísta, que procura o próprio bem, mas o amor gratuito, desinteressado, sincero, fraterno, que se preocupa com o outro, que sofre pelo outro, que procura o bem do outro sem esperar nada em troca. O nosso texto desenvolve-se em três estrofes.
Na primeira (1Cor 13,1-3), Paulo sustenta que, sem amor, até as melhores coisas são vazias e sem sentido. Só o amor dá sentido a toda a vida e a toda a experiência cristã.
Na segunda estrofe (13,4-7), Paulo apresenta literariamente o amor como uma pessoa e sugere que ele é a fonte e a origem de todos os bens e qualidades. A propósito, Paulo também enumera quinze características ou qualidades do verdadeiro amor: sete destas qualidades são formuladas positivamente e as outras oito de forma negativa; mas todas elas se referem aos fatos simples que experimentamos e vivemos a todos os instantes.
A terceira estrofe (13,8-13) estabelece uma comparação entre o amor e os carismas. Este amor não desaparecerá nunca, não mudará jamais. Ele é perfeito, por isso permanecerá sempre. São Paulo quer aqui dizer, de forma clara e contundente, que só há um carisma absoluto: o amor.
São Paulo nos ensina que a caridade é sempre algo mais do que mera atividade: “Ainda que distribua todos os meus bens em esmolas e entregue o meu corpo a fim de ser queimado, se não tiver caridade, de nada me aproveita” (v. 3). Este hino deve ser como uma norma a ser observada por cada um de nós. A ação prática resulta insuficiente se não for palpável nela o amor pelo homem, um amor que se nutre do encontro com Cristo.
Após explicar com a imagem do corpo, que os diversos dons do Espírito Santo concorrem para o bem da única Igreja, São Paulo mostra que o “caminho” da perfeição consiste na caridade, ou seja, no amor autêntico, o que Deus nos revelou em Jesus Cristo. A caridade é o dom maior, que dá valor a todos os outros: “Não se ufana, não se ensoberbece, mas rejubila-se com a verdade e com o bem do próximo. Quem ama verdadeiramente não procura o próprio interesse, não se irrita, tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta (cf. 1Cor 13,4-7). No final, quando nos encontrarmos face a face com Deus, os outros dons faltarão; o único que permanecerá eternamente será a caridade, porque Deus é amor e nós seremos semelhantes a Ele, em comunhão perfeita com Ele.
Com isto, observemos a posição que tem a caridade no conjunto de toda a vida cristã. São Paulo nos fala que o amor de Deus está em nós pelo dom do Espírito Santo: “E a esperança não engana. Porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5). Este amor é comunicado a nós como uma participação do amor com que Deus mesmo nos ama. A origem deste amor é, portanto, em Deus mesmo. É o amor que vem de Deus e volta para Deus, pois com este amor nós podemos amar a Deus com o amor com que Ele mesmo nos ama. E com este amor de Deus para com todos que nós podemos amar também a todos, a exemplo do amor de Cristo para com os pecadores. Por isso, São Paulo exortou aos cristãos de Éfeso: “Progredi na caridade, segundo o exemplo de Cristo, que nos amou e por nós se entregou a Deus como oferenda e sacrifício de agradável odor” (Ef 5,2).
Muitos santos praticaram de forma exemplar este amor. Se pensarmos nos Santos, reconheceremos a variedade dos seus dons espirituais, e também das suas características humanas. Mas a vida de cada um deles é um hino à caridade, um cântico vivo ao amor de Deus. E na história da Igreja encontramos inúmeros testemunhos de amor, vivido pelos santos na prática da caridade. Podemos citar todo o movimento monástico, que desde os seus inícios com Santo Antão, exprime um imenso serviço de caridade para com o próximo e os peregrinos. No encontro com aquele Deus que é amor, o monge sente a exigência de transformar toda a sua vida em serviço ao próximo, além de seguir verdadeiramente a Deus, que faz dilatar o seu coração para o amor e a caridade. Assim se explicam as grandes estruturas de acolhimento, tratamento que surgiram ao lado dos mosteiros.
De igual modo se explicam as extraordinárias iniciativas de promoção humana e de formação cristã, destinadas primariamente aos mais pobres, de que se ocuparam primeiro as ordens monásticas e mendicantes e, depois, os vários institutos religiosos masculinos e femininos ao longo dos séculos. Figuras como São Francisco de Assis, São Camilo, São Vicente de Paulo, São João Bosco, São Luís Orione, Santa Teresa de Calcutá e tantos outros, foram grandes modelos de caridade. Souberam eles viver a fé, a esperança e a caridade no cotidiano da vida terrena.
E dentre esses inúmeros santos, vamos encontrar também Maria, a Mãe do Senhor e espelho de toda a santidade. O Evangelista São Lucas nos diz que ela se empenhou em um significativo serviço de caridade à sua prima Isabel, junto da qual permanece “cerca de três meses” (Lc 1,56) para assisti-la na última fase da gravidez. Também em Caná da Galileia Maria se coloca mais uma vez para servir às necessidades dos novos esposos e intercede por eles ao seu filho Jesus (cf. Jo 2,1-11). A ela, como mãe, também suplicamos por nós e por toda a Igreja, para que possa sequenciar a sua missão no serviço do amor e da caridade. Que o Senhor também nos ajude a percorrer este caminho com fidelidade e alegria. Assim seja.
Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