Roteiro Homilético – XXI Domingo do Tempo Comum (Ano C)

Dehonianos
(Província portuguesa dos sacerdotes do Coração de Jesus)


TEMA

A liturgia deste domingo propõe-nos o tema da “salvação”. Diz-nos que o acesso ao “Reino” – à vida plena, à felicidade total (“salvação”) – é um dom que Deus oferece a todos os homens e mulheres, sem excepção; mas, para lá chegar, é preciso renunciar a uma vida baseada nesses valores que nos tornam orgulhosos, egoístas, prepotentes, auto-suficientes, e seguir Jesus no seu caminho de amor, de entrega, de dom da vida.

Na primeira leitura, um profeta não identificado propõe-nos a visão da comunidade escatológica: será uma comunidade universal, à qual terão acesso todos os povos da terra, sem excepção. Os próprios pagãos serão chamados a testemunhar a Boa Nova de Deus e serão convidados para o serviço de Deus, sem qualquer discriminação baseada na raça, na etnia ou na origem.

No Evangelho, Jesus – confrontado com uma pergunta acerca do número dos que se salvam – sugere que o banquete do “Reino” é para todos; no entanto, não há entradas garantidas, nem bilhetes reservados: é preciso fazer uma opção pela “porta estreita” e aceitar seguir Jesus no dom da vida e no amor total aos irmãos.

A segunda leitura parece, à primeira vista, apresentar um tema um tanto deslocado e marginal, em relação ao que nos é proposto pelas outras duas leituras; no entanto, as ideias propostas são uma outra forma de abordar a questão da “porta estreita”: o verdadeiro crente enfrenta com coragem os sofrimentos e provações, vê neles sinais do amor de Deus que, dessa forma, educa, corrige, mostra o sem sentido de certas opções e nos prepara para a vida nova do “Reino”.

LEITURA I – Is 66,18-21

Eis o que diz o Senhor: «Eu virei reunir todas as nações e todas as línguas, para que venham contemplar a minha glória. Eu lhes darei um sinal e de entre eles enviarei sobreviventes às nações: a Társis, a Fut, a Luc, a Mosoc, a Rós, a Tubal e a Java, às ilhas remotas que não ouviram falar de Mim nem contemplaram ainda a minha glória, para que anunciem a minha glória entre as nações. De todas as nações, como oferenda ao Senhor, eles hão-de reconduzir todos os vossos irmãos, em cavalos, em carros, em liteiras, em mulas e em dromedários, até ao meu santo monte, em Jerusalém – diz o Senhor – como os filhos de Israel trazem a sua oblação em vaso puro ao templo do Senhor. Também escolherei alguns deles para sacerdotes e levitas».

AMBIENTE

Os capítulos 56-66 do livro de Isaías (conhecidos genericamente como “Trito-Isaías”) são atribuídos pela maior parte dos estudiosos actuais a diversos autores, vinculados espiritualmente ao Deutero-Isaías. Sobre estes autores não sabemos rigorosamente nada, a não ser que apresentaram a sua mensagem nos últimos anos do séc. VI e princípios do séc. V a.C. (as temáticas abordadas situam-nos, claramente, num contexto pós-exílico).

Dentro das fronteiras do antigo reino de Judá temos, por esta época, uma comunidade heterodoxa, que agrupa judeus regressados do Exílio, judeus que ficaram no país após a catástrofe de 586 a.C., estrangeiros que se estabeleceram em Jerusalém durante o Exílio e outros que, após o regresso dos exilados, vieram oferecer a sua mão-de-obra. Em relação aos estrangeiros, o problema põe-se da seguinte forma: em que medida esses estrangeiros, cada vez mais numerosos, podem ser integrados no Povo de Deus? A questão não é fácil, pois a comunidade regressada do Exílio, ameaçada por inimigos internos (as gentes que ficaram no país e que não entendem o zelo religioso dos retornados) e por inimigos externos (sobretudo os samaritanos), tem tendência a fechar-se. Esdras e Neemias – os grandes líderes desta fase – favoreceram, aliás, uma política xenófoba, proibindo até os casamentos mistos (cf. Esd 9-10; Ne 13,23-27).

Os textos do Trito-Isaías abordam o problema dos estrangeiros e, como colectânea de textos de autores e pregadores diversos, manifestam, a este respeito, uma vasta gama de atitudes, que vão desde o apelo ao aniquilamento das nações que se obstinam no mal (cf. Is 63,3-6; 64,1; 66,15-16), até à admissão de estrangeiros no seio do Povo de Deus. No geral, domina a perspectiva universalista… É, aliás, nessa perspectiva aberta e tolerante para com os outros povos que o nosso texto nos coloca.

