Missa Vespertina da Ceia do Senhor
Segundo uma antiquíssima tradição da Igreja, são proibidas neste dia todas as Missas sem participação do povo.
De tarde, à hora mais conveniente, celebra-se a Missa da Ceia do Senhor, com plena participação de toda a comunidade local; nela, todos os sacerdotes e ministros exercem o seu ofício próprio.
Os sacerdotes que tiverem concelebrado na Missa crismal, ou tiverem celebrado para utilidade dos fiéis, podem novamente concelebrar nesta Missa vespertina.
Onde o exigir o interesse pastoral, o Ordinário do lugar pode permitir a celebração de outra Missa nas igrejas, oratórios públicos ou semipúblicos nas horas vespertinas e, em casos de verdadeira necessidade, até da parte da manhã, mas só para os fiéis que de nenhum modo podem tomar parte na Missa vespertina. Deve evitar-se, no entanto, que tais celebrações se façam em proveito de pessoas particulares ou possam prejudicar a Missa vespertina principal.
A sagrada comunhão só pode ser distribuída aos fiéis dentro da Missa. Aos doentes, porém, pode levar-se a comunhão a qualquer hora do dia.
O sacrário deve estar completamente vazio. Para a comunhão do clero e dos fiéis, consagre-se nesta Missa pão suficiente para hoje e amanhã.
RITOS INICIAIS
ANTÍFONA DE ENTRADA: Toda a nossa glória está na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. N’Ele está a nossa salvação, vida e ressurreição. Por Ele fomos salvos e livres.
Diz-se o Glória. Enquanto se canta este hino, tocam-se os sinos, que não voltarão a tocar-se até à Vigília Pascal, a não ser que a Conferência Episcopal ou o Ordinário do lugar julguem oportuno estabelecer outra coisa.
Introdução ao espírito da Celebração
Jesus «tendo amado os Seus, que estavam no mundo, amou-os até ao fim.» Assim se revela o Amor infinito de Deus por cada um de nós, em Quinta-Feira Santa. Na última Ceia, em Jesus, Deus e Homem verdadeiro, como que tocamos esse Amor. Ele dá a Sua vida por nós, derramando todo o Seu Sangue, mas também fica connosco, entregando-nos o Seu Corpo e Sangue em alimento. Deixa-nos o Mandamento Novo e ensina-nos a concretizá-lo – lava os pés aos Apóstolos.
Hoje, de maneira especial, somos convidados a reflectir em tanto Amor, que Jesus nos revela para que, bem cheios deste Amor, O amemos cada vez mais e consequentemente estejamos também mais atentos às necessidades espirituais e materiais do próximo, que todo ele, é de Deus.
ORAÇÃO COLECTA: Senhor nosso Deus, que nos reunistes para celebrar a Ceia santíssima em que o vosso Filho Unigénito, antes de Se entregar à morte, confiou à Igreja o sacrifício da nova e eterna aliança, fazei que recebamos, neste sagrado banquete do Seu amor, a plenitude da caridade e da vida. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
LITURGIA DA PALAVRA
Primeira Leitura
Monição: No Antigo Testamento encontramos o símbolo do que havia de realizar-se no Novo. O cordeiro da celebração da Páscoa judaica comemorava a libertação do Egipto e é já símbolo da Páscoa futura. Nesta, Jesus Cristo é Cordeiro de Deus que liberta do pecado e nos introduz na verdadeira Pátria, que é o Céu.
Êxodo 12, 1-8.11-14
1Naqueles dias, o Senhor disse a Moisés e a Aarão na terra do Egipto: 2«Este mês será para vós o princípio dos meses; fareis dele o primeiro mês do ano. 3Falai a toda a comunidade de Israel e dizei-lhe: No dia dez deste mês, procure cada qual um cordeiro por família, uma rês por cada casa. 4Se a família for pequena demais para comer um cordeiro, junte-se ao vizinho mais próximo, segundo o número de pessoas, tendo em conta o que cada um pode comer. 5Tomareis um animal sem defeito, macho e de um ano de idade. Podeis escolher um cordeiro ou um cabrito. 6Deveis conservá-lo até ao dia catorze desse mês. Então, toda a assembleia da comunidade de Israel o imolará ao cair da tarde. 7Recolherão depois o seu sangue, que será espalhado nos dois umbrais e na padieira da porta das casas em que o comerem. 8E comerão a carne nessa mesma noite; comê-la-ão assada ao fogo, com pães ázimos e ervas amargas. 11Quando o comerdes, tereis os rins cingidos, sandálias nos pés e cajado na mão. Comereis a toda a pressa: é a Páscoa do Senhor. 12Nessa mesma noite, passarei pela terra do Egipto e hei-de ferir de morte, na terra do Egipto, todos os primogénitos, desde os homens até aos animais. Assim exercerei a minha justiça contra os deuses do Egipto, Eu, o Senhor. 13O sangue será para vós um sinal, nas casas em que estiverdes: ao ver o sangue, passarei adiante e não sereis atingidos pelo flagelo exterminador, quando Eu ferir a terra do Egipto. 14Esse dia será para vós uma data memorável, que haveis de celebrar com uma festa em honra do Senhor. Festejá-lo-eis de geração em geração, como instituição perpétua».
