Prezados irmãos e irmãs!
No domingo passado, na minha Visita Pastoral a Turim, tive a alegria de me deter em oração diante do Santo Sudário, unindo-me aos mais de dois milhões de peregrinos que, durante a solene Ostensão destes dias, puderam contemplá-lo. Aquele santo Pano pode nutrir e alimentar a fé e revigorar a piedade cristã, porque encoraja a orientar-se para o Rosto de Cristo, para o Corpo de Cristo crucificado e ressuscitado, a fim de contemplar o Mistério pascal, centro da Mensagem cristã. Do Corpo de Cristo ressuscitado, vivo e activo na história (cf. Rm 12, 5) nós, queridos irmãos e irmãs, somos membros vivos, cada qual segundo a própria função, ou seja, com a tarefa que o Senhor quis confiar-nos. Hoje, nesta catequese, gostaria de reflectir de novo sobre as tarefas específicas dos sacerdotes que, segundo a tradição, são essencialmente três: ensinar, santificar e governar. Numa das catequeses precedentes falei sobre a primeira destas três missões: o ensino, o anúncio da verdade, o anúncio do Deus revelado em Cristo, ou – com outras palavras – a tarefa profética de pôr o homem em contacto com a verdade, de ajudá-lo a conhecer o essencial da sua vida, da própria realidade.
Hoje, gostaria de reflectir brevemente convosco sobre a segunda tarefa que o sacerdote tem, a de santificar os homens, sobretudo mediante os Sacramentos e o culto da Igreja. Aqui devemos perguntar-nos antes de tudo: o que quer dizer a palavra “Santo”? A resposta é: “Santo” é a qualidade específica do ser de Deus, ou seja, absoluta verdade, bondade, amor e beleza – luz pura. Portanto, santificar uma pessoa significa colocá-la em contacto com Deus, com este seu ser luz, verdade, amor puro. É óbvio que este contacto transforma a pessoa. Na antiguidade havia esta firme convicção: ninguém pode ver Deus, sem morrer imediatamente. A força da verdade e da luz é demasiado grande! Se o homem toca esta corrente absoluta, não sobrevive. Por outro lado, havia também esta convicção: sem um contacto mínimo com Deus, o homem não pode viver. Verdade, bondade e amor são condições fundamentais do seu ser. A questão é: como pode o homem encontrar aquele contacto com Deus, que é fundamental, sem morrer esmagado pela grandeza do ser divino? A fé da Igreja diz-nos que o próprio Deus cria este contacto, que nos transforma gradualmente em verdadeiras imagens de Deus.
Assim, chegamos de novo à tarefa do sacerdote de “santificar”. Nenhum homem por si mesmo, a partir da sua própria força, pode pôr o outro em contacto com Deus. Uma parte essencial da graça do sacerdote é o dom, a tarefa de criar este contacto. Isto realiza-se no anúncio da palavra de Deus, na qual a sua luz vem ao nosso encontro. Realiza-se de um modo particularmente denso nos Sacramentos. A imersão no Mistério pascal de morte e ressurreição de Cristo verifica-se no Baptismo, é revigorada na Confirmação e na Reconciliação, é alimentada pela Eucaristia, Sacramento que edifica a Igreja como Povo de Deus, Corpo de Cristo, Templo do Espírito Santo (cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Pastores gregis, 32). Portanto, é o próprio Cristo que santifica, ou seja, que nos atrai para a esfera de Deus. Mas como acto da sua misericórdia infinita chama alguns a “permanecer” com Ele (crf. Mc 3, 14) e a tornar-se, mediante o Sacramento da Ordem, não obstante a pobreza humana, partícipes do seu próprio Sacerdócio, ministros desta santificação, dispensadores dos seus mistérios, “pontes” do encontro com Ele, da sua mediação entre Deus e os homens, e entre os homens e Deus (cf. Presbyterorum ordinis, 5).