MENSAGEM

O autor deste texto considera que todas as nações são chamadas a integrar o Povo de Deus. É nessa perspectiva que ele compõe a visão de carácter escatológico que o nosso texto nos apresenta: no mundo novo que vai chegar, todos são convocados por Deus para integrar o seu Povo.

O esquema apresenta várias etapas: primeiro, Deus virá para dar início ao processo de reunião das nações (vers. 18); depois, dará um sinal e enviará missionários (escolhidos de entre os povos estrangeiros), a fim de que anunciem a glória do Senhor – mesmo às nações mais distantes (vers. 19); em seguida, as nações responderão ao sinal do Senhor e dirigir-se-ão ao monte santo de Jerusalém (Jerusalém é, na teologia judaica, o “umbigo” do mundo, o lugar onde Deus reside no meio do seu Povo e onde irá irromper a salvação definitiva), trazendo como oferenda ao Senhor os israelitas dispersos no meio das nações (vers. 20); finalmente, o Senhor escolherá de entre os que chegam (dos judeus regressados da Diáspora e dos pagãos que escutaram o convite do Senhor para integrar a comunidade da salvação) sacerdotes e levitas para o servirem (vers. 21).

Estamos num contexto político em que não era fácil ter uma visão tolerante sobre as outras nações. Dizer que todos os povos são convocados por Deus e que Deus a todos oferece a salvação já é algo de escandaloso para os judeus da época; porém, é algo de inaudito dizer que Jahwéh escolherá de entre eles missionários, a fim de os enviar ao encontro das nações; e é absolutamente inconcebível dizer que Deus vai escolher, de entre os pagãos, sacerdotes e levitas que entrem no espaço sagrado e reservado do Templo (onde, recorde-se, qualquer pagão que entrasse era réu de morte) para o serviço do Senhor.

ACTUALIZAÇÃO

Considerar as seguintes linhas, para a reflexão:

  • Não é novidade nenhuma dizer que “ao novo Povo de Deus, todos os homens são chamados” (Concílio Vaticano II, Lumen Gentium 13). No Povo de Deus não é decisivo nem a raça, nem o sexo, nem a posição social, nem a preparação intelectual, mas sim a adesão a Jesus e o compromisso com o projecto de salvação que o Pai oferece, em Jesus. As nossas comunidades são, não só em teoria mas também na prática, espaços de igualdade e de fraternidade? Há algum tipo de discriminação na minha comunidade cristã, nomeadamente em relação a pessoas que se entende levarem vidas desregradas e moralmente fracassadas? Se há, que sentido é que isso faz?
  • Que sentido é que fazem, neste contexto, certas afirmações e atitudes de cristãos empenhados que reflectem, na prática, um entranhado racismo? A xenofobia é consentânea com a vida de um crente? Por exemplo, dizer que “Portugal é dos portugueses; os outros que voltem para a sua terra” é colaborar na construção dessa comunidade universal, que é o projecto de Deus?

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 116 (117)

Refrão: Ide por todo o mundo, anunciai a boa nova.

Louvai o Senhor, todas as nações,

aclamai-O, todos os povos.

É firme a sua misericórdia para connosco,

a fidelidade do Senhor permanece para sempre.

LEITURA II – Heb 12,5-7.11-13

Irmãos: Já esquecestes a exortação que vos é dirigida, como a filhos que sois: «Meu filho, não desprezes a correcção do Senhor, nem desanimes quando Ele te repreende; porque o Senhor corrige aquele que ama e castiga aquele que reconhece como filho». É para vossa correcção que sofreis. Deus trata-vos como filhos. Qual é o filho a quem o pai não corrige? Nenhuma correcção, quando se recebe, é considerada como motivo de alegria, mas de tristeza. Mais tarde, porém, dá àqueles que assim foram exercitados um fruto de paz e de justiça. Por isso, levantai as vossas mãos fatigadas e os vossos joelhos vacilantes e dirigi os vossos passos por caminhos direitos, para que o coxo não se extravie, mas antes seja curado.