Temos aqui, num texto de tipo catequético-litúrgico, a promulgação da lei da Páscoa judaica como «instituição perpétua», a ser festejada por todas as gerações (v. 14). Na origem desta festa da «Páscoa» – dum étimo semítico: salto festivo – parece estar uma antiga festa de pastores nómadas, própria da Primavera, a época em que nascem os cordeiros; então sacrificavam um cordeiro recém-nascido e com o seu sangue faziam ritos a implorar protecção e a fecundidade. Também pela época da Primavera parece que havia outra festa, a dos «Ázimos», com o sentido de novidade e rotura com o passado (o fermento). As duas festas vieram a fundir-se numa só. A Torá terá assumido estas duas festas, dando-lhes o novo e profundo significado que neste texto legal fica bem assinalado, para celebrar a libertação do Egipto.
A ceia pascal é celebrada na noite de 14 para 15 do mês de Nisan (Março/Abril), a noite da lua cheia que se seguia ao equinócio da primavera, pois o 1° dia do mês era o 1º dia da lua nova; então se comiam os pães ázimos, isto é, sem fermento (do grego a-zymê, em hebraico, os matsôth) durante os sete dias da festa, de 15 a 21 de Nisan. O cordeiro imolado recordava aquele outro cordeiro com cujo sangue os israelitas marcaram as suas portas para que «o flagelo exterminador» ali não atingisse ninguém. A própria palavra «Páscoa», com uma etimologia muito discutida, pode provir do étimo psh, que significa saltar, passar por cima de, prestando-se a significar o flagelo mortal que passou ao largo das casas dos israelitas (cf. Ex 12, 27) na região de Guéssen ou Góxen. Neste texto a palavra é entendida como a passagem do Senhor, a fim de libertar o seu povo. O pão sem fermento lembrava a pressa com que os israelitas saíram do Egipto, tendo de levar consigo a massa do pão antes de ter fermentado (Ex 12, 34.39).
No entanto, a celebração da Páscoa não era para os israelitas uma mera recordação agradecida da libertação duma escravidão passada, mas era algo que os orientava para uma libertação futura completa e definitiva, que se haveria de dar com a vinda do Messias. Havia mesmo uma crença judaica em que o Messias viria numa noite de Páscoa: «nesta noite foram libertados, e nela também serão libertos». Esta alegre esperança manifestava-se no costume, que ainda hoje se mantém, de deixar um lugar vazio à mesa, para alguém que chegue na última hora, que afortunadamente poderia ser o profeta Elias, precursor do Messias. De facto, um dia o próprio Messias havia de se pôr à mesa da ceia pascal, rodeado dos seus discípulos, para então inaugurar a era da autêntica e definitiva libertação. Jesus é o verdadeiro cordeiro pascal (1 Cor 5, 7;Jo 19, 36) que se oferece em sacrifício, com cujo sangue somos redimidos e com cuja carne somos alimentados no banquete eucarístico, prelúdio do banquete celeste (cf. Mc 14, 25). Os samaritanos ainda hoje celebram a Páscoa como se descreve neste texto do Êxodo, sem refeição solene, sem vinho e à pressa. Os judeus celebram-na como refeição solene; já era assim no tempo de Jesus, em razão de já terem saído da escravidão para a liberdade; mas, em vez de comerem sentados como habitualmente, comiam recostados sobre esteiras ou divãs, apoiando-se sobre o braço esquerdo, a partir da época helenística (cf. Lc 22, 14).
Salmo Responsorial Sl 115 (116), 12-13.15-16bc.17-18 (R. cf. 1 Cor 10, 16)
Monição: Jesus Cristo é o verdadeiro Cordeiro Pascal, que continuamente se oferece por nós.
Refrão: O CÁLICE DE BÊNÇÃO É COMUNHÃO DO SANGUE DE CRISTO.
Como agradecerei ao Senhor
tudo quanto Ele me deu?
Elevarei o cálice da salvação,
invocando o nome do Senhor.
É preciosa aos olhos do Senhor
a morte dos seus fiéis.
Senhor, sou vosso servo, filho da vossa serva:
quebrastes as minhas cadeias.
