Roteiro Homilético – IV Domingo da Quaresma – Ano C

RITOS INICIAIS

 

 Is 66, 10-11

ANTÍFONA DE ENTRADA: Alegra-te, Jerusalém; rejubilai, todos os seus amigos. Exultai de alegria, todos vós que participastes no seu luto e podereis beber e saciar-vos na abundância das suas consolações.

 

Não se diz o Glória.

 

Introdução ao espírito da Celebração

 

Neste quarto Domingo da Quaresma, somos convidados a descobrir o Deus rico de misericórdia empenhado em conduzir-nos a uma vida de comunhão com Ele. A Liturgia da Palavra apresenta-nos Deus como um Pai que nos ama com um amor eterno, apesar das nossas escolhas erradas. Deus é paciente e está sempre à espera, para acolher e abraçar os filhos que decidem voltar.

 

ORAÇÃO COLECTA: Deus de misericórdia, que, pelo vosso Filho, realizais admiravelmente a reconciliação do género humano, concedei ao povo cristão fé viva e espírito generoso, a fim de caminhar alegremente para as próximas solenidades pascais. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

 

 

LITURGIA DA PALAVRA

 

Primeira Leitura

 

Monição: O livro de Josué narra a entrada do Povo de Deus na Terra Prometida. O rito da circuncisão levado a cabo por Josué faz-nos pensar numa espécie de «conversão» colectiva, que põe um ponto final no «opróbrio do Egipto» e assinala um «tempo novo» para um Povo de Deus renovado e pronto para celebrar a Páscoa.

 

Josué 5, 9a.10-12

Naqueles dias, 9adisse o Senhor a Josué: «Hoje tirei de vós o opróbrio do Egipto». 10Os filhos de Israel acamparam em Gálgala e celebraram a Páscoa, no dia catorze do mês, à tarde, na planície de Jericó. 11No dia seguinte à Páscoa, comeram dos frutos da terra: pães ázimos e espigas assadas nesse mesmo dia. 12Quando começaram a comer dos frutos da terra, no dia seguinte à Páscoa, cessou o maná. Os filhos de Israel não voltaram a ter o maná, mas, naquele ano, já se alimentaram dos frutos da terra de Canaã.

 

A leitura fala-nos do início de uma nova vida do povo eleito, após a longa e dura travessia do deserto. O facto de ter sido escolhida para este tempo, em que o deserto da Quaresma caminha para o seu fim, pode ter um significado simbólico, ligado ao Evangelho do filho pródigo: o regresso à casa paterna, a conversão, o começo de uma vida nova.

9 «Vexame do Egipto». Este pode ser a incircuncisão, de acordo com o contexto (notar que foram aqui suprimidos os vv. 6-8), em que se fala de que Josué procedeu então à circuncisão dos filhos daqueles que tinham saído do Egipto, embora também os egípcios a tivessem praticado. Outros autores pensam que o vexame do Egipto seria a escravidão lá sofrida e as consequentes privações do deserto.

10 «Guilgal». A localização desta Guilgal é incerta, mas supõe-se que ficasse nas proximidades de Jericó. No texto hebraico há um jogo de palavras que podíamos transpor para português da seguinte maneira: «Em Guigal eu fiz o povo galgar o vexame do Egipto». Com efeito, em hebraico gálgal significa roda, e o verbo aqui usado (gallóthi) significa pus a rodar, isto é, «afastei» ou «tirei».

11 «No dia seguinte à Páscoa», isto é, a 16 do mês de Nisan, de acordo com a Lei (cf. Lev 23, 4-14); após a oferta a Deus do primeiro feixe de trigo, já o povo podia começar a comer o trigo novo, ainda quase todo verde. Ainda hoje a gente do campo na Síria e no Egipto gosta de comer, quando ainda verde, o grão de trigo assado.

 

Salmo Responsorial

 Sl 33 (34), 2-3.4-5.6-7 (R. 9a)

 

Monição: No banquete que celebra o regresso do filho pródigo podemos ver uma referência ao banquete eucarístico. Com o salmo trinta e três podemos cantar alegremente: Saboreai e vede como o Senhor é bom!

 

Refrão:        SABOREAI E VEDE COMO O SENHOR É BOM.

 

A toda a hora bendirei o Senhor,

o seu louvor estará sempre na minha boca.

A minha alma gloria-se no Senhor:

escutem e alegrem-se os humildes.

 

Enaltecei comigo ao Senhor

e exaltemos juntos o seu nome.

