QUARESMA
A CAMINHO DA PÁSCOA
Começamos na Quarta-feira de Cinzas uma solene e generosa caminhada que nos vai conduzir à Páscoa da Ressurreição do Senhor. Como poderemos vivê-la de acordo com a vontade do Senhor, manifestada na Liturgia da Igreja?
Trata-se de responder com seriedade, com honradez humana e sobrenatural, ao apelo à conversão (= libertação) que o Senhor nos dirige. Algumas sugestões poderão ajudar a nossa generosidade pessoal.
No que se refere à vivência da Quaresma, o Concílio Vaticano II, na Constituição sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, recomenda o seguinte:
«Ponham-se em maior realce, tanto na Liturgia como na catequese litúrgica, os dois aspectos característicos do tempo quaresmal, que pretende, sobretudo através da recordação ou preparação do Baptismo e pela Penitência, preparar os fiéis, que devem ouvir com mais frequência a Palavra de Deus e dar-se à oração com mais insistência, para a celebração do mistério pascal. Por isso:
a) utilizem-se com mais abundância os elementos baptismais próprios da liturgia quaresmal e retomem-se, se parecer oportuno, elementos da antiga tradição;
b) o mesmo se diga dos elementos penitenciais. Quanto à catequese, inculque-se nos espíritos, de par com as consequências sociais do pecado, a natureza própria da penitência, que é detestação do pecado por ser ofensa de Deus; nem se deve esquecer a parte da Igreja na prática da penitência, nem deixar de recomendar a oração pelos pecadores.
A penitência quaresmal deve ser também externa e social, que não só interna e individual. Estimule-se a prática da penitência, adaptada ao nosso tempo, às possibilidades das diversas regiões e à condição de cada um dos fiéis. Recomendem-na as autoridades a que se refere o art. 22.
Mantenha-se religiosamente o jejum pascal, que se deve observar em toda a parte na Sexta-feira da Paixão e Morte do Senhor e, se oportuno, estender-se também ao Sábado santo, para que os fiéis possam chegar à alegria da Ressurreição do Senhor com elevação e largueza de espírito. (110).[1] »
Guiados por esta indicação, apresentamos as seguintes sugestões, em ordem a viver o melhor possível o tempo da Quaresma, a caminho da Páscoa da Ressurreição do Senhor.
I. OUVIR COM MAIS FREQUÊNCIA A PALAVRA DE DEUS
Formação doutrinal
Leitura da Paixão do Senhor. Poderia fazer-se, em cada família, a leitura de um trecho da Sagrada Escritura todos os dias, em momento oportuno.
Esta leitura poderia ser em forma de Lectio divina, de tal modo que nos ajudasse a fazer oração pela Bíblia.
Estudar o Catecismo da Igreja Católica. Na sequência do Concílio Vaticano II, foram publicados o Catecismo da Igreja Católica e o Catecismo da Igreja Católica: Compêndio. Este último está elaborado com perguntas e respostas, lembrando o Catecismo de S. Pio X, para facilitar a memorização da Doutrina.
É inegável a ignorância religiosa, mesmo entre os que se auto-classificam católicos praticantes. As pessoas pronunciam-se sobre as verdades da fé e da moral católica sem qualquer conhecimento. De modo inconsciente, estão a repetir o que ouvem na Rádio, na Televisão, ou à mesa do café.
Com a família ou famílias reunida(s) poderia fazer-se o estudo deste Catecismo, lendo um pequeno trecho – pela mesma pessoa, ou por leitores à vez –, seguida pelo comentário de cada um dos presentes.
II. ORAÇÃO MAIS FREQUENTE
Entre outras formas de oração, indicam-se especialmente, para este tempo, as seguintes:
Via Sacra. É uma devoção tradicional em que meditamos a Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo. Consta de 14 estações (alguns acrescentam-lhe a 15ª sobre a Ressurreição) que nos ajudam a percorrer um caminho espiritual e a compreender melhor a Pessoa de Jesus e o Amor que tem por nós. A Via Sacra é, fundamentalmente, uma escola de Amor e apelo à doação.
Podemos fazê-la em grupo, ou em casa, se há qualquer impedimento (doença, prisão, etc.). O fundamental à meditar na Paixão de Jesus. [2]
Terço em Família. É a oração recomendada por Nossa Senhora e pelos Santos Padres. Também a família é chamada a converter-se nesta Quaresma. A oração em comum é o caminho que muito a pode ajudar.
Lectio Divina. É uma forma aprofundada de oração, a partir da leitura da Sagrada Escritura, que exige de nós disponibilidade de tempo e de espírito. Surgiu nos mosteiros e foi promovida por grandes mestres da espiritualidade, como S.toAgostinho, S. Jerónimo, S. Gregório Magno e outros. [3]
Inicia-se, como toda a oração, pela preparação do ambiente exterior e interior, avivando a fé, preparando o lugar onde se realiza o encontro: coloca-se a Bíblia aberta numa estante ou sobre a mesa. Também os participantes se preparam, não só com a sua postura, mas ainda com um «coração limpo». Façamos um acto de humildade e um acto de contrição. Cada um deve trazer a Bíblia ou um texto impresso.
a) Invoca-se o Espírito Santo para que, assim como Ele fez que a Palavra se convertesse em livro, também o livro se torne Palavra.
b) Procura-se a passagem bíblica indicada e preparam-se perguntas que, a partir da vida, ajudem a compreender o texto. Lê-se, em primeiro lugar, a sós ou em grupo, essa passagem da Escritura, e se possível, há-de ser introduzida ou explicada por uma pessoa competente.
c) Segue-se um tempo de meditação individual em silêncio, aprofundando do sentido do que se leu, eventualmente com a partilha da palavra.
d) À medida que se formos escutando o que Deus nos diz, respondamos com a oração, a qual pode tomar diversas formas: de arrependimento, de acção de graças, de intercessão, de súplica ou de louvor;
e) Na medida da graça do Espírito Santo, esta oração desabrocha em saborosos momentos de contemplação, que tornam mais viva e cheia de intimidade a comunhão com Deus, e predispõe-nos para uma vida mais santa e mais activa no apostolado.
