A doutrina católica sobre a Eucaristia remonta aos primeiros tempos do cristianismo, embora tenha sido dogmaticamente perfilada ao longo dos séculos, chegando à sua máxima expressão nos textos de São Tomás de Aquino. O Catecismo da Igreja Católica e os Catecismos anteriores recolheram exatamente essas mesmas definições.
As rubricas litúrgicas, que vão desde as genuflexões até todos os gestos de cuidado para com as espécies consagradas chegam a detalhes carinhosos que não são outra coisa senão a expressão da fé da Igreja na presença real de Cristo no Santíssimo Sacramento.
Podemos dizer, portanto, que existe uma relação direta entre a fé e a piedade eucarística; e, paradoxalmente, que há também uma relação direta entre a crise de fé na Eucaristia e toda a falta de piedade que disso decorre.
Por que precisamos dizê-lo? Por duas razões principais: porque é necessário não inverter o sintoma com a causa e porque é preciso rastrear a origem da causa para suprimir a patologia que adoece a fé, ao distanciar a nossa consciência daquilo que ensina a Igreja. Ora, podemos falar de uma crise de fé na Eucaristia? Como esta começou? Quais as suas origens?
Diagnóstico de um problema
Com grande prudência e cuidado, o Papa Pio XII escrevia, na Encíclica Mediator Dei: “nem se diga que tal culto eucarístico provoca uma errônea confusão entre o Cristo histórico, como dizem, que viveu na terra, o Cristo presente no augusto sacramento do altar, e o Cristo triunfante no céu e dispensador de graças; deve-se, pelo contrário, afirmar que, desse modo, os fiéis testemunham e manifestam solenemente a fé da Igreja, com a qual se crê que um e idêntico é o Verbo de Deus e o Filho de Maria virgem, que sofreu na cruz, que está presente e oculto na Eucaristia, e que reina no céu” (n. 120).
O Papa São Paulo VI, com muita preocupação e, segundo suas próprias palavras, com “grande ansiedade”, escreveu, em sua Encíclica Mysterium fidei:
“Bem sabemos que, entre os que falam e escrevem sobre este Sacrossanto Mistério, alguns há que, a respeito das missas privadas, do dogma da transubstanciação e do culto eucarístico, divulgam opiniões que perturbam o espírito dos fiéis, provocando notável confusão quanto às verdades da fé, como se fosse lícito, a quem quer que seja, passar em silêncio a doutrina já definida da Igreja ou interpretá-la de tal maneira, que percam o seu valor o significado genuíno das palavras ou o alcance dos conceitos.
Não é lícito, só para aduzirmos um exemplo, exaltar a Missa chamada ‘comunitária’, a ponto de se tirar a sua importância à Missa privada; nem insistir tanto sobre o conceito de sinal sacramental, como se o simbolismo que todos, é claro, admitimos na Sagrada Eucaristia, exprimisse, única e simplesmente, o modo da presença de Cristo neste sacramento; ou ainda discutir sobre o mistério da Transubstanciação sem mencionar a admirável conversão de toda a substância do pão no corpo e de toda a substância do vinho no sangue de Cristo, conversão de que fala o Concílio Tridentino; limitam-se apenas à transignificação e transfinalização, conforme se exprimem.
Nem é lícito, por fim, propor e generalizar a opinião que afirma não estar presente Nosso Senhor Jesus Cristo nas hóstias consagradas que sobram, depois da celebração do Sacrifício da Missa” (nn. 10-11).
O mesmo Papa refere um testemunho importante, do século II: “os fiéis julgavam-se culpados, e com razão, conforme lembra Orígenes, se, recebendo o Corpo do Senhor e conservando-o com a maior cautela e veneração, apesar disso deixavam cair algum fragmento” (n. 60). São João Paulo II, na Encíclica Ecclesia de Eucharistia também indica os mesmos problemas:
“A par destas luzes, não faltam sombras, infelizmente. De fato, há lugares onde se verifica um abandono quase completo do culto de adoração eucarística. Num contexto eclesial ou outro, existem abusos que contribuem para obscurecer a reta fé e a doutrina católica acerca deste admirável sacramento. Às vezes transparece uma compreensão muito redutiva do mistério eucarístico. Despojado do seu valor sacrificial, é vivido como se em nada ultrapassasse o sentido e o valor de um encontro fraterno ao redor da mesa.