Procurei o Senhor e Ele atendeu-me,

libertou-me de toda a ansiedade.

 

Voltai-vos para Ele e ficareis radiantes,

o vosso rosto não se cobrirá de vergonha.

Este pobre clamou e o Senhor o ouviu,

salvou-o de todas as angústias.

 

Segunda Leitura

 

Monição: «Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura. Nós vos pedimos em nome de Cristo: reconciliai-vos com Deus.» Aceitemos este convite.

 

Coríntios 5, 17-21

Irmãos: 17Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura. As coisas antigas passaram; tudo foi renovado. 18Tudo isto vem de Deus, que por Cristo nos reconciliou consigo e nos confiou o ministério da reconciliação. 19Na verdade, é Deus que em Cristo reconcilia o mundo consigo, não levando em conta as faltas dos homens e confiando-nos a palavra da reconciliação. 20Nós somos, portanto, embaixadores de Cristo; é Deus quem vos exorta por nosso intermédio. Nós vos pedimos em nome de Cristo: reconciliai-vos com Deus. 21A Cristo, que não conhecera o pecado, Deus identificou-O com o pecado por causa de nós, para que em Cristo nos tornemos justiça de Deus.

 

Já nas Cinzas, tivemos parte desta leitura. S. Paulo ao fazer a sua defesa perante as acusações dos seus opositores em Corinto, exalta a grandeza do ministério apostólico de que está investido, um ministério de reconciliação com Deus alcançada pelo mistério da Morte e Ressurreição de Cristo (5, 14-15).

17 «Nova criatura». Pelo Baptismo dá-se uma transformação radical – regeneração interior (cf. Jo 3, 5) – do homem velho (cf. Rom 6, 6; Gal 6, 15; Col 3, 9; Ef 2, 15; Tit 3, 5). Dá-se como que uma nova criação, no plano da graça, pois passa-se do não ser, do nada e menos que nada (o pecado: «as coisas antigas») para «estar em Cristo», participando da sua vida divina.

18 «Ministério da reconciliação». O contexto não permite que se interprete este ministério no sentido estrito do ministério do perdão exercido no Sacramento da Penitência, embora este se possa ver englobado no conjunto (boa ocasião para rever o motu proprio Misericordia Dei de João Paulo II, sobre alguns aspectos do Sacramento da Penitência, de 7 de Abril de 2002, que quase passou despercebido).

20 «Reconciliai-vos com Deus». É este o insistente convite que a Igreja nos faz em nome de Deus, a mesma exortação que fazia S Paulo, com a plena consciência de que era Deus que exortava por seu intermédio, pois os Apóstolos, como os demais ministros de Cristo, são «embaixadores ao serviço de Cristo», e não apenas ao seu serviço, mas actuando em vez de Cristo e por autoridade de Cristo, como o texto original parece dar a entender com o uso da preposição grega ypér (em favor de, usada no sentido da preposição antí, em vez de; cf. Jo 11, 50; Gal 3, 13; etc.), como já referimos na Quarta-feira de Cinzas.

21 «Deus identificou-o com o pecado», à letra, Deus fê-lo pecado, uma expressão extraordinariamente forte e chocante. Note-se, no entanto, que não se diz que Deus O tenha feito pecador; o que se pretende significar é que Deus permitiu que Jesus viesse a sofrer o castigo que cabia ao pecado. Trata-se aqui duma identificação jurídica, não moral: Cristo tornando-Se a Cabeça e o Chefe duma raça pecadora, toma sobre os seus ombros a responsabilidade, não a de uns pecados alheios, mas a dos pecados da sua raça (de toda a Humanidade), para os expiar, sofrendo a pena devida por eles (cf. Gal 3, 13). O texto torna-se menos duro, se entendemos que Cristo se fez pecado, no sentido de que se fez sacrifício pelo pecado; isto, que pode parecer uma escapatória para evitar a dificuldade de interpretação, tem um certo fundamento no substrato hebraico, pois a palavra ’axam tem este duplo sentido de «violação da justiça» e de «sacrifício de reparação pelo pecado»; com efeito, pelo sacrifício de Cristo tornamo-nos «justiça de Deus», isto é, justos diante de Deus (note-se o jogo com os dois substantivos abstractos –pecado/justiça –, num evidente paralelismo antitético, tão do gosto paulino).

 

Aclamação ao Evangelho     

  Lc 15, 18

 

Monição: «Festejemos! Porque este meu filho estava morto e voltou à vida! Estava perdido e foi reencontrado!»