AMBIENTE

Voltamos à Carta aos Hebreus. O texto que hoje nos é proposto é a continuação do que lemos no passado domingo. Estamos na segunda secção da quarta parte da carta (cf. Heb 12,1-13), onde o autor faz um veemente apelo à constância e a perseverar na fé. Recordemos que esta carta se destina a uma comunidade (ou grupo de comunidades) que já perdeu o entusiasmo inicial e que se arrasta numa fé instalada, cómoda e sem grandes exigências; recordemos também que esta comunidade começa a conhecer as tribulações e as perseguições e corre o risco da apostasia. É neste contexto que temos de situar o apelo que o texto nos apresenta.

MENSAGEM

Depois de apelar aos crentes no sentido de se esforçarem, como atletas, para chegar à vitória, a exemplo de Cristo (cf. Heb 12,1-4), o autor convida os cristãos a aceitar as correcções e repreensões de Deus, como actos pedagógicos de um Pai preocupado com a felicidade dos filhos.

A questão fundamental gira à volta do sentido do sofrimento e das provas que os crentes têm que suportar (nomeadamente, as perseguições e incompreensões que os cristãos sofrem). Uma certa mentalidade religiosa popular considerava o sofrimento como um castigo de Deus para o pecado do homem (cf. Jo 9,1-3); mas, para o autor da Carta aos Hebreus, o sofrimento não é um castigo, mas sim uma medicina, uma pedagogia, que Deus utiliza para nos amadurecer e ensinar a viver. Deus serve-Se desses meios para nos mostrar o sem sentido de certos comportamentos; dessa forma, Ele demonstra a sua solicitude paternal. Como sinais do amor que Deus nos tem, os sofrimentos são uma prova da nossa condição de “filhos de Deus”.

Além de nos mostrarem o amor de Deus, as provas aperfeiçoam-nos, transformamnos, levam-nos a mudar a nossa vida. Por essa transformação, vamo-nos fazendo interiormente capazes da santidade de Deus, aptos para recebê-la. Por isso, quando chegam, devem ser consideradas como parte do projecto salvador de Deus para nós, portadoras de paz e de salvação… E devem levar-nos ao agradecimento.

A conclusão apresenta-se em forma de exortação. Citando Is 35,3, o autor da Carta aos Hebreus convida os crentes a confiar e a vencer o temor que desalenta e paralisa.

ACTUALIZAÇÃO

Para a reflexão, ter em conta os seguintes elementos:

  • Com frequência, encontramos pessoas que põem em causa Deus, a partir da questão do sofrimento e do seu sentido: se Deus existe, porque é que deixa que o sofrimento marque a vida do homem, inclusive a vida dos justos e inocentes? Porque é que Deus prova o justo? O Povo de Deus formulou de várias formas estas questões e não encontrou respostas plenamente satisfatórias; mas uma das respostas passa pela constatação de que “Deus escreve direito por linhas tortas” e que Se serve dos acontecimentos mais dramáticos para nos ajudar a redescobrir o sentido da vida e das nossas opções. O sofrimento não é bom em si; mas ajudanos a perceber o sem sentido de certos caminhos que seguimos e a corrigir o rumo da nossa vida.
  • No fundo, os sofrimentos e as provas que temos de enfrentar não põem em causa esta certeza fundamental: Deus ama-nos e quer salvar-nos; o sofrimento e as provas permitem-nos, muitas vezes, descobrir essa realidade.
  • Apesar das crises, o cristão nunca deve esquecer o amor de Deus e agradecer por isso. Diante dos sofrimentos, resta-nos agradecer a preocupação desse Deus que, servindo-se dos dramas da vida, nos manifesta o seu amor e nos salva.

ALELUIA – Jo 14,6

Aleluia. Aleluia.

Eu sou o caminho, a verdade e a vida, diz o Senhor: ninguém vai ao Pai senão por Mim.

EVANGELHO – Lc 13,22-30

Naquele tempo, Jesus dirigia-Se para Jerusalém e ensinava nas cidades e aldeias por onde passava. Alguém Lhe perguntou: «Senhor, são poucos os que se salvam?» Ele respondeu: «Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, porque Eu vos digo que muitos tentarão entrar sem o conseguir. Uma vez que o dono da casa se levante e feche a porta, vós ficareis fora e batereis à porta, dizendo: ‘Abre-nos, senhor’; mas ele responder-vos-á: ‘Não sei donde sois’. Então começareis a dizer: ‘Comemos e bebemos contigo e tu ensinaste nas nossas praças’. Mas ele responderá: ‘Repito que não sei donde sois. Afastai-vos de mim, todos os que praticais a iniquidade’. Aí haverá choro e ranger de dentes, quando virdes no reino de Deus Abraão, Isaac e Jacob e todos os Profetas, e vós a serdes postos fora. Hão-de vir do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul, e sentar-se-ão à mesa do reino de Deus. Há últimos que serão dos primeiros e primeiros que serão dos últimos».

