Manual de Homilética

A pastoral da Palavra

Introdução

A pastoral da palavra corresponde à Igreja pela sua própria constituição. Desde o Concílio Vaticano II a eclesiologia tem aprofundado a dimensão sacramental do mistério da Igreja. O sacramento traz consigo a conjunção do gesto com a palavra, do mesmo modo que na história da salvação e em Cristo, seu acontecimento central, as palavras sempre estiveram iluminando o sentido dos acontecimentos. A Const. Dei Verbum insistiu nesta conjunção do fato e da palavra na progressiva auto-revelação de Deus. A ação pastoral da Igreja, que continua na história sendo mediação da doação de Deus, tem a palavra como um dos elementos que a constituem. Os gestos e as ações podem ser ambíguos, sujeitos de diversas interpretações; a palavra oferece o sentido exato da ação, interpreta-a, dá a sua autêntica intencionalidade.

Porém, falar de palavra na Igreja não é possível à margem da Palavra com maiúscula que sustenta e faz viver à própria Igreja. Antes que missão, a palavra na Igreja é dom. Sua voz não quer ser senão o eco de outra palavra que foi pronunciada nela e que ressoou no fundo do seu ser.

Para falar da palavra na Igreja é necessário fazer uma primeira referência à revelação de Deus que foi acolhida na fé da Igreja e a cujo serviço ela mesma vive. Por isso entre a Palavra e o ser da Igreja há relações múltiplas e variadas. Mais ainda, devemos falar da Igreja como o lugar onde hoje essa Palavra continua ainda ressoando para o mundo e continua chamando e convidando o homem para participar do mistério divino. De fato, a fé é resposta ao Deus que se nos revelou e a Igreja foi convocada e cresce pelo anúncio do Evangelho.

Num segundo momento temos que falar da Palavra situada na ação pastoral da Igreja. A principal manifestação da Palavra na ação pastoral da Igreja é, sem dúvida, aquela que acompanha o testemunho crente, explica-o e interpreta-o, e faz dele chamada evangelizadora para os homens e o mundo. Para essa Palavra deve ir dirigida toda esta pastoral. O restante das ações pastorais têm como objeto o fato de que a Igreja continue sendo medianeira da salvação para o mundo, continue sendo o lugar onde a Palavra se pronuncia, significa, dá sentido ao mundo e produz nele os seus frutos.

Para garantir essa Palavra que se identifica com sua missão, a Igreja também tem seus meios e suas estruturas. Agora vamos deter-nos em dois que podem ser origem de muitos outros: a formação permanente como palavra meditada e a pregação homilética.

1 – Revelação e Palavra

Aqui repetiremos algumas noções básicas da teologia fundamental e da eclesiologia para fundamentar nessa mútua relação os imperativos que devem acompanhar toda pastoral da palavra.

a. As distintas presenças de Deus na Igreja

A palavra de Deus na vida da Igreja se situa no seio de outras muitas presenças. Falamos de Deus presente na criação e descoberto na contemplação de suas maravilhas, falamos de Deus presente nos acontecimentos e descobrimos sua ação perscrutando os sinais dos tempos, falamos de Deus presente no homem que é sua imagem e o manifestamos respeitando-o  e no comportamente fraterno; no interior mesmo da Igreja falamos da presença de Deus na comunidade reunida em seu nome, de sua vontade manifestada no serviço da hierarquia, de sua ação santificadora na celeração sacramental e, de modo especial, falamos da presença real de Cristo nas espécies eucarísticas.

Nenhuma dessas presenças é alheia à presença em sua própria palavra, dada ao longo da história; e mais ainda, foi esta mesma Palavra que nos levou a descobrir Deus em outras realidades.

b. A revelação como fato dinâmico de autocomunicação de Deus

A história da revelação é a história da autocomunicação de Deus ao homem e seu resultado é a vida.

Ao longo dos tempos, Deus saiu ao encontro do homem para oferecer-lhe sua comunhão. Sua Palavra representou a oferta de uma comunhão na qual o homem pode encontrar sua verdade última, o caminho de sua realização humana e da salvação integral à qual ele aspira.

Conseqüentemente, Deus ao revelar-se, doa-se. O que Ele comunica não é a sua compreensibilidade, mas sua vida e sua comunhão como oferta ao homem. E o homem, mais que compreender ao receber sua Palavra, encontrou novas possibilidades de vida, encontrou a própria vida. A revelação de Deus não é alheia à revelação do próprio mistério do homem. Na revelação, conhecemos também o ideal de homem que desde sempre Deus tinha projetado.

A partir da Palavra de Deus pronunciada na criação que faz surgir a vida até a Palavra definitiva dada na manhã da Páscoa que faz surgir a vida nova, toda a história da Revelação está unida a uma vida que é diferente se se aceita ou se se rejeita. Deus vai se revelando como possibilidade para o homem de uma forma diferente de viver que leva à plenitude do mesmo ser humano. Quem recebe sua palavra se encontra com a realidade de ser filho de Deus.

c. Cristo, plenitude da Palavra e inesgotabilidade de sua Palavra

Por isso, o acontecimento de Cristo, por ser a manifestação última do Filho e da Palavra, é a plenitude da revelação. O Deus que se havia revelado de diversas formas e maneiras ao longo dos séculos, no Filho se manifestou definitivamente.

A Palavra de Cristo, revelando o rosto de Deus, foi assegurando as possibilidades de um mundo novo no qual Deus, reconhecido como Pai, torna possível a fraternidade entre os homens. A comunhão de Deus oferecida em sua Palavra faz surgir a comunhão entre os homens como realidade e como vocação dos que o receberam.

Em Cristo Deus nos disse tudo o que tinha para dizer, deu-se a nós definitivamente. Ele é a plenitude da Revelação e toda palavra nova não será senão aprofundamento na Palavra dada. A pretensão de Cristo em sua história foi a de dizer ultimamente quem era Deus e manifestar assim a vida à qual somos chamados e a qual estamos destinados. Essa vida é, primeiramente, o dom de um Pai que nos ama. Cristo mesmo fez de sua vida a manifestação desse amor que acolhe e perdoa, que congrega e une, que devolve ao homem a dignidade perdida, que denuncia as situações de mentira e de injustiça no mundo, que anuncia um futura de esperança possível, que é capaz até de dar pelo homem a própria vida.

d. A Palavra eternizada pelo mistério pascal

Se em Deus palavra e vida se mesclaram na história de sua revelação, a vida do Ressuscitado é a última Palavra pronunciada por Ele.

Com ela, começou o tempo definitivo. A Páscoa se converte no acontecimento da autentificação do Filho, da aparição da Igreja e do futuro do mundo.

– A pretensão do Jesus histórico foi selada com o selo da autenticidade na manhã da Páscoa. Dando-lhe a vida, o Pai ratificou a sua Palavra como Palavra de vida. O que dizia era verdade. Porém a vida do Ressuscitado tem como componente novo o que está sentado à direita do Pai. A Palavra entrou na esfera de Deus e se eternalizou no tempo. O mistério pascal converteu a palavra do tempo em Palavra eterna, a palavra concreta em palavra universal, a palavra do amigo em palavra do Senhor, a palavra do homem em palavra de Deus. Agora, o que disse Jesus, converteu-se na palavra que Deus queria dizer a todos sempre e para sempre.

– O mistério pascal é também inseparável do mistério de Pentecostes e do mistério da Igreja.  Mais ainda, eles são também componentes da Páscoa. Graças à ação do Espírito, princípio de missão e testemunho apostólico, a palavra do Ressuscitado aparece unida à missão de uma Igreja que a conserva íntegra, a pronuncia no tempo, vive de sua escuta e meditação e a transmite de geração em geração até que o seu Senhor volte. A Igreja surge, assim, como servidora da Palavra e sua tarefa central é o anúncio do Evangelho com a integridade de seu testemunho, cumprindo o mandato de Cristo.

– A Palavra que a Igreja serve em sua ação pastoral tem como destinatário o mundo. Ela é capaz de fazer novas todas as coisas. Com o acontecimento pascal o mundo se abriu para um futuro de ressurreição para o qual vive a Igreja e que será dom escatológico do Pai. A palavra que a Igreja anuncia não é alheia à construção deste mundo, mas a implica e a compromete. A palavra da Igreja é anúncio e denúncia, palavra profética que é pronunciada para que o Reino de Deus seja semeado e fermente a complexidade das realidades mundanas. A pastoral da Palavra está inseparavelmente unida à pastoral do compromisso e do testemunho eclesial em meio às realidades temporais.

e. Palavra iluminadora da situação atual

O que nos foi dito em Cristo é luz que ilumina a todo homem que vem a este mundo (cf. Jo 1,9). A Igreja vive para que sua palavra seja luz que chega a todas as situações e realidades humanas e as salve.

Sua função servidora da Palavra no aqui e agora da história é possível graças à presença do Espírito que revela e leva ao conhecimento total de Cristo (cf. Jo 15,12-15), que faz d’Ele resposta à problemática e à situação de todos os homens.

A história da Revelação foi uma revelação progressiva de Deus até chegar a Cristo. Hoje a história da Igreja é aprofundamento progressivo naquilo que em Cristo já nos foi dado para torná-lo vida e razão para viver de todos os homens. A plenitude da Revelação nos supera e nos transcende; a tarefa da Igreja é penetrar paulatinamente nela para ir descobrindo sua riqueza e para fazer viver a partir dela todos os que recebem seu Evangelho.

f. Os diversos carismas e a palavra

Cada ministério e cada carisma na Igreja serve à Palavra a partir de sua especificidade.

A uns corresponde o cuidado da Palavra, sua transmissão íntegra, sua proclamação autorizada, sua atualização celebrativa; a outros o seu modo de pronunciá-la é torná-la vida e testemunho no meio das mais variadas circunstâncias humanas, mostrá-la como razão da própria esperança, como fonte do mais diverso compromisso. Para todos a Palavra é fonte; em todos a Palavra ressoa; na complementaridade e na comunhão das diversas tarefas Deus continua falando e dizendo a palavra em Cristo para todos os homens e para toda a história.

2 – A Palavra de Deus na Igreja e para a Igreja

O estudo da função do anúncio tem seu ponto de partida numa reflexão teológica sobre o significado da Palavra de Deus na Igreja e para a Igreja, passando por uma análise do conteúdo e das diversas formas do anúncio até chegar, finalmente, às questões práticas sobre o desenvolvimento da pregação.

a. A teologia do anúncio

«Uma comunidade religiosa que deixasse de pregar, não poderia ser a verdadeira Igreja de Cristo».

Esta afirmação bastante categórica chama a atenção sobre a importância da Palavra de Deus na Igreja. O constitutivo essencial do ministério profético é a Palavra de Deus, realidade primeira da economia da salvação. Com sua palavra Deus não só fala, mas age, não só revela, mas se torna presente.

No que se refere ao papel que a pregação tem de levar ao encontro da fé, já conhecemos as palavras de S. Paulo de que «a fé vem de ouvir a pregação» (Rm 10). Esta afirmação guarda todo seu valor, na medida que o caminho psicológico para se alcançar a fé passa normalmente pela fé. No entanto, a pregação da Igreja por si só não é o fundamento absoluto da certeza obtida pela fé.

O papel da pregação eclesiástica: ser um serviço em favor da palavra (cf. At 6,4); a pregação é só um intermediário dessa mesma palavra, que empresta sons à Palavra de Deus e convita a pessoa humana a assumir uma posição. A parte que lhe toca é a de estabelecer o encontro do homem com Deus, preparando o caminho para a fé como instrumento que dispõe a ela; não lhe corresponde criar a fé nem torná-la operativa. A causa da atuação da fé é, e continua sendo, em primeiro lugar Deus e, em segundo lugar, o homem que, usando a própria liberdade, acolhe o convite divino. Portanto, a pregação não é, nem mais nem menos, que um serviço intermediário, a favor daquilo que, em última instância, se realiza entre Deus e a alma do homem.

A Palavra de Deus não é só uma ação, mas também uma revelação dirigida aos homens para despertar neles um ato pessoal de obediência e para manifestar certos conteúdos vitais de verdade. Dinamicamente a Palavra de Deus incomoda, interpela, descobre, noeticamente ilumina, desenvolve e, por isso, podemos falar de diversos tempos dialéticos da Palavra de Deus e do ministério profético.

b. Formas de anúncio

1. O anúncio missionário (o kerigma)

A primeira forma do anúncio é a «pregação missionária», o kerigma, que tem como finalidade anunciar a fé e solicitar a conversão. No seu significado pleno, o Kerigma é o anúncio atual e historicamente determinado da Palavra de Deus na Igreja, por parte de quem, a partir de Deus, tem o poder de dar testemunho. Temos uma confirmação recente desta verdade na Encíclica Redemptoris missio de João Paulo II:

« A tarefa fundamental da Igreja de todos os tempos e, particularmente, do nosso é a de dirigir o olhar do homem e orientar a consciência e experiência da humanidade inteira para o mistério de Cristo» (RM 4)

Característica do Kerigma é sua forma concreta e histórica de «acontecimento» e «momento» presente: o anúncio se torna salvação para quem o acolhe. Por meio do kerigma se proclama eficazmente a presença da salvação na comunidade, com outras palavras, o kerigma torna Cristo presente na comunidade e constrói assim a comunidade enquanto tal.

Da natureza do kerigma derivam algumas exigências essenciais: a exigência de expressar o núcleo e o fundamento da salvação; a exigência de um anúncio que não utiliza palavras eruditas nem ideologias. Nesse sentido convém observar o que fala a RM 44 (cf.).

A evangelização é o ministério que apresenta a Palavra de Deus como uma palavra poderosa e que salva, que suscita a fé e a adesão pessoal de forma nuclear e totalizante. A evangelização anuncia o Evangelho de Jesus Cristo como kerigma, ou seja, como boa notícia com a finalidade de fundamentar a comunidade cristã mediante a conversão que conduz ao Batismo. Está dirigida aos batizados não praticantes que deixaram de crer, aos praticantes adultos não iniciados e às crianças e aos adolescentes batizados, que devem ratificar a sua fé adulta.

Entendido deste modo fica claro que o kerigma não se dirige somente aos pagãos. A fé não é uma realidade que o homem conquista uma vez por todas e logo a guarda como propriedade, mas um processo existencial, isto significa que é preciso aprofundar sempre de forma renovada: a fé está sempre in fieri. É preciso acrescentar que este anúncio missionário não é só tarefa da hierarquia, mas toda a comunidade dos fiéis tem a obrigação de tomar parte nesta função básica da Igreja.

A mensagem fundamental do cristianismo deve ser anunciada de modo que o conteúdo seja breve. No cristianismo primitivo existiam estas formulações breves e hoje também nos esforçamos por formular novos símbolos de fé breves e compreensíveis para o homem atual.