Além disso, a necessidade do sacerdócio ministerial, que assenta na sucessão apostólica, fica às vezes obscurecida, e a sacramentalidade da Eucaristia é reduzida à
simples eficácia do anúncio. Aparecem depois, aqui e além, iniciativas ecumênicas que, embora bem-intencionadas, levam a práticas na Eucaristia contrárias à disciplina que serve à Igreja para exprimir a sua fé. Como não manifestar profunda mágoa por tudo isto? A Eucaristia é um dom demasiado grande para suportar ambiguidades e reduções” (n. 10).
E a fé se manifesta no cuidado até os mínimos detalhes: “Dando à Eucaristia todo o realce que merece e procurando com todo o cuidado não atenuar nenhuma das suas dimensões ou exigências, damos provas de estar verdadeiramente conscientes da grandeza deste dom. A isto nos convida uma tradição ininterrupta desde os primeiros séculos, que mostra a comunidade cristã vigilante na defesa deste ‘tesouro’.
Movida pelo amor, a Igreja preocupa-se em transmitir às sucessivas gerações cristãs a fé e a doutrina sobre o mistério eucarístico, sem perder qualquer fragmento. E não há perigo de exagerar no cuidado que lhe dedicamos, porque, ‘neste sacramento, se condensa todo o mistério da nossa salvação” (n. 61).
Ora, os Papas diagnosticaram uma espécie de “crise eucarística” e procuraram dar o remédio para ela. Mas qual a raiz deste problema?
Origens teológicas da “crise eucarística”
As heresias dos reformadores acerca deste Sacramento produziram a defesa dogmática que, depois do Concílio de Trento, se tornou ainda mais firme. Foram nos últimos séculos que, graças à influência do protestantismo liberal, novas ameaças começaram a pairar sobre este sacramento. Precisamos proceder por partes.
O abuso do método histórico-crítico na leitura da Sagrada Escritura Gerhard Hasel, em seu livro Teologia do Antigo Testamento, explica as fases que os estudos bíblicos tiveram no protestantismo. Segundo ele, “o princípio protestante Sola Scriptura, que se transformou no grito de guerra da Reforma contra a teologia escolástica e a tradição eclesiástica, preparou o terreno para o desenvolvimento subsequente da teologia bíblica através de sua conclamação à ‘livre interpretação’ das Escrituras” (p. 13).
Um segundo momento seria o originado pelo pietismo. “O retorno ao domínio da Bíblia, característica do pietismo alemão, deu novo curso à teologia bíblica. Nesse movimento, esta tornou-se um instrumento de reação à árida ortodoxia protestante’. Philipp Jacob Spener (1635-1705), um dos pais do pietismo, combateu o escolasticismo protestante munido da ‘teologia bíblica’” (p. 14).
A partir daí, ele narra com grandeza de detalhes como a teologia bíblica se foi independentizando da dogmática até que chega um momento decisivo, no final do século XVIII:
“O neólogo e racionalista Johann Philipp Gabler (1753-1826), que nunca escreveu ou mesmo pretendeu escrever uma teologia bíblica, contribuiu de forma decisiva e marcante para o desenvolvimento da nova disciplina, com sua palestra de abertura na Universidade de Altdorf, em 30 de março de 1787. Esse ano marcou para a teologia bíblica o início de seu papel de disciplina exclusivamente histórica, totalmente independente da dogmática. Gabler dá sua famosa definição: ‘A teologia bíblica possui um caráter histórico: ela transmite o que os escritores sacros pensavam de temas divinos; já a teologia dogmática possui um caráter didático: e transmite as ponderações filosóficas de determinado teólogo acerca de temas divinos, levando em conta sua capacidade, época e região em que viveu, e orientação ou escola, entre outras coisas’” (pp. 17-18).
A partir daí, Hasel traça todo o caminho pelo qual a crítica histórica se tornará cada vez mais hegemônica até que aconteça o processo inverso: uma vez tendo se independentizado da dogmática, as ciências bíblicas quererão construir uma própria teologia a partir de suas novas suposições. O método histórico-crítico, portanto, não é o problema em si, mas o abuso no seu uso passou a ser um problema na medida em que se pretendeu criar uma nova teologia.
Novas teologias
A tentação de se reconstruir a teologia depois do desmonte da Escritura é muito forte. Se Lutero havia semeado o veneno do Sola Scriptura, o processo subsequente fará com que a Escritura seja desmontada. Consequentemente, os teólogos não conseguirão resistir à tentação de refundar a teologia sobre as novas especulações bíblicas e até arqueológicas.
