Comentário Exegético – XXVIII Domingo do Tempo Comum – Ano B

EPÍSTOLA

(Pe. Ignácio, dos padres escolápios)

INTRODUÇÃO: O autor compara os judeus do AT com os cristãos. Ambos vivem de ouvir a palavra de Deus, mas os antigos judeus não a obedeceram e por isso não entraram no descanso da terra prometida (Sl 95) ou no descanso do sétimo dia, como diz o Gênesis, dia abençoado e consagrado para Ele (2, 2-3). Esse repouso é reservado para o povo de Deus em que aquele que entra descansará de suas obras (Hb 4, 9). Devemos nos esforçar para entrar nesse repouso para não sucumbir imitando a desobediência dos antigos (4, 11). E é aqui que entra o trecho de hoje. Descreve a palavra de Deus como uma personificação do próprio Deus que transforma a palavra numa espada afiada como diz Isaías 49, 2: E fez a minha boca como uma espada aguda, com a sombra da sua mão me cobriu; e me pôs como uma flecha limpa, e me escondeu na sua aljava. Ou como diz Jr 23, 29: Porventura a minha palavra não é como o fogo, diz o SENHOR, e como um martelo que esmiúça a pedra? Essa palavra é como a mensageira e embaixadora divina que discerne perfeitamente os pensamentos e intenções do coração, de modo que nada está oculto aos olhos de Deus (Hb 4, 13).

