Sacerdote para eternidade

Há dias, ao celebrar a Santa Missa, detive-me um breve momento para considerar as palavras
de um salmo que a liturgia punha na antífona da Comunhão: O Senhor é o meu pastor, nada
me poderá faltar. Esta invocação trouxe-me à memória os versículos de outro salmo, que se
recitava na cerimónia da Primeira Tonsura: o Senhor é a parte da minha herança. O próprio
Cristo põe-se nas mãos dos sacerdotes, que se fazem assim dispensadores dos mistérios –
das maravilhas – do Senhor. No próximo Verão receberá as Sagradas Ordens meia centena de
membros do Opus Dei. Desde 1944 sucedem-se, como uma realidade de graça e de serviço à
Igreja, estas ordenações sacerdotais de alguns membros da Obra. Apesar disso, todos os anos
há gente que se espanta. Como é possível, interrogam-se, que trinta, quarenta, cinquenta
homens, com uma vida cheia de afirmações e de promessas, estejam dispostos a ser
sacerdotes? Queria expor hoje algumas considerações, mesmo correndo o risco de aumentar
nessas pessoas os motivos de perplexidade.

Porquê ser Sacerdote?

O santo sacramento da Ordem Sacerdotal será ministrado a este grupo de membros da Obra,
que contam com uma valiosa experiência – talvez de muito tempo – como médicos, advogados,
engenheiros, arquitectos ou de outras diversíssimas actividades profissionais. São homens
que, como fruto ,do seu trabalho, estariam capacitados para aspirar Ia postos mais ou menos
relevantes na sua esfera social.

Vão ordenar-se para servir. Não para mandar, não para brilhar, mas para se entregarem, num
silêncio incessante e divino ao serviço de todas as almas. Quando forem sacerdotes não se
deixarão arrastar pela tentação de imitar as ocupações e o trabalho ,dos leigos, mesmo que se
trate de tarefas que conheçam bem por as terem realizado até agora, o que lhes conferiu uma
mentalidade laical que não perderão nunca.

A sua competência nos diversos ramos do saber humano – da história, das ciências naturais,
da psicologia, do direito, da sociologia -, embora faça parte necessariamente dessa
mentalidade laical, não os levará a quererem apresentar-se como sacerdotes-psicólogos,
sacerdotes-biólogos ou sacerdotes-sociólogos. Receberam o sacramento da Ordem para
serem, nem mais nem menos, sacerdotes-sacerdotes, sacerdotes cem por cento.

É provável que sobre muitos assuntos temporais e humanos, entendam mais do que muitos
leigos. Mas, desde que são sacerdotes, calam com alegria essa competência para continuarem
a fortalecer-se espiritualmente através da oração constante, para falarem só de Deus, para
pregarem o Evangelho e administrarem os sacramentos. Este é, se assim se pode dizer, o seu
novo trabalho profissional, ao qual dedicam todas as horas do dia, que sempre serão poucas,
porque é preciso estudar constantemente a ciência de Deus, orientar espiritualmente tantas
almas, ouvir muitas confissões, pregar incansavelmente e rezar muito, muito, com o coração
sempre posto no Sacrário, onde está realmente presente Aquele que nos escolheu para
sermos seus, numa maravilhosa entrega cheia de alegria, inclusivamente no meio de
contrariedades, que a nenhuma criatura faltam.

Todas estas considerações podem aumentar, como vos dizia, os motivos de admiração. Alguns
continuarão talvez a perguntar a si mesmos: mas porquê esta renúncia a tantas coisas boas e
nobres da terra, a uma profissão mais ou menos brilhante, a influir cristãmente, com o exemplo,
no âmbito da cultura profana, do ensino, da economia, ou de qualquer outra actividade social?
Outros ficarão admirados lembrando-se de que hoje, em não poucos sítios, grassa uma
desorientação notável sobre a figura do sacerdote; apregoa-se que é preciso procurar a sua
identidade e põe-se em dúvida o significado que, nas circunstâncias actuais, possa ter a
entrega a Deus no sacerdócio. Finalmente, também poderá surpreender alguns que, numa
época em que escasseiam as vocações sacerdotais, estas surjam entre cristãos que já tinham
resolvido – graças a um trabalho pessoal exigente – os problemas de colocação e trabalho no
mundo.