O cristianismo, obviamente, é muito maior do que tudo isso. Como de algum modo reconhece Gabler, o cristianismo consiste na fusão entre a tradição Escriturística e a elaboração da Sagrada Tradição, recepcionante da síntese filosófica que aglutinou os maiores pensadores de todo o tempos, desde a filosofia até o direito. Nesse sentido, o cristianismo é a síntese mais elevada da história; e o marco epistemológico no qual se situa está muito além da pura e simples textualidade bíblica, pois, sem negá-la ou suprimi-la, assimila-a numa percepção concreta da realidade, em todos os seus níveis, físicos e metafísicos, naturais e sobrenaturais.
Assim como a física moderna reduziu a realidade aos seus aspectos quantificáveis e a filosofia moderna, seguindo o seu encalço, reduziu a elaboração racional à percepção sensível ou às abstrações idealistas, os teólogos modernos reduziram a Teologia à crítica bíblico-histórica, ignorando todas as demais camadas da síntese teológica cristã. O resultado disso é que, desmanchada a teologia tradicional e reduzida a Escritura a um mero epifenômeno histórico, o dogma foi esvaziado num subjetivismo radical, condensado, num primeiro esforço, naquilo que o Papa São Pio X chamou de “modernismo”.
Após a repressão dos anos posteriores à Pascendi do Papa Sarto, os modernistas recobraram novo fôlego e deram um passo a mais, rendendo-se às filosofias que, então, estavam na moda, como a fenomenologia, o existencialismo e o marxismo. Surgia, então, aquela que foi depreciativamente chamada de “Nova Teologia”, que abandonava aquilo que os seus autores consideravam como discussões meramente escolásticas e começaram a engajar-se nas especulações das filosofias contemporâneas e nas demandas das ciências sociais.
Reféns da crítica histórica, esses autores deram pé àquilo que se convencionou chamar de “cristologia de baixo”, especialmente inspirada nos Evangelhos sinóticos, e que privilegiava uma abordagem humana de Jesus, a qual, sem negar explicitamente a sua divindade, tentava rastrear a práxis do “Jesus histórico”, aquém das “mitologizações” da Igreja primitiva, que, segundo eles, ornaram-no da áurea de divindade para tornar-se mais palatável aos poderes políticos da época.
A interface litúrgico-sacramental dessa teologia
O melhor de todos os teólogos que sintetizou o problema foi Rudolf Bultmann. Partindo da noção de “mito” na antiguidade, dos preconceitos racionalistas que negavam a priori a realidade do sobrenatural, da crítica histórico-textual das Escrituras e do existencialismo heideggeriano, criou uma teologia bíblica em que toda a Escritura é apresentada como construção mítica a ser desmitologizada pelo teólogo, em busca do seu núcleo fundamental.
Como, por este caminho, a consequência seria a completa implosão da Igreja, Bultmann encontrou uma solução pitoresca. Valendo-se das cerimônias das religiões pagãs, que realizavam seus cultos cosmogônicos através da encenação, pensando que tais encenações reproduziam efetivamente a realidade, ele interpreta em chave dramatológica e simbólica a ação litúrgica; em outras palavras, se tudo é mito, na liturgia, a encenação do mito o torna presente, de algum modo real.
“Assim como o batismo, também a ceia do Senhor foi derivada, segundo o modo de pensar dos mistérios, do destino do kyrios como fundamento instituinte; e especialmente da última ceia de Jesus com seus discípulos. É isso que dizem as palavras introdutórias de lCor 11,23: ‘O Senhor Jesus, na noite em que foi entregue…’ E assim Marcos transformou o relato da última ceia em relato etiológico de um culto, entrançando a liturgia eucarística num relato mais antigo da última ceia de Jesus como uma ceia pascal.
No fundo, derivando a ceia cúltica da última ceia de Jesus, ele indica como sua verdadeira fundamentação a morte do Kyrios; pois corpo e sangue de Jesus, que são distribuídos por ele nessa ceia, naturalmente são (como o confirmam justamente os elementos interpretativos secundários), em misteriosa antecipação, corpo e sangue do crucificado, do sacrificado. Paulo deixa entrever isso claramente na frase por ele acrescentada em 1Cor 11,26: ‘pois todas as vezes que comerdes este pão e beberdes do cálice, anunciais a morte do Senhor’.
