Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – XVII Domingo do Tempo Comum (Ano A)

As parábolas do Reino

Mt 13,44-52

Caros irmãos e irmãs

Para este domingo a Liturgia da Palavra nos convida a refletir sobre as nossas prioridades e os valores sobre os quais fundamentamos a nossa existência. Lançando um olhar inicial para a primeira leitura (cf. 1Rs 3,5.7-12), encontramos a figura e o exemplo de Salomão, rei de Israel que sucedeu ao trono o seu pai, o rei David, falecido por volta do ano 972 a.C.

O texto da primeira leitura nos traz o relato do sonho de Salomão em Gabaon, onde temos o seu pedido, em forma de oração a Deus, para obter a sabedoria (cf. 1Rs 3,5).  Tanto no Antigo como no Novo Testamento, o sonho normalmente aparece como uma forma privilegiada de Deus comunicar com os homens e de lhes indicar os seus caminhos (cf. Gn 20,3; Nm 12,6; Mt 2,13s). Utilizando este recurso literário, o texto bíblico nos apresenta o rei Salomão como o escolhido de Deus, a quem o Senhor comunica os seus projetos e a quem confia a condução do seu Povo.

O sonho está estruturado na forma de um diálogo entre Deus e Salomão.  O jovem Salomão pede ao Senhor: “Concedei, pois, ao vosso servo um coração sábio, capaz de julgar o vosso povo e discernir entre o bem e o mal” (1Rs 3,9). Ao pedir a Deus para lhe conceder um coração sábio, indica que Salomão deseja ter uma consciência que sabe ouvir, que seja sensível à voz da verdade. Na Sagrada Escritura o coração não indica apenas uma parte do corpo, mas o âmago da pessoa, a sede das suas intenções e dos seus juízos. 

No caso de Salomão, o pedido é motivado pela responsabilidade de guiar uma nação, Israel, o povo que Deus escolheu para manifestar ao mundo o seu desígnio de salvação. Portanto, o rei de Israel, deve procurar estar sempre em sintonia com Deus e escutar sua Palavra, para orientar o povo a dirigir os seus passos pelos caminhos do Senhor, pela vereda da justiça e da paz.

No entanto, o exemplo de Salomão é válido para cada um de nós. Precisamos da sabedoria e do bom discernimento, para exercermos, com dignidade, o agir segundo a reta consciência, realizando o bem e evitando o mal. A consciência moral pressupõe a capacidade de ouvirmos a voz da verdade, de sermos pessoas dóceis às suas indicações.  O rei Salomão tinha consciência de que a autoridade é um serviço que deve ser exercido com sabedoria e que o objetivo final desse serviço é a realização do bem comum. O texto sublinha que Salomão não pede riqueza, nem glória, mas pede as aptidões necessárias e a capacidade para cumprir bem a missão que Deus lhe confiou. Salomão aparece aqui como o modelo do homem que sabe escolher e que sabe pedir.

Passando ao texto evangélico deste domingo, Jesus continua recorrendo à linguagem das parábolas para nos exortar a fazer do Reino de Deus a prioridade fundamental.  É propriamente a sabedoria que vem de Deus que nos faz compreender o verdadeiro sentido da vida, em correspondência ao projeto de salvação de Deus.

Pelo terceiro domingo consecutivo, a liturgia nos apresenta mais uma página de parábolas, breves narrações utilizadas por Jesus para facilitar a compreensão ao mistério de Deus e para anunciar os mistérios do Reino dos céus. Utilizando imagens e situações da vida quotidiana, Jesus quer nos indicar o verdadeiro fundamento de todas as coisas para podermos reconhecer a primazia de Deus.  O tema contido no Evangelho deste domingo é precisamente o Reino dos céus. O termo “céu” não deve ser entendido unicamente no sentido da altura que nos ultrapassa, porque tal espaço infinito possui também a forma da interioridade do homem.  Mas, Reino dos céus significa, precisamente, senhorio de Deus, e isto quer dizer que a sua vontade deve ser assumida como o critério e guia da nossa existência.  A linguagem das parábolas é simples e compreensiva, para melhor assimilar os profundos mistérios da nossa salvação!