Sacerdotes e leigos

Compreendo essa estranheza, mas não seria sincero se afirmasse que a compartilho. Estes
homens que, livremente, porque assim o quiseram – e isto é uma razão muito sobrenatural –
abraçam o sacerdócio, sabem que não fazem nenhuma renúncia, no sentido em que
vulgarmente se emprega esta palavra. Já se dedicavam – pela sua vocação ao Opus Dei – ao
serviço da Igreja e de todas as almas, com uma vocação plena, divina, que os levava a
santificar o trabalho e a procurar, por meio dessa ocupação profissional, a santificação dos
outros.

Como todos os cristãos, os membros do Opus Dei, sacerdotes e leigos, sempre cristãos
correntes, encontram-se entre os destinatários destas palavras de S. Pedro: vós sois raça
eleita, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido, afim de anunciantes as virtudes d’Aquele
que vos chamou das trevas para a Sua luz admirável. Vós que outrora não éreis o Seu povo,
mas que agora sois o povo de Deus; vós que antes não tínheis alcançado misericórdia e agora
a alcançastes.

Uma única e a mesma é a condição de fiéis cristãos nos sacerdotes e nos leigos, porque Deus
Nosso Senhor nos chamou a todos à plenitude da caridade, à santidade: bendito seja Deus e
Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com toda a espécie de bênçãos
espirituais em Cristo. Foi assim que n’Ele nos escolheu antes da constituição do mundo, para
sermos santos e imaculados diante dos Seus olhos.

Não há santidade de segunda categoria: ou existe uma luta constante por estar na graça de
Deus e ser conformes a Cristo, nosso Modelo, ou desertamos dessas batalhas divinas. O
Senhor convida todos para que cada um se santifique no seu próprio estado. No Opus Dei esta
paixão pela santidade – apesar dos erros e misérias individuais – não se diferencia pelo facto de
se ser sacerdote ou leigo; e, além disso, os sacerdotes são apenas uma pequeníssima parte,
em comparação com o total de membros.

Olhando com olhos de fé, a chegada ao sacerdócio não constitui, portanto, nenhuma renúncia;
e chegar ao sacerdócio também não significa um passo mais na vocação ao Opus Dei. A
santidade não depende do estado – solteiro, casado, viúvo, sacerdote -, mas sim da
correspondência pessoal à graça, que a todos é concedida, para aprendermos a afastar de nós
as obras das trevas e para nos revestirmos das armas da luz, da serenidade, da paz, do
serviço sacrificado e alegre à humanidade inteira.

Dignidade do Sacerdócio

O sacerdócio leva a servir a Deus num estado que, em si mesmo, não é melhor nem pior do
que os outros; é diferente. Mas a vocação de sacerdote aparece revestida duma dignidade e
duma grandeza que nada na terra supera. Santa Catarina de Sena põe na boca de Jesus
Cristo estas palavras: não quero que diminua a reverência que se deve professar aos
sacerdotes, porque a reverência e o respeito que se lhes manifesta, não se dirige a eles, mas a
Mim, em virtude do Sangue que lhes dei para que o administrem. Se não fosse isso, deveríeis
dedicar-lhes a mesma reverência que aos leigos e não mais… Não devem ser ofendidos:
ofendendo-os ofende-se a Mim e não a eles. Por isso o proibi e estabeleci que não admito que
toqueis nos meus Cristos.

Alguns afadigam-se à procura, como dizem, da identidade do sacerdote. Que claras resultam
estas palavras da Santa de Sena! Qual é a identidade do sacerdote? A de Cristo. Todos os
cristãos podem e devem ser, não já alter Christus, mas ipse Christus: outros Cristos, o próprio
Cristo! Mas no sacerdote isto dá-se imediatamente, de forma sacramental.

Para realizar uma obra tão grande – a da Redenção – Cristo está sempre presente na Igreja,
principalmente nas acções litúrgicas. Está presente no sacrifício da Missa, tanto na pessoa do
Ministro – “oferecendo-se agora por ministério dos sacerdotes O mesmo que se ofereceu a si
mesmo na cruz” -, como, sobretudo, sob as espécies eucarísticas. Pelo sacramento da Ordem,
o sacerdote torna-se efectivamente apto para emprestar a Nosso Senhor a voz, as mãos, todo
o seu ser: é Jesus Cristo quem, na Santa Missa, com as palavras da consagração, transforma
a substância do pão e do vinho no Seu Corpo, Alma, Sangue e Divindade.

