Homilia do D. Anselmo Chagas de Paiva – IV Domingo de Páscoa – Ano B

 Eu sou o Bom Pastor

Jo 10,11-18

Caros irmãos e irmãs,

Neste quarto domingo da Páscoa a Liturgia da Palavra nos propõe um trecho do Evangelho segundo São João, no qual Jesus é apresentado como “Bom Pastor”. É este, portanto, o tema central que a Palavra de Deus põe à nossa reflexão para este domingo. Cristo é apresentado como o modelo do Bom Pastor, que ama de forma gratuita e desinteressada as suas ovelhas, até ser capaz de dar a vida por elas. 

Lançando um olhar para a história podemos constatar que no Antigo Oriente, os reis costumavam designar a si mesmos como pastores dos seus povos. No Antigo Testamento, Moisés e Davi, antes de serem chefes e pastores do Povo de Deus, foram efetivamente pastores de rebanhos.  Uma das imagens mais usadas no Antigo Testamento para expressar o cuidado de Deus para com o seu povo, sobretudo o carinho com que o conduziu da escravidão do Egito para a Terra Prometida, é a imagem do pastor.  Encontramos essas imagens nos livros dos profetas Isaías e Ezequiel (cf. Ez 34,12ss) e, de uma maneira muito viva, no salmo 22, onde lemos: “O Senhor é meu pastor, nada me falta”. O Salmo vai descrevendo como o pastor guia seu rebanho para verdes pastagens e para águas tranquilas; leva-o por caminhos seguros; infunde-lhe confiança pelo cajado que empunha em sua mão; e, mesmo que seja preciso atravessar um vale escuro, o rebanho não tem medo, porque sabe que está sendo bem guiado.  De um lado está a dedicação total do pastor, e do outro, a confiança do rebanho.

Essas considerações que o Antigo Testamento nos revela a respeito de Deus concretizam-se plenamente em Jesus Cristo, o Deus conosco.  E na liturgia deste Domingo pascal ouvimos uma vez mais proclamar que Jesus Cristo é o Bom Pastor (cf. Jo 10,11-15). O Pastor único de um só rebanho (v. 16). E o Pastor que dá a vida pelas ovelhas (vv. 15-18). O evangelho nos apresenta o retrato do Bom Pastor, tal como o próprio Cristo o delineou. Jesus faz um paralelo entre o pastor e o mercenário (v. 11-13). Existe uma grande diferença entre o comportamento de um e de outro. O mercenário é uma pessoa contratada para cuidar do rebanho de outra pessoa, e faz isto visando o seu salário; não faz por amor, como quem cuida daquilo que lhe é próprio. Limita-se a cumprir o seu contrato e determinadas obrigações, sem que o seu coração esteja com o rebanho. Ele tem uma função de enquadrar o rebanho e de o dirigir, mas a sua ação é sempre ditada por uma lógica de interesse. Por isso, quando sente que há perigo, abandona o rebanho à sua sorte, a fim de salvaguardar os seus objetivos pessoais e a sua posição. Esta comparação com o mercenário, “que não é pastor e não é dono das ovelhas” (v.12), faz ressaltar as qualidades do verdadeiro pastor, aquele que presta o seu serviço por amor e não por dinheiro. Está interessado em fazer com que as ovelhas tenham vida e se sintam felizes. A sua prioridade é o bem das ovelhas que lhe foram confiadas. Por isso, arrisca tudo em benefício do rebanho e está até disposto a dar a própria vida por essas ovelhas que ama. 

O texto evangélico nos diz que Jesus é o modelo do verdadeiro pastor (v. 14-15). Ele conhece cada uma das suas ovelhas, tem com elas uma relação pessoal e única, conhece os seus sofrimentos, dramas, sonhos e esperanças. Esta relação que Jesus tem com as suas ovelhas é tão especial, que Ele até as compara à relação de amor e de intimidade que tem com o próprio Deus.  Jesus também fala do conhecimento mútuo entre o pastor e o rebanho. O Verbo “conhecer”, no Evangelho de São João, como nas demais partes da Sagrada Escritura, não fica no plano intelectivo ou conceitual. É um conhecimento que cria comunhão de vida, relação pessoal, ativa, amorosa e recíproca. No caso de Jesus com os seus discípulos é tão profunda que é comparada por Ele ao mútuo conhecimento que há entre o Pai e o Filho: “Assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai, Eu dou minha vida pelas ovelhas” (v.15).

É este amor, pessoal e íntimo, que leva Jesus a pôr a própria vida ao serviço das suas ovelhas, e até a oferecer a própria vida para que todas elas tenham vida e tenham em abundância. Quando as ovelhas estão em perigo, Ele não as abandona, mas é capaz de dar a vida por elas. Nenhum risco, dificuldade ou sofrimento O faz desanimar. A sua atitude de defesa intransigente do rebanho é ditada por um amor sem limites, que vai até ao dom da vida.