ATRIBUTOS DA PALAVRA DE DEUS: Viva [zön<2198>=Vivus], pois a palavra [logos<3056>=sermo] de(o) Deus é poderosa [evergës <1756> =efficax] e mais afiada [tomöteros<5114>=penetrabilior] que toda espada de dois fios [distomon<1366>=ancipiti] e penetrante [duknoumeenos<1338>=pertingens] até a divisão [merismon <3311>=divisionem] tanto da alma quanto do espírito, das junturas [armön<719>=compagum] como das medulas [muelön<3452>=medullarum] e árbitro [kritikos<2924>=discretor] dos pensamentos [enthumëseön <1761>=cogitationum] e intenções [ennoiön<1771>=intentionum] do coração (12). Vivus est enim Dei sermo et efficax et penetrabilior omni gladio ancipiti et pertingens usque ad divisionem animae ac spiritus conpagum quoque et medullarum et discretor cogitationum et intentionum cordis. PALAVRA VIVA: O autor, que começou a sua exortação na base de comentar o Salmo 95, atribui à palavra [Logos em grego, Dawar em hebraico e Menrá em aramaico] as mesmas virtudes e atributos de Deus mesmo, como se fosse uma representação visível da divindade para o homem que não pode vê-lo, mas podia ouvi-lo. De fato, no Sinai, só viram o fogo e ouviram a Palavra que foi comunicada de modo especial a Moisés. Como no princípio, foi o Logos quem criou e ordenou o mundo, assim ele é agora o poder visível de um Deus invisível. A PALAVRA: Dewar Jahweh (palavra de Javé) no AT: Os targuns (targumim em plural) são traduções [e comentários] em aramaico, muito antigas da Bíblia hebraica. Eram tidos como autorizados e eram falados em voz alta nas sinagogas de modo que era a única escritura entendida pelo povo. Entre eles temos o targum de Onkelos. O tradutor ou leitor que falava em voz alta a tradução versículo a versículo, era chamado Turgeman. Os targuns foram usados nas sinagogas, antes, durante e depois da vida de Jesus. Precisamente o targum de Onkelos ou babilônico (sec I) é conservado nas sinagogas, junto com os rolos da Torá. Os judeus modernos, porém, contradizem com suas opiniões, muitas das crenças dos judeus do tempo de Jesus. Nos targuns, uma palavra ressalta como identidade com o próprio Javé: MEMRÁ, aramaico, da raiz MR que significa dizer. A encontramos como me´mar em Dn 4, 14. Realmente em hebraico a palavra é Dawar ouDewar Javé (palavra de Javé), mas no targum se traduz por Menrá. Que significa esta palavra? No livro do Gênesis lemos como Deus DISSE, antes de cada dia da criação. E o mundo da sua criação veio se tornar realidade e existência. Por isso a Memrá se tornou como um mediador divino entre um Deus inacessível e sua criatura humana, que não podia vê-lo, mas podia ouvi-lo. A palavra aparece centenas de vezes nos targuns aramaicos.REMA<4487>: O grego não distingue entre logos e rema, ambas as palavras sendo usadas indiferentemente para as mesmas finalidades: espalhou-se esta palavra [=notícia] (Lc 2, 17 [rema] e 7, 17 [logos]). Palavra como comando (Lc 5, 5 [rema] e 4, 36 [logos]). Poderíamos dizer que rema é mais material e implica, por exemplo, fatos narrados; e logos é mais formal, implicando não tanto a expressão, mas o sentido da palavra. Por isso podemos traduzir rema algumas vezes por fatos, sucessos  ou notícias. ESTÁ ESCRITO: é a palavra do profeta, a palavra de quem fala por mandato do Deus da verdade. É o rema [locução ou declaração] em nome da divindade. É diferente do logos que é a palavra humana. O rema é o oráculo que provém da sabedoria de Deus e o logos da ciência humana. O rema é sempre fiel [o verdadeiro se confunde com o fiel] porque se origina na segurança que dá a verdade divina e jamais será usada para distorcer a realidade [mentir]. Um exemplo do AT é 1 Rs 16, 34: segundo o oráculo [as palavras: remata] que o Senhor falou por meio de Josué, filho de Nun. Pelo contrário as palavras [logoi] dos ímpios, ciladas e morte (Pr 12, 6). Embora Logos seja mais própria da linguagem humana, vemos como pode também se referir à linguagem divina como neste caso em que não se fala diretamente de um oráculo divino, mas simplesmente da Palavra que procede de Deus escrita, como no Salmo anterior 95, em que se fala das montanhas, do mar e dos continentes como formados e seguros em suas mãos. Daí que Hebreus obtenha uma série de diferentes atributos para esse Logos semelhantes ao próprio Deus: PODEROSA: Energës <1756> poderosa, ativa, ou efetiva saindo só três vezes no NT. Como vimos no parágrafo anterior, a Memrá(Palavra) é uma via primária, segundo a qual o Ser inalcançável manifesta sua vontade. A Palavra é também o meio com o qual se comunica e interage com os seres humanos, o instrumento por meio do qual se revela em forma inteligível. Mas por outra parte, Deus usa a palavra muito mais do que como letras, frases ou tinta. Esses materiais são inertes, registros mortos de meios humanos. Porque em muitos casos, quando a Palavra saiu da boca e do coração divinos teve uma ação muito maior de poder e energia da que se pode atribuir a uma página escrita com informação histórica. Por que Deus se tomou o trabalho de falar durante a criação? Por que o Criador não fez sua obra em silêncio, sem pronunciar uma só palavra? A quem ou com quem falava (façamos -diz o Gênese) quando mandou: façamos o homem? É evidente que existe uma força criativa, dinâmica, na voz do Senhor; um poder e uma energia em suas palavras; uma expansão tangível de sua divindade. Sua Palavra é uma extensão de sua Natureza, um impulso de sua Vontade, ativo, poderoso e efetivo. Não são unicamente letras, sílabas e sons. Há vigor e atividade nas palavras de Deus estendendo-se muito além dos limites do pensamento e da comunicação. Segundo os targuns (traduções e comentários), aceitos pelos judeus como vozes sagradas, a Palavra de Deus é uma entidade, um ser; na realidade o próprio Deus, pois a MEMRÁ deve ser adorada, servida e obedecida. Os targuns ensinam que a palavra de Deus, a MEMRÁ, reina suprema no trono de Deus. Ao comentar Dt 4, 7 “que nação tem seus deuses tão próximos dela”, diz que o costume das outras nações é carregar seus deuses em seus ombros, porém eles não podem ouvir com seus ouvidos. Mas a Palavra de Deus sentada no trono ouve nossas preces e favorece nossas petições (T. Jonatan). Um outro exemplo sobre Gn 1, 27: Deus disse: façamos o homem (…) e Deus criou o homem à sua imagem. A palavra de Deus criou o homem não unicamente à sua imagem, mas também à semelhança de sua Palavra. (comentário do T. Onkelos). Bastam estes exemplos para uma conclusão óbvia: João, o quarto evangelista, não precisava de textos da Filosofia grega para o seu prólogo : No começo existia a Palavra e a Palavra estava em Deus e a Palavra era Deus…Tudo foi feito por meio dela e sem ela nada se fez do que foi feito. Para terminar, esta reflexão sobre a Memrá “Israel será salvo pela Palavra de Javé com uma salvação perpétua. Pela Palavra de Javé será toda semente de Israel justificada”. MAIS AFIADA QUE TODA ESPADA DE DOIS GUMES: Tomöteros<5114> é o comparativo de Tomos [cortante, agudo, claro] e só neste versículo sai no NT. A comparação é com uma espada de dois gumes Distomos<1366> Além do versículo atual sai em Ap 1, 16 e 2, 12 narrando a espada que o Filho do Homem tinha na sua língua. É o poder de julgar penetrando até o mais íntimo do ser humano, como são a divisão [merismos<3311>=divisão, separação, repartição] de alma e espírito, juntas e medula. Parece que o autor toma como verdade científica a divisão tripartida de alma, espírito e corpo que também Paulo, influenciado da Filosofia neo-platônica admite em 1 Ts 5, 23: espírito, alma e corpo, uma tricotomia frequente no neoplatonismo. O espírito é o íntimo do ser humano, base da ação inteligente e moral, onde reside o Espírito Santo que em termos gerais pode ser comparado com o pneumatikós <4152> de Paulo; alma é a base dos sentimentos humanos que corresponde ao instinto e às concupiscências, em certo modo, é o psiquicós <5591> de Paulo que temos em comum com os animais viventes. Quando Hebreus fala da divisão entre alma e espírito é que chega ao ponto mais íntimo e interno do que hoje chamamos de alma humana. E quando distingue entre junturas e medulas é que entra dentro dos próprios ossos como partes mais íntimas do corpo. KRITIKOS<2924> capaz de julgar,  árbitro. É a única vez que aparece no NT e indica que essa palavra divina se identifica com a Sabedoria de Deus, a única que pode conhecer, e distinguir e julgar os pensamentos [enthumësis<1761>=pensamento] e os sentimentos [enneoia<1771>=intenção] da mente humana.