Oferecer-Vos-ei um sacrifício de louvor,
invocando, Senhor, o vosso nome.
Cumprirei as minhas promessas ao Senhor,
na presença de todo o povo.
Segunda Leitura
Monição: S. Paulo, nesta carta aos Coríntios, descreve a cena da instituição da Santíssima Eucaristia. Meditemos neste mistério que este Apóstolo narra de forma tão simples.
1 Coríntios 11, 23-26
Irmãos: 23Eu recebi do Senhor o que também vos transmiti: o Senhor Jesus, na noite em que ia ser entregue, tomou o pão e, dando graças, 24partiu-o e disse: «Isto é o meu Corpo, entregue por vós. Fazei isto em memória de Mim». 25Do mesmo modo, no fim da ceia, tomou o cálice e disse: «Este cálice é a nova aliança no meu Sangue. Todas as vezes que o beberdes, fazei-o em memória de Mim». 26Na verdade, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciareis a morte do Senhor, até que Ele venha.
Temos aqui o relato da última Ceia, o mais antigo dos quatro que aparecem no N. T., escrito apenas uns 25 anos após o acontecimento. São Paulo diz que isto mesmo já o tinha pregado aos cristãos (v. 23) uns quatro anos atrás, durante os 18 meses em que evangelizou a cidade de Corinto, por ocasião da sua segunda viagem.
23 «Recebi do Senhor»: O original grego (com o uso da preposição apó e não pará) deixa ver que S. Paulo recebeu esta doutrina pela tradição que remonta ao Senhor e não directamente dele, por meio de alguma revelação, como alguém poderia pensar. «Na noite em que ia ser entregue»: Celebramos hoje uma dupla entrega do Senhor, a sua entrega às mãos dos seus inimigos, para a morrer pelos nossos pecados e nos ganhar a vida divina, e a entrega no Sacramento da SS. Eucaristia, como alimento desta mesma vida divina. Para o seu amor infinito, é pouco dar-se todo uma só vez por todos; quer dar-se todo a cada um de nós todas as vezes que nos disponhamos a recebê-lo!
24 «Isto é o Meu Corpo»: A expressão de Jesus é categórica e terminante, sem deixar lugar a mal entendidos. Não diz «aqui está o meu corpo», nem «isto simboliza o meu corpo», mas sim: «isto é o meu corpo», como se dissesse: este pão já não é pão, mas é o meu corpo, isto é, sou Eu mesmo. Todas as tentativas heréticas de entender estas palavras num sentido meramente simbólico, fazem violência ao texto e não têm seriedade. É certo que o verbo «ser» também pode ter o sentido de «ser como», «significar», mas isto é só quando do contexto se possa depreender que se trata duma comparação, o que não se dá aqui, pois não se vê como o pão seja como o Corpo de Jesus, ou como é que o pode significar. Atenda-se a que Jesus, com a palavra isto não se refere à acção de partir o pão, pois não pronuncia estas palavras enquanto parte o pão, mas depois de o ter partido; portanto não tem sentido dizer que, com a fracção do pão, o Senhor queria representar o despedaçar do seu corpo por uma morte violenta (o corpo entregue). Jesus não podia querer dizer uma tal coisa, pois, se o quisesse dizer, havia de o explicitar, uma vez que o gesto de partir o pão era um gesto usual do chefe da mesa em todas as refeições, não sendo possível ver um outro sentido; por outro lado, o beber do cálice de modo nenhum se podia prestar a um tal sentido.
Os Apóstolos vieram a entender as palavras de Jesus no seu verdadeiro realismo, como aparecem no discurso do Pão da Vida (Jo 6, 51-58). Se Jesus não quisesse dar este sentido realista às suas palavras, também os seus discípulos e a primitiva Igreja não lho podiam dar, porque beber o sangue era algo sumamente escandaloso para gente criada no judaísmo, que ia ao ponto de proibir a comida de animais não sangrados. Se S. Paulo não entendesse estas palavras de Jesus num sentido realista, não teria podido afirmar no v. 27 (omitido na leitura de hoje): «quem comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente será réu do corpo e do sangue do Senhor»; e no v. 29 fala de «distinguir o corpo do Senhor».
Paulo VI, na encíclica Misterium fidei, rejeitou as explicações teológicas (como a da transignificação e a da transfinalização) que não respeitem suficientemente o realismo da presença real: «Mas para que, ninguém entenda erroneamente este modo de presença, que supera leis da natureza e constitui o maior dos milagres no seu género, é preciso seguir com docilidade a voz da Igreja docente e orante. Pois bem, esta voz, que é um eco perene da voz de Cristo, assegura-nos que Cristo se torna presente neste Sacramento pela conversão de toda a substância do pão no seu corpo e de toda a substância no vinho no seu sangue; conversão admirável e singular à qual a Igreja justamente e com propriedade chama transubstanciação» (atenda-se a que aqui a noção de substância não é a da Física ou da Química, mas a da Metafísica).
