Homilia de D. Henrique Soares da Costa – V Domingo do Tempo Comum – Ano B

Jó 7,1-4.6-7
Sl 146
1Cor 9,16-19.22-23
Mc 1,29-39

Iniciemos nossa meditação da Palavra de Deus pela primeira leitura. O livro de Jó, de modo dramático, mostra a vida humana: “Não é acaso uma luta a vida do homem sobre a terra? Seus dias não são como dias de um mercenário? Tive por ganho meses de decepção, e couberam-me noites de sofrimentos. Se me deito, penso: quando poderei levantar-me? E, ao amanhecer, espero novamente a tarde… Meus dias correm mais rápido do que a lançadeira do tear e se consomem sem esperança. Lembra-te de que minha vida é apenas um sopro e meus olhos não voltarão a ver a felicidade”. Eis, caríssimos, não são palavras negativas, desesperadas, essas de Jó. São, antes uma reflexão realista sobre o mistério da vida humana, uma reflexão cheia de esperança, porque feita à luz de Deus. Uma coisa é pensar nas realidades negativas de nossa existência simplesmente contando com nossas forças. Que desespero, que desilusão, que vazio de sentido! Outra, bem diferente, é encarar a vida também com suas trevas, à luz de Deus, o amor eterno e onipotente! Que esperança que não decepciona, que paz que invade o coração, mesmo na dor!

Notem, irmãos: num mundo como o nosso, que cultua o corpo, o físico sarado, a saúde e o vigor físicos e presta tão pouca atenção ao sofrimento, à dor, ao fracasso… Num mundo que tem medo de pensar na morte e de assumir que todos morreremos, num mundo que não sabe o que fazer com o sofrimento, com a doença, com a decadência física, com a deformidade do corpo, estas palavras de Jó, convidam-nos a colocar os pés no chão. Repito: não são palavras pessimistas porque aquele que chora e busca o sentido da existência, fá-lo diante de Deus. Recordem como terminam as palavras da leitura – são comoventes: “Lembra-te de que minha vida é apenas um sopro e meus olhos não voltarão a ver a felicidade”. São uma oração! O triste na vida não é sofrer, não é chorar, não é morrer… Triste e miserável é sofrer e chorar e morrer sem Deus, sem este Parceiro cheio de doce ternura que dá sentido à nossa existência!

Por isso mesmo veio Jesus, nosso senhor! É isto que o Evangelho nos mostra hoje. Cristo nosso Deus, tomando pela mão a sogra de Pedro e erguendo-a do seu leito, revela que vem nos tomar pela mão – a nós, feridos e doentes de tantas doenças, fraquezas e medos! Este é o Evangelho, a Boa notícia: em Jesus, Deus revela o sentido de nossa existência porque se revela como Deus próximo, Deus de compaixão, Deus capaz de dar um sentido às nossas dores e até à nossa morte. Cristo nos toma pela mão, Cristo toma sobre si as nossas dores. Não precisamos fingir que não envelhecemos, que não adoeceremos, que não morreremos… Sabemos que nem a vida nem a morte nos podem afastar do amor de Cristo; sabemos que nele, tudo se enche de novo sentido… Por isso todos o procuram, porque procuram um sentido para a existência!

O grande dom que Cristo nos faz não é milagres nem curas nem solução de problemas. Deixemos essa visão miserável, mesquinha e pagã para os pagãos e os que enganam e ganham dinheiro e poder em nome de Cristo. Nosso modo de ver é outro, é aquele mesmo que o Cristo nos ensinou e do qual ele mesmo nos deu o exemplo pela sua vida e pela sua morte! O Papa Bento XVI, quando ainda era Cardeal Ratzinger, assim escreveu: “Uma visão do mundo que não pode dar um sentido também à dor e não consegue torná-la preciosa, não serve para nada. Tal visão fracassa exatamente ali, onde deveria aparecer a questão mais decisiva da existência. Aqueles que sobre a dor não têm nada mais a dizer a não ser que se deve combatê-la, enganam-se. Certamente, é necessário fazer tudo para aliviar a dor de tantos inocentes e limitar o sofrimento. Mas, uma vida humana sem dor não existe e quem não é capaz de aceitar a dor, foge daquelas purificações que são as únicas a nos tornar maduros. Na comunhão com Cristo, a dor torna-se plena de significado, não somente para mim mesmo, como processo de purificação, no qual Deus tira de mim as escórias que obscurecem a sua imagem, mas também, para além de mim mesmo, é útil para o todo, de modo que, todos nós podemos dizer como São Paulo: ‘Agora eu me alegro nos sofrimentos que suporto por vós, e completo na minha carne o que falta dos padecimentos do Cristo pelo seu corpo que é a Igreja’ (Cl 1,24)… A vida vai além da nossa existência biológica. Onde não há mais motivo pelo qual vale a pena morrer, também não há motivo que faça valer a pena viver.”

Caríssimos, para isso Jesus veio – “foi para isso que eu vim!”, diz o Senhor hoje. Veio para anunciar o Reino e expulsar tudo aquilo que demoniza a nossa existência. E nada nos inferniza mais que viver sem sentido!

Cristãos, não vivamos como os pagãos, que vão sendo levados pela existência, fugindo da realidade e refugiando-se nas ilusões. Quanto excesso de divertimento, de eventos esportivos, de programas turísticos, de sonhos de consumo, de lazer e diversão… Se tudo isso numa justa medida é saudável, com o excesso que hoje se vê, é prejudicial, é sinal de uma humanidade doente, que tem medo de enfrentar as verdadeiras e profundas questões da existência! É que sem uma relação vive e íntima com o Senhor, é impossível enfrentar a nossa dura realidade! É neste sentido que o cristianismo nos apresenta um Evangelho, uma Boa Notícia: porque nos dá o Sentido, que aparece em Cristo Jesus!

Abramo-nos para o Senhor; nele apostemos nossa existência e tornemo-nos para os outros sinais de esperança e de vida, como São Paulo que se sentia devedor do Evangelho a todos. Que seja o Senhor Jesus consolo de nosso pranto, força no nosso caminho, alívio de nossas dores e prêmio de vida eterna. Amém.

  1. Henrique Soares da Costa

 

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