III. OBRAS PENITÊNCIA
Sobre este tema, a Lei da Igreja assinala o seguinte:
Obrigação da penitência. Todos os fiéis, cada qual a seu modo, por lei divina têm obrigação de fazer penitência; para que todos se unam entre si em alguma observância comum de penitência, prescrevem-se os dias de penitência em que os fiéis de modo especial se dediquem à oração, exercitem obras de piedade e de caridade, se abneguem a si mesmos, cumprindo mais fielmente as próprias obrigações e sobretudo observando o jejum e a abstinência, segundo as normas dos cânones seguintes. (Cânone 1249).
Práticas de penitência. O cânone enuncia-as:
a) a oração. Não se diz que os fiéis se dediquem a ela durante o tempo penitencial exclusivamente, mas que o façam «de modo especial».
b) As obras de caridade e de piedade. Podem ser muito variadas. Basta recordar as obras de misericórdia e as muitas práticas de piedade tradicionais na Igreja.
c) o cumprimento fiel e amoroso dos próprios deveres, uma das formas de penitência mais agradáveis ao Senhor.
d) o jejum e a abstinência, quer submetendo-se humildemente às prescrições da Igreja nesta matéria, quer por iniciativas pessoais generosas.
Dias e tempos de penitência. Os dias e tempos de penitência na Igreja universal são todas as sextas-feiras do ano e o tempo da Quaresma. (Cânone 1250).
a) São dias penitenciais todas as sextas-feiras do ano. Esta norma, possivelmente, encontra a sua origem, na lembrança da morte de Cristo e vem desde os tempos apostólicos, sem qualquer interrupção.
b) Quanto aos tempos, resumem-se à Quaresma tradicional, embora as formas de penitência em nossos tempos tenham recebido uma atenuação notável nos últimos tempos, não só pelas diversas condições de trabalho em que as pessoas vivem, como também para chamar a atenção que a principal penitência é a interior. Acrescente-se ainda a preparação dos catecúmenos para o Baptismo no final da Quaresma, na celebração da Vigília Pascal.
A Constituição sobre as Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium (n.º 109) sublinha o especial carácter penitencial da Quaresma, indicando que as práticas de penitência devem fomentar-se «de acordo com as possibilidades do nosso tempo e dos diversos países e condições dos fiéis.»
Práticas próprias dos dias penitenciais. Guarde-se a abstinência de carne ou de outro alimento segundo as determinações da Conferência episcopal, todas as sextas-feiras do ano, a não ser que coincidam com algum dia enumerado entre as solenidades; a abstinência e o jejum na quarta‑feira de Cinzas e na sexta-feira da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. (Cânone 1251).
Indicam-se neste cânone as práticas próprias dos dias penitenciais, e distingue quatro categorias delas: a) As sextas-feiras, em geral; b) as sextas-feiras que coincidem com as solenidades; c) a Sexta-Feira Santa; e d) a Quarta-Feira de Cinzas.
Abstinência. A norma geral consiste na abstinência de carne ou de outro alimento que determine a Conferência Episcopal, em todas as sextas-feiras do ano. O «outro alimento» de que se fala deve ser entendido à luz do cânone 1253, no qual se confia às Conferências episcopais a missão de concretizar esta forma de penitência com opções alternativas.
Havendo a coincidência da sexta-feira com uma solenidade, mesmo que não seja de preceito, a abstinência não é preceituada neste dia.
A Sexta-Feira Santa continua uma tradição que a Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium recolheu: «há-de ter-se como sagrada» e «celebrar-se em toda a parte» (SC 110). Esta tradição concretiza-se no jejum e abstinência.
O jejum. Esteve sempre unido à abstinência, ou seja, quando há jejum, há abstinência. No entanto, a penitência de Sexta-Feira Santa tem um carácter pascal, pois o tempo festivo da Páscoa inicia-se com a celebração da Missa Comemorativa da Ceia do Senhor, na tarde de Quinta-Feira Santa, dando princípio ao Tríduo Pascal.
A Quarta-Feira de Cinzas é também dia de jejum e abstinência, pois neste dia começa a grande caminhada da Quaresma.
O Sábado Santo não é dia de jejum nem abstinência, embora a Constituição Litúrgica (110) recomende a continuação do jejum, por ser parte do «jejum pascal».
«É importante sublinhar o valor não só ascético, mas também sacramental das sextas-feiras do ano e da Sexta-Feira Santa, como expressão do seguimento de Cristo no dia semanal e anual consagrado à memória da Sua Paixão». [4]
Sujeitos da lei da abstinência e do jejum. Estão obrigados à lei da abstinência os que completaram catorze anos de idade; à lei do jejum estão sujeitos todos os maiores de idade até terem começado os sessenta anos. Todavia os pastores de almas e os pais procurem que, mesmo aqueles que, por motivo de idade menor não estão obrigados à lei da abstinência e do jejum, sejam formados no sentido genuíno da penitência. (Cânone 1252).
O cânone estabelece o seguinte:
a) Sujeitos à lei da abstinência: as pessoas que completaram catorze anos de idade, sem qualquer limite de idade para terminar esta obrigação, a não ser a doença ou outra causa semelhante.
b) Devem observar a lei do jejum as pessoas que completaram dezoito anos de idade (cfr c. 97 § 1) até completarem os cinquenta e nove (cfr c. 203).
c) Pedagogia penitencial. Os pastores de almas, os pais e outros educadores hão-de procurar que sejam formados no sentido genuíno da penitência também aqueles que, por motivo de idade inferior à que está prescrita, não são obrigados à lei da abstinência e do jejum.
Como sugestões neste sentido, temos a oração, as obras de piedade e de caridade e o cumprimento das próprias obrigações (cfr c. 1249). É muito importante ainda uma recta formação da consciência das crianças e adolescentes em tudo o que se relaciona com o cumprimento dos deveres, porque os ajuda a superar o voluntarismo, a preguiça e o egoísmo, com a imitação amorosa de Jesus Cristo.
Concretização da abstinência ou jejum
Fazendo uso desta faculdade prescrita pelo cânone 1253, a Conferência Episcopal Portuguesa, pela Instrução Pastoral de 2.II.1982 sobre a Disciplina Penitencial, estabeleceu algumas normas. Mais tarde, nas Normas de observância penitencial para as Dioceses Portuguesas, de 28.I.1985, [5] reformulou toda a matéria porque, entretanto, havia sido promulgado o novo Código de Direito Canónico (25.I.1983).