Nisto se fundamenta a incomparável dignidade do sacerdote. Uma grandeza emprestada,
compatível com a minha pequenez. Eu peço a Deus Nosso Senhor que nos dê, a todos os
sacerdotes, a graça de realizar santamente as coisas santas, e de reflectir também na nossa
vida as maravilhas das grandezas do Senhor. Nós, que celebramos os mistérios da Paixão do
Senhor, temos de imitar o que fazemos. E então a hóstia ocupará o nosso lugar diante de
Deus, se nós mesmos nos fizermos hóstias.

Se alguma vez encontrais um sacerdote que, exteriormente, não parece viver de acordo com o
Evangelho – não o julgueis, Deus o julga – , sabei que, se celebrar validamente a Santa Missa,
com intenção de consagrar, Nosso Senhor não deixa de descer até àquelas mãos, ainda que
sejam indignas. Pode haver maior entrega, maior aniquilamento? Mais do que em Belém e no
Calvário! Porquê? Porque Jesus Cristo tem o Coração oprimido pelas suas ânsias redentoras,
porque não quer que ninguém possa dizer que não foi chamado, porque se faz encontrar pelos
que não O procuram.

É amor? Não há outra explicação. Que insuficientes se tornam as palavras, para falar do Amor
de Cristo! Ele baixa-se a tudo, admite tudo, expõe-se a tudo – a sacrilégios, a blasfémias, à
frieza da indiferença de tantos – com o fim de oferecer, ainda que seja a um único homem, a
possibilidade de descobrir o bater de um Coração que salta no Seu peito chagado.
Esta é a identidade do sacerdote: instrumento imediato e diário da graça salvadora que Cristo
ganhou para nós. Se se compreende isto, se isto é meditado no silêncio activo da oração,
como se pode considerar o sacerdócio uma renúncia? É um ganho impossível de calcular. A
Nossa Mãe Santa Maria, a mais santa das criaturas – mais do que Ela, só Deus – trouxe uma
vez Jesus ao mundo; os sacerdotes trazem-no à nossa terra, ao nosso corpo e à nossa alma,
todos os dias: Cristo vem para nos alimentar, para no vivificar, para ser, desde já, penhor da
vida futura.

Sacerdócio comum e sacerdócio ministerial

Nem como homem, nem como fiel cristão, o sacerdote é mais do que o leigo. Por isso é muito
conveniente que o sacerdote professe uma profunda humildade, para entender como também
no seu caso se cumprem plenamente, de modo especial, aquelas palavras de S. Paulo: que
possuís que não tenhais recebido? O recebido… é Deus! O recebido é poder celebrar a
Sagrada Eucaristia, a Santa Missa – fim principal da ordenação sacerdotal -, perdoar os
pecados, administrar outros sacramentos e pregar com autoridade a Palavra de Deus, dirigindo
os outros fiéis nas coisas que se referem ao Reino dos Céus.

O sacerdócio dos presbíteros, que pressupõe os sacramentos da iniciação cristã, confere-se
mediante um Sacramento particular, pelo qual os presbíteros, pela unção do Espírito Santo,
são selados com um carácter especial e se configuram com Cristo Sacerdote de tal modo que
podem actuar na pessoa de Cristo cabeça. A Igreja é assim, não por capricho dos homens,
mas por expressa vontade de Jesus Cristo, seu Fundador. O sacrifício e o sacerdócio estão tão
unidos, por determinação de Deus, que em toda a Lei, na Antiga e na Nova Aliança, existiram
os dois. Tendo, pois, recebido a Igreja Católica no Novo Testamento, por instituição do Senhor,
o sacrifício visível da Eucaristia, deve-se também confessar que há n’Ele um novo sacerdócio,
visível e externo, no qual se transformou o antigo.

Nos que são ordenados este sacerdócio ministerial soma-se ao sacerdócio comum de todos os
fiéis. Portanto, seria um erro defender que um sacerdote é mais cristão do que qualquer outro
fiel, mas pode afirmar-se que é mais sacerdote: pertence, como todos os cristãos, ao povo
sacerdotal redimido por Cristo e, além disso, está marcado com o carácter do sacerdócio
ministerial, que se diferencia essencialmente, e não apenas em grau, do sacerdócio comum
dos fiéis.