Portanto, ele compreende a refeição eucarística como uma dramatização, nos moldes dos cultos de mistérios: a celebração representa a morte do Kyrios” (Bultmann, R., Teologia do Novo Testamento, Academia Cristã, Santo André: 2015, p. 201). Bultmann ilustra bem o fundamento dessa sua concepção do culto através do conceito de “espírito”, tomado desde uma perspectiva humanística:
“Para ilustrar o que acabo de dizer, podemos tomar como exemplo a noção neotestamentária de ‘espírito’. Durante o Século XIX, as filosofias de Kant e Hegel exerceram uma profunda influência sobre os teólogos que modelaram suas concepções antropológicas e éticas a partir destas filosofias. Por conseguinte, a noção neotestamentária de ‘espírito’ foi concebida num sentido idealista, segundo a tradição do pensamento humanístico cuja origem se remonta à filosofia idealista grega.
Considerava-se, pois, o ‘espírito’ como o poder da razão, no sentido amplo de um poder que atua, não só na lógica e no pensamento racional, senão também na ética, nos juízos morais e na conduta, como também no campo da arte e da poesia. (…) Graças a seus conhecimentos dos fenômenos psicológicos, os eruditos desta escola subtraíram algumas importantes ideias do Novo Testamento que até então haviam sido subestimadas ou passadas por alto. Reconheceram, por exemplo, a importância da piedade’ cultual e entusiástica, e das assembleias do culto; entenderam de um modo novo a noção de conhecimento que em geral não significa um conhecimento racional e teórico, senão uma intuição ou visão mística, uma união mística com Cristo” (Idem, Jesus Cristo e Mitologia, Novo Século, São Paulo: 203, pp. 38-39).
Quando essa concepção do culto a partir da performance e da dramatização se encontraram com a mistagogia de Jean Danielou, a alquimia estava feita. Em sua obra, Bíblia e liturgia: a teologia bíblica dos sacramentos e das festas segundo os Padres da Igreja (Bibbia e liturgia: la teologia biblica dei sacramenti e delle feste secondo i Padri della Chiesa, Società Editrice Vita e Pensiero, Milano 1958), Danielou introduz uma nova perspectiva na teologia sacramentária: se antes esta se preocupava sobretudo com a forma sacramental incutida na matéria, agora ele deslocava essa preocupação para o significado da própria matéria sacramental, para, a partir deste, compor a sua análise dos sacramentos (aqui fundava-se a nova mistagogia que fez com que os ritos litúrgicos fossem muito mais abordados a partir da valorização dos símbolos para uma espécie de catequese de proveito subjetivo que propriamente da eficácia sacramental, como a Igreja fizera tradicionalmente).
Consequências dessa abordagem
Os novos mistagogos, encantados com os gestos celebrativos, com as novas possibilidades de criatividade simbólica em que abusaram da discreta abertura promovida pela reforma litúrgica, imbuídos de muita “cristologia de baixo” impostada na perspectiva do “Cristo libertador”, desmitologizado segundo os critérios bultmanianos e romantizado segundo os critérios revolucionários, hostilizaram radicalmente os gestos de adoração e piedade, segundo eles, ligados mais à liturgia tridentina. Genuflexões, decoro cultual, solenidade, delicadeza com as espécies eucarísticas, nobreza e simplicidade, dignidade hierática e esplendor foram violentamente substituídos por barbarismos grotescos: o discreto lavabo foi substituído por bacias de escalda-pés; os cálices dourados, por artefatos de barro, de madeira grosseira, quando não de vidro ou até plástico; os paramentos bem cortados, por andrajos imensos e desajeitados; o silêncio, por palmas e alaridos; a genuflexão, por movimentação burlesca e desabrida; a sacralidade, pela invasão do profano, desde as músicas até o linguajar etc.
Os novos mistagogos diziam que os gestos têm que comunicar: lavar as mãos se faz com esfregões e toalhões; comungar é comer e beber, mastigar, rasgar o pão, partilhar; ungir é besuntar a pessoa inteirinha de óleo; batizar é mergulhar até submergir por completo, lavar, molhar a pessoa todinha… Mais do que a eficácia objetiva do sacramento, a qual, inclusive, é questionada, olha-se para a eficácia subjetiva, aquela que é condicionada pela compreensão do “símbolo”, pois essa é a única maneira de presentificar o mito, dentro de toda a lógica precedente.
