EPÍSTOLA (At 13 e 22-25)
(Pe. Ignácio, dos padres escolápios)
INTRODUÇÃO: A perícope de hoje é parte do discurso de Paulo na sinagoga de Antioquia da Pisídia. Feitas as leituras da Lei e dos profetas, seguindo a invitação do chefe da sinagoga, Paulo pede a palavra e pronuncia um discurso, que sem dúvida é o paradigma com o qual ele se dirigia aos judeus da diáspora. Dentro do discurso, a figura do Batista, conhecida no mundo israelita, é chave para entender a missão de Jesus a quem seu arauto proclamava ser o Messias.
DAVI COMO MODELO DE SERVO DE DEUS: Suscitou-lhes o Davi como rei, do qual também disse testemunhando: Encontrei Davi, o de Isaías, homem segundo meu coração, que fará todas as minhas vontades (22). Suscitavit illis David regem cui et testimonium perhibens dixit inveni David filium Iesse virum secundum cor meum qui faciet omnes voluntates meas. A palavra da Escritura, como profecia ou palavra de Jahveh, era a base da argumentação dos doutores da Lei. E Paulo usa essa palavra neste seu discurso para acreditar o título de Messias de Jesus. Implicitamente cita 1 Sam 13, 14 no início do versículo que não é lido como epístola no dia de hoje: tendo removido Saul. Assim o declara o texto de Samuel: Agora não subsistirá o teu reino; já tem buscado o SENHOR para si um homem segundo o seu coração, e já lhe tem ordenado o SENHOR, que seja capitão sobre o seu povo, porquanto não guardaste o que o SENHOR te ordenou. A desobediência é a causa do pecado, pois coloca o homem na frente de Deus e orgulhosamente se atreve a pronunciar o rebelde não serviam. Por isso no Sl 89, 20 lemos: Achei a Davi, meu servo; com santo óleo o ungi. E será de Ciro de quem Isaías declarará que cumprirá todas as vontades de Jahveh e por isso o chama de meu pastor (Is 44, 28).
DE DAVI NACEU JESUS: Deste, do sêmen, o Deus, segundo a promessa, suscitou para Israel como Salvador, Jesus (23). Huius Deus ex semine secundum promissionem eduxit Israhel salvatorem Iesum. SÊMEN [sperma <4690>=semem] com o significado de semente de um vegetal como em Mt 13, 24: O reino dos céus é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo. Pode ser o esperma o DNI que é transmitido pelo varão como em 1 Jo 3, 9: Qualquer que é nascido de Deus não comete pecado; porque a sua semente permanece nele. Finalmente e este é o sentido que encontramos neste versículo: significa descendência como em Mt 22, 24: Se morrer alguém, não tendo filhos, casará o seu irmão com a mulher dele, e suscitará descendência a seu irmão. Ou seja, da descendência de Davi nasceria o SALVADOR [sötër<4990>=salvator] em hebraico Jeshua <03442>=Iësous [Jahveh é salvação] que a Setenta traduz por Sötër e a Vulgata por Salvator, e também Mashiah <04899> [ungido] Christos<5547> em grego e Christus em latim.
PREGAÇÃO DO BATISTA: Havendo João pregado antes da presença de sua manifestação, um batismo de conversão a todo o povo de Israel (24). Praedicante Iohanne ante faciem adventus eius baptismum paenitentiae omni populo Israhel. PRESENÇA [prosöpon<4383>=facies]: o significado material é rosto, cara, como em Mt 6, 16: Quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas; porque desfiguram os seus rostos. Mas em sentido figurado é presença, comparecimento pessoal, como em Mt 11, 10: Eis que diante da tua face envio o meu anjo, ou em Lc 2, 31: A qual [salvação] tu preparaste perante a face de todos os povos. A face é um semitismo que pode ser suprimido e dizer: perante todos os povos, e no nosso caso antes de sua MANIFESTAÇÃO [eisodos<1529>=adventus] com o significado de entrada, acesso, entrada em cena, que temos traduzido por manifestação, se deixar conhecer, se deixar ver em público; assim em 1 Ts 1, 9: Eles mesmos [os gregos] anunciam de nós qual a entrada que tivemos para convosco. A manifestação é a do Messias, o Cristo, ou ungido, que João negava ser (Jo 1, 20). João pregava um batismo de CONVERSÃO [metanoia<334>= paenitentia]. Naqueles tempos todos sabiam que João foi uma figura venerada, como foram os profetas no AT. Unicamente os chefes dos sacerdote e os senadores do povo duvidaram do batismo de João (Mt 21, 25). Era um batismo de arrependimento [methanoia], ou conversão, diferente do batismo de perdão [afesis] dos pecados que era próprio de Jesus, quem foi elevado a Príncipe e Salvador (At 5, 31). Podemos dizer que o batismo de João era de predisposição para que Deus perdoasse o pecado (Mt 3, 11) e preparasse os corações reconduzindo os filhos de Israel, ao Senhor seu Deus, …conduzindo os rebeldes a pensar como os justos, a fim de formar para o Senhor um povo preparado (Lc 1, 16-17). Já o batismo de Jesus era o instrumento do perdão e da reconciliação, pois batizará no Espírito Santo (Mc 1, 8).