24-25 «Fazei isto em memória de Mim». Com estas palavras, Jesus entrega aos Apóstolos (e aos seus sucessores) o poder ministerial de celebrar o Mistério Eucarístico; por isso, Quinta-Feira Santa é o dia do sacerdócio e dos sacerdotes.
25 «A Nova Aliança com o meu Sangue»: Jesus compara o seu sangue, que vai derramar na cruz, ao sangue do sacrifício da Aliança do Sinai (cf. Ex 24, 8), como sendo o novo sacrifício com que se ratifica a Nova Aliança de Deus com a Humanidade, aliança anunciada pelos profetas (Jer 31, 31-33). Na Ceia temos o mesmo sacrifício do Calvário antecipado sacramentalmente através das palavras do próprio Jesus. Na Missa temos igualmente o mesmo sacrifício da Cruz renovado e representado sacramentalmente através da dupla consagração feita pelo sacerdote que actua na pessoa e em nome de Cristo, sendo Ele o mesmo oferente principal, a mesma vítima e sendo os merecimentos os mesmos do único Sacrifício redentor a serem aplicados, Sacrifício oferecido de uma vez para sempre (efápax: cf. Hebr 9, 25-28; 10, 10.18).
26 «Anunciareis a Morte do Senhor»: No altar já não se derrama o sangue de Cristo, como na Cruz, mas oferece-se, de modo incruento, o mesmo sacrifício, renovando e representando sacramentalmente o mistério da mesma Morte que se deu no Calvário.
Aclamação ao Evangelho
Jo 13, 34
Monição: No evangelho que vai ser proclamado, S. João descreve-nos a cena da última Ceia, do lava-pés e do mandamento novo. Aclamemos o Senhor presente no meio de nós.
Dou-vos um mandamento novo, diz o Senhor: amai-vos uns aos outros como Eu vos amei.
Evangelho
São João 13, 1-15
1Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, Ele, que amara os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim. 2No decorrer da ceia, tendo já o Demónio metido no coração de Judas Iscariotes, filho de Simão, a ideia de O entregar, 3Jesus, sabendo que o Pai Lhe tinha dado toda a autoridade, sabendo que saíra de Deus e para Deus voltava, 4levantou-Se da mesa, tirou o manto e tomou uma toalha que pôs à cintura. 5Depois, deitou água numa bacia, e começou a lavar os pés aos discípulos e a enxugá-los com a toalha que pusera à cintura. 6Quando chegou a Simão Pedro, este disse-Lhe: «Senhor, Tu vais lavar-me os pés?» 7Jesus respondeu: «O que estou a fazer, não o podes entender agora, mas compreendê-lo-ás mais tarde». 8Pedro insistiu: «Nunca consentirei que me laves os pés». Jesus respondeu-lhe: «Se não tos lavar, não terás parte comigo». 9Simão Pedro replicou: «Senhor, então não somente os pés, mas também as mãos e a cabeça». 10Jesus respondeu-lhe: «Aquele que já tomou banho está limpo e não precisa de lavar senão os pés. Vós estais limpos, mas não todos». 11Jesus bem sabia quem O havia de entregar. Foi por isso que acrescentou: «Nem todos estais limpos». 12Depois de lhes lavar os pés, Jesus tomou o manto e pôs-Se de novo à mesa. Então disse-lhes: «Compreendeis o que vos fiz? 13Vós chamais-Me Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque o sou. 14Se Eu, que sou Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros.15Dei-vos o exemplo, para que, assim como Eu fiz, vós façais também».
1. «Antes da festa da Páscoa». A ceia de que aqui se fala (v. 2) não é descrita como sendo a Ceia Pascal dos Sinópticos (Mt 26, 17-35; Mc 14, 12-31; Lc 22, 7-39), mas não pode ser outra, por se tratar da mesma da noite em que Jesus foi preso. Se S. João se limita a dizer «antes da festa da Páscoa», sem precisar que era a véspera (a Preparação), é porque ele quer que se entenda a morte de Jesus como a imolação do cordeiro pascal, ao colocá-la no mesmo dia (a Preparação: 19, 31.42) em que no templo eram imolados os cordeiros para a festa; sendo assim, evita intencionalmente o dar à Última Ceia qualquer carácter pascal; e pensamos que esta pode ser uma séria razão para não falar da instituição da Eucaristia, aliás referida no discurso do Pão da Vida (cf. Jo 6, 51-58). «Amou-os até ao fim», isto é, até à consumação(19, 30), indicando o seu amor de total entrega, até à morte (cf. 15, 13; 1 Jo 3, 16; Gal 2, 20), embora com esta não termine o seu amor, pois «não só até aqui nos amou quem nos ama sempre e sem fim» (Santo Agostinho); a expressão poderia aludir também ao amor posto na realização da Eucaristia de que S. João não conta a instituição, naturalmente por já lhe ter dedicado todo o capítulo VI e, como já se disse, para evitar dar a esta ceia um carácter pascal. Outra tradução possível: «levou o seu amor por eles até ao extremo». Jesus não só amou os seus até ao último momento da sua vida terrena, mas não podia amá-los mais: amou-nos até à loucura da Cruz e da Eucaristia.
