Fé e penitência
“Fazei penitência e crede no Evangelho” (Mc 1,15). Essas palavras do Senhor mostram a conexão necessária entre a fé e a conversão, entre ser cristão e a mudança de vida à qual ele nos chama. O cristianismo é uma realidade que transforma todo o nosso ser, também a nossa maneira de pensar e de agir, a realidade cristã “nos faz a cabeça e o coração”.
“Já não vos é permitido trazer aquela velha túnica, digo, não esta túnica visível, mas o homem velho corrompido pelas concupiscências falazes. Oxalá a alma, uma vez despojada dele, jamais torne a vesti-lo” (São Cirilo de Jerusalém, Segunda Catequese Mistagógica sobre o Batismo, 2). Quem se aproxima de Deus se transforma numa criatura nova, pois assim como não é possível aproximar-se do sol sem se queimar ou entrar na água sem se molhar, tampouco é possível aproximar-se de Deus sem se transformar.
Nesta quaresma, temos “um tempo propício para renovarmos, com a ajuda da Palavra de Deus e dos Sacramentos, o nosso caminho pessoal e comunitário de fé” (Bento XVI, Mensagem para a Quaresma de 2012). Mas não pensemos em grandes façanhas, já que as verdadeiras batalhas se travam no dia-a-dia e nas pequenas coisas da nossa existência. Deixar de beber refrigerante durante a Quaresma é bom, melhor ainda seria deixar a aspereza e a falta de educação; não comer carne durante esses dias é algo louvável, mais excelente ainda é viver o pudor e a modéstia no vestir; não comer chocolate durante esse tempo de penitência é algo excelente, contanto que nos ajude a vencer a gula, especialmente a voracidade; não ver televisão durante a quaresma é excelente, mais excelente ainda se abandonássemos de uma vez por todas essas novelas que ferem constantemente a dignidade humana e a nobreza cristã.
Alguém poderia me dizer que o ótimo pode ser inimigo do bom. De acordo! Por isso eu não desvalorizei em momento algum as coisas boas. No entanto, resisto não ter em conta aquelas belas palavras do nosso queridíssimo Bento XVI: “Os mestres espirituais lembram que, na vida de fé, quem não avança, recua. Queridos irmãos e irmãs, acolhamos o convite, sempre atual, para tendermos à «medida alta da vida cristã» (João Paulo II, Carta ap. Novo millenio ineunte, 31). A Igreja, na sua sabedoria, ao reconhecer e proclamar a bem-aventurança e a santidade de alguns cristãos exemplares, tem como finalidade também suscitar o desejo de imitar as suas virtudes. São Paulo exorta: «Adiantai-vos uns aos outros na mútua estima» (Rm 12, 10)”.
Essa “medida alta da vida cristã” começa com uma vida de fé, na qual se insere necessariamente a mudança de mentalidade e de costumes daqueles que aderiram à Palavra de Deus e aos Sacramentos. Um dos aspectos da virtude sobrenatural da fé é o abandono em Deus, a confiança no Senhor, de tal maneira que ele passa a ser o nosso apoio, a nossa rocha; nele depositamos todo o nosso existir. No fundo o crescimento na vida espiritual será um crescimento no abandono em Deus, no diálogo com Deus e na entrega amorosa a ele e aos irmãos por amor a ele.
Aproveitemos o convite que a liturgia da Igreja nos dirige neste primeiro domingo da Quaresma para examinarmo-nos sobre aquelas coisas que ainda nos afastam de Deus e dos nossos irmãos, que nos impedem de crescer na fé e no espírito de penitência, que nos atrasam no caminho do amor.
Pe. Françoá Costa