Em todas estas Normas da CEP está latente o espírito da Constituição Pænitemini de Paulo VI.
«O jejum é a forma de penitência que consiste na privação de alimentos. Na disciplina tradicional da Igreja, a concretização do jejum fazia-se limitando a alimentação diária a uma única refeição, embora não se excluísse que pudessem tomar-se alimentos ligeiros às horas das outras refeições (pequeno almoço e jantar)»
«Ainda que convenha manter-se esta forma tradicional de jejuar, contudo os fiéis poderão cumprir opreceito do jejum, privando-se de alimentos ou bebidas que constituem verdadeira privação ou penitência».
Entre as alternativas ou substituições da abstinência, mencionam-se:
a) A oração – «o exercício da via-sacra; a recitação do rosário; a recitação de Laudes e de Vésperas do ofício das horas, a participação na Santa Eucaristia; uma leitura prolongada da Sagrada Escritura».
b) A esmola: «poderão cumprir o preceito penitencial através da partilha de bens materiais. Esta partilha deve ser proporcional às posses de cada um e deve significar uma verdadeira renúncia a algo do que se tem ou a gastos disponíveis ou supérfluos».
«Os cristãos que escolheram como forma de cumprimento do preceito da penitência uma participação pecuniária orientarão o seu contributo penitencial para a finalidade determinada, a indicar pelo Bispo diocesano».
«Os cristãos depositarão o seu contributo penitencial em lugar devidamente identificado em cada igreja ou capela, ou através da Cúria diocesana. Na Quaresma, todavia, em vez desta modalidade ou concomitante com ela, o contributo poderá ser entregue no ofertório da Missa dominical, em dia para o efeito fixado».
Outras mortificações voluntárias, na medida das possibilidades e generosidade de cada pessoa.
Lembramos a abstinência do tabaco para os que têm o hábito de fumar; dispensar alguma vez o transporte para pequenas distâncias ou utilizar os transportes públicos; mortificação na comida e bebida, referente à qualidade ou à quantidade, etc.
IV. EXERCÍCIO DA CARIDADE
Visita aos doentes e idosos. Uma ajuda muito agradável a Deus é a visita aos doentes, idosos, encarcerados e outras pessoas que se encontrem em provação: pelo falecimento de uma pessoa familiar ou amiga, ferida por um grande desgosto, etc.
Aproximar do Sacramento da Reconciliação e Penitência. Um grupo de quatro homens valentes levaram um paralítico num catre junto de Jesus que estava em Carfanaum Na impossibilidade de entrar em casa, por causa da multidão ali reunida, subiram ao terraço, abriram passagem e desceram o catre até junto de Jesus. Ele perdoou-lhe os pecados e curou-o. (cf Mc 3, 1 e ss.).
Não poderíamos ajudar algumas pessoas a aproximarem-se do Sacramento da Reconciliação e Penitência, inspirados neste gesto narrado no Evangelho?
Em qualquer dos casos, programemos diante de Deus como viveremos neste ano a melhor Quaresma de sempre, a caminho da Páscoa da libertação.
Fernando Silva
QUARTA-FEIRA DE CINZAS
Na Missa deste dia benzem-se e impõem-se as cinzas, feitas dos ramos de oliveira (ou de outras árvores), benzidos no Domingo de Ramos do ano anterior.
RITOS INICIAIS
Sab 11, 24-25.27
ANTÍFONA DE ENTRADA: De todos Vos compadeceis, Senhor, e amais tudo quanto fizestes; perdoais aos pecadores arrependidos, porque sois o Senhor nosso Deus.
Introdução ao espírito da Celebração
Hoje iniciámos a Quaresma. Todo este tempo é caminho de conversão. Converter-se é travar o combate vitorioso, com as armas da penitência, contra o espírito do mal.
Durante a imposição das cinzas sobre a cabeça ouviremos mais uma vez um claro convite à conversão, através duma fórmula dupla: «Convertei-vos e acreditai no Evangelho», ou; «Recorda-te de que és pó e em pó te hás-de tornar».
Bento XVI disse, em 21/2/2007, que: «Devido à riqueza dos símbolos e dos textos bíblicos a Quarta-Feira de Cinzas é considerada a ‘porta’ da Quaresma». Aproveitemos bem a Quaresma de 2009.
Omite-se o acto penitencial, porque é substituído pela imposição das cinzas.
ORAÇÃO COLECTA: Concedei-nos, Senhor, a graça de começar com santo jejum este tempo da Quaresma, para que, no combate contra o espírito do mal, sejamos fortalecidos com o auxílio da temperança. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
LITURGIA DA PALAVRA
Primeira Leitura
Monição: «O Senhor tem compaixão do Seu povo». É esta a mensagem que faremos chegar a todos os corações. O Senhor, ao ver o mundo hodierno desnorteado e a braços com tão grave crise, repete-nos: «Eu tenho compaixão do Meu povo».
Joel 2, 12-18
12Diz agora o Senhor: «Convertei-vos a Mim de todo o coração, com jejuns, lágrimas e lamentações. 13Rasgai o vosso coração e não os vossos vestidos. Convertei-vos ao Senhor, vosso Deus, porque Ele é clemente e compassivo, paciente e misericordioso, pronto a desistir dos castigos que promete. 14Quem sabe se Ele não vai reconsiderar e desistir deles, deixando atrás de Si uma bênção, para oferenda e libação ao Senhor, vosso Deus? 15Tocai a trombeta em Sião, ordenai um jejum, proclamai uma reunião sagrada.16Reuni o povo, convocai a assembleia, congregai os anciãos, reuni os jovens e as crianças. Saia o esposo do seu aposento e a esposa do seu tálamo. 17Entre o vestíbulo e o altar, chorem os sacerdotes, ministros do Senhor, dizendo: ‘Perdoai, Senhor, perdoai ao vosso povo e não entregueis a vossa herança à ignomínia e ao escárnio das nações. Porque diriam entre os povos: Onde está o seu Deus?’». 18O Senhor encheu-Se de zelo pela sua terra e teve compaixão do seu povo.
