Homilia do D. Anselmo Chagas de Paiva – XII Domingo do Tempo Comum – Ano B

A tempestade em alto mar

Mc 4,35-41

Caros irmãos e irmãs

Façamos uma breve reflexão sobre as leituras que a Liturgia da Palavra nos convida a ouvir neste domingo.  Inicialmente, lancemos o nosso olhar para a primeira leitura, retirada do Livro de Jó (cf. Jó 38,1.8-11), que nos faz pensar a respeito de certos temas fundamentais sobre os quais o homem sempre se interroga, como, por exemplo, a questão do sofrimento do justo inocente, a situação do homem diante de Deus e a atitude de Deus face ao homem. O livro nos apresenta o triste itinerário de um homem bom e justo chamado Jó, repentinamente atingido por uma série de tormentos que lhe roubam a riqueza, a família e a própria saúde.

Diante desse drama o próprio Jó se interroga acerca da origem do sofrimento, Deus se dirige a Jó e lhe recorda a sua condição de criatura, limitada e finita e mostra como só Ele conhece as leis que regem o universo e a vida; e frisa a sua preocupação e o seu amor para com cada ser criado. Deus tem uma lógica, um plano, um projeto que ultrapassa infinitamente aquilo que cada homem pode entender. A história termina com Jó a reconhecer a transcendência de Deus e a incompreensibilidade dos seus projetos, a entregar-se nas mãos do Criador com humildade e confiança.

No texto evangélico temos o episódio narrado pelo evangelista São Marcos durante a travessia no Lago de Tiberíades, designado frequentemente por Mar da Galileia, um lago de água doce, alimentado, sobretudo, pelas águas do rio Jordão. As tempestades que se levantavam neste mar podiam aparecer subitamente. Para a teologia judaica, o mar era uma realidade assustadora, indomável e desordenada, onde residiam os poderes do mal que o homem não conseguia controlar. Só Deus era capaz de dominar o mar e as forças hostis que nele se alojavam, como é possível constatar pela primeira leitura (cf. Jó 38,1.8-1) e também pelo salmo responsorial (cf. Sl 106).

Unido a este ambiente onde estão os discípulos de Jesus, temos ainda um outro aspecto, o “anoitecer”. Os discípulos estão no barco com Jesus em alto mar, em um ambiente difícil e perigoso, rodeados pelas forças do mal.  O fato ocorre no anoitecer, o que nos faz lembrar das trevas, da falta de luz.  E neste cenário surge também o medo e a falta de solução e de perspectivas: “Estamos perecendo” (v. 38).

Um detalhe que chama a nossa atenção é que Jesus está no barco, mas são os seus discípulos os encarregados da navegação, pois cabe a eles a tarefa de conduzir a comunidade pelo mar da vida. Isto mostra também a nossa missão: Ir ao encontro do homem, mesmo em um ambiente de provações e de dificuldades. Mas também os discípulos não podem esquecer que o Cristo caminha com eles, como ele mesmo disse: “Eu estou convosco todos os dias, até o final dos tempos” (Mt 28,20).

Diante das provações da vida somos levados a questionar a presença de Deus e somos tentados a perguntar: “Onde está Deus?” No entanto, as palavras de Jesus ao final do Evangelho de São Mateus nos garantem a sua presença em uma união contínua: “Todos os dias”. Por isso, no abismo mais profundo de nossa crise e sofrimento, tenhamos esta certeza: não estamos sozinhos, Jesus está conosco. Ainda que passemos por crises e sofrimentos, Cristo está conosco “com o seu bastão e com o seu cajado” (Sl 22,4), isto é, com toda a sua autoridade.

Assim como no evangelho, muitas vezes, ao nos depararmos com a perplexidade da dor e sofrimento, também somos levados a dizer: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?” (Sl 21). Neste contexto de abandono e de dor, o homem eleva um lamento doloroso a Deus, que parece estar distante e em silêncio.  Mas Deus parece silenciar porque está junto daquele que sofre. Um silêncio de amor compadecido e solidário. Um amor paciente que tudo pode, mas não pode reagir a violência com violência. 

Na mentalidade do homem, tanto do passado como do presente, Deus parece dormir diante da injustiça e da violência. Mas a tempestade que também hoje deixa desorientados os próprios navegantes, é o esmorecimento da fé e a pouca força de nossa esperança. Os discípulos, assustados pela forte tempestade, acordam o Cristo que dorme: “Senhor, salva-nos, pois estamos perecendo!” (v. 38) Mas Jesus, logo depois de acalmar a tempestade, repreende os seus discípulos pela falta de fé e confiança: “Como sois medrosos! Ainda não tendes fé?” (v. 40).

Este gesto solene de acalmar o mar tempestuoso é claramente um sinal do senhorio de Cristo sobre os poderes negativos e leva a pensar na sua divindade: “Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?” (v. 41).  Com isto Jesus mostra uma vez mais a sua divindade e, como Deus, coloca limites ao mar e liberta os homens dos poderes malignos.  Por isto, mesmo diante dos sofrimentos pelos quais passamos, sempre devemos estar, sobretudo nestes momentos, fortalecidos pela fé naquele que nunca nos abandona.  São Paulo nos conforta dizendo: “Todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus ” (Rm 8, 28). As dores e dificuldades que atingem os homens devem ser vistas como um sinal de que é em tais circunstâncias, por piores que pareçam, que ele nos dá a conhecer o seu amor, provando-nos a fidelidade, pedindo-nos uma fé mais firme.

Uma conhecida história nos fala que certa vez um homem teve um sonho, e neste sonho via dois pares de pegadas que haviam ficado gravadas na areia do deserto. Compreendia que um par de pegadas eram as suas e o outro par de pegadas eram as de Jesus, que caminhava a seu lado. Em um certo momento, um par de pegadas desaparece, e compreende que isso sucedeu precisamente em um momento difícil de sua vida. Então se lamenta com Cristo, que o deixou sozinho, em um momento da provação. “Mas, eu estava contigo!”, respondeu Jesus. “Como é possível que estivesse comigo, se na areia só se vê um par de pegadas?”. “Eram as minhas, respondeu Jesus. Nesses momentos, eu havia te carregado”. Lembremos disso, quando também nós sentimos a tentação de nos queixar com o Senhor por nos deixar sozinhos nos momentos de dificuldades.

Peçamos que o Senhor venha também ao nosso auxílio e nos ajude a estar sempre cientes da sua presença entre nós, sobretudo nos momentos de provações. E como outrora no lago da Galileia, também hoje, no mar da nossa existência, Jesus é aquele que vence as forças do mal e alivia o nosso desespero.

No seu amor infinito, Deus está sempre perto daqueles que sofrem. A enfermidade pode ser uma estrada para se descobrir outros aspectos de si mesmos e novas formas de encontro com Deus. Cristo escuta o clamor daqueles cuja barca é ameaçada pela tempestade (cf. Mc 4,35-41). Ele está presente junto deles para ajudá-los na travessia e guiá-los em direção ao porto da serenidade recuperada.

Lancemos uma vez mais o nosso olhar para a Virgem Maria, a quem invocamos como Consoladora dos aflitos, para que ela possa interceder sempre por nós, para sermos sempre mais fortalecidos na fé e na confiança naquele que é o Bom Pastor, capaz de nos conceder um futuro de paz e de serenidade. Assim seja. 

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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