Homilia de Dom Henrique Soares da Costa – III Domingo do Tempo Comum – Ano C

Ne 8,2-4a.5-6.8-10

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Sl 18B

1Cor 12,12-30

Lc 1,1-4; 4,14-21

Há três aspectos, na Liturgia da Palavra de hoje, dignos de particular atenção.

Primeiro. O Evangelho apresenta-nos o início da obra de Lucas. Aí tem-se uma dedicatória e uma apresentação da obra a um certo “Teófilo”. E Lucas afirma expressamente que “após um estudo cuidadoso de tudo o que aconteceu desde o princípio, também eu decidi escrever de modo ordenado para ti… Deste modo poderás verificar a solidez dos ensinamentos que recebeste”. Estas palavras nos revelam a seriedade do testemunho dos evangelhos. Não são fábulas, não são delírios! São, isto sim, um testemunho de fé! Testemunho de quem crê, de quem tem razões para crer e quer fazer com que outros creiam e creiam com razão profunda!

 Num mundo de tantas verdades, de tantas mentirinhas, de tantas seitas, lendas e mitos… Num mundo que virou um enorme coquetel de religiões, onde cada um faz a sua, na sua medida e do seu modo, na proporção e no gosto do seu comodismo, é preciso recordar que somente em Cristo Deus revelou-se plenamente; somente Cristo é a Verdade do Pai; somente ele, o Caminho para Deus; somente nele, a Vida em abundância! Mas, ainda aqui, é preciso dizer mais, por mais chato que possa parecer! Cristo é o único Caminho, Verdade e Vida… mas não qualquer Cristo! Não um Cristo inventado, não um Cristo “meu”, do meu tamainho e do meu gosto! O Cristo que o Pai revelou, o Cristo vivo e atuante, é aquele presente na Palavra guardada, pregada e testemunhada pela Igreja, com a assistência do Espírito Santo; é aquele que se dá nos sacramentos da Igreja; é aquele presente na Igreja que no Credo professamos como sendo única, católica e apostólica. Num mundo de tantas dúvidas, Cristo presente na sua Igreja católica seja a nossa certeza, a nossa segurança, o nosso rochedo!

Um segundo aspecto. Ainda o Evangelho de hoje, nos apresenta Jesus na sinagoga de Nazaré: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção”. Quando deu-se esta consagração? No Batismo, às margens do rio Jordão. Há quinze dias meditávamos sobre este mistério: o Pai, o Senhor, ungiu Jesus com o Espírito Santo, como Messias de Israel. E qual a sua missão? “consagrou-me com a unção para anunciar a Boa-nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista, para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor”. Eis a missão de Jesus, o Messias: acolher, consolar, perdoar, libertar, fazer viver. Mas, para que experimentemos Jesus assim, é necessário que nós mesmos descubramos que somos pobres, que somos tão carentes, tão limitados, tão pequenos. Quando descobrimos isso, quando vemos que o mundo é assim, então experimentamos também que, em Jesus, Deus veio a nós, Deus deu-se a nós, Deus estendeu-nos as mãos, abriu-nos os braços e aconchegou-nos no coração.

É por isso que a pessoa, os atos e as palavras de Jesus são Boa-nova, Boa-notícia, ou, em grego, Evangelho! E a Boa-nova é precisamente esta: Deus nos ama, está conosco em Jesus; veio para ficar, para permanecer para sempre na nossa vida e no coração do mundo!

Aqui entra, precisamente, o terceiro aspecto da Palavra deste domingo: este Jesus permanece conosco na potência sempre presente e atuante do seu Espírito Santo, presente de modo potente e soberano na Igreja que Jesus fundou. Já no domingo passado, vimos que a Igreja é a Esposa do Cristo, cheia do vinho abundante do Espírito Santo, que nela suscitava tantos dons, tantos carismas, tantos ministérios, tanta vida. Pois bem, a segunda leitura da missa de hoje insiste nesta ideia e aprofunda-a ainda mais.

Porque Cristo ressuscitou e nos deu o seu Espírito Santo, nós, como Igreja, desde o nosso Batismo, somos o Corpo de Cristo: “Vós, todos juntos, sois o Corpo de Cristo e, individualmente, sois membros deste Corpo”. E juntos, como Comunidade, como membros da Igreja, que somos o Corpo vivo do Cristo; Corpo vivificado pelo Espírito Santo! É uma ideia, esta, que deveria estar sempre diante de nós! A Igreja não existe por ela mesma: ela vive do Espírito do Cristo; a Igreja não escolheu o Cristo: ela foi por ele amada, por ele fundada, por ele escolhida e é por ele sustentada e vivificada; o Cristo não pertence a Igreja: a Igreja é que pertence a Cristo e, na força do Espírito é sempre amada e renovada por ele. Ele nunca vai abandoná-la, nunca vai traí-la, nunca vai renegá-la!

E mais ainda: no seu Amor, isto é, no seu Espírito, ele suscita no corpo da Igreja, que é o seu Corpo, tantos membros diferentes, com dons e carismas tão diversos! É o que São Paulo nos recorda na leitura de hoje. Ninguém pode ser cristão sozinho! Cristo não é salvador pessoal de ninguém! Ele é o Salvador do Corpo que é a Igreja (cf. Ef 5,23)! Nós somos salvos no Corpo de Cristo, enquanto membros do povo da Aliança, que é a Igreja. Nesta, quem nos une é o Amor de Cristo e nela, cada um de nós tem uma missão, uma função! Qual é a sua? Quais são as suas? Pai ou mãe de família, educando novos membros para o Corpo de Cristo? Agente de pastoral engajado diretamente na evangelização? Jovem que se esforça para dar um generoso testemunho de coerência e amor a Cristo? Empresário, funcionário público, empregado, que no seu trabalho procura ter um comportamento digno do Evangelho? Qual o seu papel na Igreja? Rico ou pobre, forte ou fraco, jovem ou ancião, todos temos como honra e dignidade ser membros do Corpo do Senhor, sustentados e vivificados pelo Espírito do Senhor, destinatários da salvação e da consolação que ele nos trouxe, do carinho e da ternura do Pai que ele derramou sobre nós.

Desde domingo passado, que a Palavra vem nos questionando sobre o nosso modo de ser e viver nossa pertença a Cristo e à sua Igreja. Pensemos, e não recebamos em vão a graça de Deus, para que, um dia, possamos participar da vida plena daquele que Senhor que, feito homem por nós, vive e reina para sempre. Amém.

Dom Henrique Soares da Costa

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