Começa a Quaresma com um forte apelo à conversão e de esperança no perdão do Senhor, extraído do final da primeira parte do livro do profeta Joel (1, 2 – 2, 17). Num estilo solene e apocalíptico, fala de uma invasão de gafanhotos medonhos, mas sem ficar claro se fala em sentido próprio ou figurado. Se a obra é anterior ao exílio de Babilónia, aludiria a invasões de exércitos inimigos; se é posterior, tratar-se-ia de alguma praga agrícola. Joel não se detém a denunciar os pecados concretos do povo, como é costume dos grandes profetas. Diante da enorme calamidade apresentada como castigo divino, o profeta apela para uma sincera conversão, a começar pela dos sacerdotes (1, 13).
12-13 «Convertei-vos a Mm de todo o coração». Não é suficiente uma manifestação exterior de dor; rasgar as vestes (v. 13) era um típico gesto de grande dor ou indignação, entre os judeus; rasgavam violentamente a túnica exterior, do pescoço até à cintura (cf. Gn 37, 29; Mt 26, 65). O coração não significa, na linguagem bíblica, apenas a afectividade, mas toda a interioridade da pessoa, todas as suas virtualidades, a sua inteligência e a sua vontade. Deus também nos convida a nós, mais fortemente neste tempo da Quaresma, a voltarmo-nos para Ele de todo o coração, isto é, com todas as veras da nossa alma, e a rasgar o nosso coração, a dilacerá-lo pela contrição, que é essa profunda mágoa de ter ofendido ao Senhor, infinitamente bom. Mas esta dor não é dor angustiante e desesperada, porque é cheia de esperança no perdão, pois Ele é clemente e compassivo… rico de bondade.
«É clemente e compassivo, paciente e misericordioso». A Vulgata e a Neovulgata têm «benignus et misericors est, patiens et multæ misericordiæ». «Compassivo»,isto é, dotado de piedade e ternura, de compreensão e disposição para perdoar: o termo hebraico «rahum» é derivado de «réhem» (ventre materno), o que sugere que Deus tem entranhas de mãe, sentimentos e coração de mãe para connosco. Assim, o seu amor não acaba quando nos portamos mal com Ele; então tem pena de nós, compreende e facilita a reconciliação. Por seu lado, a expressão «misericordioso» (à letra, «de muita misericórdia») deixa ver que a misericórdia do Senhor («hésed») não é uma bondade qualquer, é a bondade de Quem se mantém fiel a Si próprio (cf. Ez 36, 22); daqui a frequente hendíadis da S. E.: «amor e fidelidade» («hésed v-émet», um amor que é fidelidade). Este atributo divino tem na sua origem bíblica um matiz jurídico: a fidelidade de Deus à Aliança; uma fidelidade tal que, após o pecado, se mantém, embora já não dentro do mero âmbito legal dum pacto bilateral. Com efeito, mesmo quando o homem rompe a Aliança, Deus continua a manter-se fiel a Si próprio, ao seu amor gratuito, ao seu dom inicial (cf. Rom 11, 29). O amor de Deus é mais forte do que o nosso desamor, as nossas traições e pecados: «jamais algum pecado do mundo poderá superar este Amor» (João Paulo II em Fátima: 13.05.82; cf. Enc. Dives in misericordia).
14 «Vai reconsiderar». A expressão é um antropomorfismo com que se fala de Deus à maneira humana, mas de facto Deus não pode reconsiderar e mudar; se, em face da nossa penitência, Deus já não nos castiga e atende às nossas súplicas, a mudança apenas se dá em nós, não em Deus que, sempre tudo tem presente e tudo dispõe, contando com as nossas mudanças. O Profeta fala de Deus à maneira humana, ao dizer também que «Ele se encheu de zelo pela sua terra» (v. 18), em face do apelo feito ao brio do Senhor, numa súplica tão humilde como ousada da parte dos seus «ministros» (v. 17).
Salmo Responsorial
Sl 50 (51), 3-4.5-6a.12-13.14.17 (R. cf. 3a)
Monição: Cada um olhe para si, com humildade, e verá que lhe fica bem dizer: «Pecámos, Senhor, tende compaixão de nós».
Refrão: PECÁMOS, SENHOR: TENDE COMPAIXÃO DE NÓS.
Ou: TENDE COMPAIXÃO DE NÓS, SENHOR, PORQUE SOMOS PECADORES.
Compadecei-Vos de mim, ó Deus, pela vossa bondade,
pela vossa grande misericórdia, apagai os meus pecados.
Lavai-me de toda a iniquidade
e purificai-me de todas as faltas.
Porque eu reconheço os meus pecados
e tenho sempre diante de mim as minhas culpas.
Pequei contra Vós, só contra Vós,
e fiz o mal diante dos vossos olhos.
Criai em mim, ó Deus, um coração puro
e fazei nascer dentro de mim um espírito firme.
Não queirais repelir-me da vossa presença
e não retireis de mim o vosso espírito de santidade.
Dai-me de novo a alegria da vossa salvação
e sustentai-me com espírito generoso.
Abri, Senhor, os meus lábios
e a minha boca cantará o vosso louvor.
Segunda Leitura
Monição: Aceitemos o convite à reconciliação: «Reconciliai-vos com Deus… Este é o tempo favorável, este é o dia da salvação».
2 Coríntios 5, 20 – 6, 2
20Irmãos: Nós somos embaixadores de Cristo; é Deus quem vos exorta por nosso intermédio. Nós vos pedimos em nome de Cristo: reconciliai-vos com Deus. 21A Cristo, que não conhecera o pecado, identificou-O Deus com o pecado por amor de nós, para que em Cristo nos tornássemos justiça de Deus. 6,1Como colaboradores de Deus, nós vos exortamos a que não recebais em vão a sua graça. 2Porque Ele diz: «No tempo favorável, Eu te ouvi; no dia da salvação, vim em teu auxílio». Este é o tempo favorável, este é o dia da salvação.
S. Paulo, ao fazer a sua defesa perante as acusações dos seus opositores em Corinto, exalta a grandeza do ministério apostólico de que está investido, um ministério de reconciliação com Deus alcançada pelo mistério da Morte e Ressurreição de Cristo (5, 14-15).