A finalidade que caracteriza a evangelização, tanto como função específica quanto como dimensão que deveria estar presente em qualquer uma das funções desempenhadas pela Igreja, permanece sempre a de «fundamentar ou re-fundamentar a fé». Fundamenta-se a fé quando ela alcança uma pessoa que escuta pela primeira vez o anúncio de Cristo Salvador; re-fundamenta a fé quando provoca uma vida cristã mais intensa numa pessoa que perdeu a fé, ou que nunca chegou a uma fé consistente, responsável, viva.

Um tema que se discutiu muito nos últimos tempos é o da metodologia e da linguagem da evangelização. A solução deste problema é intrinsecamente teológica e espiritual mais que questão de táticas. Porém é preciso lembrar que o problema da linguagem é um dos mais graves. Dele se fala desde muito tempo, porém ainda não foi resolvido. A dificuldade da linguagem da evangelização nasce por um lado, de uma nova mentalidade cultural e, por outro, o famoso problema da inculturação.

O problema essencial que a evenagelização está chamada a resolver diz respeito à alternativa entre a auto-salvação, ligada à imanência, e a heterosalvação, expressão da transcendência. O homem moderno parece resistir à simples idéia de uma salvação que proceda «de fora e do alto».

O sujeito da evangelização é a Igreja inteira: «A missão compete a todos os cristãos» (RM 2), isso quer dizer que todo cristão-bispo, sacerdote, leigo, religioso-tem a obrigação de evangelizar. Esta obrigação não está ligada a um mandato jurídico, mas brota diretamente da fé e dos sacramentos da iniciação cristã.

O ouvinte da mensagem cristã é o homem que se pergunta sobre realidades que a mensagem cristã tem as únicas respostas que podem satisfazer o coração inquieto do homem. A mensagem que é anunciada é a graça de Deus que nos precedeu e que desse modo nos tornou capazes de sermos ouvintes da sua Palavra. O conteúdo da pregação missionária é sempre o acontecimento da redenção e não uma metafísica ou um sistema cognoscitivo qualquer.

2. A pregação comunitária

Quando a pregação missionária alcança seu objetivo, ou seja, a conversão do indivíduo mediante sua inserção na Igreja, entra em jogo a pregação dentro da comunidade (didaché). Se a pregação missionária orienta a pessoa para Deus e para a Igreja, a pregação comunitária a une com Deus e com a Igreja.

Durante a pregação a «Palavra de Deus interior» precede logicamente a qualquer ação humana. Rahner a chama de «Palavra de Deus transcendente». Esta graça ajuda a aceitação livre e pessoal da Palavra e da própria fé na Igreja. Por isso, o primeiro que deve refletir em toda pregação é a fé da Igreja e do pregador. No NT, especialmente em Paulo, a Palavra como portadora da salvação ocupa o primeiro lugar (cf. At 6,4; 1Cor 1,17). A Igreja é, em princípio, Igreja da Palavra.

Por outro lado, a Palavra de Deus chega aos homens através de palavras humanas e pode ser chamada «palavra de Deus categorial» .

O anúncio, ou seja, a pregação, tem sua lógica interna. Um primeiro critério pastoral poderia ser que a pregação cristã não é algo meramente objetivo, não é uma coisa puramente estática e histórica mas algo antes de tudo existencial, pessoal e atual. Esta dramaticidade da Palavra é o conteúdo da pregação: ela não pode limitar-se, portanto, ao ensinamento doutrinal, aos mandamentos, às proibições, mas deve ser em si mesma um acontecimento gozoso e feliz. Inclusive na forma a pregação deve ser um acontecimento dinâmico. A pregação fala da realidade, por isso deve partir dos fatos, de eventos, adotar parábolas e exemplos, utilizar frases breves com tonalidade cálida e pessoal. O conteúdo e o portador de toda palavra é uma Pessoa, Jesus Cristo ressuscitado, razão pela qual toda pregação é um acontecimento pascal. Cristo não é uma pessoa do passado, mas o ressuscitado que vive, e isto é algo que afeta todo tempo, isto é, supõe uma palavra válida para todas as circunstâncias.

A pregação comunitária tradicionalmente ganha corpo em várias expressões que desde a antiguidade formam o estilo da pregação cristã:

a. Catequese ou «Didaché»

Tipo de pregação originariamente destinada aos adultos que se preparavam para receber o Batismo. Tratava-se, podemos dizer, de um aprofundamento do Kerygma, com o objetivo de dar embasamento à fé do catecúmeno, despertada a partir do primeiro anúncio.

b. Didascália

Consiste num aprofundamento nas verdades de fé, buscando fundamentar e explicitar ainda mais a fé, buscando aprofundar e explicitar ainda mais a fé brotada a partir do kerygma e aprofundada pela catequese.

c. Parenese

Nome dado à pregação cujo conteúdo está voltado para as exigências morais da vida cristã.

d. Homilia

Tipo de pregação com características próprias. É aquela oratória (arte de falar persuasivamente) sagrada que surgiu ainda na Igreja primitiva, a partir das celebrações litúrgicas. No sentido original supõe o kerygma e a catequese, já no sentido habitual é a explanação que se faz, durante a missa ou outra celebração litúrgica, a partir do texto escriturístico (cf. SC 35) que tenha relação com o mistério que se celebra e venha ao encontro das necessidades dos fiéis que a ouvem.

Falando do sentido litúrgico da homilia a Sacrosanctum Concilium determina que « as rubricas indiquem o momento mais apto para a pregação, que é parte da ação litúrgica» (cf. n. 35).

Do ponto de vista técnico na homilia se distinguem duas funções litúrgicas importantes:

1° – ser aplicação da mensagem ao aqui e agora da vida humana, pois a mensagem da Escrituraa tem uma atualidade;

2° – ser ponte entre a Liturgia da Palavra e a Liturgia Eucarística. Ela não é um ato isolado, mas está inserida na celebração (cf. SC 35, 2).

3 – A Pregação desde o Início da Igreja até o Concílio Vaticano II

1° Período: Apostólico

Nesse período a pregação apostólica e a vida da Igreja estão impregnadas pelo kerygma: cf. At 2, 14-32; 3, 12-26; 4, 8-12; 7, 1-53; 10, 34-43; 13, 16-41; 17, 24-31.

Em grandes linhas o kerygma se processa da seguinte forma:

a) O mistério Pascal que acaba de se realizar, foi anunciado pelos profetas. Portanto, os tempos messiânicos foram inaugurados.

b) Através de sua Ressurreição, Cristo é exaltado à direita de Deus como Senhor.

c) Cristo envia o Espírito Santo para continuar a sua obra através da Igreja.

d) Cristo virá um dia como Juiz.

e) Diante disso os ouvintes são convidados à conversão.

O Mistério Pascal, centro da História da Salvação e da pregação querigmática, é apresentado como um fato que opera no hoje da Igreja, e o ponto alto da celebração desse mistério é a Eucaristia, vivida na caridade conforme nos falam At 2, 42-47; 4, 32-37.

Portanto a vida cristã se fundamentava na fé, no culto e na caridade. A Palavra era anunciada, celebrada na Eucaristia e vivida no dia a dia.

2° Período: Patrístico

A teologia patrística gira em torno do Mistério Pascal. Ela vai desenvolver o kerygma apostólico, numa linha fundamentalmente bíblica. Com o aparecimento das controvérsias cristológicas entram aos poucos na pregação da Igreja as definições: pessoa, substância, natureza, etc. Surge gradativamente um aspecto intelectualizante na pregação, o que diminui um pouco o aspecto de pregação Boa-Nova em alguns teólogos pregadores.

Percebe-se na leitura dos grandes Padres (S. João Crisóstomo, S. Ambrósio, S. Agostinho…) a existência de um centro irradiador e também unificador: o Mistério de Cristo que culmina na Paixão, Morte e Ressureição.

Um exemplo interessante nesse sentido é o «De catechizandis rudibus» (S. Agostinho, ano 400): fundamenta toda a catequese na História da Salvação, ordenando-a para um grande centro, o Mistério Pascal.

Podemos perceber nos escritos dos Padres que, partindo do kerygma apostólico, eles criaram aos poucos uma teologia eminentemente bíblica, que pervade toda a vida cristã. Ao mesmo tempo têm uma visão bastante clara sobre o sentido da Palavra de Deus no plano divino e acabam criando uma teologia da Palavra de Deus, especialmente Santo Agostinho acentua com clareza que Cristo-Pessoa é o Sujeito Principal e Objeto da Pregação.

3°Período: Do início da Escolástica até o Concílio de Trento

Nesse período aparecem grandes luzeiros da História da Igreja na pregação: S. Anselmo, S. Alberto Magno, S. Tomás, S. Boaventura, que foram homens que marcaram enormemente sua época. Os escolásticos bebem ainda da fonte bíblica e da patrística. Eram pregadores eminentemente bíblicos.

Esse período é marcado pelo interesse pela filosofia que pouco a pouco vai penetrando na teologia acentuando, desse modo, o seu aspecto de intelectualização-racionalização, ocorrendo assim um início de afastamento do centro polarizador: mistério pascal. (teologia-ciência)

A Teologia da Palavra de Deus torna-se mais tímida entre os teólogos do período áureo da escolástica, embora seja bastante acentuada em Tomás e em Boaventura.

A teologia aos poucos começa a desencarnar-se da vida, entra em cheio a racionalização da teologia e o elán bíblico, tão marcante na patrística, diminui consideravelmente. Vai-se apagando mais e mais a teologia da Palavra de Deus.

4° Período: Do Concílio de Trento ao Concílio Vaticano II

O Concílio de Trento, marcaado pela controvérsia protestante, vai favorecer a acentuação da radicalização. De um lado os Evangélicos propugnavam uma Igreja da Palavra, a Igreja colocará em primeiro lugar o tema dos sacramentos e, em segundo lugar, o da Palavra de Deus.

Haverá pouca preocupação com o problema teológico da Palavra de Deus e, pouco a pouco, a Teologia da Pregação vai desaparecendo. A pregação será identificada simplesmente com a arte (retórica). E, no campo da pastoral, sobram da pregação apenas algumas normas práticas. E é essa a visão que vai prevalecendo nesse campo: tudo vai ser visto desde o ponto de vista do direito, de normas e leis, a teologia da Palavra de Deus se esvazia dando lugar ao jurisdicismo. A teologia se coloca mais no campo da auto-defesa, da auto-apologética. Faltava, portanto, aquela visão bíblico-patrística da Teologia que é antes de tudo Palavra de Deus, Palavra de Salvação.

Como conseqüências práticas dessa postura podemos destacar:

Catequese: perde-se de vista a genuína História da Salvação cujo centro polarizador é o Mistério Pascal e se transforma predominantemente num ensino racional. Hoje, no entanto, ocorre o risco contrário que é o de não se acentuar suficientemente esse aspecto da catequese.

Liturgia: perdendo o verdadeiro conteúdo teológico transforma-se num frio rubricismo.

Moral: é vista quase exclusivamente sob o ângulo de preceitos que irrompem na mais complicada casuística. A moral parece reduzir-se a teoremas de geometria. Isso ocorre por perca da visão bíblica da moral: a boa nova que se acolhe, compromete e converte. Hoje o perigo é o de uma moral subjetivista demais, uma moral quase sem pecado.

No ano de 1936 um escritor alemão, Jungmann, dá um passo importante rumo à renovação da teologia da pregação com a publicação de uma obra cujas idéias principais buscavam colocar as bases para uma volta ao essencial da teologia da pregação.

Constatou que na pastoral (catequética, litúrgica, moral) faltava um centro polarizador: muitas normas, preceitos, mas faltava uma visão unitária do cristianismo. Essa falta tem sua raiz última na própria teologia que além de estar desvinculada da Pastoral se ressentia da falta de um centro polarizador. Esse centro canalizador é Cristo, Boa Nova de salvação; Cristo, Palavra da vida; Cristo, Mistério Pascal. Em seus estudos patrísticos sobre a liturgia, Jungmann verificou que precisamente na Patrística a vida cristã brotava da própria teologia. E a liturgia celebrava a vida cristã como um encontro com o Mistério Pascal, centro irradiador de toda a pregação.

A partir daí podemos concluir:

1. A teologia não pode se desvincular da vida da Igreja, não pode ser apenas ciência, mas é também primordialmente Boa Nova, Mensagem de Salvação, Vida.

2. A teologia deve ser revista tendo como centro irradiador e de convergência o Mistério de Cristo, particularmente sua Morte e Ressurreição numa visão não meramente racional mas numa visão em que Cristo aparece como Boa Nova de Salvação.

A obra de Jungmann teve grande influência na renovação da teologia, da catequética e da liturgia. E é sob essa influência que nasce em 1939 a Escola Querigmática de Innsbruck (Áustria), fruto de uma tentativa de dar à teologia uma nova perspectiva (tirá-la da visão intelectualista e apologética): a teologia é antes de tudo revelação salvífica, Boa Nova da salvação. Desejo de reestruturar a teologia buscando redescobri-la revelação, como palavra salvífica, como Boa Nova. Assim, depois de anos de debates, a partir de 1950 inicia-se um processo lento, mas decidido de busca de uma teologia viva, menos abstrata, mais voltada para a salvação.

Paralelamente a esse movimento querigmático surgiu o movimento que estuda a Palavra de Deus. Não basta apresentar a Palavra como mensagem, Boa Nova, como fez a teologia querigmática. É preciso descobrir o sentido da Palavra de Deus. «Para renovar a missa devemos renovar a ante-missa, ou seja, para renovar a liturgia eucarística, devemos renovar a liturgia da Palavra» (slogan lançado pelo movimento bíblico).

É é dentro desse contexto que vemos irromper nos anos 60 o Concílio Vaticano II.

5° Período : O Concílio Vaticano II e a Palavra de Deus

Ao entrar em contato com o Concílio Vaticano II já se percebe de que fonte ele quis beber: a Palavra de Deus e a Patrística. Nesse sentido traz uma grande variedade de textos bíblicos e patrísticos. Nenhum concílio na história da Igreja deu tanta importância à Palavra de Deus como o Vaticano II, basta começar pelo fato de uma Constituição dogmática sobre a Revelação: Dei Verbum. E todos os seus documentos estão impregnados desse espírito bíblico. Assim, na Constituição sobre a Liturgia Cristo aparece como sujeito principal da pregação: «Presente está Cristo pela sua Palavra, pois é Ele mesmo que fala quando se lêem as Sagradas Escrituras na Igreja» (SC 7).

Falará também na mesma Constituição mais explicitamente: «pois na Liturgia Deus fala a seu povo. Cristo anuncia o Evangelho» (SC 33). No Decreto Presbiterorum Ordinis 4: «a pregação da Palavra se faz necessária para o próprio ministério dos sacramentos, uma vez que são sacramentos da fé, e esta nasce e se alimenta da fé».