De pé, aclamemos Jesus Cristo, que nos reconciliou com Deus Pai, cantando: «Louvor a Vós, Rei da eterna glória.»

 

 

Vou partir, vou ter com meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra o Céu e contra ti.

 

 

Evangelho

 

São Lucas 15, 1-3.11-32

Naquele tempo, 1os publicanos e os pecadores aproximavam-se todos de Jesus, para O ouvirem. 2Mas os fariseus e os escribas murmuravam entre si, dizendo: «Este homem acolhe os pecadores e come com eles». 3Jesus disse-lhes então a seguinte parábola: 11«Um homem tinha dois filhos. 12O mais novo disse ao pai: ‘Pai, dá-me a parte da herança que me toca’. O pai repartiu os bens pelos filhos. 13Alguns dias depois, o filho mais novo, juntando todos os seus haveres, partiu para um país distante e por lá esbanjou quanto possuía, numa vida dissoluta. 14Tendo gasto tudo, houve uma grande fome naquela região e ele começou a passar privações. 15Entrou então ao serviço de um dos habitantes daquela terra, que o mandou para os seus campos guardar porcos. 16Bem desejava ele matar a fome com as alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava. 17Então, caindo em si, disse: ‘Quantos trabalhadores de meu pai têm pão em abundância, e eu aqui a morrer de fome! 18Vou-me embora, vou ter com meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra o Céu e contra ti. 19Já não mereço ser chamado teu filho, mas trata-me como um dos teus trabalhadores’. 20Pôs-se a caminho e foi ter com o pai. Ainda ele estava longe, quando o pai o viu: encheu-se de compaixão e correu a lançar-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos. 21Disse-lhe o filho: ‘Pai, pequei contra o Céu e contra ti. Já não mereço ser chamado teu filho’. 22Mas o pai disse aos servos: ‘Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha. Ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. 23Trazei o vitelo gordo e matai-o. Comamos e festejamos, 24porque este meu filho estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado’. E começou a festa. 25Ora o filho mais velho estava no campo. Quando regressou, ao aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças. 26Chamou um dos servos e perguntou-lhe o que era aquilo. 27O servo respondeu-lhe: ‘O teu irmão voltou e teu pai mandou matar o vitelo gordo, porque ele chegou são e salvo’. 28Ele ficou ressentido e não queria entrar. Então o pai veio cá fora instar com ele. 29Mas ele respondeu ao pai: ‘Há tantos anos que eu te sirvo, sem nunca transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito para fazer uma festa com os meus amigos. 30E agora, quando chegou esse teu filho, que consumiu os teus bens com mulheres de má vida, mataste-lhe o vitelo gordo’. 31Disse-lhe o pai: ‘Filho, tu estás sempre comigo e tudo o que é meu é teu. 32Mas tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado’».

Alguém considerou a parábola do filho pródigo «o evangelho dos evangelhos». É a mais bela e a mais longa das parábolas de Jesus, impregnada duma finíssima psicologia própria de quem no-la contou, Jesus, que conhece a infinita misericórdia do coração de Deus, que é o seu próprio coração, e que penetra na profundidade da alma humana (cf. Jo 2, 25), onde se desenrola o tremendo drama do pecado. «Aquele filho, que recebe do pai a parte do património que lhe corresponde, e abandona a casa para o desbaratar num país longínquo, vivendo uma vida libertina, é, em certo sentido, o homem de todos os tempos, começando por aquele que em primeiro lugar perdeu a herança da graça e da justiça original. A analogia neste ponto é muito ampla. A parábola aborda indirectamente todo o tipo de rupturas da aliança de amor, todas as perdas da graça, todo o pecado» (Encíclica Dives in misericordia, nº 5; ver tb. Catecismo da Igreja Católica, nº 1439).

12 «Dá-me a parte da herança»: segundo Dt 21, 17 pertencia-lhe um terço, havendo só dois filhos. O pai podia fazer as partilhas em vida (cf. Sir 30, 28ss).

13 «Partiu…»: o pecado do filho foi abandonar o pai, esbanjar os seus bens e levar uma vida dissoluta.