Nas últimas décadas, houve tendências orientadas para fazer prevalecer, na identidade e na missão do sacerdote, a dimensão do anúncio, desligando-a daquela da santificação; afirmou-se muitas vezes que seria necessário superar uma pastoral meramente sacramental. Mas é possível exercer de forma autêntica o Ministério sacerdotal, “superando” a pastoral sacramental? O que significa propriamente para os sacerdotes evangelizar, em que consiste a chamada primazia do anúncio? Como narram os Evangelhos, Jesus afirma que o anúncio do Reino de Deus é a finalidade da sua missão; porém, este anúncio não é apenas um “discurso” mas inclui, ao mesmo tempo, o seu próprio agir; os sinais, os milagres que Jesus realiza, indicam que o Reino vem como realidade presente e que no final coincide com a sua própria pessoa, com o dom de si, como ouvimos hoje na leitura do Evangelho. E o mesmo é válido para o ministro ordenado: ele, o sacerdote, representa Cristo, o Enviado do Pai e continua a sua missão, mediante a “palavra” e o “sacramento”. Santo Agostinho, numa carta enviada ao Bispo Honorato de Tiabes, referindo-se aos sacerdotes, afirma: “Portanto, os servos de Cristo, os ministros da palavra e do Seu sacramento façam aquilo que Ele ordenou ou permitiu” (Epist. 228, 2). É necessário reflectir se, em certos casos, o facto de ter subestimado o exercício fiel do munus sanctificandi, não representou talvez uma debilitação da própria fé na eficácia salvífica dos Sacramentos e, de modo definitivo, na obra actual de Cristo e do seu Espírito, através da Igreja, no mundo.
Portanto, quem salva o mundo e o homem? A única resposta que podemos dar é: Jesus de Nazaré, Senhor e Cristo, crucificado e ressuscitado. E onde se actualiza o Mistério da morte e ressurreição de Cristo, que traz a salvação? Na acção de Cristo, mediante a Igreja, de modo particular no Sacramento da Eucaristia, que torna presente a oferenda sacrifical redendora do Filho de Deus, no Sacramento da Reconciliação, em que da morte do pecado se volta à vida nova, e em todos os outros actos sacramentais de santificação (cf. Presbyterorum ordinis, 5). Portanto, é importante promover uma catequese adequada para ajudar os fiéis a compreender o valor dos Sacramentos, mas é igualmente necessário, a exemplo do Santo Cura d’Ars, estarmos disponíveis, sermos generoso e atentos a transmitir aos irmãos os tesouros de graça que Deus depositou nas nossas mãos, e dos quais não somos os “senhores”, mas guardiães e administradores. Sobretudo neste nosso tempo em que, por um lado, parece que a fé se vai debilitando e, por outro, sobressaem uma profunda necessidade e uma difundida busca de espiritualidade, é necessário que cada sacerdote se recorde que na sua missão o anúncio missionário, o culto e os sacramentos nunca estão separados, e promova uma pastoral sacramental sadia, para formar o Povo de Deus e para o ajudar a viver plenamente a Liturgia, o culto da Igreja e os Sacramentos como dons gratuitos de Deus, gestos livres e eficazes da sua acção de salvação.
Como eu recordava na Santa Missa Crismal deste ano: “O centro do culto da Igreja é o Sacramento. Sacramento significa que, em primeiro lugar, não somos nós homens que realizamos algo, mas é Deus que vem antes ao nosso encontro com o seu agir, que nos olha e nos conduz para junto de Si (…) Deus toca-nos por meio de realidades materiais (…) que Ele assume ao seu serviço, transformando-as em instrumentos do encontro entre nós e Ele mesmo” (Homilia na Santa Missa Crismal, 1 de Abril de 2010). A verdade segundo a qual no Sacramento “não somos nós homens que realizamos algo” refere-se, e deve referir-se, também à consciência sacerdotal: cada presbítero sabe bem que é um instrumento necessário para o agir salvífico de Deus, contudo é sempre instrumento. Tal consciência deve tornar-nos humildes e generosos na administração dos Sacramentos, no respeito pelas normas canónicas, mas também na profunda convicção de que a própria missão é fazer com que todos os homens, unidos a Cristo, possam oferecer-se a Deus como hóstia viva e santa do seu agrado (cf. Rm 12, 1). Acerca do primado do munus sanctificandi e da justa interpretação da pastoral sacramental, é novamente exemplar São João Maria Vianney que um dia, a um homem que dizia que não tinha fé e desejava discutir com ele, o pároco retorquiu: “Oh, meu amigo, orientas-te muito mal, eu não sei raciocinar… mas se tiveres necessidade de alguma consolação, põe-te acolá… (o seu dedo indicava o inexorável banco [do confessionário] e, acredita-me, muitos outros se puseram ali antes de ti, e não se arrependeram” (cf. Monnin A., Il curato d’Ars. Vita di Gian-Battista-Maria Vianney, vol. i, Turim 1870, págs. 163-164).