Conclusão

1. Quando um centro polarizador coordena toda a teologia, no caso o Mistério Pascal, toda a vida da Igreja é impregnada por este centro. E o cristianismo, em todos os setores de sua vida, vive, iluminado por esta visão unitária, que lhe empresta luz e força. Quando se perde esse centro se abre caminho para abusos e desvios.

2. O problema fundamental da pregação não é seu aspecto prático e sim seu sentido teológico.

3. Quando a teologia é estudada em primeiro lugar como Revelação da Palavra de Deus, que culmina no Mistério Pascal, sempre operante na vida da Igreja e na História, desaparece a dicotomia entre a Palavra e Sacramento.

«Pode já considerar-se ultrapassado aquele tempo em que as pessoas se julgavam no direito de opor uma Igreja da Palavra (protestante) e uma Igreja do Sacramento (católica), ou então de atribuir a eficácia da graça, segundo a Escritura, à Palavra, e segundo a Igreja, ao Sacramento. O movimento litúrgico dos diferentes países, apoiado no movimento bíblico e muitas vezes acompanhado por uma procura de renovação da pregação e da catequese, tinha aproximado eficazmente, ao mesmo tempo que unira, a celebração dos sacramentos e a pregação da Palavra» (Y. Congar).

4 – A Pregação: Ação Litúrgico-Celebrativa

1. No íntimo da liturgia

Com relação à homilia existe hoje uma consciência bem clara: ela é a pregação que ocorre dentro da liturgia e, de modo especialíssimo, na Santa Missa.

A noção conciliar de homilética é reveladora dessa sua importante dimensão:

«Recomenda-se encarecidamente, como parte da própria liturgia, a homilia, em que, durante o ciclo do ano litúrgico, se expõe, com base nos textos sagrados, os mistérios da fé e as normas da vida cristã. E mais: nas missas que se celebram aos domingos e festas de preceito, com assistência do povo, nunca se omita a homilia, a não ser por causa grave» (SC 52).

Temos um exemplo desta doutrina conciliar num dos textos mais antigos da Igreja apostólica, ao descrever a liturgia primitiva, a Apologia I de s. Justino, ao redor do ano 153, onde lemos:

«E no dia chamado do sol, tem-se uma reunião num mesmo local para todos os que moram nas cidades ou nos campos. E lêem-se as memórias dos apóstolos ou as escrituras dos profetas, conforme o tempo o permita. Em seguida, quando o leitor já terminou, quem preside faz um convite e uma exortação no sentido de se imitarem estas coisas excelsas. Depois, todos nós nos levantamos de uma só vez e recitamos orações. E […], ao acabarmos de orar, apresentamos pão, vinho e água, e quem preside eleva […] ações de graças […] E o povo aclama dizendo: ‘Amém’»

O termo usado por Justino para aludir à homilia (exortação ou proklésis) é variante do termo para descrever a pregação de Paulo em Antioquia da Psídia (At 13,15ss) e de Pedro depois de Pentecostes (At 2,41: paráklesis). Nesta última passagem ele vem unido, como sinônimo, ao verbo dar testemunho, que conhecemos como termo habitual para a pregação ou para o ministério querigmático.

2. Pregão gozoso na pregação e na anáfora

Fica claro diante dos textos anteriores que a homilia faz parte da liturgia. Agora nos interessa perguntar-nos sobre o como. Uma resposta interessante nos vem da SC 52 ao afirmar que a pregação deve estar relacionada tanto com o ano litúrgico quanto com a missa; mais concretamente com seus textos sagrados.

No entanto este estar dentro ou formar parte não deve ser entendido de modo extrínseco, exterior, como mera circunstância externa, mas como algo interno e intrínseco. A homilia não pode ser um corpo estranho dentro do conjunto litúrgico mas um elemento sintonizado intimamente com o conjunto litúrgico.

Para isso vamos agora analisar os passos que o pregador homilético deve dar a fim de realizar essa tarefa.

Primeiramente mostrará as relações concretas que existem entre a Palavra de Deus proclamada e o comentário do pregador sobre esta palavra, de um lado, e a liturgia, de outro. Estas relações são três: o anúncio gozoso ou pregão/proclamação, o memorial e o hoje.

Não só a pregação cristã é evangelização, ou seja, anúncio e proclamação da boa nova. A liturgia também o é, e concretamente, a liturgia eucarística. Assim é a compreensão de S. Paulo quando afirma: «Cada vez que comeis deste pão e bebeis deste cálice anunciais a morte do Senhor até que Ele volte» (1Cor 11,26). O verbo utilizado kataggelein, sinônimo de ‘evangelizar’: “proclamar a boa nova”. Portanto, S. Paulo afirma que a eucaristia é proclamação gozosa, da mesma forma que o é a pregação cristã. O que se anuncia na eucaristia é o mistério pascal, a morte e ressurreição do Senhor, conteúdo básico do querigma. Por conseguinte fica clara a coincidência entre liturgia (eucarística) e pregação.

Como a eucaristia realiza esta proclamação? Através de seus gestos, símbolos e textos oracionais.

Fazendo esta síntese entre palavra e liturgia, sob o aspecto da proclamação evangélica, a homilia chegará a ser pregão e anúncio gozoso. É o que diz a SC:

«Por ser o sermão parte da ação litúrgica, indicar-se-á também nas rubricas o lugar mais apto[…]. As fontes principais serão a Sagrada Escritura e a liturgia, já que esta pregação ‘r proclamação das maravilhas operadas por Deus na história da salvação ou mistério de Cristo, que está sempre presente e atuante em nós, particularmente na celebração da liturgia» (35,2)

3 – O memorial

Um segundo ponto de convergência entre a Palavra de Deus e a liturgia que a homilia deve mostrar é o caráter de memorial. Não só a pregação é memorial, como relato narrativo, a liturgia como anamnese também o é.

No texto de 1Cor 11,25, ao concluir o rito eucarístico, na Última Ceia Jesus diz: “Cada vez que bebeis (deste cálice), fazei-o em memória de mim”. Antes, a propósito de comer o pão, seu corpo, dissera o mesmo: “Fazei isto em memória de mim” (11,24).

Assim, a eucaristia, em seu núcleo ritual de comida e de bebida sacramentais, é memorial, anamnese de Cristo que se entrega. Isso também constatamos na oração central, a anáfora. Ela é uma grande oração doxológica, que apóia seu louvor a Deus e a sua ação de graças ao Pai em um motivo fundamental: as grandes ações de Deus realizadas ao longo da história salvífica. Para isto, faz memória sempre desta história salvífica, quer em seu conjunto, quer em suas etapas fundamentais, quer em alguma outra de suas etapas. Assim se transforma em relato, narração. A anáfora é a hagadah cristã.

A hagadah tem sua origem na liturgia judaica e se refere ao relato central que na celebração da páscoa se lia, lembrando o que ocorrera naquela noite e em todas as noites salvíficas da história de Israel. Nós cristãos temos também a nossa hagadah em que, mediante uma narração, fazemos memória do ocorrido em nossa história como povo de Deus e, sobretudo, na noite da última ceia, núcleo da história santa centralizada em Cristo e no seu mistério pascal.

Na liturgia encontramos exemplos muito claros disto: IV anáfora do Missal romano, os prefácios dos domingos da quaresma, o prefácio do domingo de Ramos que alude diretamente ao relato da Paixão e o pregão da vigília pascal que sob forma de prefácio, hino e proclamação, contém uma síntese admirável da história sagrada.

Assim, vemos que o relato feito na liturgia da Palavra reaparece na liturgia sacramental eucarística. Ora a homilia deve relacionar esta semelhança, mostrar este caráter comum de relato, memória ou anamnese e expô-los mediante os elementos que lhe oferecem tanto as leituras quanto os prefácios.

4. O hoje litúrgico

O terceiro elemento que nos mostra com evidência a relação entre a Palavra de Deus e a liturgia é o hoje.

A liturgia gravita em torno do hoje, do presente, da atualidade. Quando chegam os tempos litúrgicos, seus textos não se cansam de repetir esta hodiernidade. Por exemplo na missa vespertina da vigília do Natal, canta o intróito ou antífona do canto de entrada:

Hoje sabereis que o Senhor virá e nos salvará, e amanhã contemplareis a glória de Deus”(Ex 16,6-7). Um outro exemplo que ilustra esse assunto é o da vigília pascal: nela o pregão pascal se encarrega de expressar o hoje, ou melhor, o “esta noite” como centro da celebração e seu memorial.

Assim, perguntamo-nos: em que sentido a liturgia tem seu centro de gravitação no hoje? Para entender isso é preciso saber que o memorial litúrgico não é mera recordação, mas atualização. Torna presente o recordado. Tem força e eficácia presencializadoras, dado que o distingue do recordar meramente subjetivo, que só se desenvolve na mente do sujeito. Aqui, ocorre algo que tem a ver com o hoje da vida do crente e da Igreja.

O fato salvífico se aproxima do presente, não com suas circunstâncias históricas, mas em seu núcleo supra-histórico, graças à ação do Espírito. O Espírito é invocado na epiclese para que com sua presença dinâmica torne real e atual a ação de Cristo mediante o sacramento. Esta ação começa já com a Palavra de Deus proclamada, que é eficaz (SC 7), mas culmina na liturgia sacramental por meio de sinais, de sua assembléia e da força de concretização que tem a ação sacramental. Daí poder-se predicar o hoje da palavra e do sacramento. E, assim, a homilia pode e deve mostrar esta estreita relação de convergência e semelhança. A SC expõe essa doutrina mediante categoria que repete amiúde ao falar da ação litúrgica: o verbo exercere significa que a liturgia atualiza o que celebra.

Como concretização e confirmação de tudo o que foi dito, há uma dado importante da eucaristia que às vezes passa desapercebido, mas que pode ajudar bastante quem prepara a homilia: é a communio ou antífona da comunhão, que possui traço especial em quase todas as missas dos tempos do advento, natal, quaresma, páscoa e pentecostes.

Nesta antífona do rito da comunhão se toma um fragmento da leitura do evangelho ou de alguma das outras leituras proclamadas e é cantado acompanhando o ato da comunhão. O sentido é claro: no rito da comunhão se está realizando a palavra proclamada. Assim, esta se presencializa, se converte em atual, hodierna, isto é, pertencente ao hoje litúrgico. Por meio da celebração e na celebração, cumpre-se o que anunciamos.

5 – A Pregação: Ação Comunicativa e Comunitária

1. A Pregação e a ação do Espírito Santo

A homilia é ação comunicativa e, por isso, é radicalmente comunitária.  E ato decisivo de comunicação e, por­tanto, de comunhão.  De um lado, faz que quem preside e fala se comunique com os membros da assembléia; de ou­tro, também influi para que os fiéis se comuniquem entre si.

De um lado, suscita e cria comunidade; mas, de outro, a comunidade influi, pode e deve influir na homilia e no fazer a homilia: há, pois, circularidade no evento da prega­ção homilética.

Além disso, este processo de comunicação possui du­pla vertente: é acontecimento pneumático, influenciado pelo Espírito; e, concomitantemente, é ação psicológica, condicio­nada pelas leis psicológicas próprias da pessoa e do grupo.  Uma coisa não exclui a outra, são diversas mediações de um único ato. Passamos agora a tratar dessas duas vertentes: aspec­to pneumático, e, em seguida, do psicológico na pregação.

Toda ação predicacional é envolvida pela ação do Es­pírito: Ele é a principal força que a suscita e a inspira.  Em primeiro lugar, Jesus, conforme nos conta Marcos (1,9), é justamente depois de receber, por meio do ministério de João, o batismo do Espírito, que começa a pregar.  O mesmo Espírito o leva ao deserto.  Mas, imediatamente a seguir, di­rige-se para a Galiléia, a fim de que comece a anunciar a proximidade do Reino (Mc 1,12-14).  Lucas diz isto explici­tamente: não só a ida para o deserto, após o batismo, mas ainda a viagem posterior para a Galiléia e seu ir começando a ensinar pelas sinagogas, são resultado da ação do Espírito (Lc 4,14-15).  Por sua vez, João afirma muito claramente esta dimensão pneumática da pregação de Jesus quando escreve: «Aquele que Deus enviou (o Filho) diz as palavras de Deus, pois Deus lhe conferiu seu Espírito sem medida» (Jo 3, 34).

Os discípulos de Jesus recebem dele este dom do Espí­rito para prosseguir a pregação agora explicitamente cristã (cristológica) e pascal.  Na cena introdutória dos Atos, o Res­suscitado anuncia aos discípulos o que vai ser como que o programa dos tempos vindouros:

«Recebereis a força do Espírito Santo, que descerá so­bre vós, para que sejais minhas testemunhas em Jeru­salém, em toda a Judéia, na Samaria e até os confins da terra» (At 1,8).

Portanto, é bem claro que a tarefa predicacional na Igreja vai ser resultado de ação do Espírito.  Efetivamente, os pró­prios Atos o confirmam: antes de Pentecostes, os discípulos, os apóstolos, estão mudos; mas, a partir da efusão do Espírito, começam a pregar (At 2,4).

Novamente João confirma esta união entre Espírito e testemunho quando escreve: «O Espírito da verdade, que procede do Pai, dará testemunho de mim» (Jo 15,26).

O fato da comunicação na pregação eclesial é fato carismático promovido pela ação do Espírito Santo na Igreja que suscita diversos carismas ao redor do testemunho da Palavra tanto na hierarquia quanto em todo o povo fiel, constituído como povo profético. No entanto não podemos esquecer que a função dos Bispos, presbíteros e diáconos na Igreja, ao pregarem a Palavra, é insubstituível. Eles têm responsabilidade própria na homilia e não podem ceder a outros membros da comunidade não ordenados essa sua responsabilidade. Por isso o Código de Direito Canônico estabelece que a homilia pertença a eles.

2. Dimensões psicológicas na pregação

Além da sua dimensão carismática é preciso recordar que a pregação é fundamentalmente comunicação de pessoas: Deus-pessoa com o ouvinte pessoa.

Precisamente nestes últimos anos, os homiletas, prin­cipalmente de língua alemã, têm feito análises interessan­tes e aplicações de certos estudos da psicologia ao campo da pregação, sobretudo da homilética.

a. O pregador

Uma primeira observação a ter em conta é a seguinte: a homilia não só dá testemunho do evangelho, mas tam­bém do pregador.  O testemunho do evangelho é testemu­nho de fé; e esta passa pela pessoa da testemunha exata­mente porque todo testemunho é algo pessoal.  Toda pre­gação é encontro pessoal entre o pregador e os fiéis que o escutam.  Então o pregador deve questionar-se sobre sua capacidade para este tipo de encontro, isto é, sobre sua capacidade de se relacionar com as pessoas, de acordo com a diversidade de circunstâncias em que se acha situado, o que supoe capacidade de escuta paciente, receptividade e participação em verdadeiro intercâmbio de experiências.  Explicitamente, isto se faz fora, antes da homilia, porém, implicitamente, deve ser feito e continuado durante a homilia.