14-16 «Uma grande fome: é a imagem do vazio e insatisfação que sente o homem quando está longe de Deus, em pecado. «Guardar porcos» era uma humilhação abominável para um judeu, a quem estava proibido criar e comer estes animais impuros. Esta situação para um filho duma boa família era absolutamente incrível, o cúmulo da baixeza e da servidão. As «alfarrobas»: o rapaz já se contentaria com uma tão indigesta e indigna comida, mas, na hora de se dar uma ração dessas aos porcos, ninguém se lembrava daquele miserável guardador! Aqui fica bem retratada a vileza do pecado e a escravidão a que se submete o homem pecador (cf. Rom 1, 25; 6, 6; Gal 5, 1). O filho pretendia ser livre da tutela do pai, mas acaba por perder a liberdade própria da sua condição: imagem do pecador que perde a liberdade dos filhos de Deus (cf. Rom 8, 21; Gal 4, 31; 5, 13) e se sujeita à tirania do demónio, das paixões.

17 «Então, caindo em si…» A degradação a que a loucura do seu pecado o tinha levado fê-lo reflectir (é o começo da conversão) e enveredar pela única saída digna e válida.

18-19 «Vou-me embora»: A tradução latina (surgam) do particípio gráfico (mas não ocioso) do original grego – «levantar-me-ei» – é muito mais expressiva, pois, duma forma viva, indica a atitude de quem começa a erguer-se da sua profunda miséria.

«Pequei contra o Céu e contra ti»: nesta expressão retrata-se a dimensão transcendente do pecado; não é uma simples ofensa a um homem, é ofender a Deus, uma ofensa de algum modo infinita! O filho não busca desculpas, reconhece sinceramente a enormidade da sua culpa.

«Trata-me como um dos teus trabalhadores». É maravilhoso considerar como naquele filho arrependido começa a brotar o amar ao pai; o que ele ambiciona é ir para junto do pai, estar junto a ele é o que o pode fazer feliz! Melhorar a sua situação material não é o que mais o preocupa, pois, para isso, qualquer proprietário da sua pátria o podia admitir como jornaleiro. Por outro lado, não se atreve a pedir ao pai que o admita no gozo da sua antiga condição de filho, porque reconhece a sua indignidade: «já não mereço ser chamado teu filho».

20 «Ainda ele estava longe, quanto o pai o viu». Este pormenor faz pensar que o pai não só desejava ansiosamente o regresso do filho, mas também, muitas vezes, observava ao longe os caminhos, impaciente de ver o filho chegar quanto antes, uma enternecedora imagem de como Deus aguarda a conversão do pecador. «Encheu-se de compaixão»: o verbo grego é muito expressivo e difícil de traduzir com toda a sua força, esplankhnístê: «comoveram-se-lhe as entranhas» (tà splánkhna). «E correu…»: é impressionante o contraste entre o pai que corre para o filho e o filho que simplesmente caminha para o filho – «a misericórdia corre» (comenta Sto. Agostinho); «cobrindo-o de beijos», numa boa tradução que tem em conta a forma iterativa do verbo grego, é uma belíssima e expressiva imagem do amor de Deus para com um pecador arrependido!

21 «Pai, pequei». Apesar de se ver assim recebido pelo pai, o filho não se escusa de confessar o seu pecado e de manifestar a atitude interior que o move a regressar.

22 «A melhor túnica, o anel, o calçado», são uma imagem da graça, o traje nupcial (cf. Mt 22, 11-13); assim nos espera o Senhor no Sacramento da Reconciliação, não para nos ralhar, recriminar, mas para nos admitir na sua antiga intimidade, restituindo-nos, cheio de misericórdia, a graça perdida.

23 «Comamos e festejemos», a imagem da Sagrada Eucaristia, segundo um sentido espiritual corrente.

25-32 «O filho mais velho»: esta segunda parte da parábola não se pode limitar a uma censura dos fariseus e escribas (v. 2), cumpridores, mas insensíveis ao amor – o mais velho é que é, no fim de contas, o filho mau –; a parábola é também uma lição para todos, a fim de que imitem a misericórdia de Deus para com um irmão que pecou (cf. Lc 6, 36); ele é sempre «o teu irmão» (v. 33), e não há direito de que não se tome a sério a misericórdia de Deus, com aquela despeitada ironia: «esse teu filho» (v 30). A misericórdia de Deus é tão grande, que ultrapassa uma lógica meramente humana; esta segunda parte da parábola põe em evidência a misericórdia de Deus a partir do contraste com a mesquinhez do filho mais velho.