Jesus insiste sobre esta característica essencial do verdadeiro pastor: “O bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas” (Jo 10,11), o que é repetido várias vezes no texto. No final, conclui, dizendo: “É por isso que o Pai me ama, porque dou a minha vida, para depois recebê-la novamente. Ninguém tira a minha vida, eu a dou por mim mesmo; tenho poder de entregá-la e tenho poder de recebê-la novamente; essa é a ordem que recebi do meu Pai” (Jo 10,17-18). Esta é a característica qualificadora do pastor, como Jesus o interpreta pessoalmente, segundo a vontade do Pai que O enviou. A figura bíblica do pastor, que compreende principalmente a tarefa de reger o povo de Deus, de o manter unido e de o orientar, é uma função régia que se realiza plenamente em Jesus Cristo, na dimensão sacrifical, no ofertório da vida. Numa palavra, realiza-se no mistério da Cruz, ou seja, no gesto supremo de humildade e de amor oblativo.  

Todos os anos a Igreja nos faz recordar esta definição que Jesus deu de si mesmo, sendo vista à luz da sua paixão, morte e ressurreição: “O bom pastor oferece a sua vida pelas ovelhas” (Jo 10, 11): estas palavras realizaram-se plenamente quando Cristo, obedecendo de maneira livre à vontade do Pai, se imolou na Cruz por cada uma das suas ovelhas.

No relato evangélico, Jesus explica ainda quem são as suas ovelhas e quem pode fazer parte do seu rebanho. Ao dizer: “Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil: também a elas devo conduzir; elas escutarão a minha voz” (v. 16), Jesus deixa claro que a sua missão não se encerra nas fronteiras limitadas do Povo judeu, mas é uma missão universal, que se destina a dar vida a todos os povos da terra.  Trata-se agora não só da unificação do Israel disperso, mas da unificação de todos os filhos de Deus, da humanidade da Igreja, dos judeus e dos pagãos. A missão de Jesus diz respeito à humanidade inteira e, por isso, à Igreja é confiada uma responsabilidade por toda a humanidade, a fim de que ela reconheça Deus, aquele Deus que, por todos nós, se fez homem em Jesus Cristo, sofreu, morreu e ressuscitou. 

Na última aparição, pouco antes da Ascensão, Cristo ressuscitado constitui Pedro como pastor do seu rebanho.  Cumpre-se então a promessa que fizera pouco antes da Paixão: “Mas eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos” (Lc 22,32).  Como bom pastor, conforme diz a tradição, Pedro também morrerá pelo seu rebanho.  E às margens do lago de Tiberíades disse certa vez Jesus a Pedro: “Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21,16-17). Apascentar equivale a dirigir e governar. Pedro é constituído pastor e guia de toda a Igreja. Com isto, podemos dizer que também cada sacerdote é destinatário deste convite de Jesus no apascentar o rebanho do Senhor. 

A Igreja muito deseja ter sacerdotes dignos e zelosos para sequenciar a missão que lhe foi confiada, apascentando o rebanho do Senhor. Este domingo em que lemos o Evangelho do Bom Pastor foi estabelecido como dia de orações pelas vocações, englobando tanto as vocações sacerdotais como as vocações para a vida consagrada, na qual de muitas maneiras está presente a atividade pastoral.  Rezar pelas vocações é cumprir um pedido do Cristo, quando lamentou que fossem tão poucos os que trabalham na messe da Igreja e pediu que rezássemos ao Senhor, para que mande operários para nela trabalhar (cf. Mt 9,38). Os próprios candidatos ao ministério sacerdotal e ao estado religioso se sentir-se-ão motivados por nossas orações a cultivar com amor a vocação.

Com efeito, o presbítero é chamado a viver em si mesmo aquilo que Jesus experimentou pessoalmente, ou seja, a dedicar-se de maneira completa à pregação e à cura do homem de todos os males do corpo e do espírito, e depois, no final, a resumir tudo no gesto supremo do dar a vida pelos homens, gesto que encontra a sua expressão sacramental na Eucaristia, memorial perpétuo da Páscoa de Jesus. 

A imagem do Bom Pastor que tomou sobre os seus ombros a ovelha perdida, que é a humanidade, e a levou de volta para o redil, tornou-se a imagem do verdadeiro Pastor, Jesus Cristo.  E dentro deste contexto, contemplamos a solicitude paternal de Deus para com cada um de nós. Ele não nos deixa sozinhos! A consequência desta identificação de Jesus como verdadeiro e bom Pastor está ainda na afirmação que encontramos na segunda Leitura da liturgia da Palavra deste domingo: “Vede com que amor nos amou o Pai…” (1Jo 3,1). Peçamos a Ele que também nos conduza em seus ombros e nos carregue todos os dias; a fim de que possamos ser, por meio dele e com Ele, as melhores ovelhas do seu rebanho.  Assim seja. 

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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