A homilia pressupõe estabelecer relação pessoal, criar situações em que o outro seja tomado a sério como um tu, como o parceiro do diálogo.

O perigo que ameaça esta comunicação é o de que o ministro esconda sua personalidade sob a máscara de seu papel de pregador, de teólogo ou de especialista.  Então o testemunho deixa de ser pessoal ou desaparecem o tom e o pano de fundo testemunhais, tão importantes.  Quem pre­ga, durante a homilia, não deve silenciar sua experiência pessoal de fé, porque necessita partir de experiências vitais, tanto próprias quanto alheias, até chegar a configurar algu­mas imagens, expressões e linguagem também vitais.  Do contrário, deter-se-á em fazer paráfrase da Escritura ou em moralismo.  E isso não para o pregador cair em subjetivismos, nem psicologismos; porém, para encarnar a Palavra na realidade pessoal tanto de quem ouve quanto de quem fala.

Se se pedem à comunidade a experiência concreta e o compromisso em torno da Palavra, o mesmo deve pedir o pregador a si mesmo.  Deste modo, a homilia tem muito de colocação em comum, por mais monologal que seja.  A fé do ministro da palavra é inseparável da fé da comunidade.

É legítimo, pois, que apareça o eu do ministro da pala­vra; não só como quem confessa a fé na objetividade do credo, mas também na densidade da vida quotidiana.  O melhor antídoto contra o perigo de buscar a si mesmo na pregação consiste em ter atitude eclesial e comunitária.  Concretamente isto quer dizer: sentir-se em união com a comu­nidade de fiéis e, como conseqüência, esforçar-se para uma busca e escuta no âmbito da comunidade, que é a «comu­nhão no Espírito» (2Cor 13,13).

Quanto à experiência pessoal de quem preside certamente, a pregação do evangelho é incompatível com o pregar-se a si mesmo.  Não se pode reduzir o conteúdo da pregação à comunicação de experiências subjetivas.

No entanto, esta crítica não diz respeito a quem convida a participar da praxe vital da fé cristã e, por causa disto, em certos contextos, não silencia sua própria experiência pessoal.  Alguns fogem e se defendem deste risco e compro­misso que supõem a comunicação, o tom e o testemunho pessoais refugiando-se em uma objetividade que pode ser válida para uma aula ou atividade acadêmica, porém não para o serviço da Palavra diante da comunidade.  Suposta­mente, toda personalidade possui suas limitações, princi­palmente neste campo tão difícil, mas aceitar esta realidade com humildade já é um modo de superá-la.  E acima de tudo: a humildade é o melhor testemunho evangélico.

b. A psicossociologia do auditório

Além disso, convém levar em consideração alguns outros elementos fundamentais na pregação a partir de sua dimensão psicológica, pois ela é um fato humano submetido às leis e condicionamentos psicológicos: o auditório diversificado, o local da pregação e os fatores que influem para uma eficiente proclamação da Palavra de Deus ou que prejudiquem à mesma.

a) O que se entende por psicossociologia do auditório

Por psicossociologia do auditório entendemos tudo aquilo que revele as aspirações do auditório, sua cultura, seu modo de pensar, suas preocupações, sua religiosidade, as circunstâncias em que a Palavra de Deus é anunciada, o local, o fator tempo, etc.

O auditório

Comecemos o nosso tema dando uma rápida olhada ao auditório que temos diante de nós e alguns elementos que nele se encontram:

1 – Grande sede da Palavra de Deus

As pesquisas mostram cada vez mais que boa parte dos que participam em nossas celebrações vão buscando ouvir uma mensagem de vida, de esperança e de salvação.

Cf. Am 8,11

2 – Hipercríticos

Além dos que pertencem ao primeiro grupo é preciso contar com a presença dos hipercríticos, que tudo criticam. Um conselho interessante de um sacerdote vienense: «A estes hipercríticos levianos dever-se-ia dar como penitência a preparação de um sermão dominical» (Joseph Ernest Mayer).

3 – Indiferentes

Um terceiro grupo corresponde aos indiferentes, os que freqüentam por mero formalismo. Falar-lhe não é fácil.

4 – Um outro elemento psicossociológico a mencionar trata-se da maneira de captar a pregação da parte dos ouvintes, especialmente o povo simples, maioria de nossos auditórios. Normalmente não aceitam as homilias com longo raciocínio, de sabor intelectual. Preferem a linguagem concreta, simples, existencial, transparente do evangelho.

5 – A heterogeneidade do auditório

Trata-se de um dos aspectos que mais dificulta a boa apresentação da Palavra de Deus. Salvo algumas celebrações para grupos homogêneos (casais, jovens, crianças…), normalmente o auditório é bastante heterogêneo: pessoas idosas, crianças barulhentas, diversidade de cultura e formação religiosa, ouvintes fechados, sedentos buscando crescimento na fé, indiferentes, os atrasados que sempre atrapalham.

Encontramos o ouvinte que vive numa sociedade pluralista que tem contato com outras culturas, religiões, filosofias diversas, etc. Encontramos o ouvinte atento e exigente que seleciona o que ouve e, nas cidades, onde for possível, escolhe o pregador que mais o satisfaz. Compara o que ouviu com outras idéias (em reflexão pessoal ou com amigos num processo de filtração daquilo que se ouve).

Também temos o ouvinte cômico: o bêbado, o louco, entram gritando, gesticulando. Também está a figura do ouvinte ladrão, aquele que espera que as pessoas se destraiam para roubá-las.

Nosso auditório é verdadeiramente heterogêneo. Assim afirma um ex-deputado:

«Estou habituado a enfrentar os mais variados auditórios em minhas campanhas políticas e em outras circunstâncias. Tive também a feliz oportunidade de falar inúmeras vezes como leigo cristão em várias igrejas. Pois bem, de todos os auditórios, o mais difícil é, salvo exceções, o das igrejas, por ser o mais heterogêneo» (Guido Moesch – RS).


Acústica-dicção

Há igrejas com ótima, razoável ou péssima acústica; como também há pregadores com ótima, razoável ou péssima dicção.

Para a eficácia na pregação é preciso considerar a importância da boa acústica e da boa dicção. Esses elementos são indispensáveis. Não se pode esquecer essa verdade central: a pregação deve chegar primeiramente aos ouvidos, antes de penetrar os corações dos ouvintes.

Local

Os locais onde a Palavra de Deus é proclamada são diversos e variados. Assim, temos igrejas de vários tamanhos: pequenas, médias, redondas, em forma de cruz, cheia de colunas, igrejas que se assemelham a um campo de futebol, vários salões, etc.

Igrejas sujas, quentes, mal arejadas, sem bom gosto arquitetônico, frias e nada acolhedoras. Igrejas cujos repetidos ecos tornam quase impossível o anúncio da Palavra de Deus, Igrejas espaçosas onde o pregador se sente como que perdido com muita dificuldade de se comunicar e dialogar com os ouvintes. Não se podem esquecer também as celebrações e evangelização ao ar livre, em grandes e pequenas romarias, concentrações e outros acontecimentos.

Isso mostra que a pregação se por um lado sofre de limitações, por outro encontra fácil e frutuosa acolhida. Não esqueçamos que um lugar de espaço médio, arejado, com boa acústica, acolhedor, com boa iluminação, facilita muito a comunicação com o auditório e, conseqüentemente, permite que haja mais eficiência na evangelização.

Outras circunstâncias

O pregador deve levar em conta e enfrentar também outras circunstâncias: assim, existem os momentos de luto e de festa; momentos de alegre e ansiosa expectativa bem como de indisposição tanto para os ouvintes quanto para o pregador; momentos marcados pela pressa, cansaço, agitação; momentos que favorecem o silêncio e a interiorização da Palavra de Deus e momentos prejudicados pelo incessante barulho.

O que dizer quando se sabe que alguém está deprimido? Como falar quando uma tempestade parece desabar a Igreja? O que dizer ao ouvinte que acaba de fracassar nos negócios, ou a quem aconteceu alguma tragédia?

Apesar de toda a problemática do auditório, do local e de outras circunstâncias, não podemos esquecer que também temos um auditório mais ou menos fiel! É um lado importante e que deve ser valorizado

b) Como conhecer a psicossociologia do auditório

Há diversos meios para conhecer a psicossociologia do auditório:

a) Reuniões com dinâmica de grupo com jovens, casais, movimentos; são uma escola sempre renovada para o pregador se inteirar da maneira de ver, sentir, refletir, reagir dos ouvintes.

b) Visitas informais à famílias, onde reina um clima franco e espontâneo, clima que favorece troca de idéias sobre qualquer assunto; encontros com debates sobre temas atuais, etc.

c) Aproveitar estudos, pesquisas, levantamentos sobre a opinião que se tem sobre a pregação realizada na Igreja.

c) O que o auditório mais censura nas pregações

Vamos simplesmente ater-nos nas grandes linhas que nos parecem as mais questionadas pelo auditório:

a) Pregação abstrata-aérea-vaga: pregações muito generalizadas, aéreas, afastadas da realidade do dia-a-dia. Pregações filosofizantes que seriam melhores para um ambiente selecionado (aulas, congressos) que para os auditórios de nossas igrejas. Pregações vagas: que não descem ao concreto, pregações que não atingem o alvo, não comprometem. É bom lembrar que «toda pregação que não se transforma num chamado à conversão, corre o perigo de deixar de ser Evangelho para tornar-se conferência» (J. Audusseau e X. Leon Dufour).

b) Pregação confusa

Antigamente, a maioria das pregações primavam pela busca de uma estrutura lógica, por vezes até demasiado rígidas. Hoje, porém, certas pregações são totalmente confusas que o ouvinte não sabe o que o pregador está querendo dizer. Pregações sem pé nem cabeça! Muitas vezes isso acontece como fruto, em muitos seminários, da falta de preparação para este ministério, falta de exercícios de preparação de temas, desleixo na preparação da homilia, etc.

c) Pregação materializante

São aquelas em que o pregador se ocupa, de preferência, em abordar o assunto dinheiro. A toda hora fala de campanhas de ordem financeira, administrativa, construções, etc. Prestam-se mais para administradores do que arautos da Palavra de Deus.

Aqui convém recordar a importância da corresponsabilidade dos leigos, lembrando que os Apóstolos preferiram dedicar-se à oração e à pregação da Palavra e os diáconos cuidariam da administração.

d) Pregação vazia

Pregações cansativas pelo fato de não ter conteúdo. O vazio na pregação é razão de tantas queixas. O pregador que habitualmente não estuda, não medita, o que se pode esperar dele? Este é indiscutivelmente um dos grandes escândalos de um número, não pequeno, de pregadores!!!

e) Pregação monótona

Pela maneira de apresentar sermões com os mesmos gestos, com a mesma entonação de voz. Monotonia pela falta de colorido em imagens, fatos, figuras que possam prender a atenção do ouvinte. Monótona porque repete as mesmas idéias de sempre…quanto sono!

f) Falta de boa acústica – de boa dicção

Aqui convém recordar o de sempre: a base doutrinal dessa exigência é que a Palavra primeiramente deve atingir os ouvidos. Um grande número de pregadores não se faz ouvir suficientemente. Reparar a acústica de tantas igrejas e também a dicção. É preciso encontrar soluções para o assunto.

g) Pregação contratestemunho

O pregador deve ser o primeiro a testemunhar o Evangelho. É sua obrigação fundamental. Repercute mal ouvir falar em união da comunidade, entre esposos, pais e filhos, quando na casa do pároco reina a discórdia entre os que ali vivem, quando a funcionária da casa paroquial recebe mal o povo, quando o vigário fala mal abertamente contra os seus colegas.

h) Pregação agressivo-dominadora

Certos pregadores usam um tom de voz muito agressivo e dominador. Tratam os ouvintes como crianças que devem ser subjugadas à força. Parece que tais pregadores projetam consciente ou inconscientemente seus problemas e descarregam sobre o auditório.

É bom lembrar que o púlpito-dizem dele “arma do pregador”-não foi feito para que o arauto da Palavra de Deus exponha suas perguntas e dúvidas, nem extravase suas angústias e seus problemas, mas para dar aos ouvintes as respostas de Deus.

i) Pregação socializante, psicologizante, ambígua

Tornou-se, poder-se-ia dizer, uma verdadeira obsessão, acentuar em certas pregações a idéia do social, do psicológico, como se Deus não existisse, como se o cristianismo não fosse, em primeiro lugar, obra do amor de Deus e, portanto, antes de tudo, dom de Deus, graça.

Não há dúvida de que a evangelização tenha de se valer desses instrumentos da sociologia e da psicologia, que o cristão deva engajar-se e comprometer-se com a ordem temporal, que a psicologia esclareça-nos sobre a conduta do homem sob diversos aspectos; no entanto, não é possível transformar o Evangelho em sociologia ou psicologia. Como também não é possível apresentar um Evangelho que não engaje. É preciso começar a empreender o caminho da evangelização que leve à simbiose entre o vertical e o horizontal, o natural e o sobrenatural, o terreno e o celeste, lembrando-nos que ao lado de todos os progressos, ao lado de todos os auxílios da ciência, o Evangelho é acima de tudo palavra e ação de Deus: «Se o Senhor não constrói a casa, em vão trabalham os construtores» (Sl 126, 1).

j) Pregação demasiado longa

É sabido por todos que a homilia deve ser breve, não passando de 10 a 15 minutos. Tudo o que é anunciado leva a cor do tempo, é limitado pelo tempo e deve ser situado no devido tempo. É bem diferente falar numa missa com auditório mais ou menos fixo, homogêneo, sedento da Palavra de Deus, que numa missa rezada ao meio-dia com auditório apressado e inquieto.

É bem diferente falar durante uma celebração em que o calor massacra os ouvintes, e numa celebração festiva em dia de primavera. Portanto não é fácil dar uma resposta uniforme ao problema do tempo da pregação. Cabe ao pregador, valendo-se da opinião dos ouvintes e de suas reações no momento, saber quanto tempo pode falar nesta ou naquela circunstância. Seja como for, o mais importante é compor e apresentar bem o sermão!

Além disso há abusos em algumas igrejas: prolongar os avisos. Abusa-se da paciência dos ouvintes. É preciso ter bom senso e bem apresentados.

d) O que o auditório mais espera e mais necessita da pregação

Pelo que vimos anteriormente já podemos perceber algo da resposta a essa pergunta.

a) Anunciar a mensagem no momento oportuno

Já vimos que o ouvinte espera uma mensagem de vida. Cabe ao pregador, para evitar uma pregação vazia ou confusa, escolher uma mensagem determinada e concreta, retirada dos textos litúrgicos e do mistério que está sendo celebrado.