DEUS TUDO CONHECE: E não existe criatura [ktisis<2937>=creatura] não manifesta [afavës<852> =invisibilis] diante dele; pois todas as coisas nuas [gymva<1131>=nuda] e manifestas [tetrchëlismena <5136>=aperta] aos olhos dele: diante do qual para nós [ëmin<2254>=nobis] a palavra[logos<3056>=sermo] (13). Et non est ulla creatura invisibilis in conspectu eius omnia autem nuda et aperta sunt oculis eius ad quem nobis sermo. A tradução é fácil até o final do versículo em que o estilo, vamos chamar de espartano, que temos traduzido por diante do qual para nós a palavra. As traduções vernáculas completam a frase dizendo: daquele a quem temos de prestar contas (RA). A ele é que devemos prestar contas (TAB). With whom(is) our account, ou with whom we have to do (Ing); ou daquele a quem devemos dar contas (espanhol). Vamos explicar as palavras. CRIATURA: Ktisis<2937> Tudo que existe é criação de Deus e, como tal fautor de tudo, Este conhece todas elas e não existe, pois, nada escondido diante dEle que vê as mesmas como se estivessem nuas diante dEle ou de seus olhos, diz o texto. MANIFESTAS: O verbo Trachëlizö <5136> significa agarrar e torcer o pescoço entre combatentes que assim usam suas mãos contra o inimigo. Provém de trachelos, pescoço. Em termos metafóricos é deixar manifesta uma coisa. E, como particípio perfeito em passiva, seria subjugado (TEB) ou manifesto (Es) ou patente (RA). LOGOS <3056>. Falta a interpretação da última frase: diante do qual para nós [Ëmin] a palavra. O significado é que a palavra de Deus é a verdade para nós, pois Ele conhece tudo. As traduções vernáculas se inclinam sobre o juízo particular; mas não é necessário: o que o autor quer indicar é que a Escritura [a palavra, o logos] deve ser a última razão que nos indica onde encontrar a verdade. De fato, logos sai 11 vezes em Hebreus, das quais unicamente em 13, 22 indica o sermão ou palavra de exortação como resumo de sua carta. Nas 10 ocasiões restantes, a palavra é a manifestação sensível de Deus se comunicando com os homens de modo inteligível, ou por palavra, ou por escrito. Cremos que sem rejeitar a tradução A ela é que devemos prestar contas, que parece um apelo a um juízo particular, seria melhor talvez, traduzir sua palavra é para nós a verdade.

EVANGELHO

Mc 10, 17-30;

Lugares paralelos: Mt 19, 16-26 e Lc 18, 18-27

(Pe. Ignácio, dos padres escolápios)

O JOVEM RICO

INTRODUÇÃO: Dois problemas aparecem neste evangelho de difícil solução: a Salvação e as Riquezas. O primeiro é solucionado por Jesus indicando a prática dos mandamentos, do decálogo em especial. O segundo tem como solução  a partilha com os mais necessitados. Se a riqueza não é compartilhada ela se torna um ídolo que exige escravidão e se torna fonte de iniquidade, ou como diz o evangelho é o deus Mammon que se opõe ao Senhor: e servimos a um e desprezamos o outro. A escolha é difícil e só depende da graça de Deus que pode atuar onde o homem falha totalmente.

O ENCONTRO: Então, tendo ele saído ao caminho, correndo [prosdramön<4370>=procurrens] um (homem) e, ajoelhado[gonupetësas<1120>=genu flexo] a ele, peguntou-lhe: Mestre bom [didaskale agathe<1320; 18>=magister bone], que farei para obter a vida eterna [zöën aiövion<2222; 166>=vitam aeternam]? (17).  Et cum egressus esset in viam procurrens quidam genu flexo ante eum rogabat eum magister bone quid faciam ut vitam aeternam percipiam. CORREU: Prosdramön<4370> [lit. tendo corrido] é, sem dúvida, uma frase redacional, para indicar a prontitude e instância com a qual o jovem [tal era o interlocutor de Jesus, segundo Mt 19, 20] se aproximou de Jesus. Marcos fala de um [eis] sem determinar quem era. Nisso coincide com Lucas. AJOELHADO: A construção grega é esquisita: Tendo se ajoelhando a ele (sic) o que significaria uma maneira de adorar Jesus,  ou a proskinese oriental. Talvez, era o modo como os discípulos manifestavam sua reverência pelos mestres ou rabis, não unicamente ajoelhando-se, mas abraçando os pés do mestre e beijando-os. Um exemplo está em Madalena, que se abraçou aos pés do ressuscitado (Jo 20, 17). A palavra com a qual se dirige o jovem, didáskale (= mestre), está na mesma base que acabamos de sugerir. O amor que demonstrou Jesus (ver 20) foi provavelmente um beijo na fronte como era costume entre os rabis com seus discípulos. MESTRE  BOM: Didaskale agathe: A palavra Agathe, originariamente significando bom; porém, quando qualifica um nome que denota função ou profissão não indica a moralidade do sujeito, mas a excelência do mesmo em sua função. Assim poderíamos traduzir por Mestre insigne ou excelente, que sabe todas as respostas e tem uma sabedoria fora do comum. A PERGUNTA: Indica uma insatisfação com sua vida cômoda e rica, perante o ambiente de pobreza e dificuldades da maioria. Alguma coisa ele devia fazer para não ser excluído das bemaventuranças que muito provavelmente teria escutado dos lábios de Jesus (Mt 5, 3 +). A inquietude dentro de seu espírito, por escutar as palavras de Jesus, dirigidas às multidões, em que o assunto era a salvação e a vida como último ganho (Mc 8, 34-38) o mantinha inquieto. Isso indica que as palavras de Jesus não tinham caído em terra baldia (Mc 4, 8). Os outros rabis falavam da lei como se fosse um deus a quem deviam respeitar e adorar. Eram puros intérpretes, que não distinguiam entre o verdadeiramente essencial e transcendente e o contingente das normas de pureza. O mestre Jesus falava da vida, de um Deus que era Pai, de um futuro muito mais importante que a contingência presente, limitada a um corpo mortal. Ele sabia que suas riquezas lhe proporcionavam segurança e bem-estar por tempo limitado; mas como assegurar a vida futura que o Mestre declarava ser eterna? Que devia ele fazer ou realizar para obtê-la e alcançá-la?