O TESTEMUNHO: Como, pois, completou João sua carreira, dizia: quem vós supondes ser não sou eu, mas eis que vêm após mim de quem não sou digno desatar as sandálias dos pés (25). Cum impleret autem Iohannes cursum suum dicebat quem me arbitramini esse non sum ego sed ecce venit post me cuius non sum dignus calciamenta pedum solvere. O Batista anuncia sua missão: ele não era o esperado (Mt 11, 3), mas quem devia preparar o caminho (Lc 3, 4), que basicamente consistia em viver a caridade e a justiça (Lc 3, 11-14). Esse, que todos pressentiam, viria após João e era tão importante que nem o posto de ínfimo escravo pretendia João como discípulo e servidor (Lc 3, 16), pois era próprio do discípulo desatar a correia do Mestre quando chegava em casa após uma caminhada pela cidade.
EVANGELHO (Lc 1, 57-66.80)
(Pe. Ignácio, dos padres escolápios)
INTRODUÇÃO: A circuncisão era o sinal da Aliança de Jahveh com Israel: Esta é a minha aliança, que guardareis entre mim e vós, e a tua descendência depois de ti: Que todo homem entre vós será circuncidado (Gn 17, 10). Por isso, Jahveh promete: E eu vos tomarei por meu povo, e serei vosso Deus; e sabereis que eu sou o SENHOR vosso Deus, que vos tiro por debaixo das cargas dos egípcios (Êx 6, 7). Eu serei teu Deus e tu serás meu povo. Israel adotou o rito que era realizado aos oito dias do nascimento (Gn 17, 11 e Lv 12, 3). Povos antigos também realizavam o rito que tinha para eles outro significado: entrada na comunidade como adulto ou preparação para o matrimônio. Em Israel o escravo ou o alienígena só formavam parte do povo através da circuncisão (Êx 12, 44 e 48). Mas parece que durante a travessia do deserto [40 anos] não houve circuncisão, de modo que unicamente em Guilgal Josué obrigou a todos a circuncidar-se. No tempo da perseguição selêucida, a circuncisão constituía o sinal distintivo do judeu fiel (1 Mc 1, 15). No tempo de Jesus, a circuncisão era obrigatória, até tal ponto que os chamados judaizantes queriam que a circuncisão fosse a porta para entrar na Nova Aliança. E foi precisamente Paulo que entendeu ser um rito caduco substituído amplamente pela fé e o batismo (Rm 3, 28-30). Jesus, nascido de mulher também nasceu sob a Lei (Gl 4, 4) e foi circuncidado, tomando o nome de Jesus (Lc 2, 21). O relato de hoje é o do nascimento do Batista, acompanhado de fatos milagrosos e extraordinários que indicavam a intervenção divina no nascimento do menino. A leitura deixa de lado o canto de Zacarias e nos oferece num versículo extremamente conciso uma breve história da infância do Batista.
O PARTO: A Isabel, pois, se cumpriu o tempo de dar à luz e teve um filho (57). Elisabeth autem impletum est tempus pariendi et peperit filium. O relato é normal. ISABEL, como uma mulher comum, cumpre os tempos e modos de ser mãe. Foi um parto normal, segundo as leis biológicas da espécie humana. Como os nomes são parte importante da vida no AT vejamos o significado de Isabel em grego Elisabet [<1665>= Elisabeth]. Tomado do hebraico Elisheba’ <0472>= aquele a quem Deus [El] é juramento [savah=jurar] ou em termos mais populares, servidor de Deus, porque unicamente Deus é a razão de seu compromisso. O nome aparece em Êx 6, 23: Aarão tomou por mulher a Isabel, filha de Aminadab, irmão de Naasson; e ela deu-lhe Nadab, Abiú, Eleazar e Itamar. Foi, pois, a mulher de Aarão, o primeiro Sumo Sacerdote e mãe dos primeiros sacerdotes do povo em Israel. Era uma mulher dedicada ao serviço de Deus através do serviço prestado ao marido e aos filhos.