Não compreendo o empenho de alguns sacerdotes em se confundirem com os outros cristãos
esquecendo ou descuidando a sua missão específica na Igreja, para a qual foram ordenados.
Pensam que os cristãos desejam ver no sacerdote um homem mais Não é verdade. No
sacerdote querem admirar as virtudes próprias de qualquer cristão e de qualquer homem
honrado: a compreensão, a justiça, a vida de trabalho – trabalho sacerdotal neste caso -, a
caridade, a educação, a delicadeza no trato. Mas, juntamente com isto, os fiéis pretendem que
se destaque claramente o carácter sacerdotal: esperam que o sacerdote reze, que não se
negue a administrar os Sacramentos, que esteja disposto a acolher a todos sem se constituir
chefe ou militante de partidarismos humanos, sejam de que tipo forem; que ponha amor e
devoção na celebração da Santa Missa, que se sente no confessionário, que conforte os
doentes e os atormentados, que ensine catequese às crianças e aos adultos, que pregue a
Palavra de Deus e não qualquer tipo de ciência humana, que – mesmo que a conhecesse
perfeitamente – não seria a ciência que salva e leva à vida eterna; que saiba aconselhar e ter
caridade com os necessitados.

Numa palavra: pede-se ao sacerdote que aprenda a não estorvar em si a presença de Cristo
nele, especialmente no momento em que realiza o Sacrifício do Corpo e Sangue e quando, em
nome de Deus, na Confissão sacramental auricular e secreta, perdoa os pecados. A
administração destes dois Sacramentos é tão capital na missão do sacerdote, que tudo o mais
deve girar à sua volta. As outras tarefas sacerdotais – a pregação e a instrução na fé –
careceriam de base, se não estivessem dirigidas a ensinar a ter intimidade com Cristo, a
encontrar-se com Ele no tribunal amoroso da Penitência e na renovação incruenta do Sacrifício
do Calvário, na Santa Missa.

Deixai que me detenha ainda um pouco na consideração do Santo Sacrifício: porque, se para
nós é o centro e a raiz da vida cristã, deve sê-lo, de modo especial, na vida do sacerdote. Um
sacerdote que, culpavelmente, não celebrasse diariamente o Santo Sacrifício do Altar,
demonstraria pouco amor de Deus; seria como lançar em cara a Cristo que não compartilha da
ânsia de Redenção, que não compreende a sua impaciência em se entregar, inerme, como
alimento da alma.

Sacerdote para a Santa Missa

Convém recordar, com importuna insistência, que todos nós, sacerdotes, quer sejamos
pecadores quer santos, quando celebramos a Santa Missa não somos nós próprios. Somos
Cristo, que renova no altar o seu divino Sacrifício do Calvário. A obra da nossa Redenção
cumpre-se continuamente no mistério do Sacrifício Eucarístico, no qual os sacerdotes exercem
o seu principal ministério, e por isso recomenda-se encarecidamente a sua celebração diária
pois, mesmo que os fiéis não possam estar presentes, é um acto de Cristo e da sua Igreja .

Ensina o Concilio de Trento que na Missa se realiza, se contém e incruentamente se imola
aquele mesmo Cristo que uma só vez se ofereceu Ele mesmo cruentamente no altar da Cruz…
Com efeito, a vítima é uma e a mesma: e O que agora se oferece pelo ministério dos
sacerdotes, é O mesmo que então se ofereceu na Cruz, sendo apenas diferente a maneira de
se oferecer.

A assistência ou a falta de assistência de fiéis à Santa Missa não altera em nada esta verdade
de fé. Quando celebro rodeado de povo, sinto-me satisfeito, sem necessidade de me
considerar presidente de nenhuma assembleia. Sou, por um lado, um fiel como os outros, mas
sou, sobretudo, Cristo no Altar! Renovo incruentamente o divino Sacrifício do Calvário e
consagro in persona Christi, representando realmente Jesus Cristo, porque lhe empresto o meu
corpo, a minha voz e as minhas mãos, o meu pobre coração, tantas vezes manchado, que
quero que Ele purifique.