20 «Reconciliai-vos com Deus». É este o insistente convite que a Igreja nos faz em nome de Deus, a mesma exortação que fazia S. Paulo, consciente de que «é Deus quem vos exorta por nosso intermédio». Os Apóstolos, como os demais ministros de Cristo, são «embaixadores de Cristo», não apenas «ao seu serviço», mas actuando «em vez de Cristo e por autoridade de Cristo»; o próprio texto original grego parece dá-lo a entender com a preposição hyper (em favor de Cristo), usada com o sentido do antí (em vez de: cf. Jo 11, 50; Gal 3, 13; etc.).
21 «Deus identificou-o com o pecado» (à letra, Deus fê-lo pecado, uma expressão extraordinariamente forte e chocante. Note-se, no entanto, que não se diz que Deus O tenha feito pecador; o que se pretende significar é que Deus permitiu que Jesus viesse a sofrer o castigo que cabia ao pecado. Trata-se aqui duma identificação jurídica, não moral. Cristo tornando-Se a Cabeça e o Chefe duma raça pecadora, toma sobre os seus ombros a responsabilidade, não a de uns pecados alheios, mas a dos pecados da sua raça (a raça humana), a fim de os expiar, sofrendo a pena devida por eles (cf. Gal 3, 13). O texto torna-se menos duro, se entendemos que Cristo se fez pecado, no sentido de que se fez sacrifício pelo pecado; isto, que pode parecer uma escapatória para evitar a dificuldade de interpretação, tem um certo fundamento no substrato hebraico, pois a palavra ’axam tem este duplo sentido de «violação da justiça» e de «sacrifício de reparação pelo pecado»; com efeito, pelo sacrifício de Cristo tornamo-nos «justiça de Deus», isto é, justos diante de Deus (note-se o jogo com os dois substantivos abstractos – pecado/justiça –, num evidente paralelismo antitético, tão do gosto paulino).
6, 2 «Este é o tempo favorável». S. Paulo cita aqui Isaías 49, 8, onde se classifica assim o momento em que aprouve à misericórdia divina libertar os israelitas do cativeiro. O Apóstolo diz que «agora» é que é o tempo realmente favorável, o tempo em que Jesus Cristo nos redimiu do cativeiro do pecado (cf. Gal 4, 4-5). A linguagem paulina é ainda mais expressiva e rica do que a da versão grega de Isaías (LXX): agora é que é o momento singularmente oportuno, em que apraz à misericórdia divina operar a nossa salvação. Não há dúvida que a Liturgia pretende fazer uma acomodação deste texto ao tempo santo da Quaresma.
Aclamação ao Evangelho
Sl 94, 8ab
Monição: O Senhor fala-nos. Qual a nossa resposta ao Seu apelo? As coisas estão certas quando Ele fala e nós Lhe abrimos o coração.
Se hoje ouvirdes a voz do Senhor, não fecheis os vossos corações.
Evangelho
São Mateus 6, 1-6.16-18
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 1«Tende cuidado em não praticar as vossas boas obras diante dos homens, para serdes vistos por eles. Aliás, não tereis nenhuma recompensa do vosso Pai que está nos Céus. 2Assim, quando deres esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. 3Quando deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a direita, 4para que a tua esmola fique em segredo; e teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa. 5Quando rezardes, não sejais como os hipócritas, porque eles gostam de orar de pé, nas sinagogas e nas esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. 6Tu, porém, quando rezares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora a teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa. 16Quando jejuardes, não tomeis um ar sombrio, como os hipócritas, que desfiguram o rosto, para mostrarem aos homens que jejuam. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. 17Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, 18para que os homens não percebam que jejuas, mas apenas o teu Pai, que está presente em segredo; e teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa».
Os versículos da leitura são tirados do Sermão da Montanha de S. Mateus; por focarem práticas tipicamente judaicas, estes não têm paralelos nos outros evangelistas, que se dirigem a cristãos na sua maioria vindos dos gentios.
1 «As vossas boas obras» (à letra, a vossa justiça), isto é, os actos tradicionais da boa piedade judaica, a esmola, a oração e o jejum. Jesus de modo algum os suprime ou diminui o seu valor, pelo facto de serem actos de piedade pessoal individual, mas exige que todos estes actos se façam sempre com rectidão de intenção, isto é, com uma sincera piedade, com o fim de agradar a Deus, e não por ostentação, ou para se receber o aplauso humano.
6 «Tu, porém, quando rezares, entra no teu quarto». Segundo estas palavras de Jesus, desde crianças, fomos ensinados a rezar não apenas comunitariamente, mas também, a sós: «no teu quarto». O Senhor ensina aqui a necessidade da oração individual (o que não quer dizer individualista). Deus chama os homens à salvação, fazendo-os entrar dentro do Povo de Deus, a sua Igreja, mas chama-os um a um (nominatim: Jo 10, 3); daqui que são imprescindíveis tanto a oração púbica, que manifesta o carácter de família e povo que somos em Cristo, como a oração a sós, que manifesta a resposta pessoal e intransferível de cada um de nós ao seu Pai celeste. Por sua vez, Jesus não se limitou a pregar a necessidade da oração individual, pois Ele próprio deu este mesmo exemplo (cf. Mt 14, 23; Mc 1, 35; Lc 5, 16; 6, 12; 9, 18; 11, 1.28-29), um exemplo que foi seguido pelos Apóstolos (cf. Act 10, 9-16). Também a experiência pessoal de todos os santos e dos que tomam a sério a fé cristã nos diz que é imprescindível este tipo de oração, que consiste em se recolher para, a sós, falar com Deus, frequentemente. A esta oração recolhida e íntima nos convida hoje o Senhor e a Liturgia nesta Quaresma, que agora começa.
Sugestões para a homilia
Meditemos, com seriedade, nos vários apelos do Senhor.
Em Primeiro Lugar Está o Apelo à Conversão
Respiguemos algumas sugestões da Primeira Leitura desta Eucaristia: (Joel 2, 12-18):
«Convertei-vos a Mim de todo o coração, com jejuns, lágrimas e lamentações».
