1. A Teologia, ciência de Deus e da salvação humana.
2. O questionamento moderno de Deus como objeto principal da ciência teológica.
3. A reflexão sobre Deus e sua repercussão teológica.
4. A inacessibilidade e afastamento de Deus como objeto do pensamento moderno.
5. A centralidade do mistério de Deus para a Teologia cristã.
6. Extensão do objeto da Teologia.
A Teologia, ciência de Deus e da salvação humana.
O interesse principal da Teologia é Deus e sua atividade salvadora em Cristo. É pois uma ciência teocêntrica. Todas suas afirmações são sobre Deus e a partir das afirmações sobre o ser de Deus procura entender suas ações e pretende dar sentido à existência do homem e do mundo.
A Teologia trata de Deus enquanto Deus, isto é, trata do Deus vivo da Revelação, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e de Jacó, o Deus Uno e Trino que se revelou na história da salvação.
“O Deus dos filósofos não é o Deus vivo e pessoal que a Bíblia nos testemunha, mas um fundamento do mundo, um Incondicionado e um Absoluto que não pode ser denominado com um Nome pessoa, mas mediante conceitos abstratos. Ao Deus dos filósofos não se pode rezar. Corresponde, sem dúvida, ao pensamento filosófico uma importante função. Proporciona acessos para a compreensão da fé e mostra que a fé em Deus, sobre passando em muito o puro pensar, não é irracional[1]“.
“A Deus ninguém o viu jamais: o Filho único, que está no seio do Pai, Ele nos revelou” (Jo. 1,18). A Teologia depende pois da Revelação dada por Cristo, o Filho Unigênito de Deus.
A Teologia estuda o ser de Deus na medida em que pode ser alcançado. Não esquece que Deus é um profundo mistério, que não pode ser conhecido como os demais objetos de conhecimento. A Teologia trata de Deus tanto em si mesmo, quer dizer, enquanto a sua essência, seus atributos e Pessoas, quanto como princípio e fim de todas as coisas. Diz um adágio antigo sobre a Teologia: “Theologia Deum docet, a Deo docetur, ad Deum ducit”.
O questionamento moderno de Deus como objeto principal da ciência teológica.
A afirmação de que Deus é o assunto central da Teologia foi posta em debate nos últimos anos. A dúvida sobre isso tem dois motivos: a) a perda do sentido cultural e filosófico do termo “Deus”; b) alguns pressupostos epistemológicos modernos, que declaram a Deus como um ser incognoscível e afastado de nós.
Como base dessa segunda postura temos 1) motivos religiosos: Deus seria totalmente transcendente, inacessível (crítica protestante da objetividade de Deus); 2) motivos filosóficos: Deus seria uma construção do pensamento humano, uma idéia (em sentido kantiano, metafisicamente inalcançável); 3) motivos metodológicos: alguns autores afirmam antes de tudo o homem e a sua salvação como aspectos centrais da teologia, colocando a pergunta sobre Deus em segundo lugar.
A reflexão sobre Deus e sua repercussão teológica.
A partir do século XVII a filosofia racionalista vai empobrecendo a concepção cristã sobre Deus. Não é possível aqui descrever todo esse processo, mas daremos os conteúdos fundamentais desse processo.
O processo começou quando a filosofia começou a tratar da mera “idéia de Deus” desligada das afirmações cristãs sobre Deus. O ponto final desse processo é a redução de Deus a uma mera categoria filosófica, cujo conteúdo é afirmado segundo as ideologias do momento. Esse processo termina assim no ateísmo, isto é a negação racional e absoluta da existência de Deus.
Nesse processo Deus foi confundido com o mundo, com o homem, até que se tornou uma idéia sem conteúdo da mente humana. Essas afirmações são sustentadas por filosofias deficientes, parciais. Por exemplo: para Descartes Deus era simplesmente a causa última que garante a ordem física do mundo; para Espinoza havia uma só substância no mundo, Deus ou o mundo; Kant entendia a Deus como uma idéia que serve de pressuposto à ordem moral e à liberdade humana. Hegel falará de um movimento histórico-dialético, no que o Absoluto se faz a si mesmo por infinitos elementos; Nietzsche proclamou a “morte de Deus” e a chegada do “super-homem”, isto é, o homem contemporâneo descartou o conceito de Deus e a partir de agora, o homem movido pela “vontade de poder” vai mover o mundo. Esse autor foi capaz de ver as conseqüências trágicas dessa “morte de Deus” para a humanidade: “que fizemos ao libertar esta terra do seu sol? Para onde ela se move? Para onde nos movemos, longe de todos os sóis? Não estamos caindo? Não vamos dando tombos para trás, para o lado, para adiante, para todos os lados? Há ainda um acima e um abaixo? Não vagamos através dum infinito nada? Não sentimos o espaço vazio? Não faz mais frio? Não anoitece cada vês mais?[2]”
A inacessibilidade e afastamento de Deus como objeto do pensamento moderno.