A RESPOSTA: Jesus, pois, disse-lhe: Por que me chamas bom? Ninguém é bom [agathos<18>=bonus] senão um: (o) Deus. Mas se queres entrar na vida [zöen<2222>=vitam] guarda os preceitos [entolas <1785>=mandata] (18). Iesus autem dixit ei quid me dicis bonum nemo bonus nisi unus Deus. qui dixit ei quid me interrogas de bono unus est bonus Deus si autem vis ad vitam ingredi serva mandata. A própria resposta de Jesus de que unicamente Deus é o mestre por excelência [agathos], revela que todo ser humano é por natureza falível e limitado. Só Deus tem a resposta a todos os questionamentos últimos da vida. No sentido de moralidade os judeus afirmavam que não havia nada bom a não ser a Torah. Neste sentido, Jesus afirma que a moralidade depende unicamente de Deus, sendo a Torah a concretização de sua bondade. Porque a lei favorece os mais desamparados, as vítimas e não os carrascos. Com os mandamentos, Jesus aponta Deus como o melhor dos mestres para obter a vida definitiva, segundo o que afirmou Moisés, após a epifania do monte Horeb: Por todo o caminho que vos ordenou o Eterno, vosso Deus (Jahvé Elohim), andareis para que vivais e seja bem para vós e prolongueis os dias na terra que haveis de herdar (Dt 5, 29). Sobre a bondade divina temos estas duas passagens: Provai e vede que o Senhor é bom [tob<02896>=bonus] (Sl  34, 8). E especialmente, esta outra que parece ser a resposta a tantas suposições dos exegetas: Tu és bom e fazes o bem; ensina-me os teus decretos [chok<02706>= dikaiömeta em grego e praecepta latino] (Sl 119, 68). Os rabinos da  época tinham como norma esta sentença: Não há nada bom exceto a Lei. E sobre essa Lei, vemos que o salmista indica que é do Senhor que devemos escutar, como discípulos, os preceitos; porque sendo bom e fazendo o bem, Ele é o verdadeiro Mestre. Jesus está, pois, seguindo a tradição, indicando que também Ele tem como mestre o Único Deus. Que Ele não vai ensinar nada fora do que é a vontade divina. E Jesus termina indicando o mesmo que o Salmo 119: guarda os mandatos.