Mas o Senhor desce a mais pormenores; a ter em conta no caminho da nossa conversão: «Rasgai o vosso coração… Eu sou clemente e compassivo, paciente e misericordioso…
Ordenai um jejum… Proclamai uma reunião sagrada…
Reuni o povo… Congregai os anciãos, os jovens e as crianças… Chorem os sacerdotes, dizendo: «Perdoai, Senhor, ao vosso povo».
Reparemos em todos os pormenores. Ninguém fica esquecido…
Em que consiste a conversão?
Abandonar todo o género de pecado, de maldade, de sensualismo e passar a uma vida de amor, de respeito por todos e cada um. Numa palavra: ser Homem.
Reconhecer que somos pecadores mas que podemos ser santos.
Em Segundo Lugar Está o Apelo à Oração
Debrucemos-nos sobre o Salmo 50-(51):
Compadecei-Vos de mim, ó Deus, pela vossa bondade…
Pela vossa grande misericórdia, apagai os meus pecados…
E purificai-me de todas as faltas…
Porque eu reconheço os meus pecados…
Pequei contra Vós… Fiz o mal diante dos vossos olhos.
Criai em mim, Ó Deus, um coração puro…
Não retireis de mim o vosso espírito de santidade.
Nota – A oração é centrada no reconhecer que somos pecadores, para obter o perdão.
Em Terceiro Lugar Está o Apelo à Esmola e Penitência
O apelo à esmola é acompanhado de contributo penitencial e do jejum ou mortificação.
Como Última Meta de Tudo Isto Está o Sacramento da Penitência ou Confissão dos Pecados ao Sacerdote.
Na Segunda Leitura desta Eucaristia encontra-se expressão que urge fixar:
Este É o Tempo Favorável.
Sempre, em qualquer hora, dia, ou mês nos poderemos confessar. Na Quaresma é um tempo favorável.
Quando se fala na Confissão dos Pecados não pensem os Leigos, que o Sacramento da Penitência é só para eles. O Santo Padre, os Bispos, os sacerdotes e os leigos têm o direito e o dever de confessarem os seus pecados aos sacerdotes, ou ao Bispo ou ao Santo Padre. Ninguém tem regalias especiais.
Todos nós, porque baptizados, devemos ser santos. Pelo baptismo, recebemos a graça divina que nos tornou filhos de Deus, participantes da natureza divina, herdeiros do Céu, membros da Igreja e templos da Santíssima Trindade.
Mas tudo isto se perde ao agir contra a vontade de Deus, cometendo um pecado mortal.
Todos podem pecar mortalmente. Deus, porém, como Pai misericordioso, perdoa qualquer pecado mortal, desde que estejamos arrependidos e dispostos a não recair no pecado.
Jesus, para mostrar que era assim, contou várias parábolas, através das quais mostrou a misericórdia de Deus: parábola do Filho Pródigo (Lc 15, 11-24); da Ovelha Perdida, etc.
Só Deus pode perdoar os pecados. Jesus Cristo, porque Filho de Deus, Verdadeiro Deus e Verdadeiro Homem, tem o poder de perdoar os pecados e, de facto, perdoou muitas vezes os pecados: ao paralítico em Cafarnaum, ao bom ladrão, à mulher adúltera, a Zaqueu, a Pedro…
Jesus Cristo, em virtude da Sua autoridade divina, transmitiu este poder aos Apóstolos e aos seus sucessores no sacerdócio, com estas palavras: «Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados: àqueles a quem os retiverdes, ser-lhe-ão retidos». (Jo 20, 22-23)
Não vejamos no Sacramento da Confissão, ou Penitência, um pesadelo mas uma extraordinária graça de Deus.
Até a ida ao médico, para tratar dos males do nosso corpo, nos custa.
Não será de estranhar que também nos custe um pouco abrir a nossa alma ao sacerdote.
Depois da Confissão, vereis a alegria que vai em vossa alma.
Devemos confessar-nos e levar muitas pessoas ao Sacramento da Reconciliação.
Fala o Santo Padre
«Caminhemos rumo à Páscoa decididos a um esforço maior de oração, penitência, jejum e de atenção carinhosa para com os irmãos.»
(…) O rito simbólico, gesto próprio e exclusivo do primeiro dia da Quaresma, é a imposição das Cinzas. Qual é o seu significado mais profundo? Certamente não se trata de mero ritualismo, mas de algo bastante profundo, que toca o nosso coração. Ele faz-nos compreender a actualidade da admoestação do profeta Joel, que ressoou na primeira Leitura, advertência que conserva também para nós a sua validez saudável: aos gestos exteriores deve corresponder sempre a sinceridade da alma e a coerência das obras. De facto, para que serve, pergunta o autor inspirado, rasgar as vestes se o coração permanece distante do Senhor, isto é, do bem e da justiça? Eis aquilo que conta deveras: voltar para Deus, com o coração sinceramente arrependido, para obter a sua misericórdia (cf. Jl 2, 12-18). Um coração renovado e um espírito novo: é isto que pedimos com o Salmo penitencial por excelência, o Miserere, que hoje cantamos com o refrão «Perdoai-nos, Senhor, porque pecámos». O verdadeiro crente, consciente de ser pecador, aspira inteiramente espírito, alma e corpo pelo perdão divino, como por uma nova criação, capaz de lhe restituir alegria e esperança (cf. Sl 50, 3.5.12.14).
