Quarenta Dias do Menino!
A Festa da Apresentação do Senhor, quarenta dias depois do nascimento de Jesus, mostra-nos Maria e José que, em obediência à Lei mosaica, vão ao Templo de Jerusalém para oferecer o Menino, enquanto primogênito, ao Senhor, e para o resgatar mediante um sacrifício ( Lc 2, 22- 24 ). É um dos casos em que o tempo litúrgico reflete o histórico, porque hoje se completam precisamente quarenta dias desde a Solenidade do Natal do Senhor; o tema de Cristo Luz, que caracterizou o ciclo das festas natalícias e culminou na Solenidade da Epifania, é retomado e prolongado na festa de hoje. No encontro entre o velho Simeão e Maria, jovem mãe, Antigo e Novo Testamento unem-se de maneira admirável em ação de graças pelo dom da Luz, que resplandeceu nas trevas, impedindo-as de prevalecer: Cristo Senhor, Luz para iluminar os povos e glória do seu povo Israel ( Lc 2, 32 ). No Oriente esta Festa é chamada de Festa do Encontro: com efeito, Simeão e Ana, que encontram Jesus no Templo e reconhecem n’Ele o Messias tão esperado, representam a humanidade que encontra o seu Senhor na Igreja. Trata-se de um belo encontro de Deus, que vem nos salvar, com a criatura humana, necessitada de salvação, pois se encontrava sujeita à escravidão, por medo da morte ( Hb 2, 15 ). Contemplamos este mistério na oração do Rosário, nos mistérios Gozosos. É, portanto, um mistério de alegria: chegou-nos a Salvação, chegou-nos o Salvador!
O encontro de Jesus com Simeão e Ana no templo de Jerusalém, aparece como o símbolo deuma realidade muito maior e universal: a humanidade encontra seu Deus na Igreja. Ouvimos do Profeta Malaquias ( Ml 3, 1- 4 ) que prenunciava esse encontro: “ Eis que envio meu anjo, e ele há de preparar o caminho para mim; logo chegará ao seu Templo o Senhor que buscais, o anjo da aliança que desejais.” No Templo, Simeão reconheceu como Messias esperado a Jesus e o proclamou Salvador e luz do mundo. Compreendeu que, doravante, o destino de cada homem se decidia de acordo com a atitude assumida em relação a ele; Jesus será causa ou de ruína ou de ressurreição. Lendo as coisas mais em profundidade, compreendemos que naquele momento é o próprio Deus quem apresenta o seu Filho Unigênito aos homens, mediante as palavras do velho Simeão e da profetiza Ana. De fato, Simeão proclama Jesus como “salvação” da humanidade, como “luz” de todos os povos e “sinal de contradição”, porque revelará os pensamentos dos corações ( Lc 2, 29 – 35 ).
Nossa Senhora preparou o seu coração, como somente Ela o podia fazer, para apresentar o seu Filho a Deus Pai e oferecer-se Ela mesma com Ele. Ao fazê-lo, renovava o seu faça-se (SIM) e punha uma vez mais a sua vida nas mãos de Deus. Jesus foi apresentado ao Pai pelas mãos
de Maria. Nunca se fez nem se tornaria a fazer uma oblação semelhante naquele Templo.
A festa de hoje convida-nos a entregar ao Senhor, uma vez mais, a nossa vida, pensamentos, obras…, todo o nosso ser. E podemos fazê-lo de muitas maneiras.
A liturgia desta festa quer manifestar, com efeito, que a vida do cristão é como uma oferenda ao Senhor, traduzida na procissão dos círios acesos que se consomem pouco a pouco, enquanto iluminam. Cristo é profetizado como a Luz que tira da escuridão o mundo sumido em trevas. Com este sinal visível pretende-se significar que a Igreja encontra na fé Aquele que é “a luz dos homens” e acolhe-o com todo o arrebatamento da sua fé para levar esta “luz” ao mundo.
Seus pais maravilharam-se do que se dizia dEle. Maria, que guardava no seu coração a mensagem do Anjo e dos pastores, escuta novamente admirada a profecia de Simeão sobre a missão universal do seu Filho: a criança que sustenta nos seus braços é a Luz enviada por Deus Pai para iluminar todas as nações: é a glória do seu povo.
É um mistério ligado à oferenda feita no Templo e que nos recorda que a nossa participação na missão de Cristo, que nos foi conferida no Batismo, está estritamente ligada à nossa entrega pessoal. A festa da Apresentação do Senhor é um convite a darmo-nos sem medida, a “arder diante de Deus, como essa luz que se coloca no castiçal para iluminar os homens que andam em trevas; como essas lamparinas que se queimam junto do altar e se consomem alumiando até se gastarem”. (São Josemaría Escrivá, Forja, 44). Meu Deus, dizemos hoje ao Senhor, a minha vida é para Ti; não a quero se não for para gastá-la junto de Ti. Para que outra coisa haveria de querê-la?
São Bernardo recorda-nos que “está proibido apresentar-se ao senhor de mãos vazias.” Simeão abençoou os pais do Menino e disse a Maria, a mãe de Jesus: Este menino vai ser causa tanto de queda como de reerguimento para muitos em Israel. Ele será um sinal de contradição. Assim serão revelados os pensamentos de muitos corações. Quanto a ti, uma espada te traspassará a alma” ( Lc 2, 34-35 ).
Jesus traz a salvação a todos os homens; no entanto, para alguns será sinal de contradição, porque se obstinam em rejeitá-Lo.
O Evangelista São Lucas narra também que Simeão, depois de se referir ao Menino, se dirigiu inesperadamente a Maria, vinculando de certo modo a profecia relativa ao Filho com outra que se relacionava com a mãe: “ uma espada atravessará a tua alma”. Com estas palavras do ancião, o nosso olhar desloca-se do Filho para a Mãe, de Jesus para Maria. É admirável o mistério deste vínculo pelo qual Ela se uniu a Cristo, àquele Cristo que é sinal de contradição.
Estas palavras dirigidas à Virgem anunciavam que ela estaria intimamente unida à obra redentora do seu Filho. A espada a que Simeão se refere expressa a participação de Maria nos sofrimentos do Filho; é uma dor indescritível, que atravessa a sua alma. O Senhor sofreu na Cruz pelos nossos pecados; e esses mesmos pecados de cada um de nós forjaram a espada de dor da nossa Mãe.
Podemos servir-nos das palavras de Santo Afonso Maria de Ligório, invocando Maria como intercessora: “Minha Rainha, seguindo o vosso exemplo, também eu queria oferecer hoje a Deus o meu pobre coração…Oferecei-me como coisa vossa ao Pai Eterno, em união com Jesus, e pedi-lhe que, pelos méritos do seu Filho, e em vossa graça, me aceite e me tome por seu”.
Por meio de Maria, o Senhor acolherá uma vez mais a entrega que lhe fizermos de tudo o que somos e temos.
Mons. José Maria Pereira