OS MANDATOS: Ele lhe diz: Quais? Jesus, pois, lhe disse: não assassinarás [foneuseis <5407> =homicidium facies], não adulterarás[moicheuseis<3431>=adulterabis], não roubarás [klepseis <2813> =furtum facies], não dirás falso testemunho [pseudomarturëseis<5576>=falsum testimonium dices] (18). Honra teu pai e tua mãe, amarás teu próximo [plësion<4139>=proximum] como a ti mesmo (19). Dicit illi quae Iesus autem dixit non homicidium facies non adulterabis non facies furtum non falsum testimonium dices. Honora patrem et matrem et diliges proximum tuum sicut te ipsum. Os mandamentos que conheces (Lc 18, 20). E Jesus enumera os mandatos da segunda tábua, os referentes ao amor ao próximo (Êx 20, 12-17  e Dt 5, 16-21). Estes dois textos coincidem no essencial. O texto mais antigo (Êxodo) tem esta ordem: Adultério, roubo, homicídio,  e o Deuteronômio coloca homicídio antes do roubo. Há uma diferença entre Marcos e os outros dois evangelistas:  Só Marcos completa a citação da segunda tábua com não defraudarás (= não privarás ao próximo do que lhe é próprio, como em Dt 24, 14), o que pode ser a tradução de não cobiçarás a casa de teu próximo, nem a mulher, nem o campo, nem o servo, nem a serva, o boi ou o asno, ou tudo que seja do teu próximo. NÃO ASSASSINARÁS: Foneuö<5407> que no original hebraico é ratsach<07523> que significa assassinar, cometer um homicídio [murder em inglês]. Contra os budistas que citam este texto para evitar a matança de animais, devemos entender que nele só entra a morte de um homem. Os outros mandatos são bem conhecidos. PRÓXIMO: A honra devida aos pais expressa a preocupação com seu sustento. Com esta resposta, Jesus indica que no homem existe um dever a cumprir que ele reduzirá ao amor e respeito ao próximo, sem o qual a vida terrena se torna um inferno por falta de convivência, como vemos nos tempos modernos e a vida eterna será uma continuação dessa desordem fundamental. Se não respeitamos a vida do outro [especificamente do nascituro], como podemos querer a plenitude de vida para nós mesmos, já que em grande parte se funda no relacionamento com os outros? RÉA ouREYA é a palavra que usa o Pentateuco para designar o próximo. Com o número de Strong <07453> aparece inúmeras vezes no AT. Sua tradução originária é ASSOCIADO. Mas aparece com os significados de irmão, companheiro, camarada, amigo, esposo, amante e vizinho, segundo os diversos textos. Como mandato dentro da lei, aparece em Dt 5, 20: Não dirás falso testemunho contra teu próximo. Com o significado de amigo lemos: Teu amigo que amas como à tua alma Dt 13, 6. A passagem que o escriba [nomikós] cita em Lc  10, 27 é Lv 19, 18: Não te vingarás nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. O famoso Hilel, o ancião, ditou este preceito em outras palavras: Não faças a teu companheiro o que não queres que te façam. Segundo o comentário bíblico moderno do rabino Meir Matziliah, as palavras que designam companheiro, próximo e irmão, são réa – amith- ben- am- ah. Ah é irmão e era usado para todo israelita. Em Lv 19, 17-18 saem esses quatro termos [ah (irmão) amith (companheiro), ben (filho) am (povo) e rea (próximo). A citação será: Não odiarás o teu irmão [ah <0251>] no teu coração; repreenderás a teu companheiro [amith <05997>] e por causa dele não levarás sobre ti pecado(17) . Não te vingarás nem guardarás ira contra os filhos [ben <01121>] do teu povo [am <05971>]; mas amarás o teu próximo [reya <07453>] como a ti mesmo. Como vemos, próximo era todo aquele que merece nosso amor. Jesus, com a parábola do bom samaritano (Lc cap 10) estende o próximo a todo homem incluído aquele que é nosso inimigo.

A RESPOSTA DO RICO: Ele então, tendo respondido, disse a Ele [Jesus]: Mestre, todas estas coisas guardei desde minha juventude[neotëtos<3503>=iuventute] (20). Et ille respondens ait illi magister omnia haec conservavi a iuventute meã. Com estas palavras temos duas afirmações que merecem nossa atenção. A primeira é a integridade do homem que indica sua boa disposição diante dos ensinamentos de Jesus a quem pela segunda vez chama de Mestre. A segunda, que ele, já nesta ocasião, era um homem maduro cuja juventude era um passado mais ou menos recente. Lucas dirá que era um príncipe ou principal entre os judeus; tudo o qual requeria uma idade de mais de 30 anos. Por outra parte, Mateus parece discordar ao afirmar que o interrogador era um neaniskos [jovem] (Mt 19, 22). É um paradoxo, que indica diversas origens na transmissão das narrações. E em lugar de jogar contra a história do fato, essa diversidade aponta a veracidade do mesmo. Vemos como Lucas segue com bastante precisão o relato de Marcos e como Mateus tem essa divergência que, não sendo essencial, nos mostra como os evangelhos têm também um componente humano, que depende das condições particulares do tempo e das testemunhas. Não será que desde a minha juventude [neotëtos] se transformou no homem jovem [neaniskos] de Mateus? Indica isso uma tradução imperfeita do aramaico? Talvez.