Quando celebro a Santa Missa apenas com a participação daquele que ajuda à Missa, também
aí há povo. Sinto junto de mim todos os católicos, todos os crentes e também os que não
crêem. Estão presentes todas as criaturas de Deus – a terra, o céu, o mar, e os animais e as
plantas -, dando glória ao Senhor da Criação inteira.

E especialmente – di-lo-ei com palavras do Concilio Vaticano II – unimo-nos no mais alto grau
ao culto da Igreja celestial, comunicando e venerando sobretudo a memória da gloriosa sempre
Virgem Maria, de S. José, dos santos Apóstolos e Mártires e de todos os santos.
Peço a todos os cristãos que rezem muito por nós, sacerdotes, para que saibamos realizar
santamente o Santo Sacrifício. Rogo-lhes que mostrem um amor tão delicado à Santa Missa,
que nos leve, a nós, sacerdotes, a celebrá-la com dignidade – com elegância – humana e
sobrenatural: com asseio nos paramentos e nos objectos destinados ao culto, com devoção,
sem pressas.

Porquê pressa? Têm-na por acaso os namorados ao despedir-se? Parece que se vão embora
e não vão: voltam uma e outra vez, repetem palavras correntes como se acabassem de as
descobrir… Não receeis aplicar exemplos do amor humano, nobre, limpo, às coisas de Deus.
Se amarmos o Senhor com este coração de carne – não temos outro – não sentiremos pressa
em terminar esse encontro, essa entrevista amorosa com Ele.

Alguns vivem com calma e não se importam de prolongar até ao cansaço leituras, avisos,
anúncios Mas, ao chegarem ao momento principal da Santa Missa, ao Sacrifício propriamente
dito, precipitam-se, contribuindo assim para que os outros fiéis não adorem com piedade
Cristo, Sacerdote e Vítima; nem aprendam a dar-lhe graças depois – com pausa, sem
precipitações -, por ter querido vir de novo até nós.

Todos os afectos e necessidades do coração do cristão encontram na Santa Missa o melhor
caminho: aquele que, por Cristo, chega ao Pai no Espirito Santo. O sacerdote deve pôr
especial empenho em que todos o saibam e vivam. Não há actividade alguma que possa
antepor-se normalmente à de ensinar e fazer amar e venerar a Sagrada Eucaristia.

O sacerdote exerce dois actos: um, principal, sobre o Corpo de Cristo verdadeiro; outro,
secundário, sobre o Corpo Místico de Cristo. O segundo acto ou ministério depende do
primeiro, e não ao contrário . Por isso, o que há de melhor no ministério sacerdotal é procurar
que todos os católicos se aproximem do Santo Sacrifício cada vez com mais pureza, humildade
e veneração. Se o sacerdote se esforça nesta tarefa, não ficará defraudado, nem defraudará as
consciências dos seus irmãos cristãos.

Na Santa Missa adoramos, cumprindo amorosamente o primeiro dever da criatura para com o
seu Criador: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás. Não adoração fria, exterior, de
servo; mas íntima estima e acatamento, que é amor profundo de filho.

Na Santa Missa encontramos a oportunidade perfeita de expiar os nossos pecados e os de
todos os homens: para poder dizer, como S. Paulo, que estamos cumprindo na nossa carne o
que falta padecer a Cristo. Ninguém caminha sozinho no mundo, ninguém deve considerar-se
livre de uma parte de culpa no mal que se comete sobre a terra, consequência do pecado
original e também da soma de muitos pecados pessoais. Amemos o sacrifício, procuremos a
expiação. Como? Unindo-nos na Santa Missa a Cristo, Sacerdote e Vítima; será sempre Ele
quem carregará com o peso imenso das infidelidades das criaturas; das tuas e das minhas…

O Sacrifício do Calvário é uma prova infinita a generosidade de Cristo. Nós – cada um – somos
sempre muito interesseiros; mas Deus Nosso Senhor não se importa de que na Santa Missa
Lhe apresentemos todas as nossas necessidades. Quem não tem coisas a pedir? Senhor,
aquela doença… Senhor, esta tristeza… Senhor, aquela humilhação, que não sei suportar por
amor de Ti… Queremos o bem, a felicidade e a alegria das pessoas da nossa casa; oprime-nos
o coração a sorte dos que padecem fome e sede de pão e de justiça; dos que sentem a
amargura da solidão; dos que, no termo dos seus dias, não recebem um olhar de carinho nem um gesto de ajuda.