Descoberta a mensagem é preciso que o pregador não se perca em considerações acessórias e eruditas que facilmente desviam a atenção dos ouvintes. Renunciar a vários assuntos para desenvolver de maneira normal um só, buscando aprofundar este assunto e conduzi-lo até possibilitar a opção dos ouvintes, é preciso ser asceta na pregação.

E para completar é preciso frisar que a mensagem deve ser anunciada no momento oportuno. Ter discernimento da circunstância para proclamar a Palavra de Deus. Em suma, “dizer a mensagem certa no momento certo”. Isso supõe que o pregador seja, antes de tudo, acima de tudo e, em toda a parte, um homem de profundo bom senso.

b) Que a pregação seja impregnada de esperança cristã

A pregação é proclamação do mistério da salvação, cujo centro é o Mistério Pascal. Anunciar este mistério é colocar o homem sempre diante da sua opção por Cristo e consequente exigência de contínua conversão. Este processo de conversão, iluminado pelo Mistério Pascal, consiste fundamentalmente numa caminhada de esperança. Caminhada que espera encontrar e receber na evangelização: ânimo, apoio, luz, correção fraterna. A pregação deve ser esse instrumento gerador e animador da esperança.

Portanto, o ouvinte espera uma palavra edificante e existencial que ilumine os problemas do dia a dia e o encoraje a assumir as responsabilidades quotidianas com renovada esperança e realismo otimista.

c) Que a pregação seja profética

O pregador de uma maneira excelente exerce o munus profético que desde o Batismo participa em Cristo.

O profeta no AT é aquele que prediz o futuro, profere coisas ocultas e fala em nome de Deus. A sua missão fundamental é falar em nome de Deus. Assim, o profeta é a boca de Deus (cf. Ez 2, 8; 3, 3). Ele é o porta-voz de Deus, chamado para cumprir uma determinada missão (cf. Is 6, 1-9; Jr 1,4s; Ez 1, 1s). Em particular o profeta tem a missão de anunciar as maravilhas de Deus (cf. Os 11,1; Is 49,15), denunciar o mal, o pecado, principalmente a idolatria e as injustiças sociais (cf. Is 1, 11-17; Os 5, 1-7; 6, 6-7), enviado também para fazer um forte apelo à conversão (Jl 1,13-14; Is 58, 6-7).

O pregador não pode esquecer que, de um certo modo, ele é herdeiro da missão dos profetas.

d) Que a pregação ilumine, purifique e aprofunde, gradativamente, a religiosidade popular e não destrua os sentimentos e alma religiosa do nosso povo

A pregação deverá partir também da realidade religiosa do povo.

Cf. DAp 300

e) Que a pregação seja acima de tudo Palavra de Deus que brota de um coração cheio de Deus

Nunca será demais insistir neste fato já conhecido. O auditório tem que faro especial para perceber se o pregador é ou não um homem de Deus. Em palavras de um grande pregador: «O sacerdote deve dar aquilo que transborda do cálice e não daquilo que está dentro. Assim, ele estará sempre “cheio”de Deus.»

Santo Tomás, ao referir-se ao apostolado insiste em que no apostolado entrega-se o que se contempla.

S. Paulo nos deixou uma página magnífica sobre o pregador: cf. 1Cor 2,1-5.

Santo Agostinho: «Sit orator antequam dictor», «Que o pregador seja um orante mais que um falante».

Longe, portanto, da pregação e do pregador os ares de sábio inflado, de improvisador que se gaba de sua capacidade. Deve, antes de tudo, transmitir simplicidade, convicção, confiança, alegria.

Como conclusão deste capítulo sobre a psicossociologia do auditório poderíamos sintetizar em três palavras-chaves aquilo que os ouvintes mais esperam e mais necessitam da pregação: que os evangelizadores

1. Sejam luzeiros que brilham num mundo cercado de toda espécie de trevas;

2. Comuniquem amor, certeza, confiança e esperança aos ouvintes que não raramente estão angustiados, saturados, confusos, desesperados;

3. Formem os ouvintes para a vida cristã adulta e comunitária.

6 – A Homilia


1. Que é uma homilia

A homília é um tipo especial de pregação com carac­terísticas próprias.  Há muitos tipos de pregação.  Assina­lemos alguns deles: O panegírico, que tende a ressaltar as virtudes de um santo e inculcar nos fiéis a sua imitação.

A homilia é aquele tipo de oratória sagrada que convém mais à celebração litúrgica da euca­ristia e dos sacramentos.  Ou melhor, as celebrações litúr­gicas foram criando, a partir da mais remota antiguidade, um gênero especial dentro da oratória – a homilia -, espécie de comentário dos textos da celebração aplicado aos fiéis, como participantes da celebração e como cris­tãos que devem viver o que celebram.

Etimologicamente falando, homilia vem da palavra grega “homilia” (reunião, conversa familiar) e esta por sua vez do verbo “homilein” (reunir-se, conversar).  As­sim, pois, o termo grego homilia significa trato ou conversa familiar.

Retoricamente com a palavra homilia se designa aquele gênero de oratória mais simples e familiar em oposição ao ‘discurso”.  Fócio nos diz que uma homilia se distingue de um sermão pelo fato de que a primeira se expunha familiarmente pelos pastores e era uma espécie de conversa entre eles e a assistência; o sermão, ao con­trário, era feito a partir do púlpito em forma mais solene.  O sermão era composto segundo as regras da retórica e da arte oratória, ao passo que a homilia é a interpretação familiar da Sagrada Escritura, feita com um fim prático e moral.  A homilia, mais do que mover e excitar os ânimos, destina-se a instruir e edificar os fiéis a propó­sito dos mistérios da fé.

Liturgicamente, a homilia é uma parte integrante da liturgia da Palavra (cf.  SC n. 52).  Note-se que até antes da reforma litúrgica conciliar dizia-se que, depois do Evangelho, a liturgia era interrompida para que os fiéis ouvissem a homilia. O fato de que atualmente a homilia seja parte integrante da liturgia nos obriga a precisar muito mais seu sentido e função.

Tecnicamente, na homilia distinguem-se duas funções litúrgicas importantes:

a) a de ser aplicação da mensagem ao hoje e aqui de nossas vidas;

b) a de ser ponte entre a liturgia da palavra e a liturgia eucarística ou sacramental.

Quanto à primeira função (a) antecipamos que a mensagem da Escritura tem uma atualidade (e não simplesmente uma aplicação moral) que foi sublinhada pela Constituição Sacrosanctum Concilium (cf. n. 33 e 7).

Quanto à segunda função (b) pode-se dizer que a homilia é o elo entre a “liturgia verbi” e a “liturgia sacra­menti”. É o que liturgicamente se denomina “passagem para o rito”.  A homilia (que nunca é um sermão isolado, mas que está dentro de uma celebração) deve concatenar a palavra ouvida com a celebração e mostrar sua atuali­dade precisamente na ação sacramental, como logo comen­taremos mais extensamente.  Isso segundo a melhor tra­dição patrística e segundo a Constituição Sacrosanctum Concilium (n. 35,2).

Ambas as funções coincidem, pois, no fato de conec­tar a Palavra de Deus com o hoje e o aqui de nossa cele­bração ou de nossa vida.

A homilia se distingue, pois, claramente de outros gêneros de oratória sagrada, como o panegírico, o comentário bíblico-exegético, o clássico sermão piedoso, a oração fúnebre.  E com mais razão se distingue de uma classe de catequese ou de teologia (embora a homilia possa e até deva aplicar certos princípios empregados na catequese).

2. Origens e história da homilia

A homilia mergulha suas raízes no povo bíblico de Israel.  Sabemos que muito antes de Jesus e no tempo de Jesus, terminada a leitura do texto bíblico na sina­goga, fazia-se a homilia que se encerrava com o qaddis, oração aramaica da qual Jesus tomou, ao que parece, as duas primeiras petições do Pai,-nosso.  “Moisés – diz Tiago em Atos 15,21 – tem em cada cidade os seus pregadores, que o lêem nas sinagogas todos os sábados”.  A mesma coisa é confirmada pelo historiador judeu Flá­vio Josefo.

O próprio Evangelho nos oferece um exemplo elo­qüente por parte de Jesus deste comentário homilético das Escrituras, na passagem da sinagoga de Nazaré (Lc 4,16-30).  Na verdade, trata-se da primeira homilia cristã que se conserva num resumo escrito e na qual o próprio Jesus é o pregador e protagonista.  É um claro comentário ao texto de Isaías e uma clara aplicação do texto ao mo­mento presente, assim como à situação concreta dos que estão reunidos na sinagoga, incluindo o próprio Jesus (cf. v. 23s).  Mais ainda: o texto de Lucas deixa entre­ver que Jesus tinha o costume de ir à sinagoga no sábado e fazer a leitura (v. 16) e também de ensinar nas sina­gogas com louvor dos assistentes (v. 15).

Sabemos também por João 6,59 que Jesus pronun­ciou o discurso do pão de vida na sinagoga de Cafar­naum, provavelmente na festa de Páscoa (cf. Jo 6,4),festa que naquele ano Jesus passou na Galiléia já que não podia ir à Judéia (cf. 7,1).  Também em tal passa­gem há um longo comentário de diversos textos do Antigo Testamento sobre a páscoa e sua aplicação ao momento presente dos ouvintes (a presença de Jesus entre eles e a fé em sua palavra) e a situação conjuntural (a celebração da páscoa judaica que antecipa a páscoa cristã).

Temos outro exemplo eloqüente de outra homilia de Jesus, desta vez com os dois discípulos, na caminhada de Emaús (Lc 24,13-35).  Trata-se de uma homilia no sentido mais genuíno da palavra: “conversa familiar”.  Jesus, ao longo da rota que leva de Jerusalém a Emaús, vai interpretando o momento presente à luz dos textos escriturísticos.  Trata-se de uma verdadeira “liturgia verbi” que prepara os corações dos discípulos para a “liturgia sacramenti”, para o calor da celebração, para a profun­didade do encontro eucarístico com Jesus na casinha de Emaús.  Na verdade, as palavras de Jesus atualizam os textos bíblicos (cf. v. 27) e preparam os corações para a celebração eucarística (cf. v. 29 e 32).

A recitação, ou melhor, a proclamação da Bíblia e sua interpretação nas sinagogas, não pôde deixar de ter profundos vestígios entre os judeus-cristãos presentes às reuniões sinagogais. É preciso levar em consideração que os primeiros cristãos, antes de sua conversão e mesmo depois dela, estiveram em contato com o templo, e aos sábados com a sinagoga.

Recordemos também que alguns textos neotestamen­tários parecem ser textos homiléticos (p. ex. alguns frag­mentos da primeira carta de São Pedro).  Sabemos tam­bém que os apóstolos praticaram o comentário homilé­tico (p. ex. a famosa “conversa” de Paulo em Trôade dentro de uma reunião de caráter claramente litúrgico (At 20,7-12).

Entre os escritos cristãos pós-bíblicos, o primeiro testemunho que faz referência clara à homilia como parte da liturgia da Eucaristia encontra-se em Justino.  Assim diz em sua primeira Apologia (escrita pelo ano de 153) ao explicar a Missa:

«… E no dia chamado do sol, faz-se uma reunião num mesmo lugar de todos os que habitam nas cidades ou nos campos, e lêem-se os comentários dos apóstolos ou as escrituras dos profetas, na medida em que o tempo o permite.  Depois, quando o leitor acabou, quem preside exorta e incita pela palavra à imitação dessas coisas excelsas.  Depois nos levantamos todos ao mesmo tempo e recitamos orações” (n. 67)

Trata-se de uma homilia dominical (Justino fala do ‘dia chamado do sol’ e não do ‘dia do Senhor’ para ser compreendido pelos leitores gentios, a quem dirigia sua Apologia).  A homilia dessa reunião dominical situa­-se depois das leituras e antes da oração universal que precede a apresentação das oferendas para a Eucaristia.  Trata-se, pois, de uma homilia eucarística tal como se pratica em nossas igrejas hoje em dia.

São famosas as homilias dos Santos Padres (séc. II-VIII) que em grande parte nos foram transmitidas por escrito.  São o comentário vivo da Bíblia por parte da Igreja dos primeiros séculos.  São também um testemu­nho de que a liturgia nos conserva a melhor vivência da fé bíblica e a melhor “summa theologica” de todos os tempos.

Nos séculos posteriores, quando no Ocidente a ação litúrgica se torna arcana e clerical e deixa de ser uma ação inteligível para o povo, a homilia de feição patrís­tica ou escriturística desaparece, ao menos de modo geral, e já não figura nos livros litúrgicos. Entramos assim numa era de ausência de comentários homiléticos que serão de alguma forma subs­tituídos (mas não convenientemente supridos) pela pre­gação extralitúrgica .

As Rubricas gerais do Missal de São Pio V (1570) não falam da homilia: da proclamação do Evangelho passa-se ao Credo.  Contudo, o Rito que se deve observar na celebração da Missa supõe a possibilidade de que haja uma pregação depois do Evangelho (cf.  VI, 6).

Recordemos também que na administração da maio­ria dos sacramentos, dos séculos que nos precedem, não está prescrita nem prevista a leitura da Palavra de Deus nem, conseqüentemente, seu comentário homilético.  Po­demos ver um resto da homilia na catequese do Pontifi­cal Romano que o bispo dirige aos ordenandos.  Quando os sacramentos, sobretudo o matrimônio, são celebrados dentro da Missa, coisa freqüente nas últimas décadas que nos precedem, costumam comportar um comentário homilético.

Em alguns países, até não muito antes do Concílio Vaticano II, dar-se-á a estranha superposição de uma pregação ao longo da missa dominical, que se celebra em voz baixa e em latim.  Embora chocante para nós, não o era tanto no ambiente da época, se levarmos em conta que na missa se praticava todo gênero de devoções.  Na melhor das hipóteses, esta pregação desenvolvia o tema do evangelho.  Aqui está o que a este propósito prescre­veram as Rubricas de 1960, promulgadas por João XXIII:

“Depois do evangelho, sobretudo aos domingos e dias de festa de preceito, dirigir-se-á ao povo, segundo as circunstâncias, uma breve homilia.  Mas esta homilia, no caso de ser feita por um sacerdote que não o celebrante, não deve sobrepor-se à celebração da missa, impedindo a participação dos fiéis; também então a celebração deve ser interrompida e não deve voltar a continuar enquanto a homilia não tiver terminado”.