 

Sugestões para a homilia

 

1. Conversão

2. O filho pródigo

3. Reconciliação

1. Conversão

Na primeira leitura recordamos a acção maravilhosa de Deus, cumprindo as promessas feitas aos antigos Patriarcas: «dar-vos-ei uma terra onde corre leite e mel». Passados muitos séculos, Deus liberta o seu povo da escravidão do Egipto e entrega-lhes a Terra Prometida. No texto de hoje vemos os israelitas, que depois de uma longa permanência de quarenta anos no deserto, atravessam o rio Jordão e entram na terra da Promessa. Entretanto, aproximava-se a celebração da Páscoa; considerando que só os circuncidados a podiam celebrar (cf. Ex 12,44.48), Josué mandou circuncidar todos os que tinham nascido no deserto e todos os estrangeiros, para que todos fizessem parte do Povo eleito! A circuncisão era um sinal da aliança estabelecida por Deus com Abraão. O rito levado a cabo por Josué era também uma espécie de «conversão» colectiva: assinalava um «tempo novo», uma vida nova depois do «opróbrio do Egipto», isto é, depois da escravidão.

Somos convidados, neste tempo de Quaresma, a fazer uma experiência semelhante à dos israelitas: é preciso pôr fim à etapa da escravidão do pecado e passar, decididamente, à vida nova, à vida da liberdade. É preciso renascer! Os profetas tinham falado da «circuncisão do coração» como uma verdadeira transformação interior chamada «conversão», pela qual aderimos a Deus e às suas propostas. O que é preciso «cortar» na minha vida para iniciar uma nova etapa? O que é que ainda me impede de celebrar um verdadeiro compromisso com Deus? Como estou a preparar a celebração da Páscoa?

2. O filho pródigo

Com três parábolas, S. Lucas dedica o capítulo 15 do seu evangelho ao ensinamento de Jesus sobre a misericórdia divina. O ponto de partida para a parábola que escutámos é a murmuração dos fariseus e dos escribas que se escandalizavam com as atitudes de Jesus: «este homem acolhe os pecadores e come com eles». Para os judeus, os pecadores não podiam aproximar-se de Deus. Por isso, concluíam, dizendo que Jesus não podia vir de Deus. É neste contexto que Jesus conta a chamada «parábola do filho pródigo».

A personagem central é o pai. Jesus fala desse pai como alguém que respeita as decisões e a liberdade dos filhos, revelando um amor sem limites. Esse amor manifesta-se na emoção com que abraça o filho mais novo, que volta a casa, depois de uma amarga e dolorosa experiência, que o levou a passar «fome» e a passar grandes «privações». É um amor que permanece inalterado, apesar da rebeldia e da infidelidade do filho. Este grande amor do pai revela-se na entrega do «anel» que é símbolo da autoridade (Gen 41,42) e da pertença à família. Entrega-lhe as sandálias, o calçado próprio das pessoas livres. Este Pai é um retrato perfeito, do nosso Pai celeste, um Deus paciente, acolhedor, cheio de misericórdia para connosco.

O filho mais novo. É um filho rebelde, que exige muito mais do que aquilo a que tinha direito (a lei previa que o filho mais novo recebesse apenas um terço da fortuna do pai)[1]. Além disso, abandona a casa e dissipa todos esses bens «com mulheres de má vida». Apesar de tudo, algum tempo depois, acaba por cair no desespero provocado por uma vida de extrema pobreza, quase «a morrer de fome»; arrepende-se e decide regressar à casa paterna. Este filho mais novo é uma imagem de todos nós, quando nos deixamos conduzir pelo pecado e exprime o itinerário do pecador, que, pela penitência, regressa à comunhão com Deus

O filho mais velho sempre fez o que o pai mandou, «sem nunca transgredir uma ordem sua»; nunca pensou em deixar esse espaço cómodo e acolhedor, que é a casa paterna. Contudo, não aceita que o pai acolha o filho rebelde. Não entende a lógica do pai, que faz uma festa para receber «esse irmão», que gastou tudo. Este filho mais velho é a imagem dos fariseus e escribas que interpelaram Jesus. «Consideravam-se justos, mas desprezavam os demais.»

Esta «parábola do pai misericordioso» apresentar-nos Deus como um Pai bondoso, que respeita as nossas decisões, mesmo quando usamos mal a liberdade, procurando a felicidade em caminhos errados. Quando nos reencontra, os seus braços estão abertos para nos acolher.

Irmãos, imitemos a misericórdia divina e deixemo-nos orientar por esta dinâmica amorosa: Sejamos misericordiosos à semelhança de Deus, nosso Pai.