Outro aspecto da espiritualidade quaresmal é aquilo que poderíamos definir «agonístico», e sobressai na hodierna celebração «colecta», quando se fala de «armas» da penitência e do «combate» contra o espírito do mal. Todos os dias, mas sobretudo na Quaresma, o cristão deve enfrentar uma luta, como a que Cristo empreendeu no deserto da Judeia, onde durante quarenta dias foi tentado pelo diabo, e depois no Getsémani, quando rejeitou a extrema tentação aceitando totalmente a vontade do Pai. Trata-se de uma batalha espiritual, que se destina contra o pecado e, por fim, contra satanás. É uma luta que envolve totalmente a pessoa e exige uma vigilância atenta e constante. (…)
Por conseguinte, a Quaresma recorda-nos que a existência cristã é um combate incessante, no qual devem ser utilizadas as «armas» da oração, do jejum e da penitência. Lutar contra o mal, contra qualquer forma de egoísmo e de ódio, e morrer para si mesmos para viver em Deus é o itinerário ascético que cada discípulo de Jesus está chamado a percorrer com humildade e paciência, com generosidade e perseverância. (…) A resposta de quem segue Cristo é a de percorrer o caminho escolhido por Aquele que, face aos males do seu tempo e de todos os tempos, abraçou decididamente a Cruz, seguindo o caminho mais longo mas mais eficaz do amor. (…)
O amor, como recorda Jesus hoje no Evangelho, deve transformar-se em gestos concretos para o próximo, especialmente para os pobres e os necessitados, subordinando sempre o valor das «boas obras» à sinceridade da relação com o «Pai que está nos céus», que «vê o oculto» e que «recompensará» todos os que fazem o bem de maneira humilde e abnegada (cf. Mt 6, 1.4.6.18). A concretização do amor constitui um dos elementos fundamentais da vida dos cristãos, que são encorajados por Jesus a serem luz do mundo, para que os homens, vendo as suas «boas obras», glorifiquem a Deus (cf. Mt 5, 16). Esta recomendação chega até nós oportuna como nunca no início da Quaresma, porque compreendemos cada vez mais que «para a Igreja, a caridade não é uma espécie de actividade de assistência social… mas pertence à sua natureza, é expressão irrenunciável da sua própria essência» (Deus caritas est, 25, a). (…)
Entramos no clima típico deste período litúrgico com estes sentimentos, deixando que a palavra de Deus nos ilumine e nos guie. Na Quaresma sentiremos ressoar com frequência o convite a converter-nos a a crer no Evangelho, e seremos constantemente estimulados a abrir o espírito ao poder da graça divina. Façamos tesouro dos ensinamentos que a Igreja nos oferecerá abundantemente nestas semanas. Animados por um forte compromisso de oração, decididos a um esforço maior de penitência, de jejum e de atenção carinhosa para com os irmãos, caminhemos rumo à Páscoa, acompanhados pela Virgem Maria, Mãe da Igreja e modelo de cada autêntico discípulo de Cristo.
Papa Bento XVI, Basílica de Santa Sabina, 1 de Março de 2006
Bênção das cinzas
Depois da homilia, o sacerdote, de pé, diz com as mãos juntas:
Irmãos caríssimos: Oremos fervorosamente a Deus nosso Pai, para que Se digne abençoar com a abundância da sua graça estas cinzas que vamos impor sobre as nossas cabeças, em sinal de penitência.
E depois de alguns momentos de oração em silêncio, diz uma das orações seguintes:
Senhor nosso Deus, que Vos compadeceis daquele que se humilha e perdoais àquele que se arrepende, ouvi misericordiosamente as nossas preces e derramai a vossa bênção sobre os vossos servos que vão receber estas cinzas, para que, fiéis à observância quaresmal, mereçam chegar, de coração purificado, à celebração do mistério pascal do vosso Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
ou
Deus de infinita bondade, que não desejais a morte do pecador mas a sua conversão, ouvi misericordiosamente as nossas súplicas e dignai-Vos abençoar estas cinzas que vamos impor sobre as nossas cabeças, para que, reconhecendo que somos pó da terra e à terra havemos de voltar, alcancemos, pelo fervor da observância quaresmal, o perdão dos pecados e uma vida nova à imagem do vosso Filho ressuscitado, Nosso Senhor Jesus Cristo, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
O sacerdote asperge as cinzas com água benta, sem dizer nada.
Imposição das cinzas
Em seguida, o sacerdote impõe as cinzas a todos os presentes que se aproximam dele, dizendo a cada um:
Mc 1, 15
Arrependei-vos e acreditai no Evangelho.
Ou
cf. Gen 3, 19
Lembra-te, homem, que és pó da terra e à terra hás-de voltar.
Entretanto, canta-se um cântico apropriado, por exemplo:
cf. Joel 2, 13
ANTÍFONA: Mudemos as nossas vestes pela cinza e o cilício. Jejuemos e choremos diante do Senhor, porque Deus é infinitamente misericordioso e perdoa os nossos pecados.
ou
cf. Joel 2, 17; Est 13, 17
Entre o vestíbulo e o altar, chorem os sacerdotes, ministros do Senhor, dizendo: Perdoai, Senhor, perdoai ao vosso povo, para que possa cantar sempre os vossos louvores.
ou
Salmo 50, 3
Lavai-me de toda a iniquidade, Senhor.
Pode repetir-se esta antífona depois de cada versículo ou estrofe do salmo 50. COMPADECEI-VOS DE MIM, Ó DEUS.
Responsório
cf. Bar 3, 2; Salmo 78, 9
V. Renovemos a nossa vida,
reparemos o mal que fizemos,
para que não nos surpreenda o dia da morte
e nos falte o tempo para nos convertermos.
R. Ouvi-nos, Senhor, e tende compaixão de nós,
porque somos pecadores.
V. Ajudai-nos, Senhor, para glória do vosso nome;
perdoai as nossas culpas e salvai-nos.
R. Ouvi-nos, Senhor, e tende compaixão de nós,
porque somos pecadores.
Terminada a imposição das cinzas, o sacerdote lava as mãos. O rito conclui-se com a oração universal ou oração dos fiéis. Não se diz o Credo.
Oração Universal
Irmãs e Irmãos:
Ao longo desta Quaresma, peçamos ao Senhor sobretudo a graça de fazer uma Confissão bem feita
e de levar muitas pessoas a receber o Sacramento da Reconciliação, dizendo:
Senhor, ajudai-nos a preparar bem a Confissão Pascal.
1. Para que nesta Quaresma ninguém fique sem fazer uma Confissão bem preparada, oremos.
2. Pelos que já não se confessam há vários anos, para que percam o medo de se confessarem e encontrem alguém que os ajude a dar este passo, oremos.
3. Para que todos os membros da Igreja se unam ao longo desta Quaresma
e dêem testemunho de uma vida com mais oração e jejum, e mais partilha de bens com os pobres, oremos.
4. Para que as Autoridades de todas as Nações enfrentem a crise mundial que estamos a viver, com todos os meios possíveis, e ajudem sobretudo os mais pobres, os desempregados e os doentes, oremos.