O Concílio Vaticano II encontra o terreno preparado para uma reabilitação da homilia, graças à renovação litúrgica das últimas décadas e, concretamente, graças ao documento que acabo de citar.  Insiste no fato de que a homilia deve partir do texto sagrado proclamado e esta­belece que a homilia é parte da própria liturgia.  Depois de assinalar a importância da Palavra de Deus (cf.  SC n.  24 e 51), diz no n. 52 da Sacrosanctum Concilium:

«Recomenda-se vivamente, como parte da própria Li­turgia, a homilia sobre o texto sagrado, em que, no de­curso do ano litúrgico, se expõem os mistérios da fé e as normas da vida cristã; não deve ser omitida sem grave causa nas missas dominicais e nas festas de pre­ceito, concorridas,pelo povo».

3. Elementos de que se compõe a homilia

Aqui não nos referimos às partes de que consta uma homilia enquanto peça de oratória, mas aos con­teúdos teológicos ou temáticos que deve incluir.  Por isso não falo de partes, mas de elementos.

Dado que a homilia é uma atualização da Palavra de Deus no hoje e no aqui da vida e da celebração, podemos deduzir que uma homilia bem pre­parada deve conter três elementos que nunca faltarão:

a)    Elemento exegético ou interpretação da mensagem da Sagrada Escritura proclamada na liturgia da palavra.

b)    Elemento vital ou aplicação da mensagem à vida da comunidade e de cada um dos que a integram.

c)    Elemento litúrgico ou aplicação da mensagem à cele­bração litúrgica e à assembléia que celebra.

Passemos ao desenvolvimento pormenorizado de cada um desses elementos.

a) ELEMENTO EXEGÉTICO

O gênero homilético não tem por finalidade principal que os fiéis cheguem a um conhecimento profundo e quase científico dos textos da celebração, mas que celebrem a Palavra de Deus e vivam à luz dessa Palavra.

Mesmo assim, os conhecimentos exegéticos são muito necessários, especialmente em quem prega a homilia e, em sentido mais amplo de conhecimento da mensagem, também para todos os que a escutam.

Em teologia entende-se por exegese a arte (e ciência!) de encontrar e propor o sentido verdadeiro de um texto escriturístico. Fazer brilhar, através das palavras humanas, a plenitude da luz e do pensamento divino ou plano histórico de salvação.

Na preparação da homilia o emprego da exegese é absolutamente indispensável. Quando o sacerdote a des­conhece, quando se detém na pura história relatada ou no puro texto escrito (caso dos primeiros capítulos do Gênesis), não pode desenvolver a mensagem que o texto inspirado encerra para todos os tempos e, portanto, para a nossa circunstância.

Por isso mesmo, na preparação de uma homilia, a primeira coisa que alguém deve fazer é perguntar-se, depois de ter lido o texto: que quer dizer Deus através deste texto? Não é sempre fácil res­ponder a esta pergunta…Para isso é necessário levar em consideração uma série de normas e prestar atenção a elas:

1)  É mister entender bem o texto, as palavras e conceitos nele incluídos.  E para isso é necessário estudá­-lo demoradamente numa boa tradução, se não for pos­sível no original; nunca numa paráfrase popular, ainda que depois esta seja usada na leitura.  A fidelidade da tradução é indispensável.  Neste momento da preparação a ajuda de vocabulários e dicionários bíblicos é impor­tante.  Demos um exemplo para ilustrar o que estamos dizendo.  A passagem da pecadora perdoada (Lc 7,36-50) não se entende, ou se entende de maneira muito dife­rente, se o v. 47 for traduzido assim: «…são-lhe per­doados seus muitos pecados, porque amou muito».  O sentido exigido pelo contexto é, ao contrário: «…se mostra muito amor, é porque lhe foram perdoados muitos pecados».  No primeiro caso, a causa do perdão é o grande amor da mulher.  No segundo caso, a causa do perdão éo amor gratuito de Deus (cf. v. 42).  O amor da mulher é um amor de agradecimento.  Uma boa tradução deste texto não esquece que o hebraico, o aramaico e o siríaco não têm nenhum vocábulo para dizer «dar graças» e «agradecimento» e que o fazem indiretamente através de outros vocábulos. É o contexto que deve decidir isso.  E a tradução não pode esquecê-lo.

2)  Estudar o contexto da perícope: texto circun­dante, circunstâncias de um fato, milagre, parábola; estu­dar o estilo de um livro, os destinatários e os textos paralelos, especialmente nos evangelhos sinóticos.  Este estudo é mais necessário quando o texto oferece certas dificuldades ou ambigüidades.  Temos um exemplo gra­matical na já mencionada e comentada passagem da pecadora perdoada.  Outro exemplo referente à impor­tância das circunstâncias de uma parábola podemos encontrá-lo no filho pródigo (Lc 15,11-32).  A intenção de Jesus, se nos ativermos somente à parábola, poderá ser até certo ponto múltipla.  Mas se nos fixarmos no contexto em que foi pronunciada (cf. Lc 15,1-2) não há a menor dúvida: a intenção principal é manifestar que Deus sente uma grande alegria ao reencontrar o pecador e que Jesus é a encarnação dessa alegria.  Outro exem­plo, desta vez referente a um livro: A carta aos hebreus se esclarece quando se conhecem os destinatários (con­vertidos do judaísmo, sacerdotes hebreus, exilados, perse­guidos, tentados a voltar atrás, que sentem saudade do culto levítico).  Toda uma série de temas da carta escla­recem-se então (apostasia, peregrinação, Pátria celeste, Cristo guia, superior a Moisés, Cristo sacerdote etc.).

3)  É preciso distinguir entre texto literário e men­sagem que contém.  Fazer exegese não é somente nem principalmente traduzir o que está escrito.  Isto pode deri­var perigosamente para uma interpretação fundamenta­lista da Escritura.  Quando o gênero literário não é cor­rente ou atual (alegoria, mito, parábola), o trabalho éduplo.  Um exemplo já clássico: Para captar a mensagem revelada contida no relato da criação e queda do homem (Gn 2,4b-3,24), é absolutamente necessário distinguir entre relato mítico e o que Deus quis revelar-nos através dele. É preciso conhecer bem o texto literário e os rela­tos míticos da época; mas, ao mesmo tempo, é preciso saber ler devidamente para não tomar como revelação de Deus o que é apresentação externa e roupagem cultu­ral veiculante.

4)  É preciso levar em consideração que Deus, por meio do autor inspirado, quis dizer algo então e quer dizer algo agora através da palavra (falada ou escrita) ou através do fato narrado.  Embora a circunstância talvez já tenha passado e fique muito longe de nós, a mensagem ou o acontecimento continuam sendo atuais e exemplares; hoje o Senhor os dirige a mim e a todos os homens.  Do contrário, a Bíblia seria uma bela história passada e nada mais.  Todos os relatos históricos de Jesus disseram algo em seu tempo e, embora tenham passado, podem dizer e dizem algo para nós, em pleno século XX.  O nas­cimento de Jesus, por exemplo, tem uma grande resso­nância cada ano no Natal. É equívoco, para não dizer falso, dizer que Jesus nasce de novo.  Jesus não nasce de novo.  O fato histórico não se repete.  Mas este nasci­mento foi um acontecimento histórico.  Disse algo então aos pastores (cf.  Lc 2,10-12.14). E diz algo hoje: ressoa de novo uma mensagem de alegria para o povo; hoje o nascimento do Messias nos ajuda a superar todos os falsos messianismos de nosso tempo.

5)  É importante, uma vez descoberta a mensagem para além do que está escrito ou para além do puro f ato, ver como se relaciona com a Mensagem geral da Bíblia e com o Acontecimento da Salvação operada poi Deus em Cristo.  Não para reduzir a generalidades o texto e o sermão, mas para comprovar que a mensagem falada é válida.  Uma mensagem não pode estar em desa­cordo com o Acontecimento salvífico.  Mensagem e acon­tecimentõ devem sintonizar e concordar com alguma das fibras gerais da História salvífica e ser sensíveis a ela.  Demos um exemplo: Se lendo a carta de Tiago chego à conclusão de que o que justifica são as obras, tenho que começar a duvidar se realmente cheguei a entender a~mensagem da carta, porque é evidente que a Bíblia nao coloca a causa da justificação nas obras.  E, pelo con­trário, se lendo Paulo chego à conclusão de que a única coisa importante na vida é a fé (sem que o cum­primento da lei influa em minha vida cristã), posso começar a suspeitar que estou entendendo erroneamente a men­sagem.  Aqui também há desacordo com a Mensagem ge­rai da Bíblia.

6)  Em caso de dificuldade e mesmo sempre, é pre­ciso ver o que me diz o texto na fé, na oração e na meditação da Palavra.  Apesar da distância, estou numa onda de fé semelhante e próxima daquela do autor.

7)  É preciso também pensar no ouvinte ordinário da Palavra (a quem devo dirigir a homilia) e prever o que pode obviamente dizer-lhe o texto ou, por oposição, o que poderia dizer-lhe o texto e não lho dirá porque desconhece algo ou interpreta mal algo (importante, este algo que talvez eu possa esclarecer-lhe; esta chave que eu posso dar-lhe e que, depois, verei se é oportuno dar­-lhe ou simplesmente mencionar).  Ternos o caso das bodas de Caná.  Esclarecer o significado da contraposição água­-vinho é fundamental para começar a entender algo do milagre e o que João quer dizer-nos.  O ouvinte ordinário desconhece a ampla simbologia da água na Bíblia; mas bastará uma simples insinuação para que em cada caso possa ‘captar o significado.

8)  Para relativizar meus pontos de vista, para os enriquecer e sistematizá-los convém recorrer sempre a um comentário exegético (na prática a um bom livro de preparação homilética) depois de eu ter colocado minha parte, não antes.  Em exegese e em homilética a origina lidade e a criatividade são importantes e se adquirem àforça de exercício e de estudo pessoal.

9)  É preciso também distinguir em certos textos entre a mensagem principal e outras mensagens submensagens ou alusões vitais inseridas na riqueza do texto, e que podem dar ocasião a diversas variantes homiléticas, mas que, ao menos em princípio, não vão constituir o centro da homilia, pois não são o centro da mensagem.  Por exemplo, no caso do filho pródigo, a falsa liberdade, a vida do pecador, os passos da conversão, o farisaísmo do irmão maior etc.

10)Por fim, é preciso levar em consideração que, em última análise, o que interessa não é a letra, mas o espírito; não a erudição e o aparato exegético, mas o conteúdo da exegese; não a solução de tal ponto obscuro do texto (por mais conveniente que seja esclarecê-lo), mas a interpretação da mensagem principal.

Inutilmente o pregador tratará de fazer uma homilia correta, enquanto não souber o que o texto quer dizer ou (mesmo correndo o perigo de sermos pesados) o que nos quer dizer o Espírito Santo através do texto.  Desde que o pregador o conheça ou, ao menos, desde que a mensagem lhe seja mais clara, o pregador pode ver a maneira de aplicá-la à vida dos ouvintes (B) e à cele­bração (C).

b) ELEMENTO VITAL

É outro elemento que se deve considerar.  Outro, não o segundo necessariamente, pois a ordem dos ele­mentos (vida, liturgia) é secundária uma vez conhecido o elemento fundamental da exegese.

O Decreto sobre o ministério dos presbíteros do Concílio Vaticano II assim se exprime a propósito da pregação no n. 4:

«…A pregação sacerdotal – não raro dificílima, nas circunstâncias hodiernas do mundo, se se deseja mover eficazmente as mentes dos ouvintes – não deve expor apenas de modo geral e abstrato a palavra de Deus, mas sim aplicando às circunstâncias concretas da vida a verdade perene do Evangelho».

Nem mais nem menos.

A Bíblia é luz da vida, mas não na forma em que o entendem alguns pregadores: não é uma mensagem abstrata e nas nuvens para um público que, por obra de encantamento, é desligado por alguns minutos de sua vida ordinária para viver sua “vida espiritual”; a Sagrada Escritura também não é um manual de receitas morais nem políticas; mais do que normas concretas e originais, o que a Bíblia apresenta é uma atitude frente à vida.  A ética cristã se distingue não tanto por suas normas originais (são menos do que imaginamos, se nos aprofundarmos na história das religiões), quanto por sua motivação.  A ética cristã é uma ética de resposta, de agradecimento, de ação de graças e de liberdade; é a ética dos filhos de Deus, libertados do pecado e da lei e, por isso mes­mo, escravos do Espírito…

Tudo isso deve levar o pregador a pensar antes de fazer aplicações práticas.  Deve sobretudo levá-lo a refle­tir para ver que estilo emprega em suas aplicações mo­rais (estilo moralizante, estilo fundamentalista, estilo ca­suísta, estilo politizado ou antes estilo profético, estilo iluminador, estilo interrogante e de busca).

A Palavra, corno espada de dois gumes, continua hoje interpelando, iluminando, julgando, apresentando ati­tudes evangélicas profundas (como o Sermão da Mon­tanha), dizendo-nos o que é ser, hoje e aqui, cristão. Pouco avançamos apresentando soluções para tudo, recei­tas para tudo, visto que o quid da questão ou do proble­ma não é a solução ou a receita, mas a luz e a força necessárias para pôr hoje em prática o evangelho.  Pouco avançamos (e queira Deus que não retrocedamos), se não conseguimos apresentar o evangelho como moral de filhos e não como pura lei, se não conseguimos entu­siasmar o público com a figura do Pai manifestada em Cristo e por Cristo.

A Palavra deve ressoar nas palavras do homiliasta com gozo e como juízo.  Deve ser dirigida não somente à vida individual, mas também à vida social; não somen­te à vida social, mas também à pessoal.  Deve ser crítica não só frente aos males da sociedade, mas também frente aos males da Igreja, se não quiser pregar uma conversão farisaica.  Deve ter uma dimensão política como a própria liturgia, mas sem fazer política e evitando converter o púlpito numa palestra de demagogia.  Em última análise, deve relativizar todo fato humano, qualquer que ele seja, frente ao projeto de Deus que não é utopia ilusória, mas promessa e esperança que a liturgia já nos permite celebrar e festejar.

A amargura, o pessimismo, o grito histórico, o ataque desapiedado não só são frutos do desconhecimento da moral evangélica, mas chegam até a mergulhar a assem­bléia, que celebra a libertação definitiva em Cristo, num pessimismo alheio à liturgia que sempre (mesmo nas pio­res circunstâncias políticas e sociais) celebra a libertação que vem de Deus.

Mas, como se relaciona a exegese com a vida?  Aqui estão algumas indicações que podem ajudar:

1) Quem prega deve procurar conhecer da melhor maneira o auditório (assembléia, comunidade), seu estilo de vida, suas dificuldades na fé, sua vivência cristã, seu mundo político e social, suas esperanças ou ideais e seu nível cultural.  O pregador que sem dificuldade prega diante de qualquer público, por mais estranho e hetero­gêneo que seja, é um pregador que dificilmente chega ao coração da assembléia e ao fundo dos problemas.  Quando por necessidade alguém deve pregar a fiéis que não conhece, irremediavelmente deve fazê-lo no terreno do geral, e mesmo que possa causar impacto pela novidade, pela proximidade com que fala e pelo apreço com que se dirige à assembléia, deve ser também muito circuns­pecto naquilo que diz ou afirma.