a) A redução religiosa: tem sua origem em Lutero, que afirmou com toda a força a majestade de Deus e a correlativa insignificância e absoluta carência espiritual do homem. “Deus decidiu ser incognoscível e incompreensível ao margem de Jesus Cristo”, afirmou Lutero. Os homens ignorariam a Deus fora da Revelação e tendem a converte-lo em um ídolo. Não há possibilidade de conhecer a Deus pelas forças humanas somente. A revelação de Deus também não tem caráter especulativo para Lutero: “aquilo ao que se adere e se abandona o teu coração é propriamente teu deus[3]“. Outro autor protestante (calvinista) que afirma de forma absoluta a transcendência divina e Karl Barth (1886-1968). Esse autor tem uma obra monumental. Para ele, Deus é o “Absolutamente Outro”. O Deus da fé cristã é um Deus que fala e a única resposta adequada por parte do homem é a obediência. Não haveria para ele nenhuma caminho que vai do homem a Deus, só há a via recorrida por Deus que fala ao homem. O homem não pode conhecer nada de Deus por si mesmo, exceto o que ele mesmo revelou.
b) A redução filosófica: o filósofo moderno Immanuel Kant (1724-1804) apresentou de forma mais sistemática a incognoscibilidade metafísica de Deus para a razão humana. Sua filosofia exerceu enorme influência na filosofia e teologia contemporâneas. Na Critica da Razão Pura ele concluiu que o único conhecimento válido resulta da união de sensibilidade e entendimento ordenados pela atividade sintética a priori do entendimento. Deus para ele não pode ser conhecido pela razão, não pode ser objeto de estudo científico, é uma mera idéia da razão, cuja existência não resulta racionalmente demonstrável. Kant postula Deus como necessidade para a razão prática, como garantia da ordem moral. O sistema kantiano é a base da chamada “perda do objeto teológico”.
c) A redução antropológica: está presente na obra do filósofo Schleiermacher e também tem muitos efeitos na filosofia e teologia contemporâneas. O filósofo Martin Heidegger (1889-1976) reelaborou essa filosofia e trouxe graves conseqüências para a teologia. Segundo eles, a pergunta pelo homem é entendida como o único modo possível de apresentar a pergunta de Deus.
O teólogo que assumiu essa postura e a apresentou teologicamente é o luterano Rudolf Bultmann (1889-1976). Esse autor nos apresentou uma radical interiorização da mensagem evangélica, eliminando do crisitianismo todo o valor do tempo, do mundo, da história. A Revelação não é concebida como algo exterior à consciência do homem, mas seria um processo subjetivo de auto-compreensão e, mediante o kerygma, se percebe como salvo pela fé em Jesus. A cruz e a ressurreição deixam de ser eventos históricos e passam a ser algo que Deus causa na existência do crente. O centro dessa teologia é pois uma “tradução“, que elimina todo o conteúdo transcendente de fé cristã para converte-las em elementos imanentes (para fazer o cristianismo algo científico). Na teologia bultmaniana o objeto humano absorve o elemento divino da teologia. Dessa forma, em algumas áreas da teologia contemporânea se deixa de estudar a Deus e se passa a investigar se existe no homem as condições epistemológicas para conhecer a Deus e para entender o que nos diz a Bíblia. A teologia deixa assim de ter a Deus como objeto e passa a não ir mais além do homem.
Outro teólogo que quis levar esse projeto adiante foi o católico Karl Rahner (1904-1984): esse autor se esforçou para “mostrar que a teologia dogmática hoje deve ser uma antropologia teológica, e que o ‘giro antropológico’ é necessário e frutífero”. Ele queria uma reflexão teológica que resultasse significativa para o homem moderno, isto é, a teologia deve partir da antropologia transcendental kantiana.
A centralidade do mistério de Deus para a Teologia cristã:
A Teologia da Igreja parte da consciência de que a experiência bíblica sobre o Deus vivo dispõe de uma linguagem suficientemente clara e acessível à razão humana. Está consciente que Deus é um mistério, que nosso conhecimento é parcial, mas é verdadeiro conhecimento de Deus. A Teologia cristã não admite que a noção de Deus pode ser absorvida nos nossos discursos humanos. “Deus semper maior” afirmava Santo Agostinho, numa expressão clássica e admitida por todos os teólogos de bom senso. A verdadeira Teologia se esforça sempre por conhecer a Deus e não um ídolo.
Extensão do objeto da Teologia.
Já dizia Santo Tomás na Suma Teológica:
“Deus é o objeto desta ciência, porque o objeto está para a ciência como para a potência ou hábito. Ora, propriamente, é considerado objeto de potência ou hábito aquilo sob cujo aspecto se lhes refere qualquer coisa. Donde, referindo-se à vista, enquanto coloridos, o homem e a pedra, é a cor o objeto próprio da vista. Ora, a sagrada doutrina tudo trata com referência a Deus, por tratar ou do mesmo Deus ou das coisas que lhe digam respeito, como princípio ou fim. Pelo que, é Deus, verdadeiramente, o objeto desta ciência – o que também se demonstra pelos princípios da dita ciência, ou artigos da fé, de que Deus é objeto. Ora, idêntico objeto têm os princípios e toda a ciência, por estar a última, total e virtualmente, contida nos princípios. – Certos, porém, atendendo às matérias tratadas e não ao ponto-de-vista, a esta ciência assinalaram outro objeto; como, a realidade e os símbolos, ou as obras da reparação; ou todo Cristo, isto é, a cabeça e os membros. E, com efeito, são consideradas nesta ciência todas essas matérias, se bem com relação a Deus”.
[1] Catecismo Alemão de Adultos, Madrid, 1989.
[2] A Gaia Ciência II, 127.
[3] BSLK, 560.