AMBIENTE

O episódio que o Evangelho de hoje nos apresenta recorda-nos que continuamos, com Jesus e com os discípulos, a percorrer o “caminho de Jerusalém”. O interesse central desta “viagem” continua a ser descrever os traços do autêntico crente e apontar o caminho do “Reino” à comunidade cristã, herdeira do projecto de Jesus.

O texto de Lc 13,22-30 é constituído por materiais de distintas procedências, aqui agrupados por razões de interesse temático. Inicialmente, eram “ditos” de Jesus (pronunciados em contextos distintos) sobre a entrada no “Reino” (Mateus apresenta os mesmos “ditos” sob formas e em contextos diferentes – cf. Lc 13,23-24 e Mt 7,13 14; Lc 13,25 e Mt 25,10-12; Lc 13,26-27 e Mt 7,22-23; Lc 13,28-29 e Mt 8,12; Lc 13,30 e Mt 19,30). Lucas aproveita-os para mostrar as diferenças entre a teologia dos judeus e a de Jesus, a propósito da salvação.

MENSAGEM

Na perspectiva da catequese que, hoje, Lucas nos apresenta, as palavras de Jesus são uma reflexão sobre a questão da salvação. A catequese é despoletada por uma questão posta na boca de alguém não identificado: “Senhor, são poucos os que se salvam?” A questão da salvação era, na realidade, uma questão muito debatida nos ambientes rabínicos. Para os fariseus da época de Jesus, a “salvação” era uma realidade reservada ao Povo eleito e só a ele; mas, nos círculos apocalípticos, dominava uma visão mais pessimista e sustentava-se que muito poucos estavam destinados à felicidade eterna. Jesus, no entanto, falava de Deus como um Pai cheio de misericórdia, cuja bondade acolhia a todos, especialmente os pobres e os débeis.

Fazia, portanto, sentido saber o que pensava Jesus acerca da questão… Jesus não responde diretamente à pergunta. Para Ele, mais do que falar em números concretos a propósito da “salvação”, é importante definir as condições para pertencer ao “Reino” e estimular nos discípulos a decisão pelo “Reino”. Ora, na óptica de Jesus, entrar no “Reino” é, em primeiro lugar, esforçar-se por “entrar pela porta estreita” (vers. 24). A imagem da “porta estreita” é sugestiva para significar a renúncia a uma série de fardos que “engordam” o homem e que o impedem de viver na lógica do “Reino”. Que fardos são esses? A título de exemplo, poderíamos citar o egoísmo, o orgulho, a riqueza, a ambição, o desejo de poder e de domínio… Tudo aquilo que impede o homem de embarcar numa lógica de serviço, de entrega, de amor, de partilha, de dom da vida, impede a adesão ao “Reino”.

Para explicitar melhor o ensinamento acerca da entrada do “Reino”, Lucas põe na boca de Jesus uma parábola. Nela, o “Reino” é descrito na linha da tradição judaica, como um banquete em que os eleitos estarão lado a lado com os patriarcas e os profetas (vers. 25-29). Quem se sentará à mesa do “Reino”? Todos aqueles que acolheram o convite de Jesus à salvação aderiram ao seu projeto e aceitaram viver, no seguimento de Jesus, uma vida de doação, de amor e de serviço… Não haverá qualquer critério baseado na raça, na geografia, nos laços étnicos, que barre a alguém a entrada no banquete do “Reino”: a única coisa verdadeiramente decisiva é a adesão a Jesus. Quanto àqueles que não acolheram a proposta de Jesus: esses ficarão, logicamente, fora do banquete do “Reino”, ainda que se considerem muito santos e tenham pertencido, institucionalmente, ao Povo eleito. É evidente que Jesus está a falar para os judeus e a sugerir que não é pelo fato de pertencerem a Israel que têm assegurada a entrada no “Reino”; mas a parábola aplica-se igualmente aos “discípulos” que, na vida real, não quiserem despir-se do orgulho, do egoísmo, da ambição, para percorrer, com Jesus, o caminho do amor e do dom da vida.