5. Para que a Santíssima Virgem, como nossa Mãe, nos mostre o amor que Jesus nos tem e nos ajude a trazer à Missa Dominical todos os faltosos, que se dizem cristãos não praticantes, oremos.
6. Pelos nossos irmãos que já partiram para a eternidade, para que gozem da visão de Deus e nos ajudem a viver, o melhor possível, esta Quaresma, oremos.
Concedei, Deus de bondade, que o Vosso povo tome consciência da maneira ingrata como Vos trata, mude de rumo e obtenha o perdão de seus pecados.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, que Convosco Vive e Reina na Unidade do Espírito Santo.
LITURGIA EUCARÍSTICA
ORAÇÃO SOBRE AS OBLATAS: Recebei, Senhor, este sacrifício, com o qual iniciamos solenemente a Quaresma, e fazei que, pela penitência e pela caridade, nos afastemos do caminho do mal, a fim de que, livres de todo o pecado, nos preparemos para celebrar fervorosamente a paixão de Cristo, Vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
Prefácio da Quaresma III p. 463 ou IV p. 464 [598-710]
SANTO
Monição da Comunhão
Sem Comunhão não há verdadeira Páscoa.
Salmo 1, 2-3
ANTÍFONA DA COMUNHÃO: Aquele que medita dia e noite na lei do Senhor dará fruto a seu tempo.
ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO: Senhor, fazei que este sacramento nos leve a praticar o verdadeiro jejum que seja agradável a vossos olhos e sirva de remédio aos nossos males. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
RITOS FINAIS
Monição final
Se nesta Quaresma não fazes tudo para levar muitas pessoas à Confissão, não celebrarás com alegria a Páscoa de Ressurreição.
A bênção e imposição das cinzas pode fazer-se também fora da Missa. Nesse caso, convém que preceda uma liturgia da palavra, utilizando a antífona de entrada, a oração colecta, as leituras e seus cânticos, como na Missa. Depois da homilia, procede-se à bênção e imposição das cinzas. O rito conclui com a oração universal.
HOMILIAS FERIAIS
TEMPO DA QUARESMA
5ª Feira de Cinzas, 23-II: Os caminhos da vida.
Deut 30, 15-20 / Lc 9, 22-25
Pois quem quiser salvar a própria vida há-de perdê-la, mas quem perder a vida por minha causa há-de salvá-la.
Diante de nós temos dois caminhos: um que conduz à vida e outro que leva à perdição (cf Leit e Ev). A Quaresma é uma boa oportunidade para a nossa conversão, que fará com que os nossos corações se voltem para os caminhos do Senhor.
Quem quiser salvar a vida, há-de perdê-la: é «uma rotura com o pecado, uma aversão ao mal, com repugnância pelas más acções que cometemos» (CIC, 1431). Quem perder a vida há-de salvá-la: «implica o desejo e o propósito de mudar de vida, com a esperança da misericórdia divina e a confiança na ajuda da sua graça» (Idem).
6ª Feira de Cinzas, 24-II: O jejum que agrada ao Senhor.
Is 58, 1-9 / Mt 9, 14-15
Será então jejum que me agrada mortificar-se um homem durante um dia?…O jejum que me interessa não será antes este…
Que jejum agradará ao Senhor? O jejum é uma forma particular de oração dos sentidos. Tudo o que fizermos nesse campo será agradável a Deus: guarda dos sentidos, sobriedade nas comidas, bebidas e no uso da TV e Internet, vencimento das nossas manifestações de comodismo e preguiça…
Para que o jejum seja autêntico deve ser sempre acompanhado pela caridade: «As obras de misericórdia são as acções caridosas pelas quais vamos em ajuda do nosso próximo, das suas necessidades corporais e espirituais (cf Leit)» (CIC, 2447).
Sábado de Cinzas, 25-II: O arrependimento dos pecadores.
Is 58, 9-14 / Lc 5, 27-32
Hão-de chamar-te ‘reparador de brechas’, ‘restaurador dos caminhos para as áreas habitadas’.
«Jesus afirmou: ‘Eu não vim chamar os justos, vim chamar os pecadores, para que se arrependam’ (Ev). E foi mais longe, afirmando diante dos fariseus que, sendo o pecado universal, se cegam a si próprios aqueles que pretendem não precisar de salvação» (CIC, 588).
Todos precisamos de salvação. Para isso, somos convidados a reparar as brechas que há na nossa vida: as do egoísmo, da sensualidade, da preguiça, etc. Contamos com o sacramento do perdão, que Jesus nos oferece no início do ministério da misericórdia.
Celebração e Homilia: ADRIANO TEIXEIRA
Nota Exegética: GERALDO MORUJÃO
Homilias Feriais: NUNO ROMÃO
Sugestão Musical: DUARTE NUNO ROCHA
[1] Constituição sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, nnº 109 e 110.
[2] Desde há mais de trinta anos, Celebração Litúrgica tem publicado uma meditação sobre as estações da Via Sacra, em cada um dos números referentes à Quaresma. Há muitos outros esquemas à venda nas livarias e na internet (paróquias.org).
[3] Floresceu até à Idade Média. Com o gosto da especulação teo¬lógica resfriou nos conventos a sua prática e, por altura da Contra-Reforma, quase desapareceu, pelos temores, na Igreja, do livre exame da Bíblia, praticado pelos protestantes. Reacendeu-se o interesse por ela em meados do séc. XX, sobretudo com o Conc. Vat. II, que, na Const. dogm. Dei Verbum (n. 25), recomenda a leitura assídua da Escritura em clima de oração. Durante o Sínodo dos Bispos de Outubro de 2008, sobre a Palavra de Deus na vida e missão da Igreja, foi pedido que se ilustrasse a assemblia com um dos diferentes métodos actuais de «Lectio divina», a leitura orante da Sagrada Escritura. Logo na terça feira seguinte, na congregação geral, o bispo auxiliar de Valparaíso (Chile), fez uma apresentação muito concreta que durou cerca de 20 minutos.
[4] JOSÉ ANTONIO ABAD, em Comentário Exegético al Código de Derecho Canónico, vol. III, pgs. 1894-1906.
[5] Ver texto integral em apêndice do Direito Sacramental, I, de FERNANDO SILVA, Universidade Católica Editora, n.º 36. Este trabalho teve-o diante dos olhos.