Estimados sacerdotes, vivei com alegria e com amor a Liturgia e o culto: é um gesto que o Ressuscitado cumpre no poder do Espírito Santo em nós, connosco e por nós. Gostaria de renovar o convite feito recentemente a “voltar ao confessionário, como lugar onde celebrar o Sacramento da Reconciliação, mas também como lugar onde “habitar” com mais frequência, para que o fiel possa encontrar misericórdia, sentir-se amado e compreendido por Deus e experimentar a presença da Misericórdia Divina ao lado da Presença real na Eucaristia” (Discurso à Penitenciaria Apostólica, 11 de Março de 2010). E quereria convidar também cada sacerdote a celebrar e viver com intensidade a Eucaristia, que está no coração da tarefa de santificar; é Jesus que quer estar connosco, viver em nós, doar-se-nos, mostrar-nos a misericórdia e a ternura infinitas de Deus; é o único Sacrifício de amor de Cristo que se torna presente, se realiza entre nós e chega até ao trono da Graça, à presença de Deus, abrange a humanidade e nos une a Ele (cf. Discurso ao Clero de Roma, 18 de Fevereiro de 2010). E o sacerdote está chamado a ser ministro deste grande Mistério, no Sacramento e na vida. Se “a grande tradição eclesial justamente desligou a eficácia sacramental da situação existencial concreta de cada sacerdote, e assim as legítimas expectativas dos fiéis são adequadamente salvaguardadas”, isto em nada diminui “a necessária, aliás indispensável, tensão para a perfeição moral, que deve habitar em cada coração autenticamente sacerdotal”: há também um exemplo de fé e de testemunho de santidade, que o Povo de Deus justamente espera dos seus Pastores (cf. Bento XVI, Discurso à Plenária da Congregação para o Clero, 16 de Março de 2009). E é na celebração dos Santos Mistérios que o presbítero encontra a raiz da sua santificação (cf. Presbyterorum ordinis, 12-13).
Caros amigos, sede conscientes do grande dom que os sacerdotes são para a Igreja e para o mundo; através do seu ministério, o Senhor continua a salvar os homens, a tornar-se presente, a santificar. Sabei dar graças a Deus, e sobretudo estai próximos dos vossos sacerdotes com a oração e o apoio, de maneira especial nas dificuldades, a fim de que haja cada vez mais Pastores segundo o Coração de Deus. Obrigado!
Saudações
Uma saudação cordial aos grupos do Brasil, designadamente aos fiéis do Santuário Nossa Senhora da Piedade, em Botucatu, e demais peregrinos de língua portuguesa. Com a Virgem Maria, neste mês que Lhe é especialmente dedicado, imploremos o Espírito de Amor sobre todos os sacerdotes para que sejam pastores segundo o coração de Deus. Sobre vós, vossas famílias e paróquias, desça a minha Bênção.
Aproveito este momento para enviar uma saudação particular ao querido povo de Portugal, país com uma história muito ligada ao Papa, bispo de Roma. Para lá partirei na próxima terça-feira, aceitando o convite que me foi feito pelo Senhor Presidente da República e pela Conferência Episcopal Portuguesa. Sinto-me muito feliz por poder visitar as «Terras de Santa Maria», no décimo aniversário da beatificação dos Pastorinhos de Fátima, Francisco e Jacinta Marto. A todos, sem excluir ninguém, saúdo cordialmente. Até breve, em Lisboa, Fátima e Porto!
No dia 3 de Maio passado tiveram início em Nova Iorque os trabalhos da oitava Conferência de revisão do Tratado de não-proliferação de armas nucleares. O processo em vista do desarmamento nuclear concertado e seguro está estreitamente ligado ao pleno e solícito cumprimento dos relativos compromissos internacionais. Com efeito, a paz baseia-se na confiança e no respeito pelas obrigações assumidas, e não apenas no equilíbrio das forças. Neste espírito, encorajo as iniciativas que promovem um desarmamento progressivo e a criação de áreas livres de armas nucleares, na perspectiva da sua completa eliminação do planeta. Enfim, exorto todos os participantes na reunião de Nova Iorque a superar os condicionamentos da história e a tecer pacientemente a trama política e económica da paz, para ajudar o desenvolvimento humano e integral e as autênticas aspirações dos povos.
Bento XVI
Audiência Geral 05 de maio de 2010.