ACTUALIZAÇÃO

Para reflectir e partilhar, considerar os seguintes dados:

  • Em primeiro lugar, é preciso ter a consciência de que o “Reino” não está condicionado a qualquer lógica de sangue, de etnia, de classe, de ideologia política, de estatuto económico: é uma realidade que Deus oferece gratuitamente a todos; basta que se acolha essa oferta de salvação, se adira a Jesus e se aceite entrar pela “porta estreita”. Tenho consciência de que a comunidade de Jesus é a comunidade onde todos cabem e onde ninguém é excluído e marginalizado?
  • “Entrar pela porta estreita” significa, na lógica de Jesus, fazer-se pequeno, simples, humilde, servidor, capaz de amar os outros até ao extremo e de fazer da vida um dom. Por outras palavras: significa seguir Jesus no seu exemplo de amor e de entrega. Quando Tiago e João pretenderam reivindicar lugares privilegiados no “Reino”, Jesus apressou-Se a dizer-lhes que era necessário primeiro partilhar o destino de Jesus e fazer da vida um dom (“beber o cálice”) e um serviço (“o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida”). Jesus é, portanto, o modelo de todos os que querem “entrar pela porta estreita”. É o seu exemplo que é proposto a todos os discípulos.
  • Já constatámos todos que esta “porta estreita” não é, hoje, muito popular. A este propósito, os homens de hoje têm perspectivas bem diferentes de Jesus… A felicidade, a vida plena encontra-se, para muitos dos nossos contemporâneos, no poder, no êxito, na exposição social, nos cinco minutos de fama que a televisão proporciona, no dinheiro (afinal, o novo deus que move o mundo, que manipula as consciências e que define quem tem ou não êxito, quem é ou não feliz). Como nos situamos face a isto? As nossas opções vão mais vezes na linha da “porta larga” do mundo, ou da “porta estreita” de Jesus?
  • É preciso ter consciência de que o acesso ao “Reino” não é, nunca, uma conquista definitiva, mas algo que Deus nos oferece cada dia e que, cada dia, nós aceitamos ou rejeitamos. Ninguém tem automaticamente garantido, por decreto, o acesso ao “Reino”, de forma que possa, a partir de uma certa altura, ter comportamentos pouco consentâneos com os valores do “Reino”. O acesso à salvação é algo a que se responde – positiva ou negativamente – todos os dias e que nunca é um dado totalmente seguro e adquirido.
  • Para nós, assumidamente cristãos, onde está a salvação? Jesus dizia que, no banquete do “Reino”, muitos apareceriam a dizer: “comemos e bebemos contigo e tu ensinaste nas nossas praças”; mas receberiam como resposta: “não sei de onde sois; afastai-vos de mim todos os que praticais a iniquidade”. Este aviso toca de forma especial aqueles que conheceram bem Jesus, que se sentaram com Ele à mesa (da Eucaristia), que escutaram as suas palavras, que fizeram parte do conselho pastoral da paróquia, que foram fiéis guardiães das chaves da igreja ou dos cheques da conta bancária paroquial, que até, se calhar, se sentaram em tronos episcopais ou papais… mas que nunca se preocuparam em entrar pela “porta estreita” do serviço, da simplicidade, do amor, do dom da vida. Esses – Jesus é perfeitamente claro e objectivo – não terão lugar no “Reino”.

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 21º DOMINGO DO TEMPO COMUM

(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

Ao longo dos dias da semana anterior ao 21º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

2. FIÉIS DE TODA A PARTE.

As igrejas situadas em lugares turísticos acolhem, neste mês de Agosto, fiéis vindos de toda a parte. No início da celebração, pode-se convidar os membros da assembleia a dizer de que país ou de que região vêm e sublinhar que esta diversidade prefigura o Reino.

3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.

Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

No final da primeira leitura:

“Deus, Pai de todos os homens e de todas as nações, nós Te damos graças pela preferência mundial que manifestaste desde o tempo dos profetas. Tu convidas todos os povos da terra a conhecer-Te.

Nós Te pedimos pelas nossas organizações sociais e políticas. Afasta dos nossos espíritos qualquer pensamento de segregação e que os nossos votos sejam conformes ao ensinamento do teu Filho”.

No final da segunda leitura:

“Deus nosso Pai, nós Te damos graças porque nos enviaste o teu Filho Jesus, para endireitar os caminhos de infelicidade em caminhos para a ressurreição.