Mas a grande miséria que nos faz sofrer, a grande necessidade a que queremos pôr remédio é
o pecado, o afastamento de Deus, o risco de que as almas se percam para toda a eternidade.
Levar os homens à glória eterna no amor de Deus: esta é a nossa aspiração fundamental ao
celebrar a Missa, como o foi a de Cristo ao entregar a sua vida no Calvário.

Acostumemo-nos a falar com esta sinceridade ao Senhor, quando desce, vítima inocente, até
às mãos do sacerdote. A confiança no auxilio do Senhor dar-nos-á essa delicadeza de alma,
que se traduz sempre em obras de bem e de caridade, de compreensão, de profunda ternura
com os que sofrem e com os que vivem artificialmente fingindo uma satisfação oca, tão falsa,
que depressa se converte em tristeza.

Agradeçamos, finalmente, tudo o que Deus Nosso Senhor nos concede, pelo facto maravilhoso
de Se nos entregar Ele mesmo. Que venha ao nosso peito o Verbo Encarnado!… Que se
encerre, na nossa pequenez, Aquele que criou céus e terra!… A Virgem Maria foi concebida
imaculada para albergai Cristo no seu seio. Se a acção de graças há-de ser proporcional à
diferença entre o dom e os méritos, não devíamos converter todo o nosso dia numa Eucaristia
contínua? Não saiais do templo, mal acabeis de receber o Santo Sacramento. Tão importante é
o que vos espera que não podeis dedicar ao Senhor dez minutos para lhe dizer obrigado? Não
sejamos mesquinhos. Amor com amor se paga.

Um sacerdote que vive deste modo a Santa Missa adorando, expiando, impetrando, dando
graças, identificando-se com Cristo -, e que ensina os outros a fazer do Sacrifício do Altar o
centro e a raiz da vida do cristão, demonstrará realmente a grandeza incomparável da sua
vocação, esse carácter com que foi selado, e que não perderá por toda a eternidade. Sei que
me compreendeis quando vos afirmo que, ao lado de um sacerdote assim, se pode considerar
um fracasso – humano e cristão – a conduta de alguns que se comportam como se tivessem de
pedir desculpa por ser ministros de Deus. É uma desgraça, porque os leva a abandonar o
ministério, a arremedar os leigos, a procurar uma segunda ocupação que a pouco e pouco
suplanta a que lhes é própria por vocação e por missão. Frequentemente, ao fugir do trabalho
de cuidar espiritualmente das almas, tendem a substituí-lo por uma intervenção em campos
próprios dos leigos – nas iniciativas sociais, na política -, aparecendo então esse fenómeno do
clericanismo, que é a patologia da verdadeira missão sacerdotal.

Não quero terminar com esta nota sombria, que pode parecer pessimismo. Não desapareceu
na Igreja de Deus o autêntico sacerdócio cristão; a doutrina é imutável, ensinada pelos lábios
divinos de Jesus. Há muitos milhares de sacerdotes em todo o mundo que cumprem
plenamente a sua missão, sem espectáculo, sem cair na tentação de lançar pela borda fora um
tesouro de santidade e de graça, que existe na Igreja desde o princípio.

Aprecio a dignidade da finura humana e sobrenatural destes meus irmãos, espalhados por toda
a terra. É de justiça que se vejam já agora rodeados pela amizade, a ajuda e o carinho de
muitos cristãos. E quando chegar o momento de se apresentarem diante de Deus, Jesus Cristo
irá ao seu encontro, para glorificar eternamente aqueles que, no tempo, actuaram em seu
nome e na sua Pessoa, derramando com generosidade a graça de que eram administradores.
Voltemos de novo, em pensamento, aos membros do Opus Dei que serão sacerdotes no
próximo Verão. Não deixeis de pedir por eles, para que sejam sempre sacerdotes fiéis,
piedosos, doutos, entregues, alegres! Encomendai-os especialmente a Santa Maria, que torna
ainda mais generosa a sua solicitude de Mãe com aqueles que se empenham, para toda a
vida, em servir de perto o seu Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, Sacerdote Eterno.

São Josemaria Escrivá.

© 2002 Fundação Studium

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