O desgaste na vida sacerdotal

  1. Burnout: ameaça para os sacerdotes diocesanos

            De acordo com várias investigações importantes realizadas no âmbito presbiteral, a síndrome de burnout é uma ameaça mais para os sacerdotes diocesanos do que para os sacerdotes religiosos ou monásticos. Isso é devido à forma como os presbíteros diocesanos com frequência desempenham seu ministério sacerdotal, incluindo fatores como as múltiplas exigências do povo, as condições peculiares do seu estilo de vida, a experiência da solidão em suas paróquias e, em muitos casos, a falta de apoio social por parte das autoridades eclesiásticas e comunitárias.

  1. Saúde mental:

            A saúde mental se refere ao estado de equilíbrio entre uma pessoa e seu meio ambiente, de sorte que suas vivências emocionais, sociais e de trabalho lhe permitem bem-estar e qualidade de vida. O termo “estresse” é atualmente entendido como um estado que uma pessoa sofre frente a muitas exigências às quais deve responder num período de tempo limitado. Quando uma pessoa se dá conta e não dispõe de tempo suficiente para cumprir suas tarefas, começará a experimentar sensações físicas, pensamentos e emoções desagradáveis, quadro ao qual chamamos “estar estressado”.

  1. As fontes de estresse: a pressão, a frustração e o conflito.

            As principais fontes de estresse são: a pressão, a frustração e o conflito. É o caso de um sacerdote que se encontra sob muitas exigências pastorais, experimentando pressão diante desses pedidos que não pode atender, visto que não dispõe de tempo para fazê-lo. Então, a frustração surge quando ele sente a necessidade do descanso e tampouco consegue obtê-lo, criando-se uma situação de conflito diante da autoexigência de realizar tudo sem conseguir. Finalmente, as causas de estresse são as solicitações externas junto aos pensamentos, emoções e atitudes que exigem resposta de adaptação por parte do indivíduo.

  1. O estresse do trabalho:

            O estresse do trabalho pode ser definido como uma falta de ajuste entre as capacidades do trabalhador e as exigências do ambiente no qual ele realiza sua atividade laboral. É produzido quando não se obtêm o casamento adequado entre a pessoa e o trabalho que ela realiza, quer porque as aptidões e capacidades da pessoa não correspondem àquelas exigidas por seu trabalho, quer porque o trabalho não satisfaz às necessidades ou expectativas do indivíduo, impedindo-o de utilizar seus conhecimentos ou habilidades.

  • Padrões de conduta:

            Certos padrões de conduta caracterizados por ambição desmedida, alta necessidade de sucesso, impaciência, competitividade e sensação de urgência, tudo isso classificado como padrões de conduta “tipo A”, segundo a décima edição da Classificação Internacional de Enfermidades (CIE 10). O padrão de conduta “tipo A” é característico dos que aceleram as reações próprias do estresse natural exigido por suas circunstâncias, externando sua resposta ao estresse mediante reações excessivas. Os indivíduos “tipo B”, ao contrário, são os que dominam melhor e de formas mais naturais seu estresse, reagindo com calma, prudência e boa filosofia frente às pressões da vida.

  • As consequências do estresse:

            Alguns pesquisadores descobriram uma relação entre a dificuldade de enfrentar o estresse e a ocorrência de doenças crônicas como as moléstias cardiovasculares ou o câncer. De acordo com esses autores, o acúmulo de reações negativas ao estresse ao longo do tempo imprime uma marca perniciosa no desenvolvimento do ciclo vital das pessoas, e essa marca pode ser geneticamente transmitida às gerações futuras. As manifestações mais conhecidas causadas pelo estresse patológico, tanto de tipo físico como emocional, são as seguintes:

  1. Efeitos físicos do estresse:

Ao respirar: transtornos respiratórios, entre os quais sobressaem a dispneia, hiperventilação, sensação de opressão no peito e asma bronquial;

Nos músculos: transtornos musculares, tais como alterações nos reflexos das extremidades, contraturas, dores, câimbras e rigidez muscular;

No coração:  transtornos cardiovasculares e doenças das artérias coronárias, bem como angina e infartos do miocárdio, hipertensão arterial e arritmias;

Na pele: transtornos dermatológicos como alopecia, eczemas, sudorese excessiva, tricotilomania e dermatite atípica;

Do estômago e outros órgãos: transtornos gastrointestinais como úlcera péptica, intestino irritado, colite ulcerosa, dispepsia e aerofagia.

Nos hormônios do corpo: transtornos endócrinos como hipertireoidismo e hipotiroidismo, hipoglicemia, síndrome metabólica, diabetes e síndrome de Cushing.

Na vida sexual: transtornos sexuais de vaginismo, impotência, ejaculação precoce, coito doloroso e alterações da libido.

Nas defesas contra as doenças: transtornos imunológicos do tipo das cefaleias, alterações do apetite, gripe, herpes, artrite reumatoide, insônia, dores de estômago e diversas dores crônicas.

  • Efeitos psicológicos do estresse:

O estresse afeta o cérebro em nível fisiológico e condutor, produzindo sintomas psicológicos tais como irritabilidade, fadiga intelectual, dificuldade de concentração, vazios de memória, queda do rendimento intelectual, bloqueios mentais, propensão a sofrer acidentes, confusão e tendências aditivas. A permanência desses efeitos pode levar a transtornos psíquicos ainda mais graves, como depressão, os transtornos do sono, esquizofrenia, ansiedade, angústia, fobias e transtornos de alimentação.