Nós Te confiamos todos os nossos irmãos e irmãs duramente provados e que se revoltam contra os seus sofrimentos. Que nós possamos convencê-los que as infelicidades e as provações não são punições que vêm de Ti”.

No final do Evangelho:

“Deus nosso Pai, nós Te damos graças pela porta da tua casa, que Tu nos abres convidando-nos ao festim no teu Reino com os povos de toda a terra.

Nós Te pedimos por todos os nossos contemporâneos que se encontram nos maus caminhos e procuram outras portas para atingir a felicidade”.

4. BILHETE DE EVANGELHO.

A salvação é um dom de Deus. Ele tomou a iniciativa de nos dar o seu Filho, que deu a sua vida para fazer de nós salvos. Mas é necessário ainda que participemos nesta salvação. Fomos baptizados, catequizados, talvez fomos também fiéis praticantes, mas isso não basta para entrar no Reino. Será preciso que manifestemos pelos actos a nossa adesão à salvação proposta por Cristo. Deus quer salvar-nos, contando connosco. É sobre este amor que seremos julgados: “Vinde a Mim, benditos de meu Pai, vós que destes de comer ou beber, vós que visitastes o prisioneiro ou o doente, vós que vestistes aquele que estava nu…” Aqueles que terão feito o mal serão afastados do Reino. Aqueles que terão feito o bem estarão no número dos eleitos.

5. À ESCUTA DA PALAVRA.

Eis uma questão que fez correr muita tinta ao longo da história da Igreja: “Senhor, são poucos os que se salvam?” Uma corrente como o jansenismo – que não é só do passado! – acreditava no pequeno número dos eleitos. Poderíamos encontrar sem dificuldade outros exemplos desta tentação. Sem dúvida, outras palavras de Jesus parecem ir no mesmo sentido: as que falam do largo e espaçoso caminho que leva à perdição, em que muitos se comprometem; as que falam da porta estreita que leva à Vida, em que poucos a encontram. Mas, em contraponto, Jesus declarou aos seus apóstolos: “Na casa de meu Pai, há muitas moradas”. Notemos, primeiro, que São Lucas escreve o seu Evangelho quando os cristãos são já perseguidos e as tensões se tornam cada vez mais vivas entre as comunidades cristãs e o judaísmo. A ruptura não está longe de ser dolorosamente consumada. O evangelista recorda-se aqui de um aspecto em que Jesus quer despertar a atenção dos seus compatriotas. Abraão, Isaac e Jacob e todos os profetas souberam escutar a palavra de Deus. Os seus longínquos descendentes fecham-se à palavra de Deus. Jesus não responde à questão do seu ouvinte sobre o número dos eleitos. Mas alarga o debate. É preciso dar um salto na fé para O escutar, ter n’Ele confiança. Isto, certamente, não é fácil, porque o caminho que Jesus deverá percorrer vai conduzi-l’O à cruz e os seus discípulos deverão tomar, por seu vez, esse caminho para ter lugar no festim do reino de Deus. Jesus vê, então, a multidão dos pagãos que acolherão a sua palavra, que virão “do oriente e do ocidente, do norte e do sul”. A sua mensagem ultrapassa todas as fronteiras, a salvação não é reservada apenas a um só povo, mesmo sendo o da primeira Aliança. “Os primeiros que serão os últimos” são os contemporâneos de Jesus que recusam escutá-l’O. “Os últimos que serão os primeiros” são o povo da Nova Aliança selada no seu sangue. Então, a palavra de Jesus atinge-nos, ainda hoje.

Não tenhamos a pretensão de acreditar que, por sermos cristãos, teremos “direito” à salvação. Jesus é o Salvador de todos os homens. Haverá muitas surpresas “do outro lado”!

6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.

Pode-se escolher a Oração Eucarística I para a Reconciliação.

7. PALAVRA PARA O CAMINHO…

Tomar o Evangelho a sério… Corrida ao poder, às situações de privilégio, às relações de prestígio, às melhores aplicações bancárias, aos primeiros lugares de todos os géneros… Estamos muito ocupados para conseguir os nossos negócios aqui na terra.

E eis uma página do Evangelho que vem alterar tudo. Os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros. Forte convite a tomar o Evangelho a sério e conformar com ele as nossas vidas… antes que a porta do Reino se feche!

Grupo Dinamizador

Pe. Joaquim Garrido – Pe. Manuel Barbosa – Pe. Ornelas Carvalho

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