3 «Jesus, sabendo…». Lavar os pés era um ofício exclusivo de escravos (1 Sam 25, 41) e os rabinos chegavam a explicitar que só se devia impor esse humilhante serviço a escravos que não fossem da raça hebraica, baseando-se em Lv 25, 39. Jesus, ao sujeitar-se a esse trabalho aviltante, tem bem presente o seu poder e a sua dignidade de Filho de Deus. A oposição decidida de Pedro mostra o profundo choque causado pela atitude do Senhor. Não se pode estabelecer o momento exacto do lava-pés, pois não estavam previstas lavagens dos pés na Ceia, mas apenas o lavar das mãos; o que Jesus realiza é antes de mais uma acção simbólica, à maneira dos profetas. Talvez a discussão travada na Ceia sobre quem seria o maior dos Apóstolos (cf. Lc 22, 24) tenha levado Jesus a dar-lhes uma lição com o seu gesto: é maior aquele que mais serve. Aparecem dois significados no gesto de Jesus: um simbólico e outro de exemplo a imitar. Nos vv. 6-11, sobressai mais o valor simbólico: Jesus é quem purifica os seus dos seus pecados e sem isso não se pode ter parte com Ele (v. 8), purificação que é um efeito da sua Morte redentora. Nos vv. 14-15, Jesus propõe o seu exemplo para ser imitado: «Eu vos lavei os pés, sendo Mestre e Senhor, também vós deveis lavar os pés uns aos outros», isto é, prestar aos outros todos os serviços, mesmo os mais humildes e humilhantes. Ter autoridade na Igreja (e também na sociedade civil) não é ter à disposição os outros para ser servido, mas é estar à disposição de todos para os servir eficazmente. A vida cristã consiste em imitar o exemplo de Jesus Cristo: 1 Pe 2, 21; 1 Jo 2, 6; Fil 2, 5; 1 Cor 11, 1; Ef 5, 1; 1 Tes 1, 6…
Sugestões para a homilia
1. Esta é a Sua hora.
2. Dá-nos um mandamento novo.
3. Fica connosco na Santíssima Eucaristia.
1. Esta é a Sua hora.
Cada Povo recorda, a seu modo, o dia histórico do seu nascimento. Israel, nasce com a libertação da escravatura do Egipto e celebra tal acontecimento, todos os anos, com uma refeição. A esta se refere a 1ª Leitura da Missa de hoje, ao descrever-nos como a fizeram pela primeira vez. A partir de então, os Israelitas seguidores de Moisés, ao realizá-la, recordam não só a libertação dos seus antepassados, mas também a sua própria libertação. Este rito de significado tão profundo, é por sua vez, símbolo de uma outra realidade, instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo em Quinta-Feira Santa e que, hoje e aqui, de uma maneira especial, queremos recordar e viver. Agora a vítima é Ele mesmo – «o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo». Foi assim que Ele também nos libertou como novo Povo de Deus, que somos. Esta é por excelência, a hora de Jesus. Nela dá-nos a prova máxima do Seu Amor. Faz-nos a entrega total de Sua vida e fica connosco, até ao fim dos tempos.
2. Dá-nos um mandamento novo.
Esta última Ceia, por Jesus tão desejada, é toda ela cheia de gestos de amor e de actos de grande humildade. Lava os pés aos Apóstolos. Os judeus achavam este gesto tão aviltante, que, mesmo quando reduzidos a escravos, se recusavam a cumpri-lo para não «desonrarem» o Povo a que pertenciam – o Povo de Israel. Jesus, Deus e Homem verdadeiro, coloca-se de joelhos diante de cada Apóstolo, que são suas criaturas, para exercer este acto de si tão humilhante. Por isso, Pedro reage e não quer permitir que Jesus lhe lave os pés. Só o faz depois de o próprio Jesus o convencer.