  • Propostas para combater o estresse:

            A) O doutor James Gill, que é também sacerdote, propõe reconsiderar essa tendência, tão característica de nossos tempos, de adotar condutas “tipo A” fundamentadas num ideal exagerado de supervalorizar o trabalho duro, a entrega ou o sacrifício a qualquer custo, ao mesmo tempo em que se descuidam da saúde e do bem-estar pessoal. Por essa razão, Gill sugere a todos aqueles que são responsáveis pela educação e a formação de outros, sejam eles crianças, jovens ou adultos em vários contextos, que ensinem valores e condutas como as seguintes:

  1. Crer firmemente que o valor pessoal não depende dos próprios esforços.
  2. Aprender a disfrutar aquilo que faz.
  3. Resistir a transformar a vida somente em trabalho, descuidando amizades, oração, eventos culturais, jogo, exercício físico e crescimento intelectual.
  4. Aprender a hierarquizar as tarefas e atividades no horário pessoal, rejeitando aquelas que não podem ser manejadas sem pressa ou hostilidade.
  5. Aprender a dizer ‘não’ aos comportamentos que contribuem ao desenvolvimento de uma personalidade apressada “tipo A”.
  6. Desenvolver um hábito de compreensão, aceitação e percepção do bom, tanto em si próprio como nos outros, em vez de viver reprovando as faltas e os fracassos.
  7. Resistir ao perfeccionismo, que é a tendência de estar insatisfeito e incomodado com qualquer coisa ou pessoa que não atinja os ideais propostos.
  8. Deixar de comparar os êxitos e talentos próprios com os dos outros.
  9. Jogar pelo prazer do deleite e não pelo prazer da competição com outros.
  10. Fazer amigos que lhe apontem e ajudem a mudar as características “tipo A”, visto que elas lhe impedem viver co maior plenitude.

            B) Do mesmo modo, o doutor Gastón de Mézerville apresenta três propostas complementares para combater o estresse negativo e modificar os hábitos de conduta “tipo A”:

  1. Autoexigência: a meta neste primeiro tipo de recomendações consiste no combate a uma atitude de excessiva severidade consigo mesmo e com os outros, associada a atitudes pouco compreensivas e até hostis em todos os âmbitos da vida. Entre as mudanças propostas está “Relaxar os músculos faciais e sorrir com frequencia; escutar melhor os outros sem interrompê-los; falar num tom mais suave; dirigir o carro sem irritar-se com os outros motoristas ou pedestres; distrair-se lendo ou conversando quando se está na fila; proporcionar a si mesmo o tempo para a recreação e não pressionar-se quando são praticados jogos individuais ou coletivos; verbalizar o afeto para com os outros; desfrutar os pequenos presentes da vida, como as crianças e as flores, um céu límpido, um panorama formoso ao entardecer etc.”
  • Pressa excessiva: o objetivo desta segunda série de recomendações é a superação da contínua tendência de urgência no tempo, caracterizada por comportamentos de pressão sobre si mesmo que levam as pessoas a fazer todas as coisas cada vez mais rapidamente em tempo menor. A esse respeito “vários autores recomendam guardar o relógio em determinados dias a fim de não depender excessivamente dele; ver as horas somente quando necessário; levantar-se 15 minutos antes e preparar-se com calma; caminhar mais lentamente e chegar a tempo às atividades programadas; desculpar-se antecipadamente quando não é possível cumprir pontualmente um compromisso assumido de tipo laboral ou social; não estabelecer para si mesmo datas ou horas-límites excessivamente exigentes para os trabalhos pendentes; hierarquizar os acontecimentos do dia ou da semana, ‘deixando para amanhã aquilo que não é necessário fazer hoje’ – nem sempre aplicar o refrão ‘não deixe para amanhã aquilo que pode fazer hoje’; tratar de dar a si mesmo certa margem adicional à hora de comprometer-se para a entrega de trabalhos etc.”
  • Perfeccionismo: com este último conjunto de recomendações, busca-se superar certos hábitos perfeccionistas quanto às tarefas assumidas, fato que produz atitudes de impaciência e intolerância diante do não cumprimento dos padrões propostos. Os especialistas sugerem nesta área mudanças tais como as que seguem: “Fixar para si mesmo metas realistas; ser excelente no importante, mas flexível nas coisas irrelevantes; enfatizar sempre todo o bem que se faz e subtrair atenção aos erros compreensíveis em toda atividade humana; aceitar as diferenças individuais na forma de fazer as coisas; prever certa margem de erro para as metas propostas e contentar-se com êxitos ‘bons’ ou ‘muito bons’ quando as circunstâncias não permitem os ‘excelentes’; compreender que as pessoas são mais importantes que as tarefas que desempenham; aprender dos erros próprios e alheios após a busca de sadia excelência etc.”
  • Conclusão:

            Aprender a adaptar-se aos estresses da vida é fundamental para o ministério sacerdotal, dado que o chamado de Cristo é em si mesmo exigente, mas também se torna caminho de vida abundante quando se assume a existência com maturidade mental, emocional e espiritual. Uma adaptação salutar ao estresse implica reconhecer que as pessoas valem por aquilo que são, não somente por aquilo que fazem, e isso implica aprender também a não viver se autopressionando com condutas excessivas de autoexigência, pressa e perfeccionismo.

  1. Bibliografia:

Estes textos são extratos do livro “O desgaste na vida sacerdotal: prevenir e supera a síndrome de burnout”, da autora Helena López de Mézerville, publicado pela Editora Paulus, em São Paulo, no ano de 2012.

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