2) O homiliasta deve ter como critério central, e poderíamos dizer único, a Palavra revelada, sem conver­tê-la numa teoria e sem levá-lo a exprimir as idéias do pregador nem os gostos do povo, ainda que isso possa provocar a popularidade do pregador.  Assim, uma situação ou solução política concreta nunca deve ser dedu­zida de uma passagem bíblica. É um abuso e um desprezo pelas legítimas divergências dentro da assembléia.  Por exemplo: por mais que o livro dos Atos apresente nos capítulos 2 e 4 uma estrutura eclesial fortemente comunitária e socializada, um pregador não pode aproveitar-se da passagem para inculcar o socialismo político, sobre­tudo em suas formas concretas que, evidentemente, dis­tam muito do modelo eclesial e quase estilizado que o autor dos Atos, Lucas, quer apresentar.  Pode-se, em vez disso, recomendar um espírito mais comunitário e socia­lizado e menos individualista nos ouvintes.  Mas se o pregador não pode deduzir do texto bíblico uma aplicação política muito concreta, pode sem dúvida deduzir do texto bíblico, em muitas ocasiões, uma crítica con­creta a um projeto ou situação política menos cristã ou antievangélica.  A Bíblia não oferece modelos políticos, mas critica todo modelo político.

3)  É preciso evitar o excessivo afã moralizante (ata­que aos costumes …) que nunca produziu grandes mu­danças, sobretudo se desce a detalhes. Às vezes convirá insistir mais nas conseqüências que derivam da Escritura para a fé do que nas conseqüências que derivam para a moral.  Assim, por exemplo, tomar o martírio de João Batista (Mc 6,17-29) para fazer uma crítica dos bailes de nossos dias, não pode produzir grandes efeitos (além do mais, o pregador é um mau experimentador e conhecedor dos bailes atuais e passados, de modo geral…). Faria melhor se apresentasse a figura profética de João frente à venalidade e espírito antievangélico dos mundanos.

4)  É preciso iluminar situações gerais, urgentes ou graves à luz do evangelho; também atitudes concretas, mas suficientemente gerais da assembléia; sem descer ao caso demasiadamente concreto, sem indicar com o dedo as pessoas, mas também sem diluir a pregação profética em generalidades, componendas e compromissos.  O pre­gador não pode, por exemplo, esquecer que está falando a um público com uma circunstância política concreta.

5)  Extrair deduções para a vida de detalhes insig­nificantes do texto escriturístico é um erro.  Não se devem confundir os detalhes de certas parábolas, o ambiente social de certos textos etc., com os aspectos fundamentais da passagem.  Os detalhes, embora estejam dentro do contexto inspirado, não têm por que ser parte da men­sagem.  Construir sobre minúcias é construir sobre areia. Um pregador tirava da parábola do filho pródigo o fato de que o filho pródigo não tinha mãe; se tivesse mãe… e daí passava à importância das mães e da Virgem Maria. É simplesmente abusar do texto e sair pura e simplesmente do comentário homilético e escriturístico.  Se um prega­dor quer falar das mães ou da Virgem Maria, que o faça no momento devido, mas que escolha os textos ade­quados para tais casos.  O que acontece é que quere­mos que o texto escriturístico que devemos comentar (poucas vezes se escolhe) diga o que nós queremos dizer ao povo e não o que Deus nos quer dizer.

6)  É completamente legítimo aproveitar o parale­lismo entre as situações vitais que encontramos na Bíblia e as que a sociedade moderna e a Igreja atual nos ofe­recem, por exemplo, farisaísmo, culto vazio, atitude diante da pobreza e riqueza, perigo do poder, descompasso entre culto e vida, legalismo etc.  A legitimidade vem do fato de que o homem é sempre o mesmo e porque o juízo de Deus é para todos os tempos e não somente para determinada época.  Um exemplo: é um erro de muitos pregadores falar do farisaísmo, detendo-se na atitude de alguns senhores de uns dois mil anos atrás.  Sim, aconteceu naquele tempo; mas continua acontecendo hoje (e de que maneira!) na sociedade e na Igreja.  Textos como a crítica de Jesus aos escribas e fariseus (as sete maldi­çoes de Mt 23,13-32) deveriam ser comentados com apli­cações próprias do dia de hoje e com uma autocrítica sincera, respeitosa e sadia.  Porque estes textos, se foram escritos, para nós o foram.

c) ELEMENTO LITÚRGICO

A este terceiro elemento (a ordem de apresentação é secundária) damos o nome de «litúrgico», mas podería­mos também chamá-lo «elemento celebrativo».  Com efeito, a homilia está num contexto de celebração ou, melhor, em função e dentro de uma celebração litúr­gica.  Não se faz uma homilia a propósito de uma cele­bração ou aproveitando o fato de termos os fiéis reunidos para a liturgia (embora seja a única oportunidade em que os temos!), mas com vistas à celebração e para dar maior sentido à celebração litúrgica.

Assim, pois, a homilia não está acima da liturgia, mas ao serviço da liturgia.  A homilia é uma “ancilla” da celebração.  Aqui poderíamos deter-nos a refletir sobre um ponto sintomático: o pregador (já que não o bom homiliasta) considera consciente ou subconscientemente que sua parte (a que lhe permite maior criatividade pes­soal na liturgia) é a mais importante dentro da liturgia, e assim não se importa nem se preocupa muito com prolongamentos excessivos, despachando o resto (espe­cialmente a liturgia eucarística) a toda velocidade e de forma mecânica ou mais ou menos prosaica.

Outro ponto: a única arte da liturgia que o sacer­dote costuma preparar (se é que prepara alguma coisa) é a homilia; e por isso mesmo ao resto da celebração não dá, conseqüentemente, nenhum realce, nenhuma varie­dade, criatividade nem beleza (como poderia ser a do santo apropriado, preparado, bem executado).  Ele sabe que os fiéis têm dificuldades em penetrar na liturgia da Palavra e em viver com intensidade a ação sacramental; e soluciona o problema esquivando-o: relegando o mais importante da liturgia para um segundo plano.  Com isso só consegue aumentar a dificuldade e fazer com que a mesma homilia seja cada vez mais inútil como homilia e que passe a ser um colóquio subjetivado, racionalizado ou, quando muito, um bom tipo de catequese alitúrgica.

Da mesma forma, os fiéis perdem a riqueza da cele­bração, afastam-se cada vez mais dos mistérios litúrgicos e freqüentemente também do sermão.  Assim, se a atual liturgia peca talvez por excesso de cerebralismo, de falta de sentimento, de simbolismo e de ação, o pregador acaba levando isso tudo às suas últimas conseqüências.

Não, a homilia tem uma função mistagógica, isto é, deve conduzir aos mistérios da fé (sacramentos, sacrifício eucarístico), a partir da Palavra dada e acolhida até a ação sacramental, sinal e cumprimento de tal Palavra hoje e aqui nesta assembléia concreta.

A esta função mistagógica se deu o nome de passagem ao rito, isto é, passagem da palavra ao rito, passagem do profetizado ao cumprido no sacramento ou, segundo os casos, passagem do acon­tecido ao celebrado sacramentalmente.  Palavra e rito não são duas coisas totalmente diferentes nem contrapostas, como alguns superficialmente quiseram ainda hoje fazer­-nos crer.  São os momentos de um mesmo acontecimento salvífico.  O que a Palavra anuncia, o rito o realiza (além disso, numa análise profunda chegaríamos à conclusão de que também o rito é palavra e anúncio, e a pala­vra é ação).

Mas, como fazer com que a homilia seja GONZO, DOBRADIÇA, ENTRONCAMENTO?  Como conseguir que realize dentro da estrutura litúrgica sua função CON­JUNTIVA?  Aqui estão algumas indicações:

1) Quem prepara ou pronuncia a homilia deve levar em consideração que sua homilia não pode limitar-se a explicar o texto ou os textos proclamados anteriormente nem sequer a fazer uma conjunção com a vida, e isso porque a palavra se aplica à celebração sacramental e isso como cumprimento. Mais ainda, deve ter presente que a própria liturgia da Palavra já é celebração da Aliança, mensagem atual e gozosa de Deus a seu povo e resposta deste povo a Deus pela fé, pela aclamação e pelo canto (cf.  Ne 8,1-12).  Demos um exemplo simples.  Estamos lendo no evangelho a parábola do banquete nup­cial e dos convidados ao banquete (Mt 22,1-14). É aber­rante comentar esta parábola esquecendo de relacioná-la com a celebração.  Se exegeticamente falando o banquete é figura da felicidade messiânica e os que são chamados dos caminhos são os pecadores e os pagãos (nós!), a reunião eucarística é, ao mesmo tempo, cumprimento e antecipação desta felicidade e deste chamado.  Como não vão soar com acento eucarístico frases como “vejam, meu banquete está preparado”, ou “amigo, como entras­te aqui sem traje nupcial?” Em outras palavras, Deus não só anuncia coisas, mas também as realiza e essa realização já é realidade e promessa ou penhor no sacramento.

2) Quem prepara a homilia deve ter presente que o texto é por si mesmo algumas vezes (mais do que à primeira vista parece) litúrgico-sacramental-alegorizante.  Por exemplo, muitos dos textos do evangelho de São João têm uma estrutura típica de profecia, acontecimento e sacramento.  Em outras palavras, alguns acontecimentos, discursos e milagres foram escritos a partir de uma refle­xão sacramental (sem por isso deixar de serem históricos).  Um exemplo: O relato do discurso dos pães (Jo 6,22-71) pode ser lido a partir de três perspectivas: como anúncio da eucaristia, como acontecimento histórico da presença de Jesus pão de vida (recorde-se o relato da multipli­cação dos pães) e como reflexão sacramental feita por João e a partir da Igreja (tomando as palavras de Jesus). O mesmo se diga da cura do cego de nascimento, onde se encontra uma reflexão eclesial sobre o batismo.

3) Os textos bíblicos podem ressoar de diferente maneira segundo a celebração litúrgica, festa ou tempo do ano litúrgico.  O texto contém em muitos casos dife­rentes virtualidades já que, além de sua riqueza, não é somente texto escrito, mas também Palavra viva, acon­tecimento sempre novo.  Assim, o texto como o das Bodas de Caná permite diferentes aplicações litúrgicas, segundo seja lido num domingo ordinário, na Páscoa, num casa­mento ou numa festividade da Virgem Maria.  O mesmo se diga da parábola do filho pródigo, dependendo de ser lida e comentada numa celebração eucarística ou numa celebração da penitência.  Em cada caso o acento variará e as aplicações litúrgicas (e vitais) terão um colorido e matiz diferentes.

4) Convém estarmos atentos para a possível rela­ção entre o texto lido e as atitudes, os gestos e as pala­vras da mesma celebração litúrgica (p. ex. esperança e aclamação “Vem, Senhor Jesus”; atitude de louvor e prefácio eucarístico; reconciliação e abraço de paz; gene­rosidade e oferenda eucarística etc.). Esta conexão pode ser aplicada especialmente quando há dificuldade de encon­trar uma relação mais apropriada; tem a qualidade de dar novidade e sentido a elementos litúrgicos pouco explicados, assim como de libertar a assembléia litúrgica de um certo automatismo ou rotina impossíveis de eli­minar completamente.  Quando a homilia emprega este recurso, uma admoestação em seu lugar adequado poderá recordar que tal gesto ou oração litúrgica estão relacio­nados com a Palavra de Deus.

Tomemos o caso em que no Advento se leia um texto referente à escatologia e, por qualquer motivo, aquele que prepara a homilia sinta dificuldade em encon­trar a aplicação à liturgia.  Ainda é possível que na lei­tura descubra uma palavra ou frase de esperança (p. ex., “vigiai, pois o Senhor vem”).  Um olhar atento para o ordinário da missa lhe recordará que cada dia dizemos na aclamação eucarística: “Vem, Senhor Jesus”; que na comunhão Jesus vem; um olhar atento lhe recordará que o presidente sempre saúda com um desejo: “O Senhor esteja convosco”.  Nesta homilia pode-se sublinhar se espe­ramos o Senhor; se ao recebê-lo suspiramos com o desejo de contemplá-lo na glória; se nos preocupamos em estar com o Senhor ou se cremos que o possuímos, que o controlamos, que o podemos dominar… Em tal missa será necessário sublinhar o texto ou ação que tivermos esco­lhido e comentado na homilia.

5) É relativamente fácil ou ao menos não tão difícil encontrar conexões entre a Escritura proclamada e a celebração litúrgica nas homilias de sacramentos: os tex­tos escolhidos em tais casos costumam ter uma relação mais ou menos explícita e direta com o sacramento.  Mais difícil é, de modo geral, encontrar estas conexões no caso da eucaristia: os textos bíblicos do lecionário da mesma não podem, cada vez, estar relacionados explícita e dire­tamente com a eucaristia em seu sentido restrito (nem têm por que estar).  Mas estão relacionados com a his­tória da salvação da qual a eucaristia é o núcleo central e o centro sacramental.

Para isso (para encontrar essa relação), é necessário ampliar e refrescar nossa compreensão bíblico-dogmática da eucaristia, a fim de encontrar a conexão.  A eucaristia não tem uma só dimensão. Refere-se, por exemplo, ao êxodo pascal, à terra prometida, à libertação, à aliança, à pátria, à autodoação de Cristo, ao sacrifício pelo pecado, ao perdão dos pecados, à transformação do cosmos, à ação do Espírito Santo que une, transforma e santifica. Eucaristia é louvor perfeito, ação de graças pelas “mirabilia Dei”, memorial de Cristo e de sua páscoa, alimento sacramental, banquete dos pecadores remidos, presença do Ressuscitado na comunidade eclesial, unidade do Corpo de Cristo, viático, penhor e antecipação do Banquete do Reino, confissão de fé no Senhor, anúncio e denúncia diante do mundo etc.

São os textos que não têm relação com a eucaristiaou somos nós que não descobrimos a relação?

6) Quando, apesar de tudo o que ficou dito, nos parecer desnecessária esta relação dos textos escriturís­ticos com a celebração eucarística, façamos a seguinte reflexão: Que diríamos de um pregador que, depois das leituras próprias de uma celebração sacramental (p. ex., batismo, confirmação, matrimônio) omitisse na homilia toda referência ao sacramento que vai ser celebrado?  Sem dúvida não veríamos isso com bons olhos e considera­ríamos que há um menosprezo pela ação sacramental.  O mesmo acontece na eucaristia, embora sejamos incapazes de perceber a omissão pela rotina.