O quanto tudo isso seja suscetível à manipulação política da teologia da libertação, nem é necessário dizer. A coisa é autoexplicativa! Apenas é útil entendermos o background teológico por trás da intolerância para com práticas tradicionais. Com clareza meridiana, São Pio X já tinha dado o antídoto contra essas heresias:
“Do culto não haveria muito que dizer, se debaixo deste nome não se achassem também os Sacramentos, a respeito dos quais muito erram os modernistas. Pretendem que o culto resulta de um duplo impulso; pois que, como vimos, pelo seu sistema, tudo se deve atribuir a íntimos impulsos. O primeiro é dar à religião, alguma coisa de sensível; o segundo é a necessidade de propagá-la, coisa esta que se não poderia realizar sem uma certa forma sensível e sem atos santificantes, que se chamam Sacramentos.
Os modernistas, porém, consideram os Sacramentos como meros símbolos ou sinais, bem que não destituídos de eficácia. E para indicar essa eficácia, servem-lhes de exemplo certas palavras que facilmente vingam, por terem conseguido a força de divulgar certas ideias de grande eficácia, que muito impressionam os ânimos. E assim como aquelas palavras são destinadas a despertar as referidas ideias, assim também o são os Sacramentos com relação ao sentimento religioso; nada mais do que isto. Falariam mais claro afirmando logo que os Sacramentos foram só instituídos para nutrirem a fé. Mas esta proposição é condenada pelo Concílio de Trento” (Pascendi Dominici Gregis, n. 20).
Restabelecendo a verdade católica
No que diz respeito à Santíssima Eucaristia, mais do que o fato de que a matéria do sacramento faz com que ele seja repartível e comestível (palavra desagradável, mas que aqui eu uso apenas para descrever o significado imediato da manducação), a realidade do Sacramento é a Presença Real de Nosso Senhor Jesus Cristo, objetiva e independentemente da fé subjetiva de cada um. É a Ele, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o Verbo Encarnado, que tributamos o culto de latria, de adoração. Por isso nos ajoelhamos, genufletimos, reverenciamos com toda a dignidade e com todo preito.
O conceito tomista de “transubstanciação” – que aos modernos cheira a aristotelismo ultrapassado, já que eles estão infectados do imanentismo kantiano – é apenas a terminologia técnica utilizada pela dogmática para garantir que não estamos comendo pão, mas comungando o próprio Senhor realmente, de tal modo que toda a substância do pão e do vinho se convertem na substância da Humanidade Santíssima de Cristo. É exatamente por isso que a então Congregação para Doutrina da Fé emitiu uma Declaração em 5 de fevereiro de 1972 esclarecendo que os fragmentos da Eucaristia devem ser devidamente respeitados e as normas para a purificação da patena e do cálice devem ser cuidadosamente seguidas (cf. De fragmentis Eucharisticis).
Pelo mesmo motivo, a Santa Sé advertiu: “ponha-se especial cuidado em que o comungante consuma imediatamente a hóstia, na frente do ministro, e ninguém se desloque (retorne) tendo na mão as espécies eucarísticas. Se existe perigo de profanação, não se distribua aos fiéis a Comunhão na mão. A bandeja para a Comunhão dos fiéis se deve manter, para evitar o perigo de que caia a hóstia sagrada ou algum fragmento” (Redemptionis Sacramentum, nn. 92-93).
Quando concedeu a faculdade de dar a comunhão na mão, a Congregação para o Culto Divino esclareceu que “é mister tomar cuidado com os fragmentos, para que não se percam, e instruir o povo a seu respeito. É preciso, também, recomendar aos fiéis que tenham as mãos limpas” (Carta, 5 de março de 1975) e, no mesmo espírito, a Presidência da CNBB enviou uma nota explicativa a todos os bispos do Brasil dizendo que “cada comungante trate de verificar se não ficou na palma na mão ou entre os dedos alguma parcela de pão consagrado (em caso positivo, deve consumi-la)”.
Enfim, quando um fiel se sente incomodado de tomar a Comunhão nas mãos para que não se adira à palma dessas algum fragmento e prefere comungar na língua; ou quando se ajoelha, para manifestar a sua adoração de modo mais expressivo, a Igreja, em coerência com a sua doutrina, sempre lhe garantiu esse direito e, ademais, sempre assegurou ser esta a forma ordinária e habitual de se comungar. Contudo, quando tais princípios sacramentais são obscurecidos pelas ideologias teológicas acima mencionadas, que apregoam que a Eucaristia “não é para se adorar, mas para se comer”, chega a ser absurdo comungar de joelhos (quem é que come de joelhos?) e na boca (quem é que recebe comida na boca?). São sentimentos como estes, oriundos de uma longa história de desconstrução e reconstrução sobre outras bases, que norteiam o imaginário de muitos de nossos contemporâneos.
Pe. Dr. José Eduardo de Oliveira e Silva