ADMIRAÇÃO DOS VIZINHOS: E ouviram os vizinhos e os seus parentes porque magnificou (o) Senhor sua misericórdia com ela; e se regozijavam com ela (58). Et audierunt vicini et cognati eius quia magnificavit Dominus misericordiam suam cum illa et congratulabantur ei. O parto foi normal, mas não a gravidez e gestação; pois, como disse Lucas, não era idade para ter um filho porque minha mulher é avançada em idade (Lc 1, 18). VIZINHOS [periokoi<4040>=vicini] é um ápax, facilmente entendido, pois tem como componentes peri [ao redor] e oikos [casa]. PARENTES [syggeneis <4773>=cognati] a palavra sai 13 vezes no NT, a maioria das vezes (5) em Lucas e unicamente em Marcos uma vez (6, 4); em João uma vez (18, 26); uma nos Atos (10, 24) e 4 em Romanos. Especialmente, Maria era parenta de Isabel como diz Lucas em 1, 36. Contrariamente às línguas semitas, o grego, admite além de irmãos [adelfos <80>=frater] outros vocábulos para os diversos parentes. Do fato de que Lucas usa syggenës dizem os evangélicos que em 8, 20: Estão lá fora tua mãe e teus irmãos, que querem ver-te, mãe e irmãos devem ser tomados no sentido grego e consequentemente Maria teve mais filhos ou eles eram filhos de José, que casou com Maria uma vez viúvo. Mas, segundo Marcos (15, 40), estavam ao pé de cruz Maria [irmã de sua mãe segundo João (19, 25)] que era a mãe de Tiago e José, os dois irmãos de Jesus em Mt 13, 55 e Mc 6,3. Esse Tiago é chamado o menor para distingui-lo do maior o filho do Zebedeu e irmão de João (Mc 1, 19). Duas questões para poder aclarar este mistério dos irmãos de Jesus: 1) Como na mesma família de irmãos pode haver duas mulheres com o mesmo nome de Maria? (Mc 6, 3 e Mc 15, 40 que João chama de mulher de Clopas). 2) Os filhos de Maria de Clopas, irmã de Maria, a mãe de Jesus, são os mesmos Tiago e José de (Mt 13, 55 e Mc 6, 3) que os filhos de sua irmã, também chamada Maria em Mt 27, 56 e Mc 15, 49? Ou são filhos de José e Maria? Uma reflexão final: Nos primeiros capítulos, Lucas não depende de nenhum outro evangelho e escreve livremente. Logo no resto do evangelho, ele escreve tendo em vista tradições e até escritos que não se atreve a mudar. Por isso usa syggenës nos primeiros capítulos e usará adelfos nos capítulos comuns com os outros sinóticos. MAGNIFICOU [emegalynen<3170>=magnificavit] do verbo megalunö, magnificar ou fazer grande como costumavam fazer os fariseus com as filactérias de seus mantos: alargam as franjas das suas vestes (Mt 12, 5). E em sentido figurado exaltar, glorificar, louvar e elogiar. Como vemos é o sentido material de engrandecer ou alargar a MISERICÓRDIA [eleos<1656>=misericordia]: o grego é mercê, clemência, compaixão, piedade. De fato, segundo o pensar de Maria, a relação de Deus com o povo de Israel é um ato contínuo de misericórdia: Para manifestar misericórdia a nossos pais, e lembrar-se da sua santa aliança (Lc 1, 72). Misericórdia que é também a base da relação de Deus com os homens, segundo Paulo: Para que os gentios glorifiquem a Deus pela sua misericórdia, como está escrito: Portanto eu te louvarei entre os gentios (Rm 15, 9). Um ato de misericórdia divina é um ato de amor de um ser superior [Deus] que se inclina ante a debilidade e impotência da criatura e ajuda e conforta com bens não devidos por causa da deficiência humana. No caso de Isabel a impotência de conceber foi amplamente remediada pela potência divina. REGOZIJAVAM-SE [synechairon<4795>=congrutalabantur] O nascimento de um menino sempre tem sido motivo de alegria, a não ser nos tempos modernos em que tantas mães se livram por meio do aborto dos futuros bebês. Já em 1, 14 Lucas escreve que o anjo disse a Zacarias: Terás prazer e alegria, e muitos se alegrarão no seu nascimento. O anúncio foi cumprido amplamente entre vizinhos e familiares do velho casal. Isabel já o tinha percebido quando afirmava: Deus foi bom para mim, dizia ela para consigo. Agora já não tenho de que me envergonhar diante de ninguém (Lc 1, 25). Pois a infecundidade era uma espécie de maldição divina para a mulher que estava destinada a dar filhos ao varão como parte imprescindível de seu serviço ao marido.