Jesus serve os seus Apóstolos. Ele «não veio para ser servido, mas para servir». Como bom Mestre que é, Jesus ensina, fazendo. E chama a atenção de todos para o facto de que, sendo Ele Mestre e Senhor e lava os pés aos Apóstolos, quer que façamos o mesmo uns aos outros. O segredo do sucesso da nossa vida está em aprender esta lição tão importante, que Ele nos dá e que concretiza com as seguintes palavras «dou-vos um mandamento novo: amai-vos uns aos outros como eu vos amei».
O mandamento novo que nos deixou é o único capaz de revolucionar, no bom sentido, cada família e o próprio mundo. Cumprindo esta ordem divina, nada nos faltará e todos se sentirão realizados, verdadeiramente felizes. Como é importante descobrir este mandamento! Como é urgente anunciá-lo! Como importa sobretudo, vivê-lo!
3. Fica connosco na Santíssima Eucaristia.
E os gestos de amor por nós continuam. De uma forma tão inesperada para os homens, concretiza uma promessa já feita por Ele: dá-nos em alimento o Seu próprio Corpo e por bebida o Seu próprio Sangue. Assim, com o pão diz «Tomai e comei, isto é o Meu Corpo» e com o cálice com vinho afirma «Tomai e bebei. Este cálice é a nova aliança no Meu Sangue. Fazei isto em memória de Mim.» Estava concretizado o maior prodígio do Seu Amor por nós. Vai morrer, mas não nos vai deixar órfãos: fica connosco, realmente presente na Santíssima Eucaristia. E dá aos Apóstolos e a todos os seus sucessores o poder de realizarem este mesmo prodígio divino. A partir de então, Ele está verdadeiramente connosco. Esta presença real tem sido confirmada ao longo da história com milagres eucarísticos, reconhecidos, como tais, pela ciência.
Com este Sacramento, Ele torna-se alimento para ser comido e partilhado entre os irmãos. Nele encontramos toda a força para amar, para cumprir sempre e com generosidade o mandamento novo, que Ele nos deixou em momento tão solene. A partir de então, ninguém pode dizer que se encontra sozinho nos caminhos da vida, que está abandonado. Passamos a ter uma companhia Amiga e Poderosa. Com que carinho e fé, experimentaram esta presença amorosíssima, a Beata Alexandrina de Balazar, os pastorinhos de Fátima e tantos e tantos outros santos! Como é importante fazer esta experiência muitas vezes na vida, sobretudo com a Sagrada Comunhão e a participação na Santa Missa!
Aqueles que comem o Corpo e bebem o Sangue de Jesus, afirmam também com tal gesto que aceitam identificarem-se com Ele, que querem com Ele formar um único Corpo, e consequentemente a empenharem-se em dar a própria vida aos irmãos. Esta aceitação de identificação com Ele há-de traduzir-se num serviço constante ao próximo a começar em casa, com cada elemento da respectiva família.
O dom de si é o único caminho que leva à alegria. «Sereis felizes», nos garante o Senhor. No contacto íntimo com Jesus Sacramentado, sempre encontraremos força para amar e nesse amor a verdadeira felicidade e libertação de tudo aquilo que nos tente afastar da fonte do Amor, da paz e da verdadeira alegria.
O reino dos Céus é o reino do amor. A Eucaristia, além de ser Sagrado Viático para a hora da partida deste mundo, é também penhor da felicidade eterna, para a qual, todos fomos criados.
Na homilia comentam-se os grandes mistérios que neste dia se comemoram: a instituição da sagrada Eucaristia e do sacramento da Ordem e o mandato do Senhor sobre a caridade.
Lava-pés
Fala o Santo Padre
«O amor no qual Cristo se entrega livremente por nós, é que nos salva.»
Caros irmãos e irmãs
Na leitura do Livro do Êxodo, que acabamos de ouvir, é descrita a celebração da Páscoa de Israel, do modo como na Lei mosaica tinha encontrado a sua forma vinculante. Na origem, pode ter existido uma festa de Primavera dos nómades. Todavia, para Israel ela transformou-se numa festa de comemoração, de acção de graças e, ao mesmo tempo, de esperança. No centro da ceia pascal, ordenada segundo determinadas regras litúrgicas, encontrava-se o cordeiro como símbolo da libertação da escravidão no Egipto. Por isso, o haggadah pascal fazia parte integrante da refeição cujo prato-base era cordeiro: a recordação narrativa do facto de que foi o próprio Deus quem libertou Israel «com as mãos elevadas». Ele, o Deus misterioso e escondido, revelara-se mais forte do que o faraó, com todo o poder que ele tinha à sua disposição. Israel não devia esquecer que Deus tinha assumido pessoalmente a história do seu povo, e que esta história estava continuamente fundamentada na comunhão com Deus. Israel não devia esquecer-se de Deus.