UMA COISA FALTA: Então Jesus, tendo-o olhado, o amou e disse a ele: Uma só coisa falta [usterei<5302>=deest]: vai, quanto tens vende e dá aos pobres [ptöchois<4434>=pauperibus] e terás um tesouro no céu e vem, segue-me, tendo tomado a cruz. (21). Iesus autem intuitus eum dilexit eum et dixit illi unum tibi deest vade quaecumque habes vende et da pauperibus et habebis thesaurum in caelo et veni sequere me. O rico, (jovem, segundo Mt 19, 22) afirma que tinha observado esses mandamentos desde a sua juventude (meninice para Mateus). Segundo Mateus, é ele mesmo quem pergunta se falta alguma coisa. Para os outros dois, será Jesus quem aponta uma falha na vida do jovem, ao parecer perfeita. Marcos dirá que tendo fixado a vista nele, o amou, que outros traduzem por lhe demonstrou seu amor. Foi um gesto de ternura por parte de Jesus. Isso indicava que implicitamente o mestre reconhecia a verdade do testemunho do homem rico e que, do ponto de vista humano, ele tinha todos os requisitos para dar um último passo: entrar no círculo privilegiado dos discípulos por Ele escolhidos. Em todo caso, é Jesus quem declara: Uma coisa só te falta, não para entrar na vida eterna, mas para tornar-te um dos meus prediletos: é o despojamento total das riquezas, que são um obstáculo para a perfeição. Vende tudo, não te aproveites, mas dá  aos pobres e poderás me seguir. Não perderás as riquezas porque terás um tesouro nos céus (Mt 16, 20 e Lc 16,9). Com isto, Jesus aponta o caminho da perfeição. Ele exige a privação das riquezas como fim absoluto, ou como meio para obter a felicidade.  Para a perfeição falta uma coisa: falta despojar-se das riquezas. Então, verá que a única causa importante é seguir o Mestre Jesus. As riquezas atuais impedem alcançar o tesouro no céu. O despojamento não é destruição, mas repartição entre os necessitados. POBRES: O Ptöchos<4434> grego é o homem que deve sobreviver com a caridade de outros. A palavra é usada para descrever a viúva que deu dois trocados ao tesouro (Mc 12, 42 e Lc 21, 3). A mesma palavra descreve seus discípulos que tudo abandonaram e a eles dirigida no sermão da montanha (Lc 6, 20). O caso mais semelhante é o de Zaqueu que promete, como sinal de conversão, dar a metade dos bens aos pobres, após ter cumprido com a lei que mandava restituir 4 vezes o injustamente lesado (Lc 19, 8). Pobre, é também Lázaro, o mendigo da parábola do  rico epulário. Por isso, hoje, diríamos necessitados e não mendigos, e pobres são aqueles sem riquezas ou propriedades. Isto é confirmado no versículo seguinte, em que dá como razão da negativa do jovem, ter muitas propriedades. Com estas propostas, Jesus coloca o bem e a felicidade não na proibição como era o caso do decálogo citado anteriormente, mas na prática generosa do desprendimento e do amor ao próximo. Em definitivo: para entrar na vida devemos evitar o mal, mas para ter um tesouro devemos praticar o bem. O provérbio ou a sentença rabínica, dizia: Não faças ao outro aquilo que não desejas que te façam a ti. O que Jesus afirma como regra de ouro é: Tudo que desejais que os outros vos façam, fazei-o a eles; pois esta é a Lei e os profetas (Mt 7, 12). De fato, não fazer o mal ao próximo era compatível com as riquezas. Mas para fazer o bem devemos usar as mesmas como meio e começar a repartir. Este despojamento é a condição que Jesus impõe a seus discípulos: negar-se a si mesmo (Mc 8, 34), ou seja, renunciar a toda riqueza tanto material como espiritual, como é a ambição, posição social e poder, cujo centro esteve e está sempre, nas riquezas pessoais. Nos imediatos seguidores de Jesus não podem existir preeminências nem desigualdades. Assim o entenderam os primeiros cristãos que vendiam seus bens e entregavam o produto à comunidade. Ananias e Safira que intentaram enganar o Espírito Santo, ficando com parte do preço dos bens, foram castigados de forma fulminante  (Atos cap 5). Os religiosos que intentam inibir parte de seu voto de pobreza fariam bem em olhar este capítulo dos Atos. A CRUZ: A referência à cruz é omitida nos principais códices e de modo especial na Vulgata latina.

A RETIRADA: Ele então, contrariado sobre a palavra, afastou-se triste, pois tinha muitas propriedades (22). Qui contristatus in verbo abiit maerens erat enim habens possessiones multas. Esta retirada indica duas coisas: 1ª) A dificuldade de um rico de seguir Jesus, pois implica uma renúncia muito difícil. Jesus o comenta em seguida. 2ª) A tristeza que acompanha todo homem rico quando contempla as necessidades do próximo e não ajuda com seus bens. Retirar-se e encerrar-se em seus próprios domínios, é uma fonte de tristeza. Lucas é o único evangelista que não fala de retirada, mas a supõe ao afirmar que ficou muito triste porque era enormemente rico (Lc 18, 23).