Jesus começa dizendo: O Reino dos céus é como um tesouro escondido no campo. Um homem o encontra e o mantém escondido. Cheio de alegria, ele vende todos os seus bens e compra aquele campo” (Mt 13, 44). Somente quem é sábio consegue reconhecer no campo o tesouro escondido como um dom de Deus, sinal de uma proposta e de um chamado para uma vida diferente. Daí sua decisão de “vender todos os seus bens”, abandonar o que todo mundo acha importante para o sucesso da vida, para “comprar aquele campo”, seguir o chamado interior,  mesmo correndo o risco no investimento. 

É interessante ressaltar que ao “vender tudo que tem” a pessoa o faz com “alegria”. Deus nos seduz ainda porque fala a linguagem da alegria, que move, apressa, faz decidir. A alegria é um sintoma, é o sinal de que se está caminhando na estrada justa.  O homem vendeu o que tinha para comprar este campo.  O termo da comparação aqui é o valor do tesouro, comparado com o valor de todas as coisas que o homem vendeu para poder adquirir o campo.  Em tempos antigos, as pessoas tinham o costume de esconder objetos preciosos, cavando um buraco na terra, sobretudo por medo dos imprevistos da guerra.

Contudo, a questão principal abordada nesta primeira parábola é a da descoberta do valor e da importância do Reino. A lição de Jesus é clara: não há valor algum que possa superar o valor do reino do Céu, esse reino no qual Deus é o Senhor absoluto; e onde floresce a graça, a redenção, a vida eterna. Todos os bens da terra são desprezíveis diante desse reino. 

A outra parábola nos fala que o reino dos céus assemelha-se ao encontro de uma pérola de grande valor. O comprador vende todos os seus bens para adquiri-la (cf. Mt 13,45-46). A ideia básica consiste no fato de que somente Deus conhece o que pode preencher o nosso coração.

No entanto, o resultado final é o mesmo: a descoberta de algo valioso. O agricultor e o comerciante vendem tudo, mas para ganhar tudo, para ter tudo. Para um, o tesouro; para outro, a pérola de grande valor. Ambos também estão unidos por um sentimento comum: a surpresa e a alegria de terem encontrado a realização de todos os desejos. A alegria é o sentimento de quem encontrou o verdadeiro tesouro, a verdadeira pérola, o tesouro do Reino de Deus. O tesouro e a pérola devem ser o Cristo para nós, e segui-lo é o que de melhor podemos empreender na vida. 

A partir dessas reflexões pode-se perceber a analogia entre a primeira leitura e o Evangelho. O rei Salomão não pediu a Deus riqueza, e sim sabedoria, isto é, o dom de distinguir entre o bem e o mal (cf. 1Rs 3,5ss).  Neste sentido, ele prefigura o negociante da parábola da pérola, homem de bem, mas sábio e perspicaz: arrisca tudo o que tem num investimento melhor (cf. Mt 13,45ss).  A lição de todos estes textos é: investir tudo naquilo que é mais importante.  Esta é uma sabedoria humana, mas aplica-se também à realidade divina, ao Reino do Céu, que é concretamente o tesouro da parábola.  Ora, para discernir bem isto, vamos precisar da sabedoria que Salomão pediu, e que lhe propiciou pronunciar juízos sábios em favor de quem merecia (1Rs 3,16-28).  

Peçamos ao Senhor Jesus, Ele que é o mais sábio de todos os sábios, que também nos conceda este dom, o dom da sabedoria, à semelhança do pedido feito por Salomão, para que possamos fazer a escolha certa, e trilhar com o coração dilatado, pelos caminhos que nos levam ao Reino de Deus. Assim seja.

D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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