A CIRCUNCISÃO: E sucedeu no oitavo dia vieram circuncidar o menino e chamavam-lhe pelo nome do pai dele, Zacarias (59). Et factum est in die octavo venerunt circumcidere puerum et vocabant eum nomine patris eius Zacchariam. No oitavo dia era o dia que a Lei marcava para a circuncisão [perytome <4061>=circuncisio, em hebraico mulah<04130> de Êx 4, 26] do varão recém-nascido: No dia oitavo se circuncidará ao menino a carne do seu prepúcio (Lv 12, 3). Respeitados os 7 dias que formavam um número sagrado, era o primeiro dia após esse número, que o menino era consagrado ao povo de Deus. Por isso, o numero sete [sheva’ <07651>] se confunde com a palavra jurar [Shaba<07650>] já que juramento era confirmado com sete vítimas (Gn 21, 28) ou sete testemunhas (Ez 21, 18). ZACARIAS [Zacharias<2197>=Zaccharia] que em hebraico é Zekariah<02148> nome composto de Zekar<0214>= recordar e Yah <03050>=yahveh em forma abreviada. No AT, principalmente entre muitos outros nomes (38 vezes), o de um rei de Israel filho de Jeroboão II (2 Rs 14, 29), um dos príncipes de Judá nos tempos de Josafá (2 Cr 17, e o profeta Zacarias (Zc 1, 1 e Esd 5, 1); e no NT aparece Zacarias como filho de Baraquias morto entre o templo e o altar (Mt 23, 35). E a compra do campo do oleiro no vale do Hinom atribuído a Jeremias (32, 6-15) por Mateus (27, 9), mas que na realidade foi anunciada por Zacarias (11, 12-13). Segundo o pensar da maioria o nome do menino seria, pois, Zacarias ben Zacarias.
RESPOSTA DA MÃE: E tendo respondido a sua mãe disse: de modo nenhum; mas será chamado João (60). E diziam a ela que ninguém há em tua parentela que é chamado com esse nome (61). Et respondens mater eius dixit nequaquam sed vocabitur Iohannes. Et dixerunt ad illam quia nemo est in cognatione tua qui vocetur hoc nomine Elisabet. A mãe se opôs dizendo que devia ser chamado JOÃO [Iöannës<2491>= Ioannes] do hebraico Yohanan [<03110> = Yahveh há favorecido] sem dúvida como ação de graças pelo benefício recebido ao ser mãe em idade tão avançada. Mesmo assim, os parentes e vizinhos arguiam com o fato de que o nome João era inusitado na família, PARENTELA [syggeneia<4772 >=cognatio] palavra que aparece somente 3 vezes no NT: esta e em At 7, 3 e 7, 14. Conservar o nome era como atualmente conservar o nome familiar. Era a continuação do indivíduo como se fosse uma espécie de vida imortal em momentos em que a ressurreição corporal não estava definida.
O PAI: Faziam sinais ao pai dele de que queria ser ele chamado (62). Innuebant autem patri eius quem vellet vocari eum. O Pai estava mudo segundo o anúncio do anjo: Eis que ficarás mudo, e não poderás falar até o dia em que estas coisas aconteçam (Lc 1, 20). Consequência de uma intervenção no momento da aparição do anjo? É provável, porque a Escritura fala em termos de causa primeira quando na realidade as causas segundas são as que operam como em 2 Rs 19, 35, em que devemos provavelmente buscar na contaminação de águas o que o cronista atribui ao anjo do Senhor. Na ciência e na história os autores sagrados falam segundo o sentir comum da época, sem critério científico nem histórico. Por isso, embora Zacarias entendesse as palavras, não poderia se explicar a não ser por sinais.