O COMENTÁRIO: Assim tendo lançado um olhar ao redor, Jesus diz a seus discípulos: quão dificilmente os que têm riquezas[chrëmata<5536>=pecuniis]  entrarão no reino do Deus (23). Mas os discípulos admiravam-se sobre suas palavras. Porém, Jesus, de novo, tendo respondido, diz-lhes: Filhos, como é difícil, aos que têm confiado nas riquezas, entrarem no Reino de Deus (24). Et circumspiciens Iesus ait discipulis suis quam difficile qui pecunias habent in regnum Dei introibunt. Discipuli autem obstupescebant in verbis eius at Iesus rursus respondens ait illis filioli quam difficile est confidentes in pecuniis regnum Dei introire.  Ao ouvir que devia deixar suas posses, o jovem rico, que era um dos príncipes ou principais de Israel (Lc 18, 18), se afastou com amargura e tristeza. Talvez ele pensasse ser escolhido como parte da chefia do novo Messias. RIQUEZAS: Chrëma<5536> em plural [chrëmata] pode ser traduzido por bens ou riquezas. Em singular é dinheiro, como em At 4, 37 era o dinheiro da venda do terreno de Barnabé, traduzido por pretium latino e em 8, 18 era o dinheiro que o mago Simão ofereceu a Pedro para obter os dons do Espírito Santo. A retirada do jovem foi a causa de Jesus falar abertamente com seus discípulos. Diante do estupor destes últimos, que acreditavam serem os ricos, os privilegiados de Jahvé (logo também os que deviam ser escolhidos pelo Messias), e que por isso pensavam que  se os ricos não se salvassem quem poderia se salvar (26), Jesus afirma: Quão dificilmente entrarão no Reino de Deus os que têm riquezas!  E visto o estupor dos discípulos, Jesus matiza um pouco suas palavras: Não são os ricos simplesmente, mas também os que têm sua esperança nas riquezas; e aqui entram os que não as possuem, mas labutam por adquiri-las a todo custo.  Isso significa que as riquezas constituem a razão de ser e de atuar de muitos, nos quais tudo é subordinado às mesmas. Porque a sedução das riquezas e as demais concupiscências intrometem-se e sufocam a palavra  que fica sem fruto (Mc 4, 19). Elas constituem um deus em si mesmo, que escraviza e exige uma adoração praticamente igual à adoração de Deus (Mt 6, 24). Por isso, são declaradas, ao se transformarem em ídolo [Mammona], como iníquas: mamona iniquitatis (Lc 16, 9 e 11), sendo que iniquidade [adikia <93>] é a palavra para injustiça no sentido humano, ou seja, lesão da virtude correspondente, a justiça (em Lc especialmente do juiz 18, 6 e do desonesto administrador 16, 8).

O CAMELO: É mais fácil um camelo (poder) entrar pelo orifício de uma agulha que um rico (poder) entrar no Reino de (o) Deus (25). Facilius est camelum per foramen acus transire quam divitem intrare in regnum. Temos traduzido o aoristo infinitivo, usando poder entre parêntese para indicar um tempo quase futuro de possibilidade e não um presente já em andamento. O buraco de uma agulha  era símbolo de pequenez. O camelo era o animal de maior tamanho conhecido na época; hoje diríamos o elefante. A pequena parábola, provavelmente um provérbio da época, só quer apontar a dificuldade, sem ser um exemplo matemático da realidade. Temos exemplos na escola babilônica em que o Rabi Rabba troca o camelo pelo elefante  e compara sonhos irrealizáveis com aquele que sonhou com uma palmeira de ouro ou com um elefante passando através do olho de uma agulha. Maomé afirma no Alcorão: “Aos que desmentem e menosprezam nossas revelações, as portas do céu serão fechadas e não entrarão no paraíso até que o camelo passe pela fenda de uma agulha” (Alc 7, 40) Não é de se estranhar, já que Maomé foi educado num mosteiro cristão.

REAÇÃO: Então, eles, sobremaneira, ficavam admirados dizendo entre eles: então quem pode ser salvo? (26). Qui magis admirabantur dicentes ad semet ipsos et quis potest salvus fieri. Somente Lucas fala que quem comentava eram os ouvintes. Isto quer dizer que as palavras de Jesus foram mais ou menos ditas publicamente como um asserto geral. Talvez a tradução de salvar-se estaria melhor como poderia ser salvo devido ao aoristo do verbo salvar em passiva. A voz passiva era praticamente usada para indicar uma ação divina como sujeito da mesma. Entende-se a perturbação pela opinião da época: Se os abençoados por Deus,  como eram os ricos, não se salvam ou dificilmente podem se salvar, que pode passar com o resto majoritário dos mortais? Essa era a conversa entre os discípulos.

FINAL: Então Jesus tendo fixado seu olhar neles, diz: para os homens é impossível, mas não para (o) Deus. Pois todas as coisas são possíveis para Deus (27).  Et intuens illos Iesus ait apud homines inpossibile est sed non apud Deum omnia enim possibilia sunt apud Deum. Jesus afirma finalmente que o impossível para os homens é possível para Deus. A história com os exemplos de Antônio do Egito, de Francisco de Assis e outros confirma a possibilidade exposta por Jesus. Os outros dois sinóticos escrevem o comentário final de Jesus com as mesmas palavras usando a oposição adynaton[impossível] e dynaton [possível] correspondentes ao poder humano e à absoluta faculdade divina. Jesus sabia que tanto José de Arimateia como Nicodemos eram pessoas ricas; mas que o amor à verdade era muito superior ao que poderíamos falar de sua ambição terrena. Nicodemos submete sua sabedoria perguntando a Jesus e aceitando as respostas deste. José, num momento em que todos abandonam Jesus, se transforma em seu coveiro, dando-lhe um sepulcro rico, como a um personagem amigo e venerado.

PEDRO PERGUNTA: Então começou Pedro a lhe dizer: Eis que nós abandonamos todas as coisas e te seguimos (28). Coepit Petrus ei dicere ecce nos dimisimus omnia et secuti sumus te. Lucas expressa com as mesmas palavras o pensamento de Pedro. Somente Mateus adiciona a pergunta, implícita nos outros dois: que podemos esperar? [literalmente que será, pois, de nós?] Que recebem os que abandonam tudo para seguir Jesus?