A palavra da comemoração estava circundada por palavras de louvor e de acção de graças, tiradas dos Salmos. O agradecer e o bendizer a Deus alcançavam o seu ápice na berakha, que em grego se chama eulogia, oueucaristia: bendizer a Deus torna-se bênção para aqueles que bendizem. A oferenda apresentada a Deus volta abençoada para o homem. Tudo isto lançava uma ponte do passado ao presente e rumo ao futuro: ainda não se tinha completado a libertação de Israel. A nação ainda sofria como pequeno povo no campo das tensões entre os grandes poderes.
Assim, recordar-se com gratidão da acção de Deus no passado tornava-se súplica e, ao mesmo tempo, esperança: Completai aquilo que começastes! Concedei-nos a liberdade definitiva!
Jesus celebrou esta ceia, de múltiplos significados, juntamente com os seus na noite precedente à sua Paixão. Com base neste contexto, temos que compreender a nova Páscoa, que Ele nos entregou na Sagrada Eucaristia. Nas narrações dos Evangelistas existe uma aparente contradição entre, por um lado, o Evangelho de João e aquilo que, por outro, nos comunicam Mateus, Marcos e Lucas. Segundo João, Jesus morreu na cruz precisamente no momento em que, no templo, eram imolados os cordeiros pascais. A sua morte e o sacrifício dos cordeiros coincidiram. Porém, isto significa que Ele morreu na vigília da Páscoa e, portanto, não pôde pessoalmente celebrar a ceia pascal pelo menos é assim que parece. No entanto, segundo os três Evangelhos sinópticos, a última Ceia de Jesus foi uma ceia pascal, em cuja forma tradicional Ele inseriu a novidade da oferta do seu corpo e do seu sangue. Até há alguns anos, esta contradição parecia insolúvel. A maioria dos exegetas julgava que João não queria comunicar-nos a verdadeira data histórica da morte de Jesus, mas tinha escolhido uma data simbólica, para tornar assim evidente a verdade mais profunda: Jesus é o novo e autêntico Cordeiro, que derramou o seu sangue por todos nós.
Entretanto, a descoberta dos escritos de Qumran levou-nos a uma possível solução convincente que, embora ainda não seja aceite por todos, contudo possui um elevado grau de probabilidade. Agora, podemos dizer que quanto foi mencionado por João é historicamente exacto. Jesus deveras derramou o seu sangue na vigília da Páscoa, na hora da imolação dos cordeiros. Porém, Ele celebrou a Páscoa com os seus discípulos, provavelmente, segundo o calendário de Qumran, portanto, pelo menos um dia antes celebrou-a sem o cordeiro, à maneira da comunidade de Qumran, que não reconhecia o templo de Herodes e estava à espera do novo templo. Portanto, Jesus celebrou a Páscoa sem o cordeiro, aliás, não sem o cordeiro: em lugar do cordeiro, entregou-se a si mesmo, o seu corpo e o seu sangue. Assim, antecipou a sua morte de modo coerente com a sua palavra: «Ninguém me tira a vida; sou Eu que a dou por mim mesmo» (Jo 10, 18). No momento em que oferecia aos discípulos o seu corpo e o seu sangue, Ele cumpria realmente esta afirmação. Ele mesmo ofereceu a própria vida. Somente assim a Páscoa alcançaria o seu verdadeiro sentido.
Nas suas catequeses eucarísticas, certa vez São João Crisóstomo escreveu: «O que estás a dizer, Moisés? O sangue de um cordeiro purifica os homens? Salva-os da morte? Como pode o sangue de um animal purificar os homens, salvar os homens, ter o poder contra a morte? Com efeito continua São João Crisóstomo o cordeiro podia constituir somente um gesto simbólico e, portanto, a expressão da expectativa e da esperança em Alguém que podia realizar aquilo de que o sacrifício de um animal não era capaz. Jesus celebrou a Páscoa sem cordeiro e sem templo e, todavia, não sem cordeiro nem sem templo». Ele mesmo era o Cordeiro esperado, o verdadeiro, como João Baptista tinha prenunciado no início do ministério público de Jesus: «Aí está o Cordeiro de Deus, que vai tirar o pecado do mundo!» (Jo 1, 29). E Ele mesmo é o templo verdadeiro, o templo vivo onde Deus tem a sua morada e onde nós podemos encontrar Deus e adorá-lo. O seu sangue, o amor daquele que é Filho de Deus e, ao mesmo tempo, verdadeiro homem, um de nós, aquele sangue pode salvar-nos. O seu amor, o amor no qual Ele se entrega livremente por nós, é que nos salva. O gesto nostálgico, de certa forma desprovido de eficácia, que era a imolação do cordeiro inocente e imaculado, encontrou a resposta naquele que por nós se tornou Cordeiro e, contemporaneamente, Templo.