O NOME: E tendo pedido uma tabuinha escreveu dizendo: João é o nome dele (63). Et postulans pugillarem scripsit dicens Iohannes est nomen eius et mirati sunt universi. TABUINHA [pinakidion<4093>=pugillaris] é o diminutivo de pinax <4094>, de pinheiro, árvore da qual se extraia a madeira para formar a tábua das mesas. O diminutivo aponta às tabuinhas com capa de cera que serviam para tomar notas e para escrever nas escolas as notas dos escolares por meio de um estilete. Que dentro do geral analfabetismo da época, Zacarias soubesse escrever e não só ler, como aprendiam os meninos israelitas da época, é lógico, pois Zacarias estava entre as classes privilegiadas, como sacerdote. O nome que escreveu e que era praticamente o oficial, pois ao pai de família se dava o privilégio de escolher e impor o nome do bebê, já que neste ato recebia o mesmo como descendente dele e admitia sua paternidade, em concordância com o que o anjo disse a José sobre o menino Jesus: (Maria) dará à luz um filho e chamarás o seu nome JESUS; porque ele salvará o seu povo dos seus pecados. Zacarias escreveu o nome: João. E nada mais tinha a suceder.
ZACARIAS RECUPERA A FALA: Abriu-se então a boca dele imediatamente e a língua dele e falava abençoando a Deus (64). Apertum est autem ilico os eius et lingua eius et loquebatur benedicens Deum. Efetivamente, é agora que se cumpre o anunciado pelo anjo: Não poderás falar até o dia em que estas coisas aconteçam (Lc 1, 20). Porém, como aconteceu no naós do santuário que Zacarias ficou sem voz, agora volta a voz e a fala neste instante em que escolhe o nome de seu filho. E o velho Zacarias que era um homem justo, cumpridor da Lei (Lc 1, 6), usou sua língua para agradecer a obra de Deus em sua vida. O hino que Lucas logo porá em boca dele indica o louvor e agradecimento não só dele, o pai, mas de todo o povo de Israel, porque veio socorrer e salvar o seu povo (1, 68).
A FAMA: E aconteceu temor sobre todos os seus vizinhos; e em toda a região da Judeia se discutiam todos estes fatos (65). Et factus est timor super omnes vicinos eorum et super omnia montana Iudaeae divulgabantur omnia verba haec. Contrariamente ao critério dos modernos estudiosos que intentam desmitificar os evangelhos e recorrem a toda classe de razões e subterfúgios para evitar o transcendente e sobrenatural, os conterrâneos de Zacarias viram nestes fatos a mão miraculosa de Deus e celebravam com TEMOR [fobos<5401>=timor]. É esse temor reverencial que a presença de Deus como autor imediato de um fato suscita em todo crente, como lemos que aconteceu a Zacarias quando viu o anjo à direta do altar do incenso: Zacarias, vendo-o, turbou-se, e caiu temor sobre ele (Lc 1, 12). FATOS [remata<44 87>=verba] propriamente seriam narrações, e daí sucessos comentados ou preservados na memória do povo.
O PORTENTO: E todos os ouvintes as guardavam em seu coração dizendo: que será este menino porque a mão do Senhor estava com ele (66). Et posuerunt omnes qui audierant in corde suo dicentes quid putas puer iste erit etenim manus Domini erat cum illo. CORAÇÃO [kardia<2588>=cor] era o órgão que hoje chamaríamos de mente. Neste versículo guardar no coração equivale a guardar na memória, como vulgarmente dizemos. Vistos os fatos extraordinários, bem podia o povo dizer que o braço ou poder de Deus se tinha manifestado no nascimento e, portanto, aquele menino estava destinado a grandes eventos na sua vida.
RESUMO DA INFÂNCIA: O menino, pois, crescia e se fortalecia em espírito e estava nos lugares desabitados até o dia de se mostrar diante de Israel (80). Puer autem crescebat et confortabatur spiritu et erat in deserto usque in diem ostensionis suae ad Israhel. Os versículos seguintes (67-79) não formam parte do evangelho de hoje e constituem o cântico de Zacarias, ou Benedictus. Finalmente temos este último versículo em que a vida do Batista é resumida como um crescimento corporal e um fortalecimento espiritual para o qual o afastamento dos homens foi a presença divina em sua vida. Lucas repetirá a mesma descrição da vida infantil de Jesus (Lc 2, 40) com exceção de sua parte eremítica. A frase de Lucas é tão universal que dificilmente podemos afirmar que João fosse um eremita desde sua infância. Seria na sua vida adulta quando esse retiro fosse realmente factível e real, de modo que Mateus pudesse afirmar: Naqueles dias, apareceu João o Batista pregando no deserto da Judeia (Mt 3, 1).