4. Como se prepara a homilia

Uma boa homilia e, a fortiori, a pregação homilética de cada domingo não se improvisa.  Poder-se-ia logica­mente falar de uma preparação gradual: geral, remota e próxima.

A preparação geral não pode ser outra senão o estudo e o aprofundamento da Sagrada Escritura, da Sagrada Liturgia, dos Santos Padres, da teologia, dos documentos da Igreja, dos problemas sociais etc.  O fato de não estar em dia é um obstáculo sério na hora de pregar.  Há quem pregue com uma bagagem cultural e teológica que cheira a ranço e os fiéis, mesmo os de cultura simples, são os primeiros a se darem conta.

A preparação remota deveria ser feita alguns dias antes.  O bom homiliasta não espera a última hora para preparar sua homilia.  Ele a vai ruminando.  Fá-la ger­minar ao contato com o travesseiro.  Esta preparação di­fusa, ao longo da semana, engloba vários pontos: a lei­tura do texto ou dos textos escriturísticos, a meditação dos mesmos durante a oração, o esboço geral dos ele­mentos exegéticos, litúrgicos e vitais, a consulta tendente a eliminar certas dúvidas e dificuldades em dicionários bíblicos, como de passagem e entre uma ocupação e outra.  Esta preparação é mais importante do que parece e tem a vantagem de quase não tomar tempo.  Pode-se fazer isso nos momentos livres.

A preparação próxima (tempo dedicado a preparar a homilia) inclui vários pontos que, embora variem de pessoa para pessoa, poderiam resumir-se assim:

1) Concretizar bem os pontos ou idéias mais importantes que foram surgindo na exegese, liturgia e vida, independentemente do que se aproveitará de tudo isso no final e independentemente da maneira como se expo­rá. Preocupar-se primordialmente com a maneira como se proporá uma homilia, da forma, etc.; sem ter idéias claras é um grave erro, muito típico de principiantes.  Aquele que tem algo a dizer, o diz.  Quem nada tem a comunicar, aborrece por mais que use belas palavras. Isso não quer dizer que não se deva preparar a forma, como logo veremos.

2) Escolher uma das três leituras como núcleo refe­rencial da pregação.  Não querer comentar as três (em­bora se possa e convenha fazer alusão às três).  Geral­mente se deverá comentar o Evangelho ou – por que não? – a leitura do Apóstolo.  Conviria ter um plano para vários domingos, sobretudo se se comenta a segunda leitura, a do Apóstolo.  Isso é muito frutuoso, mas supõe uma assembléia relativamente estável e, é claro, um mes­mo pregador.  Quem escolhe sempre o mais fácil (com a desculpa da falta de tempo ou da simplicidade de seus ouvintes) é aquele que nunca diz nada de novo e abor­rece seus ouvintes.  O povo é mais capaz do que pensa­mos, desde que lhe preparemos bem o manjar, sem pro­vocar indigestões.

3) Das várias mensagens, idéias ou temas encontrados na exegese convém escolher UMA E SOMENTE UMA. Não se deve sair deste ponto escolhido, mas sim desenvolvê-lo.  O público não suporta mais do que um ponto e, além disso, querer dar vários pontos complica a homilia e prolonga-se indevidamente.

4) Uma vez escolhido e desenvolvido um ponto exegético, busca-se uma aplicação à vida e uma apli­cação à liturgia.  O pregador deve poder sintetizar isso em três frases. (Por exemplo, nas bodas de Caná comen­tadas para o sacramento do matrimônio, os três pontos poderiam ser os seguintes: Cristo esteve presente numa festa; agora está presente também aqui; e estará pre­sente ao longo de nossa vida.  Com isso temos o esque­leto da homilia; será necessário revesti-lo de carne; mas o esqueleto é o que dá consistência.

Conheço pregadores que em lugar de ter um esque­ma claro daquilo que vão dizer, começam a divagar de tal modo que, mais do que uma exposição, sua homilia se assemelha a um exercício de associação de idéias (de  Jesus se passa a Maria, de Maria ao mês do rosário, mês de outubro ao mês de novembro em que se inicia um plano de pastoral, do plano de pastoral se passa a uma crítica dos sacerdotes que não o porão em prática; continua-se falando da obediência e da obediência passa­-se aos teólogos desobedientes; este último ponto dá pé a que se fale da limitação da inteligência humana frente à imensidade do universo e grandeza das estrelas…). É algo deplorável que condena uma homilia e uma cele­bração ao tédio e à rejeição dos ouvintes.

5) Em princípio é melhor que não apareça o esque­ma tripartido da exegese, liturgia e vida; em todo caso, o público não deve notá-lo. Já vimos que se trata de elementos e não de partes da homilia.  Seguir sempre este esquema eliminaria a originalidade e converteria a homilia numa peça oratória excessivamente racional e fria.  A homilia, não o esqueçamos, é mistagógica e é simples quanto à sua construção e exposição.

6) Quanto à forma de apresentação, o mais impor­tante é encontrar um ponto sugestivo, estruturante e aglutinador que centralize a exposição. É possível encontrá-lo em:

uma palavra chave (a “totalidade” na oferenda a Deus, no evangelho da esmola da viúva: não o muito nem o pouco, mas o todo, frente à parte, frente ao que sobra etc.);

uma frase (“não têm vinho”; “somente entre os seus é desprezado um profeta”; “queremos ver Jesus” etc.);

um exemplo atual (insensibilidade de muitos motoristas e transeuntes diante de uma pessoa atropelada, no caso do Bom Samaritano);

uma pergunta feita aos ouvintes (“que pretendia Za­queu ao subir na árvore?”, especialmente no caso de um grupo infantil);

uma atitude de vida (fé, desconfiança, agradecimento, conversão);

uma interrogação (somos cristãos de nome? que é ser cristão hoje? será que somos inimigos da cruz de Cristo?  Note-se que esta interrogação não tem por que ser respondida e que pode ser repetida em forma de leitmotiv ao longo da homilia);

uma preocupação do pastor (real, mas sem cair em subjetivismo: “Muitas vezes me perguntei e poderíamos perguntar-nos…”)

Estes são alguns exemplos.  Ao longo da homilia é preciso      ser coerente com este ponto central, sem sair dele.

7) Alguns gostam de ter um resumo escrito com esquema geral daquilo que vão dizer. É uma ajuda para a memória.  Deve ser simples e legível à primeira vista.  Levar um sermão escrito em longos parágrafos se não se vai ler a homilia-coisa desaconselhável na maioria dos ambientes-não costuma ser prático nem eficaz no terreno real.  A experiência indica que somente o escrito em forma esquemática e pela própria pessoa tem real utilidade no momento da pregação.

5. Como se expõe uma homilia

Ainda que a maneira de pregar uma homilia só se aprenda na prática oratória, algumas indicações podem ajudar:

1) Por tratar-se de uma conversa familiar, espiri­tual, comentadora e exortativa, deve primar pela simpli­cidade, sinceridade, clareza, comunicação e certa unção.  Em nossos dias, dificilmente se aceita o pregador que diz coisas esotéricas à massa ou numa linguagem rebus­cada ou num tom grandiloqüente.  O pregador deve buscar e encontrar um estilo mais pastoral e funcional dentro de um modo de ser e de expressar-se.  Por isso mesmo também deve colocar-se perto das pessoas e procurar que o emprego do microfone (ou, em sua ausência, a eleva­ção da voz) não rompa o estilo simples e coloquial.

2) É preciso tratar de pregar não a um público, mas a si mesmo dentro de um público, ou melhor, den­tro de uma assembléia da qual alguém faz parte. É mis­ter falar com as pessoas e não diante das pessoas.  Não basta a “simpatia”, mas é necessária também a “empatia”.  O tom que se adota é de grande importância; deve ser moderado, íntimo.  Ninguém diz a si mesmo coisas aos gritos ou autoritariamente.  Quando, por um motivo ou por outro, é preciso gritar, é difícil dar a impressão de empatia.  O microfone bem usado é de grande impor­tância.  Deve-se evitar o tom clerical, doutoral e conseguir um tom de discípulo (discípulo da Palavra), de ami­go, de irmão (ainda que alguém ocupe uma posição ecle­siástica importante ou talvez por isso mesmo).

3) Falar com o público não significa necessaria­mente introduzir um diálogo ou intervenções que em certos ambientes, especialmente grandes ou de gente não acostumada a isso, podem até parecer forçados.  Certa­mente, deve haver comunicação, mas não necessariamente por palavras de ambos os lados (embora não se exclua de todo esta reciprocidade, como logo diremos).  Conse­gue-se a comunicação quando não se dá a impressão de falar “ex cathedra”, mas coloquialmente com irmãos e amigos.  Em termos de comunicação poder-se-ia exprimir assim: “É preciso falar em público, a partir do público e fazendo parte do público e de seu mundo”.

4) Não se deve renunciar, apesar do que foi dito anteriormente, a ser original, novo, atraente, impactante, questionador e interrogador.  Estas qualidades oratórias podem fazer com que nossas maçantes homilias desper­tem mais interesse para o povo.  E por isso mesmo o pre­gador deve cultivá-las, sem fazer delas o centro, pois o central é o que se comunica.  Não é fácil a originalidade e a novidade.  Parecemos cansados ao pregar e pregamos uma mensagem velha, por mais que preguemos a Boa ­Notícia e a Novidade radical que é Cristo.  Saber encontrar a novidade do fundo nos ajudará a encontrar a originalidade na forma.

5) É preciso fazer-se ouvir e entender (é necessário dizê-lo? Parece que sim). Uma elevada porcentagem de pregadores não se deixam entender.  Suas palavras se per­dem no ruído de uma sonorização deficiente, pelo mau uso do microfone, pela má vocalização, pela afluência de crianças em tenra idade ou pelo ruído da rua (não há motivo para que as portas fiquem abertas a não ser antes e depois da celebração litúrgica). É preciso ter presente tudo isso na hora de pregar, do contrário podemos estar pregando em vão.  Por outro lado, o lugar da pregação sera aquele onde o pregador for visto melhor. Mas é preciso procurar que a sede da palavra, o púlpito, tenha estas características.

6) A homilia não deve ser longa.  Não deve cansar o auditório e, por isso mesmo, nunca deveria passar de dez minutos aproximadamente, embora sendo mais curta, desde que substanciosa, os fiéis até agradecerão. É claro que nisto a norma não pode ser taxativa: há pregadores que cansam o auditório já no primeiro minuto, ao passo que outros conseguem manter a assem­bléia atenta por uns bons 15 minutos.  Mas mesmo assim é preciso lembrar que a homilia é parte de um todo e que é melhor deixar tempo abundante para a liturgia da pala­vra e a liturgia eucarística (ambas exigem tempo para os cânticos, as monições, a oração e os silêncios).  Na prática vemos que a introdução do princípio da missa (onde se acumulam muitos cânticos) e a homilia ocupam uma parte excessiva do tempo com prejuízo das partes principais da celebração.

7) Uma forma de comprovar a atenção dos fiéis é dar-se conta se durante as pausas da pregação há silêncio na Igreja.  Para isso é preciso olhar para todo o audi­tório e não pregar somente para os que estão na primeira fila, aos que estão de um lado ou simplesmente sem olhar.  Se não há silêncio provavelmente é porque o sermão não interessa… é preciso corrigir rapidamente o rumo e , não persistir na forma começada.  Se o sermão tiver sido inte­ressante para a assembléia, esta será capaz de guardar alguns minutos de silêncio reflexivo depois da homilia.  Em nossa liturgia da palavra e em nossa liturgia euca­rística faltam momentos de silêncio, não porque não estejam indicados nas rubricas, mas porque na prática não são observados.

8) O pregador deve produzir o sermão à medida que vai falando: modifica-o, constrói-o, reflete com o auditório, comporta-se como se fosse um deles, pergunta como pastor, compreende, admoesta, coloca-se na posição do estranho (o homem da rua, o não-crente), ques­tiona-se como um simples cristão.  Evita falar “tamquam auctoritatem habens” por mais que a tenha… Tudo isso exige uma atitude especial, indizível, que só a presença do auditório e a compenetração com ele pode criar.

9) O princípio e sobretudo o fim da homilia devem ser bem preparados. É preciso evitar os inícios demasia­damente batidos (frases estereotipadas, benzer-se cada vez: por que fazer o sinal da cruz se já foi feito no início da missa?  Não dá a impressão de que se vai começar um sermão clássico de missões, destes que não tinham outro jeito de deslanchar por ser o princípio da reunião?) Quanto ao final, uma aterrissagem segura, sem ir divagando ou, para continuar a metáfora, sem andar planando durante vários minutos em busca da pista (coisa bastante desagradável para todos), é de grande impacto. Às vezes uma interrogação sem resposta, urna pergunta que convide à reflexão é melhor do que algu­mas frases demasiadamente arredondadas.

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DV 2.

DV 5.

Para toda essa parte cf. Ramos, J. A., Teología pastoral, BAC, Madrid  1995.

Jo 1,12.

Hb 1,1

Cf. Durrwell, F.X., La presencia de Jesucristo en la predicación, em Rahner, K – Häring, B., Palabra en el mundo (Salamanca  1972), 31-46.

Z. Alszeghy-M.Flick, Il problema teologico della predicazione, «Gregorianum», 1959, p. 742.

K. Rahner, La salvezza nella Chiesa, Roma-Brescia  1986, p.116.

D. Ruiz Bueno, Padres apologistas griegos, BAC, Madrid  1954

SC 2, 6 e 7.

Cf. R. Bohren, Predigtlehre, Munique, 1980,p. 82; A. Schwarz, Praxis und Predigtlehre, Viena, 1986, p. 50.

Cf. J. Rothermundt, Der Heiliege Geist  und die Rhetorik, Güterslh, 1985, p. 45. L. Maldonado, La comunidad cristiana, p.15-40.

Cf. CIC, cânon. 767.

K. H. Biertiz-Ch.  Bunners, Handbuch der Predigt, Berlim  1990, p. 100-135.

Para esta parte: MOESCH,O., O anúncio da Palavra de Deus. Reflexões sobre a teologia pastoral da pregação. Petrópolis: Vozes, 1980.

Cf. Evangelium nuntiandi, n. 41.

Idem, n. 79.

Cf. EN, 43.

Para toda esta parte estaremos utilizando as reflexões do Departamento de Liturgia do CELAM, Homilia, São Paulo: Paulinas, 1983, p. 13-55.

Sobre o lugar onde se deve proferir a homilia assim diz a Instr. Geral do Missal Romano no n.136: «O sacerdote, de pé junto à cadeira ou no próprio ambão, ou ainda, se for oportuno, em outro lugar adequado, profere a homilia; ao terminar, pode-se observar um tempo de silêncio».

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