Assim, no centro da nova Páscoa de Jesus encontrava-se a Cruz. Dela provinha o novo dom por Ele oferecido. E deste modo ela permanece na Sagrada Eucaristia, onde podemos celebrar a nova Páscoa com os Apóstolos ao longo dos tempos. É da Cruz de Cristo que provém o dom.
«Ninguém me tira a vida; sou Eu que a dou por mim mesmo». Agora, Ele oferece-a a nós. O haggadah pascal, a comemoração da acção salvífica de Deus, tornou-se memória da cruz e da ressurreição de Cristo uma memória que não recorda simplesmente o passado, mas atrai-nos à presença do amor de Cristo. E assim a berakha, a oração de bênção e de acção de graças de Israel, tornou-se a nossa Celebração Eucarística, em que o Senhor abençoa as nossas oferendas pão e vinho para, nelas, se entregar a si mesmo. […]
Bento XVI, São João de Latrão, 5 de Abril de 2007
LITURGIA EUCARÍSTICA
ORAÇÃO SOBRE AS OBLATAS: Concedei-nos, Senhor, a graça de participar dignamente nestes mistérios, pois todas as vezes que celebramos o memorial deste sacrifício realiza-se a obra da nossa redenção. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
Prefácio da Santíssima Eucaristia: p. 1254 [658-770]
SANTO
Monição da Comunhão
Comungar é receber, tocar Jesus, verdadeira e realmente presente na Hóstia Consagrada. Comungar é entrar em profunda intimidade com Ele. Com que amor e reconhecimento O devemos receber, sobretudo neste dia! Vamos agradecer-lhe as graças extraordinárias do Sacerdócio e da Eucaristia e fazê-lo com muita fé, amor e gratidão.
1 Cor 11, 24.25
ANTÍFONA DA COMUNHÃO: Isto é o meu Corpo, entregue por vós; este é o cálice da nova aliança no meu Sangue, diz o Senhor. Fazei isto em memória de Mim.
Terminada a distribuição da comunhão, deixa-se sobre o altar a píxide com as partículas para a comunhão do dia seguinte. A Missa conclui com a oração depois da comunhão:
ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO: Deus eterno e omnipotente, que hoje nos alimentastes na Ceia do vosso Filho, saciai-nos um dia na ceia do reino eterno. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
TRASLADAÇÃO DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO
Terminada a oração, o sacerdote, de pé, diante do altar, põe incenso no turíbulo e, de joelhos, incensa por três vezes o Santíssimo Sacramento. Em seguida, toma o véu de ombros, pega na píxide e cobre-a com as extremidades do véu.
Organiza-se a procissão, com círios e incenso, indo à frente o cruciferário com a cruz, e leva-se o Santíssimo Sacramento, através da igreja, para o lugar da reserva, preparado numa capela convenientemente ornamentada. Entretanto canta-se o hino Pange, lingua (Canta, Igreja, o Rei do mundo) – excepto as duas últimas estrofes – ou outro cântico apropriado.
Chegada a procissão ao lugar da reserva, o sacerdote depõe a píxide. Seguidamente, põe incenso no turíbulo e, de joelhos, incensa o Santíssimo Sacramento. Entretanto canta-se o Tantum ergo sacramentum. Depois fecha-se o tabernáculo ou urna da reserva.
Depois de algum tempo de oração em silêncio, o sacerdote e os ministros fazem a genuflexão e retiram-se para a sacristia.
Segue-se a desnudação do altar e, se possível, retiram-se as cruzes da igreja. Se algumas ficam na igreja, é conveniente cobri-las.
Os que tomaram parte na Missa vespertina não são obrigados à celebração das Vésperas.
Exortem-se os fiéis, tendo em conta as circunstâncias e as diversas situações locais, a dedicar algum tempo da noite à adoração do Santíssimo Sacramento. A partir da meia noite, porém, esta adoração faz-se sem solenidade.
RITOS FINAIS
Monição final
Vamos aproveitar este santo dia, bem como todos os dias da vida em que tivermos essa oportunidade, para honrar e desagravar Jesus, que está verdadeira e realmente presente em todos os Sacrários da Terra. Que as Visitas ao Santíssimo, Horas de Adoração e Sagradas Comunhões, por nós realizadas, sejam sempre com um fervor e piedade semelhante ao que experimentaram e viveram Nossa Senhora e os Apóstolos, no Cenáculo, na primeira Quinta-Feira Santa, que hoje celebramos.
Celebração e Homilia: ALVES MORENO
Nota Exegética: GERALDO MORUJÃO
Fonte: Celebração Litúrgica