3. Reconciliação

Reconciliação é palavra-chave da segunda leitura. Aparece repetida cinco vezes: reconciliação entre os Coríntios e Paulo e reconciliação entre os Coríntios e Deus. Esta chamada serve para os cristãos de todos os tempos: os homens têm necessidade de viver em paz uns com os outros; mas dificilmente o conseguirão, se não viverem em paz com Deus. Reconciliemo-nos com Deus. «Em Cristo», Deus ofereceu a todos os homens a reconciliação. Paulo fez-se «embaixador» e arauto desta reconciliação e aponta a eficácia reconciliadora da morte de Cristo: pela cruz, Deus arrancou-nos do domínio do pecado e transformou-nos em homens novos.

Para reflectir: apesar das nossas infidelidades, Deus continua a oferecer-nos o Seu amor. Como é que respondemos a essa oferta divina? Com uma vida de obediência aos seus mandamentos, ou com egoísmo e auto-suficiência? É «em Cristo» que somos reconciliados com Deus. Jesus crucificado ensinou-nos a obediência filial ao Pai e o amor total aos homens. É desta forma que procuramos viver? A comunhão com Deus exige a reconciliação com os irmãos. Como nos situamos face a esta obrigatoriedade de reconciliação com os que nos rodeiam?

 

Fala o Santo Padre

 

«A liturgia convida-nos a alegrar-nos porque se aproxima

o dia da vitória de Cristo sobre o pecado e sobre a morte.»

[…] Estamos no quarto Domingo de Quaresma, chamada em latim Domingo «in Laetare», isto é, «Alegra-te» da primeira palavra da antífona da entrada na liturgia da Missa. Hoje a liturgia convida-nos a alegrar-nos porque se aproxima a Páscoa, o dia da vitória de Cristo sobre o pecado e sobre a morte. Mas onde se encontra a fonte da alegria cristã a não ser na Eucaristia, que Cristo nos deixou como Alimento espiritual, enquanto somos peregrinos nesta terra? A Eucaristia alimenta nos crentes de todas as épocas aquela alegria profunda, que forma um todo com o amor e com a paz, e que tem origem na comunhão com Deus e com os irmãos. […] Na Eucaristia Cristo quis doar-nos o seu amor, que o levou a oferecer na cruz a vida por nós.

Na última Ceia, lavando os pés dos discípulos, Jesus deixou-nos o mandamento do amor:  «Assim como Eu vos amei, vós também vos deveis amar uns aos outros» (Jo 13, 34). Mas isto só é possível se permanecermos unidos a Ele, como os ramos à videira (cf. Jo 15, 1-8), ele mesmo escolheu permanecer entre nós na Eucaristia para que pudéssemos permanecer com Ele. Portanto, quando nos alimentamos com fé do seu Corpo e do seu Sangue, o seu amor vem a nós e torna-nos capazes por nossa vez de dar a vida pelos fiéis (cf. 1 Jo 3, 16) e não de a termos para nós mesmos. Daqui brota a alegria cristã, a alegria de amar e de ser amados. […]

 

Papa Bento XVI, Angelus, Domingo, 18 de Março de 2007

 

LITURGIA EUCARÍSTICA

 

ORAÇÃO SOBRE AS OBLATAS: Ao apresentarmos com alegria estes dons de vida eterna, humildemente Vos pedimos, Senhor, a graça de os celebrar com verdadeira fé e de os oferecer dignamente pela salvação do mundo. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

 

SANTO

 

Monição da Comunhão

 

A comunhão com Deus exige a comunhão com os outros. A reconciliação provoca em nós a alegria de uma situação nova, porque nos faz renascer! «Quem está em Cristo é uma nova criatura! As coisas antigas passaram; tudo foi renovado.»

 

Lc 15, 32

ANTÍFONA DA COMUNHÃO: Alegra-te, meu filho, porque o teu irmão estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi encontrado.

 

ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO: Senhor nosso Deus, luz de todo o homem que vem a este mundo, iluminai os nossos corações com o esplendor da vossa graça, para que pensemos sempre no que Vos é agradável e Vos amemos de todo o coração. Por Nosso Senhor.

 

 

RITOS FINAIS

 

Monição final

 

A nossa conversão passa pelo Sacramento da penitência e há-de manifestar-se na vida quotidiana. «Nós somos, portanto, embaixadores de Cristo; é Deus quem vos exorta por nosso intermédio.

Nós vos pedimos em nome de Cristo: reconciliai-vos com Deus.»

 

 

Celebração e Homilia:         JOSÉ ROQUE

Nota Exegética:                    GERALDO MORUJÃO

Homilias Feriais:                  NUNO ROMÃO

Sugestão Musical:                DUARTE NUNO ROCHA

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