Pe. Matheus Pigozzo
Amados irmãos, neste clima de concentração e piedade, envolvidos no mistério da Crucificação de Nosso Senhor, pego um texto muito piedoso da Via Sacra composta por São Josemaria Escrivá, para nossa meditação. São Josemaria contemplando o crucifixo fez sua oração que a podemos fazer nossa:
“Amo tanto Cristo na Cruz, que cada crucifixo é como uma censura carinhosa do meu Deus: — Eu sofrendo, e tu… covarde. Eu amando-te, e tu… esquecendo-me. Eu pedindo-te, e tu… negando-me. Eu, aqui, com gesto de Sacerdote Eterno, padecendo quanto é possível por amor de ti, e tu… te queixas ante a menor incompreensão, ante a menor humilhação…” (Via Crucis XI Estação).
Caros irmãos, se temos amor ao Senhor e consciência de nossa pequenez, olhar Jesus na cruz é também para nós uma “censura carinhosa”. Deixemo-nos questionar pelo crucificado para que brote do nosso coração um desejo ardente de nos convertermos e vivermos dedicados amorosamente a Ele.
Eu sofrendo, e tu covarde!
Com espanto reconhecemos a fortaleza de Jesus. Golpes, injúrias, quedas, cravos, peso, chutes, tapas… E Jesus no caminho, dizia antes de chegar esse momento: “Como desejei comer essa Páscoa convosco” (Cf. Lc 22), como que dizendo: “Anseio por dar a minha vida por vocês!”. Jesus mergulha no sofrimento! Abraça a cruz, levanta uma e outra vez e pega a cruz para ser sacrificado pela humanidade. Quanta fortaleza! Quanta constância! Em contra partida, devemos, com sincera humildade, reconhecer a nossa covardia. “Eu sofrendo, e tu covarde”. Numa era da idolatria do conforto, ou, nas palavras do Papa Francisco, na “cultura do bem-estar”, nós cristãos estamos esquecendo que nosso Deus fui crucificado – “homens das dores e habituado ao sofrimento” (Is 53), como dizia o Profeta.
Será que a idolatria da saúde, da estética e da vida fácil não penetrou nossos corações? Não estamos vivendo uma fé covarde? Não estamos abdicando das exigências do Evangelho da Cruz? Nossa covardia não tem se manifestado num desejo de um seguimento sem sacrifício? Queremos Cristo, mas sem abandonar o mundanismo, queremos Cristo, mas com mandamentos adaptados a nós. Não rotulamos a densidade do Evangelho de ser algo retrógrado e radical, uma interpretação do passado?
“Eu sofrendo, e tu covarde!”. Ao pensamos em nossa covardia e falta de amor a Jesus, imaginemos o que nossa geração falaria aos santos e mártires. O que nossas concessões sensuais e de sincretismo pareceriam diante de um São Tomás More? Como soaria nossa avareza e apego ao conforto para São José de Anchieta que evangelizou nossas terras por amor a Deus? Como veria o desprezo ao matrimônio e à vida uma Santa Gianna?
Enquanto não abraçarmos integralmente o Evangelho seremos covardes.
Eu amando-te, e tu esquecendo-me
Nessa outra censura da oração de São Josemaria, poderíamos reconhecer nossa ingratidão e esquecimento. Quem ama quer estar perto! O amor de Deus fez Ele se tornar homem, se tornar sacramento. Todos os dias vem sobre os altares, initerruptamente fica em nossos sacrários. Dispensa seu perdão nos confessionários. Fala, na Igreja sua doutrina e instrução. Quanto amor! Na cruz, cada golpe é por mim! Onde eu estou? Será que em nossa vida não se repete a frase interrogativa de Deus para Adão no Gênesis – “onde estás?”.
A ânsia do material, a ilusão de que essa vida terrena é definitiva não está programando nossa rotina? “Tu me esquecendo!”. Nossa vida de oração é consistente? Tenho desejo dos sacramentos? Visito Jesus na Eucaristia? Onde está nossa prioridade? Envergonhados devemos reconhecer que damos tempo para tantas coisas e pessoas. Temos interesse em tantos assuntos e, Ele, o que deu a vida por nós e nos salva, nós esquecemos!
Jesus com os braços erguidos na cruz diz a nós: “Eu amando-te, e você?”. Ele tem sede de nosso amor, de nossa presença. Não O esqueçamos.
Eu pedindo-te, e tu negando-me
Essa outra frase do trecho de São Josemaria que estamos meditando, provoca-nos a pensar em nossas negativas a Deus. O orgulho que deixamos fluir em nós, nos leva à atitude ridícula de pensarmos que sabemos mais do que Deus. Olhamos seus pedidos morais com desconfiança como se fossem um caminho de infelicidade ou sem sentido. Ele pedindo-nos para nos dar a felicidade e nós, negando. Ele é Deus, podia ordenar, mas, Ele é amor, então pede! Um filho que tem um pai amoroso escuta seu pedido como uma ordem para realizar com amor.
Em nossa sociedade se difunde uma crise de autoridade e de obediência. O mundo foi salvo pela obediência, obediência até a morte de cruz. Os pedidos de Deus em seus mandamentos e em seu Evangelho são pedidos para o nosso bem. A falta de adequação da vida aos pedidos de Deus sufoca o nosso desenvolvimento espiritual e traz amargura e tristeza. Achamos que sabemos mais que nosso Senhor, e negando a seus pedidos, vivemos como o jovem rico – cheio de coisas que queremos mas sem a alegria e salvação.
Sempre há tempo de generosos com Deus. Pensemos: o que tenho negado a Deus? A caridade e perdão ao próximo? A pureza e castidade no relacionamento ou na rede social? A obediência e respeito aos meus superiores? O Bom Ladrão dá um exemplo de que nunca é tarde e de que não se precisa ter muito para se dar a Deus. Basta se lançar com confiança. Diante de um coração que diz “sim” O crucificado responde – “estarás comigo no Paraíso!” (Cf. Lc 23).
A Igreja nos colocará diante da Cruz. Na liturgia não recordamos um feito passado, mas vivemos o mistério. Com o beijo e nossa reverência, nossa oração e piedade, queiramos reparar o coração de Jesus pelas nossas infidelidades e pedir graça para nos tornamos cristãos fervorosos e apaixonados por Ele.
A Senhora das Dores nos apresenta seu Filho crucificado e também pode levar a Ele nossas preces. Estejamos junto a ela na cruz.