JESUS RESPONDE: Tendo respondido, então, Jesus disse: Em verdade vos digo: Não há ninguém que tenha abandonado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou mulher, ou filhos, ou campos por minha causa e do evangelho (29) que não receba centuplicados agora neste tempo casas e irmãos e irmãs e mães e filhos e campos no meio de perseguições e na outra época que vem a vida eterna (30). Respondens Iesus ait amen dico vobis nemo est qui reliquerit domum aut fratres aut sorores aut matrem aut patrem aut filios aut agros propter me et propter evangelium qui non accipiat centies tantum nunc in tempore hoc domos et fratres et sorores et matres et filios et agros cum persecutionibus et in saeculo futuro vitam aeternam. Lucas praticamente coincide com Marcos com palavras muito semelhantes. Mateus contém um inciso peculiar: Antes de se dirigir aos seus seguidores em geral, Jesus fala aos seus imediatos apóstolos, os doze: Vós que me seguistes na nova geração, quando o Filho do Homem se assentar no trono de sua glória, assentar-vos-eis também em doze tronos julgando as doze tribos de Israel (Mt 19, 28). Segundo Mateus, a resposta de Jesus é dupla: primeiro, a dada aos seus doze discípulos e que só Mateus relata porque se refere diretamente a Israel -o que não interessava aos gentios- com a fundação de um reino novo sob o poder do Messias, em que o poder judicial, definindo quem é inocente [entra] e quem é culpado [fica fora], seria dado aos apóstolos. Mateus identifica esse tempo com uma regeneração ou novo nascimento [palingenesia], o que implica numa instauração do Reino, significando o tempo após a ascensão de Jesus – quando o Filho do Homem estiver assentado no trono de sua glória -e será então que vos tornareis juízes das doze tribos de Judá. Não queremos entrar na explicação desta afirmação de Jesus já que o evangelho que estamos comentando é o de Marcos. Porém basta o dito para se ter uma nova visão de Mateus neste versículo. Uma segunda parte é narrada pelos três sinópticos, e é dirigida a todos os que abandonam tudo para seguir Jesus. Jesus enumera esse tudo que abrange a família (o mais próximo e sagrado) e os bens, por escolha do evangelho; os tais  receberão neste mundo [en to kairo touto] o cêntuplo   [máximo rendimento de uma semente e de um capital] que Lucas, mais moderado, afirma ser muitas vezes mais, e assegurarão a vida eterna. Esta promessa de Jesus, válida para todos os tempos, tem levado muitos à vida religiosa, seja como anacoretas e cenobitas nos primeiros séculos, bem como monges e frades na idade média e finalmente como regulares e associados de institutos religiosos nos tempos modernos. E bem podemos dizer que a promessa de Jesus se cumpre, com notáveis aumentos de paz e até bem-estar na vida dos mesmos, aqui na terra. Marcos tem um inciso interessante: fora as perseguições, o que era um fato quando escreveu seu evangelho (antes dos anos 50), posterior à morte de Estêvão (40) à perseguição de Agripa (43-44) em que morre Tiago e é encarcerado Pedro. Uma outra reflexão: Para os que não acreditam no poder, ou melhor intercessão dos santos, temos aqui uma promessa formal de Jesus [o amém o indica] para os doze. Como temos indicado, eles serão os que abrem ou fecham as portas do Reino.

PISTAS: 1) Uma reflexão sobre as riquezas: que papel ou rol desempenham na minha vida? São um meio ou um fim?  E dado que seja um meio, são necessárias ou simplesmente servem de ostentação e luxo? Tantas joias, tantos carros bonitos, tantos enfeites na vida, quando muitos não têm o necessário para viver, não se enquadra no mandato que Marcos destaca: não defraudarás ou despojarás o próximo do que é devido?

2) Os mandamentos: Um teólogo moderno afirma que respeitamos o amor a Deus, mas somos tremendamente irreverentes com o amor ao próximo, tanto individual como coletivamente. Como não condenar as enormes diferenças sociais que prevalecem como lacre em nossos dias? Outrora foi o problema da escravidão. Hoje é o problema da fome, da doença, da cultura.

3) Os papas falam da hipoteca social das riquezas e seguem a escritura que afirma ser dos pobres o supérfluo, seguindo o conselho de Tobias: de tudo o que te sobra dá esmola (Tb 4, 16). As riquezas não são para guardá-las no banco, mas para produzir e dar trabalho aos que não as possuem; e caso haja excedente, isso pertence aos pobres.

4) As crianças: Santa Teresinha encontrou para os tempos modernos o caminho espiritual necessário para viver a Boa Nova evangélica: o caminho da infância espiritual. Diante de Deus somos crianças e queremos ser tratados como crianças pelo Bom Deus, como ela chamava ao ser transcendente do qual dependem nossas contingências limitadas. Confiança e abandono são as melhores qualidades dos que seguem esse caminho de espiritualidade.

5) Somos crianças no meio de seres humanos que acreditam em sua maturidade. Por isso, as quedas doem, mas não machucam. Por isso, a simulação e a hipocrisia estão longe da sinceridade e espontaneidade da criança. Por isso, queremos ser acolhidos, antes que dominar e mandar.

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